Encontra-se tramitando no Senado o projeto de CPP, sob o número 156/2009. No texto original inicialmente apresentado ao Senado, a proposta era que o próprio Ministério Público poderia decidir sobre o arquivamento do inquérito policial. Contudo, a redação proposta pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania mantém a obrigatoriedade de o referido ato ser determinado pelo Judiciário:
Art. 37. O órgão do Ministério poderá requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, seja por insuficiência de elementos de convicção ou por outras razões de direito, seja, ainda, com fundamento na provável superveniência de prescrição que torne inviável a aplicação da lei penal no caso concreto, tendo em vista as circunstâncias objetivas e subjetivas que orientarão a fixação da pena.
Parágrafo único. O juiz das garantias, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.
Diante da mudança na redação original do projeto no ponto enfocado, o Conselho Nacional de Justiça, através da Nota Técnica nº 10 (publicada no DJ-e nº 160/2010, de 01/09/2010, pp. 2-4), fez a seguinte ponderação:
Impõe-se a tramitação direta do inquérito policial entre os órgãos de persecução (com a supressão dos incisos IV e XIV do artigo 14), retomando-se a redação originária do projeto, possibilitando-se o arquivamento do procedimento no âmbito interno do Ministério Público, com posterior controle do ato por seu Conselho Superior.
Nota-se que o CNJ, apesar de não fazer referência expressa ao artigo 37, propõe que o arquivamento do IPL seja decidido pelo próprio MP, considerando que os incisos IV e XIV do artigo 14 dispõem justamente que caberá ao juiz das garantias: "[...] IV – ser informado da abertura de qualquer inquérito policial; [...] XIV – arquivar o inquérito policial; [...]".
Referida providência sugerida pelo CNJ pode ser positiva. Por que dizemos "pode ser positiva"? Porque algumas vezes pode se tornar mais difícil arquivar um inquérito sem futuro no próprio âmbito interno do Ministério Público do que junto ao Judiciário. Falamos isso por ter observado a resistência (já no presente), em alguns casos pontuais, de certos colegiados do MP para autorizar o arquivamento de procedimentos investigatórios criminais instaurados por membros do parquet e que depois estes próprios solicitam a extinção, porém sem lograr êxito.
Temos em mente que o exagerado apego à manutenção de procedimentos investigatórios sem futuro é tão perigoso para a efetividade da persecução penal quanto o garantismo distorcido que alguns tentam implantar no Brasil.
Passemos, então, ao ponto central do presente escrito.
O texto do artigo 37 do projeto de CPP é muito claro no sentido de que o arquivamento do IPL pode ser determinado mediante os seguintes fundamentos: a) por insuficiência de elementos de convicção; b) por outras razões de direito; c) por provável superveniência de prescrição que torne inviável a aplicação da lei penal no caso concreto, tendo em vista as circunstâncias objetivas e subjetivas que orientarão a fixação da pena.
Quanto às letras "a" e "b", não vislumbramos muita novidade. No primeiro caso, o arquivamento se dará por insuficiência de elementos informativos que indiquem materialidade e/ou autoria da infração penal investigada. No segundo caso, apesar de sua aparente abrangência elástica, entendemos que deva comportar, em princípio, causas que indiquem a ausência de fato criminoso (ou seja, para haver crime o fato deve ser típico, ilícito e culpável – se houver alguma excludente que prejudique essa estrutura, não há que se falar em delito) e causas extintivas da punibilidade. Haverá também razão de direito para arquivamento quando ficar demonstrado que o investigado não concorreu para a infração penal, mesmo que não identificado o real responsável por ela (nesse caso, segundo pensamos, não haverá insuficiência de elementos de convicção em relação ao investigado, mas sim uma conclusão quanto à sua inocência).
A grande novidade do projeto está em admitir o arquivamento por provável superveniência de prescrição que torne inviável a aplicação da lei penal no caso concreto, tendo em vista as circunstâncias objetivas e subjetivas que orientarão a fixação da pena. Trata-se, segundo pensamos, da possibilidade de reconhecer a prescrição virtual (também conhecida como antecipada ou em perspectiva) como causa de arquivamento do inquérito policial.
Seria uma grande inovação, se não fosse a entrada em vigor no dia 06/05/2010 da Lei nº 12.234/2010, que acabou pela metade com a chamada prescrição retroativa – pois agora não deve haver mais a contagem do prazo de prescrição retroativa entre a data do fato e o recebimento da denúncia.
Apenas para lembrar: a prescrição, até a superveniência da pena em concreto, conta-se pela pena máxima prevista para a infração penal. Nesse caso temos a chamada prescrição abstrata.
Ocorre, todavia, que após a sentença penal condenatória recorrível e o trânsito em julgado desta para a acusação é possível fazer uma contagem da prescrição da pretensão punitiva utilizando-se para tanto a pena efetivamente aplicada ao condenado, mesmo antes do trânsito em julgado da sentença para a defesa. Trata-se, nesse caso, da chamada prescrição retroativa.
A grande novidade da Lei nº 12.234/2010 foi justamente impedir que a contagem dessa prescrição retroativa se dê em período anterior ao recebimento da denúncia; ou seja, atualmente a tramitação do inquérito policial está mais tranquila, porque a prescrição que pode sobrevir entre a data do fato e a data do recebimento da denúncia é somente aquela contada com base na pena máxima prevista para o delito (prescrição abstrata).
O art. 37 do projeto de CPP, ao prever como uma das razões de arquivamento do IPL o reconhecimento da prescrição antecipada, desconsidera os termos da Lei nº 12.234/2010, que introduziu modificação no art. 110, § 1º, do CP, passando este a vedar o reconhecimento da prescrição retroativa (e, por conseguinte, da prescrição virtual, considerando ser esta apenas uma antecipação da prescrição retroativa) cujo período de contagem se dê anteriormente à denúncia, conforme segue:
§ 1º. A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. (grifos nossos)
Pelo exposto, imperioso que haja uma mudança no art. 37 do projeto de CPP para adequá-lo ao texto do Código Penal, considerando as inovações operadas pela Lei nº 12.234/2010, pois caso contrário pode surgir improdutiva discussão quanto ao reconhecimento da prescrição virtual contada a partir da data do fato. Ademais, segundo pensamos, a permanecer da forma como está a proposta de art. 37, o arquivamento via reconhecimento de prescrição virtual somente poderia ser levado a efeito relativamente aos inquéritos que apuram fatos ocorridos anteriormente a 06/05/2010 (data que entrou em vigor a Lei nº 12.234/2010). Falamos isto porque apesar do artigo em comento permitir o reconhecimento da prescrição virtual, a existência desta depende da regulação da prescrição retroativa inserta no Código Penal.
Ademais, bom também lembrar que recentemente o STJ aprovou a Súmula nº 438 (DJe 13/05/2010), com o seguinte teor, repelindo o instituto da prescrição virtual: "É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal".
Assim, considerando o panorama jurídico já construído em nosso país sobre a prescrição virtual, o melhor caminho é mudar urgentemente o texto do art. 37 do projeto de CPP para evitar confusões desnecessárias.