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Questões controvertidas acerca da descentralização de serviços na administração pública

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Resumo:


  • A terceirização na Administração Pública deve obedecer a condições específicas para evitar burlas à legislação;

  • É essencial que não haja subordinação e pessoalidade entre os terceirizados e a Administração Pública;

  • A responsabilidade fiscal deve ser observada, e a terceirização não pode ser utilizada para burlar limites de despesas com pessoal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4.Requisito da inexistência de subordinação

Outra observação a ser feita diz respeito à impossibilidade da Administração exercer atos de subordinação em relação aos terceirizados, o que evidenciaria a intermediação irregular de mão-de-obra. As características da execução do contrato poderão demonstrar quem dá as ordens, quem define o perfil, quem determina as férias do terceirizado. É até possível que se descreva no edital de licitação as necessárias características do terceirizado, mas durante a execução do ajuste está vedada a individualização, a escolha e o poder de mando (art. 10 da IN SLTI 02/2008).

Em síntese, os órgãos de controle verificam a legalidade da contratação a partir da constatação de incidência dos principais requisitos caracterizadores da relação de emprego, a saber, pessoalidade, onerosidade e subordinação. Quando há pessoalidade o contrato é intuito persoae em relação ao empregado, ou seja, o terceirizado não pode ser substituído por outro; A onerosidade se daria caso a Administração remunerasse diretamente o terceirizado; A subordinação jurídica advém da relação estabelecida entre Administração e terceirizado, quando este deve acatar as ordens e determinações da tomadora.

Acrescente-se que, se os materiais e os equipamentos necessários à execução das atividades terceirizadas forem custeados pela Administração, ao invés de o ser pela empresa contratada, será um indicativo da vedada locação de mão-de-obra. Como exemplo, o serviço de repografia deveria ser executado por meio dos equipamentos da licitante vencedora, e não da Administração.


5.Responsabilidade Fiscal

Em sendo comprovada a substituição de servidores por terceirizados, o quantum despendido com a contratação será inserido nos limites de despesa com pessoal, conforme determina o art. 18 da LRF.

Art. 18. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.

§ 1o Os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como "Outras Despesas de Pessoal".

§ 2o A despesa total com pessoal será apurada somando-se a realizada no mês em referência com as dos onze imediatamente anteriores, adotando-se o regime de competência.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias da União, Lei nº 12.017, de 12 de agosto de 2009, vem no mesmo sentido:

Art. 76. Para fins de apuração da despesa com pessoal, prevista no art. 18 da Lei Complementar no 101, de 2000, deverão ser incluídas as despesas relativas à contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos da Lei no 8.745, de 1993, bem como as despesas com serviços de terceiros quando caracterizarem substituição de servidores e empregados públicos, observado o disposto no parágrafo único do art. 87 desta Lei.

A terceirização vinha sendo utilizada como forma de burlar duas normas da Constituição Federal: uma, a referente à exigência de concurso público para investidura de todas as categorias de servidores, já que se começou a utilizar a terceirização como forma de contratar pessoal sem submetê-los a concurso público; outra que impõe limites à despesa com pessoal, já que, com a Emenda Constitucional nº 19, foram previstas sanções para o descumprimento desse limite.

Assim, no que toca ao limite de despesa com pessoal, o legislador pretendeu, ao editar o art. 18 da Lei Complementar nº 101/2000, coibir a terceirização ilícita, isto é, aquela realizada para burlar a regra de concurso público e para evitar os limites constitucionais e infraconstitucionais de gastos com pessoal. Desse modo, caso a Administração venha a consumar a contratação, a dívida gerada a partir daí será contabilizada como "Outras Despesas de Pessoal".


6.Princípio da Continuidade do Serviço Público X Princípio do Concurso Público

O Tribunal de Contas da União, através de inúmeros acórdão e decisões, vinha reiteradamente condenando as contratações irregulares de serviços por parte da Administração Pública, especialmente quando tais terceirizações contrariavam o disposto no artigo 1°, §2° do Decreto 2.271/97, ou seja, contratava-se serviços desempenhados e inerentes às categorias funcionais abrangidas pelos planos de cargos do órgão ou entidade.

Sucede que, a despeito das disposições contidas no Decreto nº 2.271/97 e na IN 03/2009, bem como das decisões anteriores da própria Corte de Contas, o TCU, através do Acórdão nº 1520/2006, prorrogou os prazos anteriormente concedidos para substituição de terceirizados por servidores concursados. O abrandamento se traduziu na permissão para a postergação dos termos finais dos contratos de terceirização ilícita.

Tal se deu em acolhimento as reiteradas justificativas apresentadas pelos gestores públicos, no sentido de que a decisão de abrir vagas para concurso público escapa à esfera de atribuições dos dirigentes das entidades da Administração, entendendo o TCU que dilatar o limite final anteriormente imposto à Administração para até 31.12.2010, seria medida de justiça e razoabilidade.

6.5 Os gestores se vêem então em situação na qual a solução do problema reside em esfera alheia ao seu grau de decisão, o que pode levar ao impasse entre o cumprimento de eventuais determinações desta Corte de Contas, ou mesmo da Justiça, e a descontinuidade dos serviços prestados à sociedade. (trecho do Acórdão TCU n.º 1520/2006).

O citado acórdão pode ser lido como uma espécie de acordo entre o Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão e o TCU, assemelhando-se a um termo de ajustamento de conduta.

O Princípio da Continuidade do Serviço Público é consagrado no direito brasileiro, podendo ser extraída de diversas normas a preocupação com a solução de continuidade dos serviços públicos essenciais. Como exemplo, a greve no serviço público depende de regulamentação por Lei específica (art. 37, VII); aos contratos administrativos se veda a alegação, pelo particular, da exceção do contrato não cumprido.

É certo que a continuidade do serviço público não tem caráter absoluto, mas constitui regra geral, assim como o Princípio do Concurso Público, que também possui dignidade constitucional e deve ser respeitado. Pergunta-se: E se persistirem conflitos entre esses Princípios?

Os princípios constitucionais, segundo Celso Ribeiro Bastos [05], são aqueles valores albergados pelo Texto Maior a fim de dar sistematização ao documento constitucional, de servir como critério de interpretação, e, finalmente, o que é mais importante, espraiar os seus valores e pulverizá-los sobre todo o mundo jurídico.

No plano abstrato, o intérprete estará operando com princípios jurídicos de mesmo valor, que convivem em um sistema normativo complexo. Entretanto, no caso concreto, havendo colisão entre tais valores será necessário realizar um juízo de ponderação, cuja solução poderá consistir no triunfo de um sobre o outro.

Barroso [06] exemplifica os conflitos que são resolvidos pela ponderação de valores: a) a relativização da coisa julgada (colisão entre o princípio da segurança jurídica e valores tais como o da justiça); b) eficácia horizontal dos direitos fundamentais (aplicação das normas constitucionais às relações privadas); c) contraste entre a liberdade de expressão e o direito à informação com o direito à honra, à imagem e à privacidade.

Enfim, a opção pelo postulado preponderante se dá em duas etapas: a) concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível de cada um dos interesses em disputa; ou, no limite, b) escolha do direito que irá prevalecer, em concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional.

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O conflito entre os Princípios do Concurso Público e da Continuidade do Serviço Público foi objeto do o Acórdão TCU Plenário nº 1520/2006, processo n° 020.784/2005-7:

Acórdão

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação a respeito de proposta do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para a substituição gradual de trabalhadores terceirizados em situação irregular no âmbito da Administração Pública Federal por servidores concursados.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, diante das razões expostas pelo Relator, em:

9.1. conhecer desta representação, para o fim de:

9.1.1. tomar ciência da proposta oferecida pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para diminuir gradualmente, entre os anos de 2006 e 2010, a terceirização irregular de postos de trabalho na Administração Pública Federal Direta, autárquica e fundacional, mediante a substituição dos terceirizados por servidores concursados, nos termos do seguinte cronograma:

(...)

9.1.2. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que finalize, no prazo de seis meses da publicação desta decisão, o levantamento do quantitativo de trabalhadores terceirizados que não executam atividades previstas no Decreto nº 2.271/97, incluindo aqueles que neste momento ainda não estão identificados, tanto quanto possível, no cronograma referido no subitem anterior;

9.1.3. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que informe ao Tribunal as alterações que porventura se fizerem necessárias no cronograma de substituição proposto, inclusive no que se refere à quantidade de postos de trabalho previstos;

9.1.4. prorrogar, até 31/12/2010, os prazos fixados por deliberações anteriores deste Tribunal que tenham determinado a órgãos e entidades da Administração Direta, autárquica e fundacional a substituição de terceirizados por servidores concursados;

9.1.5. determinar à Secretaria Federal de Controle Interno que faça constar das tomadas de contas anuais do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, relativas aos exercícios de 2006 até 2010, observações sobre o cumprimento do cronograma proposto para substituição de trabalhadores terceirizados por servidores concursados;

9.2. dar conhecimento deste acórdão, acompanhado do voto e do relatório que o fundamentam:

9.2.1. aos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal;

9.2.2. ao Presidente da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados;

9.2.3. à Ministra-Chefe da Casa Civil da Presidência da República;

9.2.4. ao Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão;

9.2.5. ao Procurador-Geral da República;

9.2.6. ao Secretário Federal de Controle Interno;

9.3. determinar à Segecex que cientifique todas as Unidades Técnicas do TCU deste acórdão; e

9.4. arquivar o processo.

Na tentativa de ponderar os Princípios em conflito, e levando em consideração que o MPOG não vem autorizando a realização de concursos públicos, a Corte de Contas aceitou a contratação de terceirizados como alternativa possível para evitar a solução de continuidade d execução dos serviços públicos, decidindo por prorrogar – até 31/12/2010 – os prazos anteriormente assinalados para a definitiva substituição dos terceirizados por servidores concursados.


Conclusões

Em síntese, a terceirização de serviços na Administração Pública há de observar algumas condições, sob pena de burla à Lei de Responsabilidade Fiscal e ao inciso II do art. 37, da Constituição da República.

O vínculo deverá se formar entre a Administração Pública (tomadora de serviço) e a empresa contratada (fornecedora de mão-de-obra); Não poderá existir subordinação e pessoalidade (relação de emprego) entre o terceirizado e a Administração pública; É imprescindível que não existam cargos que absorvam as atribuições do serviço contratado; Os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra, que se referem à substituição de servidores e empregados públicos, poderão vir a ser contabilizados como outras despesas com pessoal (art. 18, §1º, da LRF).

Enfim, são diversos os pontos negativos da terceirização ilícita, a exemplo da perda de qualidade nos serviços públicos prestados e a maior dificuldade de gerenciamento, mormente porque não há poder de mando sobre os terceirizados. Além disso, há o risco de responsabilização da administração por dívidas inadimplidas, e do administrador, pessoalmente, por improbidade administrativa.


Referências Bibliográficas

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/7547. Acesso em: 25 set. 2010.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, São Paulo: Saraiva, 2000.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2008.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2009.

MELLO, Celso Antônio bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 2ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2007.

SANTOS CARVALHO FILHO, José dos. Terceirização no setor público: encontros e desencontros. Fórum de Contratação e Gestão Pública FCGP. Disponível em: http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=57555. Acesso em: 15 agost. 2010.


Notas

  1. SANTOS CARVALHO FILHO, José dos. Terceirização no setor público: encontros e desencontros. Fórum de Contratação e Gestão Pública FCGP. Disponível em: http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=57555>. Acesso em: 15 agost. 2010.
  2. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2009, p. 783.
  3. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2008, p. 459.
  4. MELLO, Celso Antônio bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 2ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2002, p. 55.
  5. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 154.
  6. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/7547. Acesso em: 25 set. 2010.
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Sobre a autora
Mariana Wolfenson Coutinho Brandão

Procuradora Federal e pós-graduada em Direito Civil, Empresarial e Processual Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, Mariana Wolfenson Coutinho. Questões controvertidas acerca da descentralização de serviços na administração pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2654, 7 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17518. Acesso em: 16 dez. 2024.

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