Resumo: O presente trabalho analisa a polêmica questão da constitucionalidade das prisões cautelares, tendo em vista o princípio constitucional da presunção de inocência. No entanto, a despeito da paridade hierárquica entre a possibilidade de custódia cautelar e o princípio da não-culpabilidade, bem como do caráter excepcional das prisões provisórias, a problemática aqui em voga é estudada à luz da ponderação de valores constitucionais. Desta forma, com base nesta novel técnica de hermenêutica constitucional, discorremos acerca da legitimidade do Estado em suprimir direitos e garantias constitucionais do réu em sede processual penal, tecendo breves comentários acerca do chamado "direito penal do inimigo".
Palavras-chave: Prisão processual; Presunção de inocência; Ponderação de valores; Constitucionalismo moderno; Direito penal do inimigo.
1. INTRODUÇÃO
Questão palpitante na moderna processualística penal diz respeito à constitucionalidade da prisão cautelar, tendo em vista o Princípio da Presunção de Inocência (ou da Não-Culpabilidade), bem insculpido no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.1
Isso porque, paralelamente às garantias substanciais de liberdade, a denominada "Constituição Cidadã" previu hipóteses excepcionais de constrição de liberdade prescindíveis de uma sentença penal definitiva. Dentre estas, enfatizemos as chamadas prisões processuais.
É corrente o entendimento de que as prisões cautelares são perfeitamente admissíveis, não se confrontando com o postulado da presunção de inocência, desde que sejam pautadas em regras de excepcionalidade, consubstanciadas no binômio necessidade/fundamentação.
De outro lado, respeitáveis opiniões tangentes à inconstitucionalidade, e conseqüente inadmissibilidade, das prisões provisórias, vez que, nos ditames legais, ninguém será considerado culpado até que sobrevenha uma sentença penal condenatória transitada em julgado.
Ocorre que a situação em testilha não deve ser analisada estritamente nesses fundamentos, de uma ou outra corrente. A nosso sentir, o ponto central da problemática demanda pensamentos e reflexões a respeito da "ponderação de valores constitucionais", embasada na máxima jurídica de que todo direito é relativo, não existindo direitos, ainda que fundamentais, taxados de "absoluto".
Nesse diapasão, buscaremos, com a devida vênia, enfatizar a solução desse aparente conflito de direitos e garantias fundamentais, de um lado a presunção de inocência, e, de outro, a possibilidade de custódia preventiva, à luz do sopesamento de elementos conflitantes.
2. NOVAS TENDÊNCIAS: PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL
A dogmática processual penal, como apêndice da dogmática jurídica, sua matriz originária, não fornece elementos suficientes para mitigar a insondável incongruência existente entre a normatividade (dever ser) e a realidade social (ser). Ocorre que, nos sábios dizeres de BARATTA (1998, p. 278), "[...] la distancia entre conflicto real y conflicto procesal, es notoriamente aumentada en el procedimiento penal".
Sob este prisma, com o intuito de tentar diminuir este abismo ora relatado, o debate acerca da constitucionalidade da prisão provisória, bem como da legitimidade do Estado em encarcerar um indivíduo ainda não considerado "culpado" deve, indubitavelmente, ser precedido por singelos comentários acerca da novel tendência garantista em interpretar o processo penal à luz da Constituição da República.
Com a promulgação da Carta Política de 1988, precedida de um negro período de Ditadura Militar, no qual eram constantes as violações a direitos e garantias fundamentais do homem, passou-se a repensar o limite de intervenção do "Leviatã" na esfera de liberdade do jurisdicionado, fator decisivo na tendência garantista-penal do constituinte originário.
Num breve escorço histórico, importante relembrar que, a partir do momento em que o Estado proíbe a justiça privada, inclusive tipificando como crime o exercício arbitrário das próprias razões2, passa a ter não só o poder, mas também o dever, de solucionar as lides, o que se dá por meio da jurisdição.
No entanto, tal incumbência deve ser exercida nos estritos limites do necessário e razoável, haja vista o contrato social firmado entre Estado e jurisdicionados, no qual estes cedem parcela de sua liberdade para, em troca, receberem proteção (lato sensu), só permite a superposição da esfera pública sobre a esfera privada havendo fundada imperiosidade.
Nessa esteira de raciocínio, podemos afirmar que o processo, que é o principal meio pelo qual se exerce a jurisdição, deve ser interpretado à luz do constitucionalismo, embasado na idéia de que é da Constituição da República que se extraem os valores fundamentais do ser humano.
Se o processo, de um modo geral, deve ser visado à luz da Carta Maior de um Estado-político, com maior razão o processo penal, máximo cerceador das liberdades e garantias individuais do cidadão, assim também deve sê-lo, muito embora se vislumbre "um certo fascínio pelo Direito infraconstitucional, a ponto de se ‘adaptar’ a Constituição às leis ordinárias". (STRECK, 2002, p. 30-31).
Nesse ínterim, referindo-se categoricamente ao garantismo em sede processual penal, Gerber (2003, p. 81) assevera que "as idéias de liberdade, igualdade e fraternidade acabaram por fornecer ao direito penal um caráter de racionalidade e, consequentemente, de menos danosidade ao indivíduo [...]".
Ocorre que interpretar o processo penal à luz da Constituição não significa, como pensa a maioria, pautar-se a exegese estritamente em isolados dispositivos selecionados, mas sim interpretá-lo sistematicamente, como um todo, tendo como sustento básico os princípios constitucionais, conforme nos direciona a melhor hermenêutica.
Assim, no âmbito penal, um verdadeiro processo constitucional deve não só priorizar o respeito às garantias processuais do réu, oportunizando-lhe efetivos meios de defesa, como também cotejá-las com os valores materializados pela sociedade, também de cunho normativo constitucional, tais como a dignidade da pessoa humana, a segurança pública e a paz social.
Entra-se em pauta, pois, a possibilidade de encarceramento provisório do acusado em sede processual penal, em detrimento de sua presunção de inocência, sem, contudo, afastarmos de um legítimo processo penal constitucional.
3. Prisão processual e Princípio da não-culpabilidade: Estudo à luz da ponderação de valores constitucionais
3.1. Hermenêutica constitucional e pós-positivismo: a ponderação de valores
O moderno constitucionalismo passa por avanços vertiginosos. Ultrapassado o período do jusnaturalismo, que se fundava na existência de direitos inerentes ao ser humano, independente de legislação, bem como o período do positivismo jurídico, que primava pelas normas postas pelo Estado, passa-se a se falar em pós-positivismo, referindo-se a normatização constitucional daqueles princípios jusnaturalistas.
Na medida em que nossa Carta Maior passa a positivar os princípios básicos reguladoras da vida em sociedade, dando-lhes status de verdadeiras normas jurídicas, nosso ordenamento jurídico passa a conviver, hodiernamente, com conflitos de direitos e interesses fundamentais, restando ao operador do direito a árdua tarefa de solucioná-los.
Discorrendo sobre o tema, bem salienta Barroso (2004, p. 349/350):
A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade da pessoa humana.
Conforme bem lembrado por Freire Soares (2008, p. 111), na nova hermenêutica constitucional, "[...] rejeitam-se, assim, as noções de distanciamento, neutralidade valorativa e função descritiva da ciência jurídica, para incorporar-se as idéias de compromisso, intervenção axiológica, prioridade prática e caráter político do conhecimento científico do Direito".
É neste contexto de pós-positivismo e constitucionalismo moderno que se insere o presente trabalho, dando ênfase à dialética entre a possibilidade de se decretar prisão provisória, que visa, na maioria das vezes, a preservação da paz social e da ordem pública, e o princípio do estado de inocência, ambos consagrados normativamente por nossa Constituição Política de 1988.
Entra-se, em cena, pois, a técnica da ponderação de valores, regra-mestra da moderna hermenêutica constitucional, que permite ao julgador, diante uma dialética nevrálgica entre direitos/princípios de mesma hierarquia, sopesar os valores intrínsecos nas normas litigiosas, solucionando o conflito "[...] da maneira menos traumática para o sistema como um todo, de modo que as normas em oposição continuem a conviver, sem a negação de qualquer delas, ainda que em determinado caso concreto elas possam ser aplicadas em intensidades diferentes" (BARCELLOS, 2003, p. 57).
Com efeito, a ponderação de valores poderá e deverá ser aplicada nos casos em que, ainda que de forma aparente, haja conflito entre normas e/ou princípios de mesma hierarquia, buscando, desta maneira, uma solução adequada à questão, que se coadune com o sistema normativo constitucional de determinado Estado.
3.2. Prisões provisórias em face do Princípio da Presunção de Inocência: constitucionalidade e ponderação de valores
Como dito alhures, a Constituição Federal de 1988, embasada no moderno constitucionalismo pós-positivista, normatizou, explicitamente, dentre o rol dos direitos e garantias fundamentais, mais especificamente em seu artigo 5º, inciso LVII, o princípio da presunção de inocência (ou da não-culpabilidade).
Oportuno lembrar que, coadunando-se com a visão constitucional do processo penal, bem como com seu novo prisma acusatório, o legislador constituinte deu status de princípio ao estado de inocência. Na verdade, "[...] tratou-se de garantir a paz e a liberdade dos cidadãos em nível constitucional, em virtude dos sobressaltos decorridos do Estado autoritário existente antes". (FERREIRA, 1989, p. 181-182).
Diante disso, fervorosos debates afloresceram na doutrina e jurisprudência pátria acerca dos reflexos oriundos desta adesão constitucional ao postulado da não-culpabilidade, em especial no que tange à constitucionalidade das prisões cautelares.
Passado um certo tempo, foi-se cristalizando o entendimento de que a decretação das prisões acautelatórias não ofende o postulado do estado de inocência, eis que a possibilidade de se decretar a custódia cautelar também encontra amparo constitucional (artigo 5º, incisos LXI e LXVI, CF/88), estando no mesmo patamar hierárquico do axioma da não-culpabilidade, além de que só se legitima a prisão processual de forma excepcional, desde que a autoridade judiciária competente fundamente a necessidade desta medida provisória.
Os próprios constitucionalistas, a exemplo de Alexandre de Moraes (2002, p. 386), já manifestaram-se quanto à validade (em sentido amplo) das prisões cautelares3, a saber:
A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continuam sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção juris tantum de não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis. Dessa forma, permanecem válidas as prisões temporárias, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsito em julgado.
No entanto, questão tormentosa que subsistia dentre os juristas pátrios dizia respeito à constitucionalidade das regras estabelecidas pelos artigos 594 e 595, da Carta Processual Penal4, a saber, respectivamente: O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto; Se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta a apelação.
Sobre tal problemática, bem ponderou Mirabete (2003, p. 1.494):
Diante do art. 5º da Constituição Federal de 1988, que prevê no inciso LVII que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória, e do inciso LXVI, que diz que ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitira a liberdade provisória, com ou sem fiança, chegou-se a defender a tese de que o juiz não poderia mais determinar a prisão senão quando a sentença transitasse em julgado, ou ao menos que seria necessário para o recolhimento à prisão uma decisão fundamentada. Entretanto, a ordem de recolher-se o réu à prisão para possibilitar o processamento do recurso não significa considera-lo culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
No mesmo sentido, ressalvando que a lei deve indicar, mediante requisitos objetivos ou subjetivos, a imperiosidade da custódia cautelar, afirmou categoricamente Nucci (2006, p. 954) que "não fere o princípio da presunção de inocência estabelecer como regra o recolhimento à prisão para poder recorrer".
Por ocasião do embate referido, foi editada pelo Superior Tribunal de Justiça a Súmula 09, estabelecendo o quanto segue: A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência.
Todavia, decorrido um lapso temporal razoável, julgados surgiram dando novos contornos à celeuma, entendendo, por vezes, subsistir uma afronta direta ao postulado do duplo grau de jurisdição5. Confira-se, a respeito, voto do Min. rel. Ricardo Lewandowski, no julgamento do HC 88420/PR (DJ 8.6.2007, p. 37)6:
O reconhecimento do direito ao duplo grau de jurisdição, no caso sub judice, é importante ressaltar, não infirma a legalidade da custódia cautelar decretada em desfavor do paciente, de resto, como visto, não questionada neste writ, podendo ela subsistir, independentemente de admitir-se o processamento do recurso do paciente.
Em decorrência de fortes precedentes, a exemplo do acima transcrito, é que a Terceira Turma do STJ editou, recentemente, o verbete 347, sumulando o entendimento de que "o reconhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão".
Seguindo essa forte tendência, sobreveio-se, aos 20 de junho de 2008, a Lei n. 11.719, que, em seu art. 3º, revoga expressamente o art. 594 do Código Processual Penal.
Pois bem. A despeito de tais considerações, certo é que o entendimento sumular do STJ e a novel legislação penal não ensejam a inconstitucionalidade da prisão processual. Não. Eles apenas ratificam o posicionamento já existente a respeito da ofensa ao duplo grau de jurisdição, de forma precípua, e à presunção de inocência, de forma oblíqua, pelos artigos 594 e 595 do Diploma Adjetivo Penal.
Ademais, soava-se extremamente estranho admitir a custódia cautelar do indivíduo tão-somente pela superveniência de uma sentença condenatória recorrível, sem que tivessem presentes os requisitos da necessidade e excepcionalidade. O que não se pode negar, todavia, é que a fuga do réu após a sentença penal gera um forte indício de imperiosidade do encarceramento provisório.
Conclui-se que, conquanto a sentença penal condenatória recorrível não mais constitua pressuposto de admissibilidade do recurso de apelação do réu, nada obsta que, havendo necessidade, mormente para assegurar a aplicação da lei penal, pode o juiz determinar a custódia cautelar do agente após a sentença penal condenatória, desde que, obviamente, fundamentalmente razoada.
Malgrado o afloramento da discussão sobre a presunção de inocência alarmar-se sobre a questão do conhecimento de recurso de apelação do réu que, condenado em primeiro grau, não se recolhe à prisão, a problemática em voga não se exaure neste ponto.
Afora a mixórdia acima enfrentada, vislumbra-se que a doutrina e jurisprudência brasileira, de forma preponderante, sempre defenderam a constitucionalidade das prisões provisórias em face do Princípio da Presunção de Inocência, utilizando como fundamentos: a) mesma hierarquia entre as regras conflitantes; b) excepcionalidade das prisões cautelares.
Embora não discordemos das premissas acima defendidas, a constitucionalidade das prisões processuais em face do postulado da inocência pode ser embasada também sob a ótica da ponderação de valores constitucionais, haja vista que esta nova regra de hermenêutica constitucional legitima a tese de validade das prisões provisórias, máxime por ter como seu suporte a própria Constituição Federal.
Nesse diapasão, assevera Luís Roberto Barroso (2004, p. 330):
A denominada ponderação de valores ou ponderação de interesses é a técnica pela qual se procura estabelecer o peso relativo de cada um dos princípios contrapostos. Como não existe um critério abstrato que imponha a supremacia de um sobre o outro, deve-se, à vista do caso concreto, fazer concessões recíprocas, de modo a produzir um resultado socialmente desejável, sacrificando o mínimo de cada um dos princípios ou direitos fundamentais em oposição.
Assim, perfeitamente aplicável a ponderação de valores constitucionais ao caso em testilha, eis que estamos diante do conflito entre o princípio/direito/interesse constitucional do réu de ser considerado inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e os princípios/interesses/normas referentes à paz social, segurança pública, e, por que não, dignidade da pessoa humana.
Em sede de conflitos de princípios fundamentais, como é o presente, Barroso (2004, p. 357) observa que não pode o intérprete simplesmente optar, de maneira absoluta, por uma norma em detrimento de outra em tese também aplicável. Ao contrário, por se tratar de documento dialético, deve a Constituição Federal sopesar os elementos conflitantes em jogo. Nos dizeres de Jorge Miranda (1998, p. 76), "a contradição dos princípios deve ser superada ou mediante a redução proporcional do âmbito de alcance de cada um deles, ou, em alguns casos, mediante a preferência ou prioridade de certos princípios [...]".
Veja-se que, ao contrário do que pensa boa parte da doutrina, a liberdade do réu não pode preponderar quando em conflito com todo e qualquer outro valor constitucional. Não. Na verdade, havendo possibilidade do réu colocar em risco bens jurídico-constitucionais relevantes, tais como a segurança pública e a dignidade da pessoa humana (também na acepção da vítima do delito), é de rigor manter-se a custódia cautelar, valendo-se o julgador da ponderação de valores constitucionais.
Tal regra de ponderação de valores coaduna-se com a própria característica de limitabilidade dos direitos fundamentais, conforme ensinamentos de Canotilho e Vital Moreira (1991, p. 134):
[...] a restrição de direitos fundamentais implica necessariamente em uma relação de conciliação com outros direitos ou interesses constitucionais e exige necessariamente uma tarefa de ponderação ou de concordância prática dos direitos ou interesses em conflito. Não se pode falar em restrição de um determinado direito fundamental em abstrato, fora da sua relação com um concreto direito fundamental ou interesse fundamental diverso.
Pelo exposto, constata-se a efetiva possibilidade de aplicação desta inovadora regra de hermenêutica constitucional ao axioma da inocência, objeto deste trabalho. Ora, se é certo que se devem conciliar os postulados constitucionais, é de rigor o reconhecimento acerca da constitucionalidade das prisões provisórias, desde que, logicamente, reflita seu caráter de excepcionalidade, fundada em necessidade e fundamentação.
A despeito do tratado, oportuno transcrever a seguinte ementa (JTJ 232/361):
TJSP: "Prisão preventiva – Decretação – Réu primário, sem antecedentes, com residência certa e ocupação lícita – Irrelevância – Prática de delito gravíssimo, violento e nitidamente comprometedor da paz pública – Constrangimento ilegal inocorrente – Ordem denegada".
Aufere-se do julgado em apreço que fora nitidamente observada a regra da ponderação de valores, uma vez que o direito à presunção de inocência do réu foi, em tese, afastado, privilegiando-se outro interesse fundamental, qual seja, a paz pública. Ao contrário do que muitos poderiam dizer, o julgador em tela não prescindiu da interpretação constitucional. Ao contrário, ele justamente embasou seu julgado em outros valores insculpidos na Carta Magna, a exemplo da segurança e paz pública.
Corroborando com tal entendimento, Tourinho (2001, p. 479) salienta que, embora a prisão cautelar possa ser injusta ao réu, "por outro lado, em determinadas hipóteses, a Justiça Penal correria um risco muito grande deixando o indigitado autor do crime em liberdade".
Na verdade, a ponderação de valores nada mais é do que a aplicação efetiva e concreta dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, cotejada com uma interpretação sistemática (ou unitária) da Carta Magna do Estado. Aliás, a despeito deste último, assim manifestou o Tribunal Constitucional Federal alemão (BVerfGV, 19, 206):
O princípio mais importante de interpretação é o da unidade da Constituição enquanto unidade de um conjunto com sentido teleológico-lógico, já que a essência da Constituição consiste em ser uma ordem unitária da vida política e social da comunidade estatal.
Contextualizando os institutos, é certo que os conflitos existentes entre estado de inocência e prisão cautelar dever-se-á pautar-se sob o manto da ponderação de valores, uma vez que esta técnica é a que, a priori, melhor atende aos ditames constitucionais, tendo em vista a exegese da Constituição como um todo, sistematicamente, não privilegiando somente um interesse fundamental em detrimento de outro, quiçá em detrimento de outros.