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A teoria do conglobamento e a interpretação das cláusulas negociais coletivas frente aos princípios do Direito do Trabalho

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28/09/2010 às 14:19
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4 JURISPRUDÊNCIA

Com efeito, é possível constatar, nesses estudos, que os Tribunais têm aplicado a Teoria do Conglobamento de acordo com a conjuntura histórica ou socioeconômica enfrentada pelos obreiros.

4.1 Conjuntura histórica

Traz-se à colação, por oportuno, julgado do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, citado e transcrito por Longhi (2009, p. 114, grifo nosso), no qual foi considerada válida para os empregados do Banespa, que atravessavam um período de transição após a privatização do banco, "cláusula de aposentadoria in pejus no acordo coletivo, ante a vigência de convenção coletiva", ao argumento de que o primeiro instrumento coletivo estabelece, no conjunto, condições mais favoráveis aos empregados da ativa. Observe-se:

Natureza: Recurso Ordinário

Recorrente: Evandro Pinto Barbosa e outros

Recorrido: Banco do Estado de São Paulo S.A Banespa

Origem: 2ª Vara do Trabalho de Mogi das Cruzes

EMENTA:

Banespa. Complementação de aposentadoria. Acordo coletivo celebrado na vigência de convenção. Prevalência do acordo que estabelece, no conjunto, condições mais favoráveis aos empregados da ativa. Aplicação do princípio do conglobamento da norma.

Contra a sentença que julgou improcedente a ação, recorreram os autores alegando que a concessão de vantagem através de acordo coletivo para os empregados da ativa contraria o disposto no artigo 101 do Regulamento de Pessoal que prevê o mesmo reajuste para os aposentados; que o banco encontrou uma fórmula para restringir o benefício assegurado aos aposentados através de concessão de estabilidade aos empregados da ativa; que o banco celebrou acordo coletivo para excluir dos aposentados o reajuste de 5,5% negociado entre a Confederação Nacional dos Bancários e a Federação Nacional dos Bancos e que essa atitude viola o artigo 9º da CLT. Contra-razões às fls. 307/347. O Ministério Público teve vista dos autos.

VOTO:

1. Apelo aviado a tempo e modo (fl. 304). Conheço-o.

Os autores são aposentados do Banespa, recebem complementação de aposentadoria e postulam o reajuste de salarial de 5,5%, concedido aos bancários a partir de 01.09.01 e abono de R$ 1.000,00 a partir de novembro/01, previstos na cláusula 1ª da Convenção Coletiva celebrada entre a Febraban (Federação Nacional dos Bancos) e a Federação Nacional dos Bancários. Sustentam que referidos reajustes e abono são devidos aos aposentados por força do regulamento de pessoal.

No mesmo período em que celebraram a convenção coletiva, o réu celebrou acordo coletivo específico do banco com os sindicatos das respectivas bases territoriais, que foi homologado pelo TST (volume em apartado). Ou seja: as condições de trabalho foram disciplinadas por acordo coletivo, independentemente das convenções coletivas negociadas pela Federação dos Bancários com a Fenabran.

A cláusula 1ª § 3º do acordo (volume em apartado) prevê que "os reajustes previstos nesta cláusula excluem quaisquer outros decorrentes de convenção coletiva" e a cláusula 78 prevê o seguinte: [...] § 3º - Considerando que o presente acordo coletivo reflete peculiaridade dos interesses dos empregados e do BANESPA no período de transição após a suaprivatização, e os compõe no conjunto específico de suas cláusulas, será ele a única norma coletiva aplicável para disciplinar as condições de salário e trabalho no âmbito das partes acordantes, ressalvadas as remissões e as exceções nele expressamente previstas e termos aditivos a ele que porventura venham a ser acordados diretamente entre as partes signatárias na conformidade da cláusula 79ª.

O reajuste que os autores postulam foram celebrados entre a Federação Nacional dos Bancos – Fenaban e Confederação Nacional dos bancários, mas o acordo entre o réu e o sindicato não tem previsão desses reajustes. O acordo coletivo assegurou aos empregados da ativa a garantia de emprego por 12 meses, além de estabilidade pré-aposentadoria, abonos pecuniários e participação nos lucros (cláusulas 35ª, 82ª, e 84ª, respectivamente), prevendo, no conjunto, condições mais favoráveis aos empregados do que aquelas previstas em convenção. Aplicação do princípio do conglobamento da norma. Estão, pois, contemplados os artigos 611, § 1º e 620 da CLT, que dispõem sobre o reconhecimento da celebração de acordo no âmbito da empresa e a prevalência das convenções somente quando mais favoráveis aos empregados. Não houve reajuste para os empregados da ativa, não se aplicando o disposto no artigo 107 do Regulamento de Pessoal do banco, que prevê o mesmo tratamento para os aposentados.

Conclusão:

Nego seguimento ao recurso

Dr. Rafael E. Pugliese Ribeiro

Juiz Relator – 6ª Turma do Tribunal.

Como pôde ser observado no caso ilustrado, aos recorrentes, já aposentados, não interessava a estabilidade no emprego avençada no acordo coletivo, e sim o reajuste de 5,5% previsto na convenção, ou seja, não resta dúvida de que, na ótica individual dos aposentados, a norma mais favorável é esta última (tanto é verdade que foram defendê-la nos Tribunais).

Contudo, o Poder Judiciário pacificou o conflito ao reconhecer a garantia de emprego como um bem maior, pois, segundo Pinto (apud RUPRECHT, 1995), o trabalho é simultaneamente uma expressão essencial da pessoa humana e a fonte da riqueza social, sendo a falta de emprego um mal que atinge as raízes principais da vida pessoal e social, e, conforme conclui o autor, a sociedade terá grandes dificuldades em construir a liberdade, a justiça e a paz em situações de miséria e desordem socioeconômica (PINTO apud RUPRECHT, 1995, p. 59).

4.2 Conjuntura socioeconômica

Quanto à aplicação da Teoria do Conglobamento de acordo com a conjunturasocioeconômica vivenciada pelos trabalhadores, registra-se julgado do TRT da 5ª Região, citado e transcrito por Amaral (2010), no qual aquela Corte asseverou que é da interpretação do conjunto das cláusulas normativas instituídas pelos respectivos instrumentos que se extrai o conceito da norma mais favorável:

A solução a ser adotada há de vir da teoria sobre o conglobamento das cláusulas normativas, em torno da qual dissertam com desenvoltura os doutrinadores laborais a exemplo de Hugo Gueiros Bernardes para quem, "... as diversas alterações contratuais pactuadas em negociação coletiva devem ser analisadas em seu conjunto e não isoladamente, a fim de se determinar se o resultado é diminutivo para o empregado", sendo "da gênese da negociação coletiva a cedência progressiva e recíproca de posições, isto é, a evolução entre o que é pedido e o que é ofertado. Esse funilamento negocial significa verdadeira transação coletiva, e precisamente porque o processo negocial, é evolutivo, em consequência da transigência em torno de interesses, é que a obrigação de paz abrange todas as matérias postas sobre a mesa de negociação coletiva.

"Em respeito a tais princípios jurídicos, haveremos de proceder a um cotejo do estabelecido nos instrumentos normativos em disputa de modo global a fim de aferirmos, dentro desse contexto, qual deles encerra posições mais favoráveis aos empregados da Acionada: as sentenças e convenções coletivas, (fls. 14/39) ou os Acordos Coletivos residentes nos autos às fls. 5 1 a 64. Realizado o cotejo de cláusulas constantes dos sobreditos instrumentos, cumpre-nos emprestar relevo àquelas fixadas nos Acordos Coletivos de maior abrangência e relativa a garantia de emprego, a implantação do Plano de Cargos e Salários e a Complementação do Salário Beneficio de empregado em gozo de auxílio perante a Previdência Social."

E julgou:

No terreno das relações laborais, o tema do emprego tem ocupado um enorme espaço e é grande a preocupação dos Estadistas, de um modo geral, como, também, do movimento sindical mundial em resolver tão angustiante problema. Assim, revela-se do maior alcance social uma norma coletiva que institui mecanismos inibidores da dispensa imotivada, como sói acontecer com a cláusula dispondo sobre a garantia de emprego, ao longo de sua vigência, prevista nos Acordos Coletivos firmados pela entidade Sindical com a Recorrida e colacionada aos autos.

Com igual conteúdo, analiso a cláusula que dispõe sobre a implantação do Plano de Cargo e Salário, cuja reivindicação foi indeferida pela sentença normativa ao fundamento de que a matéria somente poderia ser instituída via negociação coletiva, como, aliás, tem decidido reiteradamente a Seção de Dissídio Coletivo desta Corte em reiterados julgamentos, cujo beneficio para os empregados é inquestionável.

Portanto, respeitado o princípio do conglobamento a que nos conduziu a doutrina, posso concluir, dentro dessa avaliação macro que nos impõe o direito coletivo, ser mais favorável aos trabalhadores da Recorrida as disposições contidas nos instrumentos normativos, frutos da composição autônoma do conflito coletivo, e há de se convir que, valendo como norma de conduta, as cláusulas supra referidas revelam-se obrigatórias e cogentes, no seu todo, não sendo viável a uma das partes ignorá-las para buscar uma avaliação estanque e individualizada e, pior ainda, pretender o respaldo do Judiciário (BRASIL apud AMARAL, 2010).

4.3 Recurso de Revista nº 1001/2002-074-15-00 do TST

Imperioso é destacar que a questão dos empregados do Banespa, já mencionada nesse estudo, que negociaram em acordo coletivo a garantia dos postos de trabalho em detrimento do reajuste de 5,5% previsto em convenção coletiva, chegou ao Tribunal Superior do Trabalho, mas lá também os jubilados não lograram êxito, pois, segundo o Ministro Relator do Recurso de Revista, Ives Gandra Martins Filho, "o parâmetro para se proceder à comparação da norma mais favorável não será o indivíduo, tomado isoladamente, mas a coletividade interessada (categoria, por exemplo) ou o trabalhador objetivamente considerado como membro de uma categoria ou segmento, inserido em um quadro de natureza global" (BRASIL, 2005). Confira-se:

ACORDO COLETIVO - GARANTIA DE EMPREGO PARA OS EMPREGADOS DO BANESPA - NORMA ESPECÍFICA E MAIS BENÉFICA PREVALÊNCIA SOBRE CONVENÇÃO COLETIVA FIRMADA ENTRE FENABAN E SINDICATOS DE BANCÁRIOS CONCENDENDO REAJUSTE SALARIAL DE 5,5% - TEORIA DO CONGLOBAMENTO EXEGESE DO ART. 620 DA CLT REAJUSTE DE COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA - NÃO-DESRESPEITO À PARIDADE SALARIAL PREVISTA NO REGULAMENTO DE PESSOAL DO BANCO ENTRE ATIVOS E JUBILADOS.

1. O art. 620 da CLT fala em prevalência das "condições" estabelecidas em convenção coletiva quando mais favoráveis àquelas previstas em acordo coletivo. O uso do plural leva ineludivelmente à conclusão de que o legislador não se afastou da teoria do conglobamento, segundo a qual cada instrumento normativo deve ser considerado no seu todo, e não cláusula a cláusula isoladamente.

2. O fundamento racional da teoria (as "boas razões" de Norberto Bobbio para a positivação do Direito) está no fato de que as condições de trabalho estatuídas em instrumento normativo são objeto de negociação global, na qual determinada vantagem é concedida pela empresa ou sindicato patronal como compensação pela não-inclusão de outra, de tal forma que o conjunto das condições de trabalho e remuneração passam a ser aceitáveis por ambas as partes.

3. Pinçar isoladamente, de instrumentos normativos diversos, as cláusulas mais benéficas para o empregado ou reputar inválidas cláusulas flexibilizadoras de direitos concernentes a remuneração ou jornada (passíveis de flexibilização, na esteira do art. 7º, VI, XIII e XIV, da CF), olvidando que a cláusula vantajosa ou desvantajosa para o empregado somente é instituída em face de compensação com outras vantagens ou desvantagens, seria quebrar o equilíbrio negocial, desestimulando a concessão de vantagens alternativas, desconsideradas em face do que se consubstanciaria em superlativo protecionismo por parte do Estado-Juiz.

4. Exegese diversa dada ao art. 620 da CLT (como também ao art. 7º, VI, XIII, XIV e XXVI, da CF), com desconsideração da teoria do conglobamento, apenas contribuiria para o desestímulo à negociação coletiva, implicando a substituição das soluções autônomas pelas heterônomas para os conflitos coletivos do trabalho, pela multiplicação dos dissídios coletivos e retorno ao paternalismo estatal, incompatível com o atual estágio de evolução das relações capital-trabalho.

5. Assim sendo, não se admite a aplicação isolada de norma de Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), quando reguladas as relações de trabalho, no âmbito da empresa, por Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), a menos que se adote a CCT por completo, o que não foi pretendido pelo Reclamante, que apenas postulou o pagamento do reajuste da complementação de aposentadoria segundo os moldes da CCT que juntou ao processo.

6. No caso, não prevalece a norma mais favorável ao Reclamante, e sim a norma mais benéfica à categoria profissional, pois a garantia do emprego para os empregados ativos do Banco sobrepõe-se ao reajuste salarial do qual abriram mão, sendo certo ainda que o Acordo Coletivo é a norma que melhor realiza, de modo global, o referido princípio juslaborista e os princípios constitucionais relativos à dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho (CF, art. 1º, III e IV).

7. Ressalte-se que os jubilados somente terão direito à atualização da complementação de suas aposentadoria com base nos reajustes salariais concedidos aos empregados do Banco, nos moldes do art. 107 do Regulamento de Pessoal do BANESPA, não tendo os salários dos empregados do Banco sido majorados com o percentual de 5,5% prevista na Convenção Coletiva.

Recurso de revista conhecido e desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-1.001/2002-074-15-00.6, em que é Recorrente EDO MÁRIO DE SANTIS e Recorrido BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S.A. - BANESPA.

R E L A T Ó R I O

Contra o acórdão do 15º Regional que negou provimento apenas parcial ao seu recurso ordinário (fls. 621-623), o Reclamante interpõe o presente recurso de revista, pedindo a reforma do julgado quanto ao reajuste salarial previsto em convenção coletiva (fls. 625-636).

Admitido o apelo (fl. 652), foram apresentadas contra-razões (fls. 654-667), sendo dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 82, § 2º, II, do RITST.

É o relatório.

V O T O

I)CONHECIMENTO

1) PRESSUPOSTOS GENÉRICOS

O recurso é tempestivo (fls. 624-625) e tem representação regular (fl. 11), encontrando-se devidamente preparado, tendo o Reclamante recolhido as custas em que condenado (fl. 582).

2) PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS

ACORDO COLETIVO - GARANTIA DE EMPREGO ESPECÍFICO PARA OS EMPREGADOS DO BANESPA - NORMA MAIS BENÉFICA PREVALÊNCIA SOBRE CONVENÇÃO COLETIVA FIRMADA ENTRE FENABAN E SINDICATOS DE BANCÁRIOS CONCENDENDO REAJUSTE SALARIAL DE 5,5%

Tese Regional: O acordo coletivo que concedeu garantia de emprego aos funcionários do BANESPA, em detrimento do reajuste salarial previsto em convenção coletiva para toda a categoria profissional, constitui norma mais benéfica para as Partes acordantes, devendo prevalecer no âmbito do Reclamado (fls. 621-623).

Antítese Recursal: As disposições da convenção coletiva firmada entre a FENABAN e sindicatos de bancários, fixando reajuste salarial para a categoria profissional, prevaleceriam sobre o acordo coletivo celebrado entre o BANESPA e seus empregados estabelecendo garantia de emprego, por serem mais favoráveis ao Reclamante. O recurso vem calcado em violação do art. 620 da CLT e em divergência jurisprudencial (fls. 626-636).

Síntese Decisória: O aresto transcrito nas fls. 629-633 rende ensejo ao recurso de revista, por expressar tese especificamente divergente daquela emanada da Corte de origem, explicitando que a convenção coletiva firmada entre FENABAN e sindicatos de bancários, estabelecendo reajuste salarial para a categoria profissional, é norma mais benéfica do que o acordo coletivo firmado pelo BANESPA e seus empregados, estabelecendo garantia de emprego, razão pela qual aquela prevalece sobre este. Logo, CONHEÇO, por divergência jurisprudencial.

II) MÉRITO

ACORDO COLETIVO - GARANTIA DE EMPREGO ESPECÍFICO PARA OS EMPREGADOS DO BANESPA - NORMA MAIS BENÉFICA PREVALÊNCIA SOBRE CONVENÇÃO COLETIVA FIRMADA ENTRE FENABAN E SINDICATOS DE BANCÁRIOS CONCENDENDO REAJUSTE SALARIAL DE 5,5%

O Reclamante, inativo, pleiteou o reajuste salarial de 5,5% fixado na Convenção Coletiva firmada entre a FENABAN e os sindicatos dos bancários, com lastro no Regulamento de Pessoal do Banco, que garante aos jubilados o mesmo reajustamento salarial concedido aos empregados da ativa. O Banco, por sua vez, negou o reajuste vindicado pelo Autor, com lastro no Acordo Coletivo firmado com seus empregados, estabelecendo garantia de emprego em detrimento do aludido reajuste salarial fixado na convenção coletiva.

Razão não assiste ao Reclamante.

Com efeito, o art. 620 da CLT reza que:

"Art. 620. As condições estabelecidas em Convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo".

Verifica-se, de plano, que o dispositivo celetário fala em "condições" no plural, o que leva ineludivelmente à conclusão de que o legislador não se afastou da teoria do conglobamento, segundo a qual cada instrumento normativo deve ser considerado no seu todo, e não cláusula a cláusula isoladamente.

O fundamento racional da teoria (as "boas razões" de Norberto Bobbio para a positivação do Direito) está no fato de que as condições de trabalho estatuídas em instrumento normativo são objeto de negociação global, na qual determinada vantagem é concedida pela empresa ou sindicato patronal como compensação pela não-inclusão de outra, de tal forma que o conjunto das condições de trabalho e remuneração passam a ser aceitáveis por ambas as partes.

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Pinçar isoladamente, de instrumentos normativos diversos, as cláusulas mais benéficas para o empregado ou reputar inválidas cláusulas flexibilizadoras de direitos concernentes a remuneração ou jornada(passíveis de flexibilização, na esteira do art. 7º, VI, XIII e XIV, da CF), olvidando que a cláusula vantajosa ou desvantajosa para o empregado somente é instituída em face de compensação com outras vantagens ou desvantagens, seria quebrar o equilíbrio negocial, desestimulando a concessão de vantagens alternativas, desconsideradas em face do que se consubstanciaria em superlativo protecionismo por parte do Estado-Juiz.

Nesse sentido segue também a lição de Maurício Godinho Delgado:

"A teoria do conglobamento é certamente a mais adequada à operacionalização do critério hierárquico normativo preponderante no Direito do Trabalho. A seu favor tem a virtude de não incorporar as apontadas distorções da teoria da acumulação, além de ser a única teoria a harmonizar a flexibilidade do critério hierárquico justrabalhista com a essencial noção de sistema inerente à idéia de Direito e de ciência. A superioridade da orientação teórica do conglobamento fez com que o próprio legislador claramente se reportasse a essa orientação, em situação de conflito de normas jurídicas. De fato, a Lei nº 7.064/82, que dispõe sobre a situação de trabalhadores brasileiros contratados ou transferidos para prestarem serviços no exterior, socorreu-se da teoria do conglobamento no contraponto entre a lei territorial externa e a lei brasileira originária. Observe-se, nessa linha, o texto do art. 3º, III, do mencionado diploma legal: a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria. [...].

Ressalte-se, por fim, que o parâmetro para se proceder à comparação da norma mais favorável não será o indivíduo, tomado isoladamente, mas a coletividade interessada (categoria, por exemplo) ou o trabalhador objetivamente considerado como membro de uma categoria ou segmento, inserido em um quadro de natureza global. Como se nota, também por esse aspecto, o critério do conglobamento emerge como o mais adequado na dinâmica de apreensão da norma trabalhista mais favorável". ("Curso de Direito do Trabalho", LTr, 2ª Edição, p. 182).

Exegese diversa dada ao art. 620 da CLT (como também ao art. 7º, VI, XIII, XIV e XXVI, da CF), com a desconsideração da teoria do conglobamento, apenas contribuiria para o desestímulo à negociação coletiva, implicando a substituição das soluções autônomas pelas heterônomas para os conflitos coletivos do trabalho, pela multiplicação dos dissídios coletivos e retorno ao paternalismo estatal, incompatível com o atual estágio de evolução das relações capital-trabalho.

Assim sendo, não se admite a aplicação isolada de norma de Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), quando reguladas as relações de trabalho, no âmbito da empresa, por Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), a menos que se adote a CCT por completo, o que não foi pretendido pelo Reclamante, que apenas postulou os reajustes de 5,5% e de 7% da complementação de aposentadoria previstos na Convenção Coletiva de Trabalho de 2001/2002, celebrada entre a FENABAN Federação Nacional dos Bancos e os sindicatos dos bancários.

Logo, não prevalece o entendimento que encampa a adoção da norma mais favorável ao Reclamante, e sim o que defende a aplicação da norma mais benéfica à categoria profissional. Portanto, a garantia do emprego para os empregados ativos do Banco sobrepõe-se ao reajuste salarial do qual abriram mão, devendo a vontade coletiva impor-se sobre a individual, sendo certo ainda que o Acordo Coletivo é a norma que melhor realiza tanto o referido princípio justrabalhista quanto os princípios constitucionais relativos à dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho (CF, art. 1º, III e IV).

Ressalte-se ainda que os jubilados somente terão à atualização da complementação de suas aposentadoria com base nos reajustes salariais concedidos aos empregados do Banco, nos moldes do art. 107 do Regulamento de Pessoal, referido no acórdão regional, que dispõe:

"Art. 107. O abono mensal será reajustado no caso de majoração dos vencimentos dos ativos, quer por medida geral, quer por reajustamento de padrões de vencimentos do cargo a que o funcionário pertencia na data da aposentadoria" (fl. 623).

Nessa linha, não tendo os salários dos empregados do Banco sido majorados com o percentual de 5,5%, o Reclamante não tem direito de obter esse reajuste na sua complementação de aposentadoria, mormente por ser ilógico admitir a possibilidade de aplicação da Convenção Coletiva apenas aos inativos, já que os ativos fizeram opção pelo Acordo Coletivo, tampouco poder-se-á pinçar de cada um dos instrumentos normativos aludidos as disposições mais favoráveis para ativos e inativos (conforme a teoria da acumulação), já que esse critério é repudiado pela teoria do conglobamento, aceita pela doutrina como sendo a mais adequada à escolha da norma trabalhista mais favorável. Ora, não resta dúvida que a garantia do emprego prevista no Acordo Coletivo firmado entre o BANESPA e seus empregados, em razão da conjuntura econômica do país, é muito mais favorável para massa dos trabalhadores bancários do que um reajuste salarial, mesmo em face do percentual pouco expressivo de 5,5%.

Como se vê, a Convenção Coletiva é mais favorável somente aos jubilados, e não à massa dos trabalhadores bancários, de modo que o princípio informativo do Direito do Trabalho, concernente à aplicação da norma mais benéfica, está melhor traduzido no Acordo Coletivo. Sem dúvida, a norma mais benéfica supõe a prevalência dos valores sociais sobre os particulares e dos coletivos sobre os indiviuais, consoante se infere da norma inscrita no art. 8º da CLT.

Cumpre destacar o precedente desta Corte:

"COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA - ABONO E REAJUSTE SALARIAL INATIVOS - CONVENÇÃO COLETIVA E A NÃO-PREVALÊNCIA SOBRE CLÁUSULA CONSTANTE EM ACORDO COLETIVO - EXEGESE DO ART. 620 DA CLT. Pretende o Reclamante, na inicial, o reajuste de 5,5% da complementação de aposentadoria e o pagamento de abono único previstos na Convenção Coletiva de Trabalho de 2001/2002, celebrada entre a FENABAN e os sindicatos bancários. O cerne da discussão é a prevalência da Convenção Coletiva sobre o Acordo Coletivo celebrado.

No caso em tela, a teoria do conglobamento impede a aplicação do comando inserido no art. 620 da CLT, pois o Acordo Coletivo, dada a sua especificidade à peculiar situação dos empregados do BANESPA (período de transição pós privativação), tornou-se mais benéfico aos referidos empregados que a Convenção Coletiva na qual se respaldam as pretensões do Autor. Ainda sob o prisma da teoria do conglobamento vale observar que o Reclamante não requer a aplicação integral da Convenção Coletiva em detrimento do Acordo Coletivo. Limita seu pedido a cláusulas específicas pinçadas na Convenção Coletiva de Trabalho. Recurso de Revista conhecido e não provido" (TST-RR-1.013/2002-074-15-00, Rel. Min. José Simpliciano Fernandes, 2ª Turma, "in" DJ de 15/04/05).

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de revista.

ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Egrégia 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negar-lhe provimento (BRASIL, 2005).

4.4 Consolidação da Teoria do Conglobamento no Brasil

Com esse acórdão, a mais alta Corte Trabalhista brasileira consolida no Brasil aquilo que a doutrina já asseverava: o critério do conglobamento emerge como o mais adequado na dinâmica de apreensão da norma trabalhista mais favorável.

Tanto é verdade que o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o qual, durante muito tempo, segundo Longhi (2009), abraçou a Teoria da Acumulação em detrimento da do Conglobamento, antes orientando seus auditores fiscais, ao fiscalizar as empresas e nelas encontrar instrumentos normativos em conflito, a autuar a empresa caso não fossem aplicados tais instrumentos de forma cumulativa (a teor do Precedente Administrativo n. 47 [02]), alinhou-se ao compasso da realidade e já revogou o aludido Precedente Administrativo, conforme Ato Declaratório nº 10, de 3 de agosto de 2009 (publicado no Diário Oficial da União de 4 de agosto de 2009).

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Sobre o autor
Carlos Cavalcante Melo

Técnico Judiciário do TRT da 7ª Região, bacharel em direito pela Universidade de Fortaleza - Unifor, Pós-graduado em Direito Materal do Trabalho pela Universidade Vale do Acaraú

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Carlos Cavalcante. A teoria do conglobamento e a interpretação das cláusulas negociais coletivas frente aos princípios do Direito do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2645, 28 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17468. Acesso em: 19 abr. 2024.

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