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Penas alternativas para tráfico de drogas

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O Supremo Tribunal Federal, em recente decisão tomada em sede de Habeas Corpus (HC 97256/RS) da relatoria do Min. Carlos Ayres Brito, decidiu, em apertada votação (6 a 4, com voto do presidente), que a proibição de substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos contida na Lei de Entorpecentes (Lei 11.343/06) é inconstitucional, razões pelas quais, deve o Juiz examinar cada caso concreto e decidir se permite ou não a referida substituição.

Cabe registrar que a decisão majoritária do Supremo Tribunal Federal sobre o tema não se deu em processo com efeitos erga omnes, cabendo, por enquanto, a cada Juiz avaliar o tema com base em suas convicções jurídicas. Também é importante mencionar que em nenhum momento o egrégio tribunal afirmou que devem ser aplicadas "penas alternativas" para tráfico de drogas, mas apenas que a vedação, objetivamente considerada, não pode prevalecer.

Os argumentos utilizados pela corrente vencedora são no sentido de que a Constituição Federal, no inciso XLIII do art. 5º ("a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;"), embora tenha habilitado a lei para completar a lista dos crimes hediondos, a ela impôs um limite material, qual seja, a não concessão dos benefícios da fiança, da graça e da anistia para os que incidirem em tais delitos. Assim, enfatizou-se que a própria norma constitucional cuidou de enunciar as restrições a serem impostas àqueles que venham a cometer as infrações penais adjetivadas de hediondas, não incluindo, nesse catálogo de restrições, a vedação à conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, o que impediria a referida proibição. Também utilizam como razão de decidir o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF), que, conforme alegam, não permitiria que a lei, objetivamente, retirasse das mãos do julgador do caso concreto o poder de deliberar sobre a substituição (Informativo STF n.º 579).

Por seu turno, os signatários da corrente vencida defenderam que a vedação à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos crimes de tráfico de drogas estaria de acordo com a Constituição e com a realidade social brasileira, não prejudicando a individualização justa, equânime e adequada da pena cabível nesses crimes, de acordo com o caso concreto. Asseveraram que, no ordenamento pátrio, a substituição da pena não caberia em qualquer crime, sendo esta vedada em várias situações (CP, art. 44). Salientaram que o Código Penal, ao versar sobre a substituição da pena, fixara as diretrizes a serem observadas pelo juiz no momento de sua aplicação. Consignaram, ademais, que o instituto em apreço não derivaria diretamente da garantia constitucional da individualização da pena, haja vista que o ordenamento não outorgaria ao juiz a liberdade ampla de analisar se a substituição seria possível em toda e qualquer situação concreta.

Reputou-se que a garantia da individualização da pena somente seria violada se o legislador estivesse impedido por completo de realizar a individualização judicial nos crimes hediondos em pelo menos um de seus dois momentos: o da aplicação da pena prevista na lei pelo juiz sentenciante e o da execução e cumprimento da reprimenda pelo condenado. Assinalaram, nesse sentido, que a proibição legal da substituição da pena no delito de tráfico, referir-se-ia apenas a uma diminuição da esfera de atuação judicial na cominação da reprimenda e que não se extinguiria a possibilidade de individualização judicial na fase de sua aplicação. Aduziu-se que o legislador teria legitimidade para estabelecer limites mínimos e máximos à atuação judicial, na imposição da pena em concreto, e que, por tal motivo, a lei penal poderia impor tanto as penas previstas no art. 5º, XLVI, da CF — tais como, penas privativas de liberdade e restritivas de direitos — quanto outras ali não abarcadas, à exceção das penas constitucionalmente proscritas (art. 5º, XLVII). Concluíram que a garantia da individualização da pena não constituiria impedimento a outras vedações legais e que, se abstraída em demasia, culminaria em situação na qual o legislador não poderia instituir pena alguma, competindo ao juiz individualizar a sanção penal de acordo com o seu julgamento no caso concreto dentre aquelas estabelecidas exclusivamente na Constituição (Informativo STF n.º 597).

Observa-se da robusta argumentação apresentada pelas duas correntes e do apertado placar de 6 a 4, que o tema não é pacífico, não sendo correto afirmar que a tese vencida seja equivocada ou que aqueles que a defendam não possuam conhecimento jurídico sobre o tema. É perfeitamente possível que outra composição resolva a questão de modo diverso.

O que merece registro, e é digno de pesar, é que o Supremo Tribunal Federal, sendo um órgão político, tenha se afastado dos interesses da coletividade ao tratar do tema.

Ao optar pela controversa tese que permite que sejam aplicadas penas alternativas aos pequenos traficantes, o STF retira das cadeias uma grande leva de delinquentes que, devido a sua própria astúcia em ludibriar o sistema penal, fingem ser meros usuários ou pequenos traficantes porque sabem que podem ser prejudicados quando flagrados com quantidades maiores de drogas.

Normalmente, aquele que possui pequena porção de drogas para venda, utiliza a estratégia de esconder o restante da droga em localidades próximas para não ser flagrado com grandes quantidades. Isso não quer dizer que este delito seja um fato isolado em sua vida e que vendeu apenas uma porção e que nunca mais traficará drogas. Como o tráfico de drogas é uma conduta de trato sucessivo, aquele que foi flagrado pela polícia vendendo uma única porção de droga, certamente já realizou várias outras transações sem ser preso. Além disso, a pequena porção vendida também traçou o mesmo caminho das grandes quantidades, foi produzida, transportada e fracionada até chegar ao consumidor final. Existe toda uma estrutura oculta por trás do pequeno traficante. Ele é um delinquente integrado à criminalidade. Não é comum que o pequeno traficante seja a mesma pessoa que plantou, cultivou, produziu, transformou, transportou, armazenou, fracionou e vendeu a droga. Sua conduta, ainda que pareça, à primeira vista, menos grave, é responsável pelo estímulo à grande traficância que lhe dá suporte. Não existe grande traficância sem o pequeno traficante distribuidor e vice-versa.

Estipular penas alternativas para essa situação é permitir que os pequenos traficantes retornem ao crime imediatamente. Ou alguém imagina que doar 3 cestas básicas vai convencer o traficante a nunca mais infringir a lei? As únicas consequências que a mudança poderia trazer, seriam o aumento do número de supostos "pequenos" traficantes, o crescimento da oferta de drogas e o agravamento do consumo de drogas pela população em geral. Será que é isso que a população quer? Penas alternativas para traficantes?

Não parece razoável adotar o ponto de vista exposto pelo STF e permitir que os pequenos traficantes retornem às esquinas das cidades brasileiras, agravando o problema de saúde pública que as drogas representam. Quantos jovens e famílias precisam se perder no mundo das drogas para que os Ministros do Supremo percebam a gravidade e as implicações de suas atitudes e decisões?

O Brasil vive um momento extremamente perigoso para nossa juventude (e consequentemente para o futuro de todos nós) em relação à questão das drogas. As pesquisas indicam que o consumo de drogas aqui ainda é inferior ao consumo da maioria dos países desenvolvidos [01], o que revela que o mercado ainda tem muito que crescer.

Outro fator que deve ser levado em consideração é a geopolítica das drogas. Toda a cocaína produzida no mundo vem dos andes, onde se encontram Colômbia, Peru e Bolívia e os destinatários principais da referida droga são os Estados Unidos e a Europa. Ocorre que o governo norte-americano vem implementando forte política de repressão ao tráfico internacional, o que resultou no aumento de verbas para repressão interna, na construção de muro entre Estados Unidos e México, no apoio ao governo mexicano para combate aos cartéis ali instalados e, especialmente, no financiamento ao governo colombiano na fumigação das plantações e combate à guerrilha. O mesmo se deu no âmbito europeu, com a construção de uma rede de vigilância marítima para combater a imigração ilegal e o narcotráfico.

As iniciativas repressoras internacionais levaram os traficantes andinos a buscar novos mercados e estratégias para distribuir seus produtos. A produção foi reduzida na Colômbia e ampliada na Bolívia e Peru, onde a repressão e menos eficaz, fazendo do Brasil o caminho natural de passagem para a droga destinada à Europa, muitas vezes via África, além de ampliar a quantidade de cocaína e pasta-base destinada a nosso mercado interno, diante da dificuldade de envio aos destinos mais lucrativos.

A situação ainda é mais grave porque se popularizou, nos últimos anos, o consumo do subproduto da cocaína em forma de pedras, conhecido como "crack", em todas as regiões brasileiras. Se antes essa modalidade de consumo estava restrita ao estado de São Paulo, hoje não há localidade brasileira que não tenha de deparado com esse o triste retrato dos homens mortos-vivos, verdadeiros zumbis, consumindo drogas a céu aberto, o que é causado pelo alto poder aditivo e destrutivo que a substância apresenta.

A questão é grave e merece reflexão aprofundada.

Retomando a questão jurídica analisada, apesar da decisão ter ocorrido em um caso individual de habeas corpus e de não possuir o condão de determinar seu acatamento e seguimento pelos demais órgãos do poder judiciário, é certo que muitos juízes adotarão o mesmo entendimento. Ainda que este não seja o desejo da coletividade e que muitos riscos advenham de tal interpretação, cabe analisar quais são as condições e hipóteses em que tal fato pode, concretamente, vir a acontecer.

Para a avaliação do cabimento de "pena alternativa" devem ser examinados, inicialmente, os requisitos do artigo 44 do Código Penal, onde se exige: (1) pena privativa de liberdade não superior a quatro anos, quando o crime for doloso; (2) crime sem violência ou grave ameaça à pessoa; (3) sem reincidência em crime doloso e que (4) a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

O primeiro dos requisitos é a pena inferior a quatro anos para crimes dolosos, não havendo limitação quanto aos crimes culposos. Como a única modalidade de crime culposo da Lei de entorpecentes é a ministração culposa por profissional de saúde e sua pena não excede 2 anos, prevalece o limite máximo de 4 anos para os crimes dolosos.

Examinando-se os requisitos ordinários da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, se observa que sua aplicação não é possível nos casos normais de tráfico de drogas, pois o requisito do limite da pena é um óbice intransponível, já que a pena do artigo 33 da Lei 11.343/06 é de 5 a 15 anos [02]. Apenas nas hipóteses em que se aplique a causa de diminuição de pena do § 4º do referido diploma (de 1/6 a 2/3), equivocadamente denominada "tráfico privilegiado", poder-se-ia argumentar que a pena fique abaixo do limite objetivo de 4 anos. Mas, para que isto ocorra, é necessário que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

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Por seu turno, para definir o tamanho da pena base e o grau de redução eventualmente aplicado, utilizam-se as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, com a preponderância dos critérios do artigo 42 da Lei 11.343/06, ou seja, levando-se em conta a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. É o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça, nos seguinte termos:

TRÁFICO. QUANTIDADE. DROGA. PENA.

Em atenção à própria finalidade da Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006) – repressão ao tráfico ilícito de entorpecentes –, a quantidade e a variedade da droga traficada devem ser consideradas na fixação da pena-base. Contudo, isso não impede que também sejam consideradas para apurar o grau da redução previsto no § 4º do art. 33 daquele mesmo diploma. Precedentes citados: HC 121.666-MS, DJe 31/8/2009; HC 140.743-MS, DJe 23/11/2009, e HC 133.789-MG, DJe 5/10/2009. HC 142.368-MS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 5/8/2010 (Informativo 441 do STJ).

Como se observa, na fixação da pena-base deve ser levada em conta, inicialmente, a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime (art. 59, CP), devendo preponderar, além da personalidade e da conduta social, a natureza e a quantidade da droga apreendida (art. 42, Lei 11.343/06). Também serão esses os critérios adotados para eventual redução do § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06. Somando-se ao que se exige para a substituição da pena privativa de liberdade, nos termos do artigo 44 do Código Penal, o crime não pode ter sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa; não pode ser reincidente em crime doloso e a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias devem indicar que essa substituição seja suficiente.

Dos dispositivos legais mencionados se extraí que se a conduta social ou a personalidade do réu não são favoráveis, a pena-base não deve se situar no mínimo legal e, consequentemente, ainda que seja primário e de bons antecedentes, não deve receber a redução máxima de 2/3 prevista em lei, mas no grau mínimo de 1/6, afinal quem é flagrado nas ruas vendendo drogas não parece ter uma conduta social desejável ou personalidade que se preocupe com o bem-estar do próximo. Justamente o contrário: tem péssima e reprovável conduta social, personalidade insensível, intensa culpabilidade e os motivos do crime não são outros que o próprio lucro advindo da venda.

O mesmo critério deve ser adotado em relação à natureza e quantidade das substâncias apreendidas. Independentemente da natureza da substância apreendida, se a quantidade é média ou grande a pena-base deve ser fixada acima do mínimo legal. Se os limites da pena variam de 5 a 15 anos, parece razoável inferir que o tráfico de grandes quantidades, considerado dentro da conjuntura das circunstâncias judiciais, poderia levar à condenações próximas do limite máximo, enquanto quantidades médias ultrapassariam o limite mínimo em um ou dois anos, ficando reservadas as penas mínimas exclusivamente a pequenas quantidades. O que não se pode admitir é que sejam fixadas penas iguais para quem seja flagrado comercializando uma ou cinquenta porções da mesma droga, pois o potencial lesivo da difusão de uma quantidade maior gera maior ofensa ao bem jurídico tutelado, a saúde pública.

A natureza da substância também é um critério adotado pelo artigo 42 da Lei 11.343/06. Não se deve punir de maneira igual quantidades similares de substâncias distintas ou diversas substâncias comercializadas simultaneamente.

É do conhecimento científico e popular que todas as drogas ilícitas fazem mal à saúde, entretanto, algumas tem lesividade ainda mais acentuada e devastadora, seja pelo poder aditivo, pelo maior risco de overdose ou pela rapidez com que apresenta sintomas físicos e mentais de seu uso ou da própria abstinência. Não é novidade que o consumo dos derivados Erythroxylum coca Lam (cocaína, merla, crack, etc) e as metanfetaminas (ecstasy) oferecem mais e maiores riscos à saúde que, por exemplo, os derivados da cannabis sativa lineu (maconha, skank, haxixe, etc), o que indica que enquanto a comercialização de uma pequena quantidade de maconha possa situar-se no patamar mínimo de pena (5 anos), a mesma quantidade de cocaína ou crack deve estar em um patamar superior (v.g.: 6 anos). O mesmo se diga da redução de pena (art. 33, § 4º) se o réu foi primário e de bons antecedentes, devendo ficar no patamar de redução mínimo se a natureza da substância for mais lesiva e ofereça maior ofensa à saúde pública.

Observa-se, pois, que mesmo que todas as condições subjetivas sejam favoráveis ao réu, a natureza e a quantidade das substâncias apreendidas são suficientes para aumentar a pena-base, inibir a redução da pena, de modo que a mesma fique acima de 4 anos e, consequentemente, impedir a substituição por penas restritivas de direitos ou multa.

Também não se deve tirar de mente que a regra, que permite a redução da pena abaixo do mínimo de 5 anos, exige que o condenado não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa, sendo correto interpretar que mesmo aquele que não faz parte de uma organização criminosa, pode dedicar-se, isoladamente, às atividades criminosas, sendo tal fato demonstrável por qualquer meio de prova colhido durante o processo, como poderiam ser a prova testemunhal do comprador-usuário confirmando que sempre compra drogas do réu, ou a existência de estrutura e materiais dedicados à difusão, como embalagens, balança de precisão, etc, evidenciando que o réu tem o tráfico de drogas como meio de vida e que sua prisão não foi um fato isolado.

Além do limite de pena de 4 anos e todos os critérios para se chegar a seu cálculo, também exige o artigo 44 do Código Penal, que o crime não seja praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, o que poderia ser interpretado, também, como óbice à substituição da pena no caso de tráfico de drogas, pois a difusão de substâncias nocivas à saúde pode ser entendida como grave ameaça à pessoa.

Por fim, exige a lei, para a aplicação de pena alternativa, que o condenado não seja reincidente em crime doloso e que a culpabilidade, os antecedentes, sua conduta social e personalidade, bem como os motivos e as circunstâncias indiquem que essa substituição seja suficiente.

Exige-se, neste momento, que o juiz avalie se a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos ou multa é suficiente para reprimir e prevenir o crime. Para responder a esta indagação o juiz deve estar convicto que a pena alternativa baste para que o réu não volte mais a delinquir. O Superior Tribunal de Justiça, em análise de caso onde se entendeu que a proibição objetiva não deve prevalecer, ao remeter o feito para o Juízo da execução avaliar subjetivamente o cabimento da medida, deliberou que:

…......

5.A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, para condenado por crime de tráfico ilícito de drogas, não atende ao disposto no art. 44, III do CPB, sendo insuficiente e inadequada qualitativamente à prevenção do delito, à reprovação da conduta ou à ressocialização do agente.

…..........

(STJ, HC 96242/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 20.05.2008).

De fato, não parece razoável crer que uma pena criada para casos excepcionais de pequena repercussão social, possa ser estendida a situações tão graves como a traficância de drogas, cuja própria prática em si já denota a personalidade e conduta social do agente.

As penas alternativas foram criadas e ampliadas para casos leves em que um cidadão ordeiro qualquer se envolva ocasionalmente em um delito, sem que nunca tenha praticado ou venha a ter qualquer outro envolvimento com a criminalidade, como poderia ser uma briga entre vizinhos ou um fato isolado no trânsito, etc. Nesses casos, a pena alternativa serve inclusive para evitar que o relacionamento pernicioso do cárcere venha a induzi-lo à pratica de outros delitos. No caso do tráfico, por seu turno, o pequeno traficante já é pessoa envolvida com a criminalidade e aplicar-lhe uma pena alternativa de doação de cestas básicas ou de prestação de serviços em uma escola ou hospital públicos em nada contribuirá para reprimir e prevenir sua atuação. Como foi afirmado anteriormente, a regra usual é que o pequeno traficante faça parte de uma rede de produção e distribuição de droga, sendo o tráfico de drogas o paradigma mais perfeito do que vem a ser a criminalidade organizada.

Pode-se, então, concluir pela inaplicabilidade corriqueira da substituição da pena privativa de liberdade no caso de tráfico de drogas, pelos seguintes fundamentos:

1.A pena mínima do tráfico de drogas é de 5 anos, o que é incompatível com o limite de 4 anos para a concessão do benefício.

2.Nos casos de redução da pena (art. 33, § 4º da Lei 11.343/06) em virtude de primariedade e bons antecedentes, os casos de traficância de substâncias em médias ou grandes quantidades também impedem a conversão da pena, em virtude da influência que a quantidade deve ter na fixação da pena-base e do percentual de redução (art. 42 da LAT).

3.Também não devem ser aplicadas penas em grau mínimo ou concedidas reduções em grau máximo quando a substância for de graves efeitos sobre a saúde, como são, por exemplo, a cocaína, a merla ou o crack, ainda que se cuidem de pequenas porções, devido à aplicação do princípio da proporcionalidade.

4.As circunstâncias judiciais da conduta social e da personalidade devem ser observadas com atenção na fixação da pena, pois quem é flagrado nas ruas vendendo pequena porção de droga revela péssima e reprovável conduta social, personalidade insensível, intensa culpabilidade e os motivos do crime não são outros que o próprio lucro advindo da venda.

5.A redução da pena abaixo do mínimo não deve ocorrer quando o réu se dedicar a atividades criminosas, ainda que não faça parte de organização criminosa, o que pode ser demonstrável por qualquer meio de prova colhido durante o processo, como poderiam ser a prova testemunhal do comprador-usuário confirmando que sempre compra drogas do réu, ou a existência de estrutura e materiais dedicados à difusão, como embalagens, balança de precisão, etc, evidenciando que o réu tem o tráfico de drogas como meio de vida e que sua prisão não foi um fato isolado.

6.A difusão de substâncias nocivas à saúde pode ser entendida como grave ameaça à pessoa, o que poderia ser interpretado, também, como óbice à substituição da pena no caso de tráfico de drogas.

7.A aplicação de penas alternativas para tráfico de drogas não é suficiente e adequada qualitativamente para a prevenção do delito, a reprovação da conduta e a ressocialização do agente, sendo sua adoção um estímulo à criminalidade em geral.


Notas

  1. Para que se tenha uma ideia da dimensão do problema, segundo a ONU, enquanto no Brasil 8,8% da população adulta já provou maconha, nos Estados Unidos este número salta para 34,2% e na Espanha chega a 28,6%. Quando o assunto é cocaína, a diferença também é assustadora. No Brasil, 2,9% já a provou, enquanto nos Estados Unidos 11,2% e na Espanha 7% já provaram (Fonte: Informe anual da Junta Internacional de Fiscalização de estupefacientes das Nações Unidas, divulgado em 24.02.2010).
  2. Na mesma linha de raciocínio adotada pelo STF, nada impede que em futuro próximo venha a ser defendido o absurdo de que o limite objetivo de 4 anos também é inconstitucional.
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Sobre o autor
José Theodoro Corrêa de Carvalho

Promotor de Justiça do MPDFT. Doutor em Direito. Conselheiro do CONEN/DF. Professor de Direito Processual Penal. Autor do livro "Tráfico de drogas".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, José Theodoro Corrêa. Penas alternativas para tráfico de drogas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2636, 19 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17437. Acesso em: 25 abr. 2024.

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