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As organizações criminosas e seus reflexos na democracia

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19/09/2010 às 11:39

Resumo:


  • É apresentado um estudo sobre o Estado de direito e suas fragilidades diante do crime organizado, apontando os prejuízos sociais e a interferência no Estado democrático.

  • São abordadas as modalidades do crime organizado, como tráfico de drogas e armas, lavagem de dinheiro, corrupção, e a necessidade de um combate efetivo por meio da ordem jurídica.

  • Destaca-se a importância da atuação das instituições estatais, como a polícia, o Ministério Público e o Poder Judiciário, no combate ao crime organizado, visando garantir a prevalência do Estado democrático e a proteção dos direitos dos cidadãos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Sumário: 1. Introdução; 2. Estado democrático e o crime organizado. 2.1 Modalidades do crime organizado. 3. Interferência do crime organizado no Estado de direito. 3.1. Crime organizado e o enfraquecimento do Estado. 4. Prejuízos sociais. 5. Pela permanência do Estado democrático: ordem jurídica no combate ao crime organizado. 5.1. Posicionamento doutrinário e jurisprudencial. 6. Síntese conclusiva. 7. Bibliografia.

RESUMO: Pretende-se com o presente trabalho apresentar as características formais do Estado de direito e suas fragilidades em vista à atuação das organizações criminosas, apontando fatos que comprometem o verdadeiro sentido do regime político na forma democrática. Em seguida, avaliam-se os prejuízos ocasionados aos cidadãos e ao próprio Estado, enquanto vítimas dessas modalidades criminosas. E, ainda, neste artigo, procura-se apontar o modus operandi e o combate a essas organizações sob a ótica das normas jurídicas vigentes, aí considerando os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, de modo a garantir a prevalência do Estado de direito. Ao final, abordam-se os pontos negativos e positivos, relativamente à atuação das instituições estatais empenhadas no combate ao crime, sem, contudo, esgotar o tema, haja vista a diversidade dessas organizações e suas nuances, as quais interferem, sobremaneira, na atuação do Estado democrático.

Palavras-chaves: Democracia, crime organizado, estado de direito.

ABSTRACT: It is intended with the present work to present the formal characteristics of the Rule of law and its fragilities in sight to the performance of the criminal organizations, pointing facts that compromise true sensible of the regimen the politician in the democratic form. After that, the damages caused to the citizens and the proper State are evaluated, while victims of these criminal modalities. E, still, in this article, is looked to point the way operandi and the combat to these organizations under the optics of the effective rules of law, there considering the doctrinal and jurisprudenciais positionings, in order to guarantee the prevalence of the Rule of law. To the end, the points are approached negative and positive, relatively to the performance of the pledged state institutions in the combat to the crime, without, however, to deplete the subject, has seen the diversity of these organizations and its nuances, which intervenes, excessively, in the performance of the democratic State.

Word-key: Democracy, organized crime, rule of law.


1. Introdução

Inicialmente cumpre-nos apontar os aspectos formais e específicos do Estado democrático, para, em seguida, descrevermos as formas de atuação das organizações criminosas que comprometem a própria existência do Estado de direito.

Para tanto, dada a relevância dos fundamentos da democracia, apontados por Bobbio [01], que identifica, na visão tecnocrática de um lado e na postura indiferente, do outro, duas situações adversas à democracia. A primeira teimava em reduzi-la apenas a um ritual mecânico de sucessivas eleições, enquanto que a outra, ao dizer que podia ser eleito qualquer um, tanto faz, a desqualificava. De modo geral, pode-se dizer que, para Bobbio [02] (1986: 36-37), a democracia tinha como fundamentos:

- estar sempre em transformação. O seu estado natural é a dinâmica, enquanto que no despotismo predomina a estática, sempre igual a si mesmo;

- o direito e o poder são duas faces da mesma moeda. Somente o poder cria o direito, e só ao direito cabe limitar o poder;

- o centro da atenção da democracia repousa numa concepção individualista da sociedade. Ela somente se desenvolve onde os direitos de liberdade têm sido reconhecidos por uma constituição;

- trata-se de um conjunto de regras que estabelece quem está autorizado a tomar decisões coletivas e quais são os seus procedimentos;

- baseia-se na regra de que a democracia é o regime da maioria e que o Estado Liberal é o suposto histórico-jurídico do Estado Democrático;

- é um regime que define o bom governo como aquele que age em função do bem comum e não do seu exclusivo interesse, e se move através de leis estabelecidas, claras para todas, e não por determinações arbitrárias;

- considera um governo excessivamente paternal (imperium paternale) como negativo insistindo que a democracia é um governo de leis por excelência.

Acolhendo esses fundamentos, o estado democrático surge com o propósito de garantir as liberdades individuais e coletivas, visando a prevalência dos direitos civis, a segurança, a propriedade privada, enfim, o exercício dos direitos garantidos pela ordem estatal por meio da Constituição.

Todavia, a emergência desses direitos, somente adveio por meio de longo processo histórico que bem pode ser definido pela conhecida expressão "a luta pelos direitos", como nos ensinou Rodolfo van Ihering [03], sobrevindo pela emergência da doutrina dos direitos do homem, do cidadão, etc., como produto da história moderna.

Surgiu, pois, com as revoluções liberais do século XVIII, graças ao engajamento dos pensadores iluministas como Locke, Montesquieu, Voltaire, e J.J. Rousseau. No entanto, a sua universalização somente conquistou notoriedade com a aprovação da Declaração dos Direitos Universais do Homem e do Cidadão, em 1948, na Assembleia Geral da ONU.

Se numa primeira fase os direitos foram concebidos pelos teóricos jusnaturalistas modernos, o homem tem direitos por natureza e ninguém, muito menos o Estado, pode subtraí-los ou aliená-los. De outra banda, a transição da teoria à pratica deu-se graças as revoluções liberais de 1776 e 1789. Com a declaração de 1948 a política dos direitos humanos passou a ser estendida ao mundo inteiro.

Nesse longo percurso, os direitos humanos deixaram de ser aplicados somente em determinadas pólis, nos estados-nacionais que os aprovaram a exemplo dos Estados Unidos, França, Itália, etc., e passaram a ser difundidos por todos os países integrantes do planeta como um todo.

No entanto, graças às mobilidades sociais, ocorrem as modificações dos direitos, enquanto possibilidade ofertada pelo regime democrático, a exemplo do que se verifica em determinado momento histórico em que os jusnaturalistas procuraram fixar uma universalidade abstrata dos direitos (direito à vida, à liberdade, à propriedade), gradativamente, no transcorrer dos dois últimos séculos, verificou-se a incorporação de novos direitos (ao trabalho, à educação, à organização sindical e partidária). Subdividindo-se, contemporaneamente, nos direitos da mulher, da criança e do idoso. Neste espaço de tempo os defensores dos direitos, para se afirmarem, tiveram que enfrentar os poderes religiosos (a resistência das igrejas), os poderes políticos (resultantes do estado de conquista) e, por fim, o poder econômico (o peso do capital).

Uma distinção chama a atenção: na luta pela conquista da primeira geração dos direitos – sob a égide da ideologia liberal - o indivíduo posicionava-se contra o estado (absolutista). Na segunda geração, a dos chamados direitos sociais – sob influência do socialismo -, o estado (preferivelmente democrático) é visto como aquele que irá garantir as conquistas alcançadas, evitando que o poder econômico as revogue.

Notório que os direitos, por serem históricos, jamais serão os mesmos e nunca serão estáticos. Cada época formula um conjunto deles para serem atingidos por novos grupos sociais, sexuais ou étnicos, que a cada instante solicitam que suas demandas sejam atendidas e incorporadas no corpo geral dos direitos. Esses grupos, agindo como se fossem ondas, alcançam as nações mais distantes e afastadas. Vivemos, pois, no que Bobbio [04] (1986: 57) chamou de a Era dos Direitos, uma longa caminhada da humanidade em direção a maior liberdade e maior igualdade possível.

De outra parte, também em decorrência do processo histórico e das formas de organização social, política e econômica, surgem as organizações criminosas que, dada a fragilidade das instituições integrantes do aparelho estatal, encontram terreno fértil para a prática de crimes com amplo reflexo social e que, em certos casos, o Estado, por ação ou omissão, não consegue combater essas práticas delituosas, comprometendo a sua própria existência.

Com essa contextualização procuramos, a seguir, apresentar a atuação do Estado no combate ao crime organizado, sem que haja a perda de seu caráter, isto é, mantendo as linhas mestras caracterizadoras do Estado democrático, retratando os prejuízos sociais decorrentes da atuação das organizações criminosas, assim como o regime jurídico, doutrina e jurisprudências, norteadores do combate às facções criminosas, para ao final apontar os aspectos conclusivos do presente trabalho.


2. Estado democrático e o crime organizado

A Constituição brasileira, no tocante à proteção do Estado e os indivíduos, representa esforço notável no sentido de regulamentar, com nitidez, os dois elementos da noção de cidadania, quais sejam: a proteção dos direitos e liberdades individuais frente às ameaças a eles representadas pela força e poder das instituições do Estado - o âmbito do controle do uso dos meios de violência na produção da ordem social - e a proteção da vida e da propriedade dos cidadãos ameaçadas pela predição criminosa - o âmbito da eficiência no controle social.

Essas garantias, inerentes ao Estado moderno, decorrem da transformação do estado absoluto em estado de direito que, segundo Bobbio [05], (1986:103), só se viabiliza

Se o poder visível nunca for capaz de se livrar completamente ou de anular o poder invisível, "o tema mais interessante, com o qual é possível realmente colocar à prova a capacidade do poder visível de debelar o poder invisível, é o da publicidade dos atos do poder que representa o verdadeiro momento da reviravolta na transformação do estado moderno que passa do estado absoluto a estado de direito.

Portanto, o estado de direito baseia-se na publicidade de suas ações, de forma a garantir aos seus cidadãos o conhecimento da atuação do estado e, consequentemente, conquistar a confiança de todos de modo a preservar as garantias asseguradas pelo regime democrático, que, segundo Lafer [06], (1994:234):

a democracia se baseia no princípio da confiança e da boa-fé, e não do medo, ela sucumbe quando a esfera do público perde transparência e se vê permeada pelo segredo e pela mentira, que é o que ocorre quando a palavra esconde e engana, ao invés de revelar, conforme determina o princípio ético da veracidade.

Assim, quando o(s) representante(s) do estado democrático esconde(m) seus atos, engana, camufla a realidade, impedindo de chegar ao conhecimento público àquilo que de fato deveria se revelar, mas não os revela, justamente porque em razão desses atos eles obtêm vantagens ilegais, surgindo, daí, uma das práticas criminosas comumente chamadas de corrupção.

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A propósito, havendo corrupção, às vezes tolerada pelo corpo social, até determinado ponto. Todavia, levada ao conhecimento público, a corrupção deixa de ser vista como uma ilegalidade tolerada e começa a ocupar sua dimensão como crime, ligado a outros crimes.

Dessa feita, no estado democrático os Partidos políticos e movimentos sociais reivindicam radicalmente o princípio da transparência, da publicidade, da visibilidade do poder público, da participação na gestão da coisa pública. A invenção das novas formas e conteúdos da ação política aparece como um antídoto eficiente contra os crimes praticados pelos agentes públicos. A propósito, admite Lafer [07], (1994:233), que:

É por este motivo que, por obra do legado kantiano, no como são tomadas as decisões numa democracia, o princípio da visibilidade do poder é constitutivo, pois permite a informação sem a qual todos não podem formar uma opinião apropriada sobre a gestão da coisa comum, para, desta maneira, exercer seu poder de participação e controle.

Malgrado esse entendimento, a considerar que a corrupção varia segundo o momento e as concepções vigentes em cada sociedade, o que se revela especialmente interessante é porque, seguindo a proposta de José de Souza Martins [08] (1994: 35), determinados conjuntos de práticas começam, em determinado momento, a ser reiteradamente questionados são

condutas e práticas que, nos episódios recentes, foram incluídos no conceito de corrupção têm ocorrido, na sociedade brasileira, ao longo de sua história, sem causar estranheza, indignação ou repulsa política. A questão, portanto, que a situação atual oferece à reflexão sociológica, é a de buscar explicação para a mudança de concepção havida, o que mudou no Brasil que levou a sociedade a classificar negativamente o que até há pouco aparecia interpretado pelo senso comum na perspectiva de valores positivos.

Por isso é que, a corrupção, agrupando uma série de práticas, situadas de forma privilegiada no âmbito político e administrativo, que, se não são consideradas como valores positivos, são vistas como toleráveis ou como inevitáveis, próprias da única forma possível de governar ou de administrar.

Estas ilegalidades conquistadas de forma estatutária (privilégios e isenções para as camadas sociais altas), pela inobservância geral e maciça, pelo desuso progressivo, pelo consentimento e modo do poder, pela negligência ou pela impossibilidade efetiva de impor a lei e reprimir os infratores. Daí abe-se, margens de tolerância conquistadas pela força e pela obstinação, claramente delimitadas de acordo com o estrato social.

As ilegalidades toleradas funcionariam nos interstícios das leis, apresentando uma heterogeneidade de modalidades, encaixando-se no jogo das tensões entre os ordenamentos legais, as práticas e técnicas administrativas e o que cada sociedade vai reconhecendo como normal e anormal, lícito ou ilícito, legítimo ou ilegítimo.

Decorrência dessas ilegalidades, Flávia SCHILLING [09], admite que o quadro resultante refletiria as distribuições desiguais de força e poder na sociedade e levaria à constatação da existência de um pluralismo jurídico, com formas de gestão diversas que, mais do que ocorrer em confronto com as leis escritas, ocorreriam em suas brechas, a partir de seus silêncios ou suas imprecisões.

Como causas são apontadas: as novas formas de acumulação das riquezas (capital), as novas relações de produção e de estatuto jurídico da propriedade e o crescimento demográfico.

Daí advém as ilegalidades que se reestrutura com o desenvolvimento da sociedade capitalista, com a ilegalidade dos bens sendo separada da ilegalidade dos direitos. Divisão essa que correspondeu a uma oposição de classes, pois, de um lado, a ilegalidade mais acessível às classes populares será a dos bens - transferência violenta da propriedade -, enquanto que de outro lado, a burguesia, que segundo SCHILLING [10], (1984: 80):

se reservará a ilegalidade dos direitos: a possibilidade de desviar seus próprios regulamentos e suas próprias leis; de fazer funcionar todo um imenso setor da circulação econômica por um jogo que se desenrola nas margens da legislação - margens previstas por seus silêncios, ou liberadas por uma tolerância de fato

Essas ilegalidades se caracterizam pela constituição em escala nacional e até mesmo, internacional de grandes ilegalidades ligadas aos aparelhos políticos e econômicos, passando por ilegalidades financeiras, serviços de informação, tráfico de armas e drogas.

Trata-se, portanto, de uma multiplicidade de ilegalidades organizadas em torno do comércio e da indústria, com sua diversidade de natureza e de origem e seu papel específico nada mais é que a obtenção de vantagens, sobretudo o lucro.

Dessa feita, a corrupção é, conjuntamente com o crime organizado ligado, sobretudo, ao tráfico da droga e ao branqueamento do dinheiro, a grande criminalidade que Sousa Santos chama de crise do Estado-Providência e coloca os tribunais no centro de um complexo problema de controle social.

A propósito, a Organização das Nações Unidas, em seu Nono Congresso sobre Prevenção do Crime e Tratamento dos Transgressores, o Secretário Geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali fez o seguinte comentário:

os poderosos cartéis do crime estão fora do alcance das leis nacionais e internacionais (...) esses elementos criminosos se aproveitam tanto da liberalidade da nova ordem econômica internacional quanto das diferenças existentes nas leis e práticas dos países. Eles movimentam gigantescas somas de dinheiro, que usam para subornar autoridades e alguns desses impérios do crime são mais ricos do que muitas nações do mundo. (ONU, 1995:2).

Chama a nossa atenção para a dimensão do crime organizado internacional, como este se vincula com a nova ordem econômica e para as diferenças existentes entre as leis internas e as práticas dos países no comércio e relações internacionais.

Estas novas dimensões do crime organizado constituíram um poder secreto, sub-Estados, cripto-governos, um Estado dentro do próprio Estado, com enorme poder de influencia tanto na política quanto na administração, formando um substrato que ameaça profundamente o exercício da democracia e a possibilidade de um Estado de Direito, com seu exercício de poder necessariamente ligado à visibilidade e transparência.

E, nesse caso, segredo e visibilidade, os dilemas da democracia como significado do público como contraposto ao que é privado e do público como contraposto ao que é oculto. Público, também, no sentido do que, pela visibilidade, é apresentado - representado ao público - ao espectador. Portanto, são os lugares comuns de todos os discursos sobre a democracia é de que este é o governo do poder visível. Estes dois significados do público - como res publica - e do público.

Um dos princípios do Estado constitucional é o de que o caráter público das atividades públicas é a regra, com o segredo sendo a exceção, justificável apenas se limitada no tempo. Este é, portanto, um dos traços essenciais do Estado constitucional. Através do acesso aos fatos e ações do governo, criam-se as condições para que o soberano - o povo - forme sua opinião, participe e julgue. E, acrescenta Bobbio [11] (1986: 89),

Entende-se que a maior ou menor relevância da opinião pública entendida como opinião relativa aos atos públicos, isto é, aos atos próprios do poder público que é por excelência o poder exercido pelos supremos órgãos decisórios do Estado, da res publica, depende da maior ou menor oferta ao público, entendida esta como visibilidade, cognoscibilidade, acessibilidade e portanto controlabilidade dos atos de quem detém o supremo poder.

Se o poder visível nunca é capaz de se livrar completamente ou de anular o poder invisível, Bobbio [12] (1986: 103), afirma:

o tema mais interessante, com o qual é possível realmente colocar à prova a capacidade do poder visível de debelar o poder invisível, é o da publicidade dos atos do poder que, como vimos, representa o verdadeiro momento da reviravolta na transformação do estado moderno que passa do estado absoluto a estado de direito.

Logo, a mentira na política, com o poder que se oculta - o segredo de Estado - e com o poder que oculta - a mentira. Duas são as razões que justificam tradicionalmente o segredo e mentira na política: a necessidade de rapidez de toda decisão que diga respeito aos interesses do Estado e o desprezo pelo povo.

Quando o poder é invisível, pois cercado pelo segredo ou pela mentira, proliferam as histórias de conspirações e "assaltos ao poder". O contato com o público só é feito portando-se a máscara que, segundo Bobbio [13] (1986: 86),

torna-se communio opinio que quem detém o poder e deve continuamente se resguardar de inimigos externos e internos, tem o direito de mentir, mais propriamente "simular", isto é, de fazer aparecer aquilo que não existe, e de "dissimular", isto é, de não fazer aparecer aquilo que existe.

Assinala-se uma assimetria fundamental: a que existe entre governantes e governados. Se os governados devem aparecer e se mostrar em sua veracidade, os governantes escudam-se no direito de mentir sob determinadas circunstâncias.

Constatação que ocorre simultaneamente à percepção da corrupção como uma das formas do crime organizado, que questiona radicalmente os fundamentos das práticas de governo, abrindo fossos entre "o que é" e o que "deve ser" na gestão, minando a confiança na política. Neste contexto a corrupção deixa de ser vista como uma "ilegalidade tolerada" e começa a ocupar sua dimensão como crime, ligado a outros crimes.

Partidos políticos e movimentos sociais reivindicam radicalmente o princípio da transparência, da publicidade, da visibilidade do poder público, da participação na gestão da coisa pública. A invenção de novas formas e conteúdos da ação política aparece como um antídoto eficiente contra os crimes que nos preocupam. Preocupação que Lafer [14] (1994: 233), assim expressa:

É por este motivo que, por obra do legado kantiano, no como são tomadas as decisões numa democracia, o princípio da visibilidade do poder é constitutivo, pois permite a informação sem a qual todos não podem formar uma opinião apropriada sobre a gestão da coisa comum, para, desta maneira, exercer seu poder de participação e controle.

À margem dessa premissa, ocorrendo a omissão do Estado no que diz respeito a investimentos assistenciais, atendimento às demandas sociais, ocorre a perda do controle sobre a atuação dos indivíduos, abrindo margem para a sedimentação do crime, a exemplo da tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, que deveria ser considerada estratégica pelo Estado. A relevância da estratégia tem sua pertinência em face de ser essa área corredor do tráfico de drogas dos países andinos par ao Brasil.

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Sobre o autor
José James Gomes Pereira

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Curso de Formação de Oficiais pela APMPE em Paudalho, Pernambuco. Especialista em Direito Processual Penal pela Universidade Federal do Ceará. Desembargador no e. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Especialista em História Política do Piauí pela Universidade Estadual do mesmo estado. Professor Universitário. Mestre pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universida del la Museo Argentino - UMSA e Pós-Doutorando em Direito Constitucional. Università deglí Studí Messína. Itália.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, José James Gomes. As organizações criminosas e seus reflexos na democracia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2636, 19 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17431. Acesso em: 26 dez. 2024.

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