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O desporto e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Contribuição ao estudo do direito desportivo

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05/10/2010 às 15:47
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"O esporte é importante para modernizar nossa visão de mundo, porque socializa a gente, na derrota e na vitória"

Roberto da Matta

Resumo

GOMES, Danilo Araújo. O Desporto e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Contribuição ao estudo do direito desportivo.. 2009, 63 folhas Trabalho de Curso (TCC) – Faculdade Anhanguera de Osasco (FAO), Osasco/ 2009.

Este trabalho investiga as raízes históricas do esporte, com o objetivo de definir os contornos de sua evolução. Trata, ainda, da importância do esporte para o Estado contemporâneo. Aborda o desporto no âmbito do estudo do direito constitucional e procura identificar os elementos indispensáveis à caracterização e aplicação das normas constitucionais, a implementação das legislações infraconstitucionais e analisar o desporto como direito social, previsto pela primeira vez, com essa característica e importância, na Constituição Federal de 1988, sem prejuízo na inserção na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Empreende no estudo da importância da doutrina e jurisprudência como fontes do Direito. Discorre, por fim, sobre a autonomia e ramificação do Direito Desportivo.

Palavras-chave: Historia do Desporto – Eficácia das Normas Constitucionais – Direito Desportivo – Justiça Desportiva – Jurisprudência.

ABSTRACT

GOMES, Danilo Araújo. The Sport And The Constitution Of The Federative Republic Of Brazil In 1988. Contribution To The Study Of Sports Law. 2009, 63 sheets, Working Paper (WP) - Faculdade Anhanguera de Osasco (FAO), Osasco / 2009.

This research examines the historical roots of the sport with the aim of defining the contours of its evolution. This is also the importance of sport for the contemporary state. Approach to sport for the study of constitutional law and seeks to identify the elements essential to the characterization and application of constitutional norms, the implementation of infra-constitutional laws and analyze the sport as a social right, first predicted, with this feature and importance in the Constitution of 1988, subject to the inclusion in the Universal Declaration of Human Rights. Undertakes the study of the importance of doctrine and law as sources of law. He argues, finally, on the autonomy of the branch and Sports Law.

Keywords: History of Sports - Effectiveness of Constitutional Norms - Sports Law - Sports Court - Court.

SUMÁRIO: Resumo. Introdução.1O que é Desporto?. 1.1Evolução Histórica. 2Desporto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 . 2.1O Artigo 217. 2.2Os Princípios Desportivos. 2.3A Eficácia das Normas Constitucionais do Desporto. . 3desporto na Legislação infraconstitucional. 3.1Legislação Antes da Constituição Federal de 1988. 3.2Legislação após a Constituição de 1988. 3.2.1Lei 8.672 de 1993 (Lei Zico). 3.2.2Lei 9.615 de 1998 (Lei Pelé). 3.2.3Estatuto do Torcedor – Lei nº 10.671 de 2003. 3.2.4Lei de Incentivo ao Esporte – Lei nº 11.438 de 2006 e o Decreto nº 6.180 de 2007 . 4a contribuição da doutrina e da jurisprudÊncia ao estudo do direito desportivo. 4.1A Doutrina. 4.2A Jurisprudência dos Tribunais. 4.3A Jurisprudência da Justiça Desportiva. 4.4O Direito Desportivo: Ramo Autônomo do direito? . conclusão. referências bibliográficas


INTRODUÇÃO

O presente trabalho consiste na exposição do texto constitucional, na sua conciliação com as legislações infraconstitucionais sobre o desporto e na verificação da aplicação destas em nosso país. Tem por objetivo realçar a imagem do desporto demarcada no bojo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e analisar as legislações que existiam antes e as criadas após sua promulgação

O conhecimento da evolução do esporte desde seu surgimento, as primeiras competições, a importância na Grécia e em Roma, a criação das Olimpíadas, o surgimento do primeiro campeonato profissional, além da gradual evolução até a forma que conhecemos hoje, é de extrema relevância para a história do homem.

O esporte no Brasil tem um valor social acima da média, fato este comprovado pelo fato de a Constituição atual disciplinar o assunto elencando-o como sendo da Ordem Social, conferindo-lhe o tratamento devido. Trata-se, sem dúvida, de tema de grande atualidade e evidente relevância social, técnica e cientifica. O problema acionado acima busca averiguar o tratamento jurídico dispensado ao esporte no Brasil, em todos os níveis, seja ele educacional, de participação ou de rendimento.

O estudo realizado teve por objetivo explicar o que é desporto e os diferentes modelos de desenvolvimento; a eficácia das normas constitucionais e infraconstitucionais sobre o esporte; acompanhar o estudo doutrinário e jurisprudencial desportivo, no âmbito constitucional e infraconstitucional e verificar e argumentar sobre as legislações que disciplinam o assunto.

Entretanto devemos buscar na legislação, doutrina e na jurisprudência a contribuição necessária ao estudo do Direito Desportivo, aproveitando o seu real valor, dentro de um ordenamento jurídico, como fontes do Direito.


1.O que é Desporto?

Grande parte da sociedade sabe o que representa, mas não consegue expressar o real significado da palavra. De acordo com o Dicionário Domingos Paschoal Cegalla [01], "desporto" é o "conjunto de exercícios físicos praticados com método; esporte". A definição da palavra é dada direcionando-a para outro verbete, "esporte" e este é representado por "1. Prática metódica de exercícios físicos; 2. Exercício praticado com método, regras específicas, individualmente ou em equipes; 3. Divertimento; passatempo; 4. Diz-se de roupa "normal". Os diferentes significados da palavra nos remete à conclusão de que há diversas formas de desenvolvimento e aplicação do termo. Exemplo disso é o fato da palavra esporte significar divertimento, passatempo, contrastando com o trabalho, em forma de esporte, gerador de altos rendimentos. Os contrastes serão expostos nos próximos capítulos.

Focando ainda a pesquisa sobre a palavra para nortear o tema, a enciclopédia PAPE [02] dá a seguinte definição: "é toda a atividade que visa ao aperfeiçoamento físico, mental, manual quer seja através de competição, exercícios ou passatempo. (...) O esportista pode ser amador ou profissional". O esporte, como foi exposto, pode ser subdividido em modalidades, categorias, divisões entre outros, mas todas essas subdivisões aconteceram graças a estudos detalhados e à evolução sistemática dos esportes.

1.1.Evolução Histórica

A origem do esporte sempre foi uma coisa impossível de se determinar, mas como expressa Orlando Duarte em sua obra "História dos Esportes" [03], "O esporte sempre acompanhou o homem. A necessidade fez com que ele praticasse natação, arco-e-flecha, luta e outros". O homem aprendeu o esporte por uma necessidade natural do seu dia-a-dia e através da repetição de gestos chegou a aprimorar seus exercícios, tornou-os habituais em sua vida, e adaptou-os à demonstração física, em busca do melhor domínio de seus movimentos e do seu aperfeiçoamento atlético.

Existem indícios de práticas esportivas há 45 séculos antes do nosso. No Japão, já existia em 4.500 a.C um jogo por nome de Kemari que era muito parecido com o Futebol. No Egito, na necrópole de Beni-Hassan, foi encontrado um mural com figuras praticando luta, e o material foi datado como de antes de 1850 a.C. O mural do Egito foi um dos vários indícios da prática secular do esporte. Há dados de que, em 1830 a.C, na Irlanda já eram praticadas provas de arremessos e de que na Noruega já existiam os primeiros esquiadores. Na mesma época, na Rússia, surgiram os primeiros pescadores e remadores. Em Creta, em 1500 a.C já se praticava o pugilismo. Até um jogo que podemos considerar um dos patriarcas do futebol, que se chamava "pelota", foi criado entre 1300 e 800 a.C.

Na Ilíada de Homero, no canto XIII, escrito por volta de 1200 a.C, Homero escreveu versos que falavam sobre os "Jogos Fúnebres" razões por que podemos tratá-lo como um dos pioneiros no jornalismo esportivo. Porém, foi na Grécia que o esporte deu um exemplo de organização, quando foram criados em 776 a.C, os Jogos Olímpicos Gregos. Este modelo foi copiado no século XIX na criação dos atuais Jogos Olímpicos que, no início tinham apenas uma importância regional. Com o tempo, os Jogos Olímpicos passaram a ter seu próprio calendário e começaram a ser disputados de quatro em quatro anos.

As primeiras corridas de atletismo são datadas de 720 a.C. Já a Luta e o Pentatlo [04] foram introduzidos nos Jogos Olímpicos de 708 a.C. E as evoluções nas modalidades olímpicas continuaram e, de tempos em tempos, foram sendo acrescentadas novas modalidades. Em 648 a.C. entra o pugilismo, em 632 a.C as competições juniores, para jovens entre 16 e 18 anos.

O esporte sempre foi importante para a sociedade, desde servir para treinar um exército para a guerra a formas de entretenimento para povo. A maior prova disso observou-se em 580 a.C quando foram instituídos prêmios em dinheiro para os campeões, e deu-se início ao profissionalismo do esporte. Os vencedores ganhavam 500 dracmas, além de ânforas de óleo de altíssimo valor. Vale lembrar que mulheres e escravos não participavam dos jogos.

O esporte continuou a crescer e não só na Grécia ou em Roma, mas em todo o mundo antigo. E cada vez mais foram sendo criadas novas modalidades esportivas. O alpinismo começa a ser praticado entre 1336 e 1492. Em 1635, é criado na França o Jeu de paume, um jogo considerado como sendo o ancestral do jogo de tênis, nomenclatura pela qual atualmente o jogo é conhecido.

Na Itália, no dia 15 de fevereiro de 1488, na Praça de Santa Croce de Florença, acontece o primeiro jogo do "Calcio Florentino", aquele que pode reivindicar a paternidade do maior de todos os esportes dos tempos modernos, o futebol. O Calcio era praticado com duas equipes, brancos X verdes, com mais de 25 jogadores em cada um. As influências deste esporte são visíveis até hoje no futebol italiano, que se chama "CALCIO". O objetivo do jogo era levar a bola para o canto da praça utilizada. Chutar sempre foi uma forma de o homem expressar sua raiva. Isso somado aos problemas sociais vividos na época, tornava o jogo mais violento, fato este que levou o Rei Eduardo II a decretar uma lei proibindo a prática do esporte. A nobreza teve que reformular o esporte para inibir a violência e colocou no jogo um grupo de 12 árbitros para cobrar o cumprimento da regra.

Na Inglaterra, no século XVII, importaram o Calcio da Itália. Era a época em que o jogo sofria as mudanças de regras devido aos problemas de violência. E as mudanças continuaram na Inglaterra. Uma das alterações que sofreu quando chegou em terras britânicas, foi deixar de ser praticado em praça para ir para os campos. Foi estipulado o tamanho do campo, 120 por 180 metros, os postes mudaram de nome e passaram a se chamar "gol" e a bola foi feita de couro enchida de ar. Diferente do pai italiano, o football [05] tinha regras bem claras e objetivas e começou a ser praticado pelo estudantes e filhos da nobreza inglesa.

Por que o futebol cresceu tanto? Essa é uma das questões que passam pela cabeça de qualquer pessoa que deseja saber um pouco mais do esporte. Essa questão foi respondida pelo pesquisador David Winner [06] na sua obra "Those Feet: a Sensual History of English Football";

"O império britânico teve seu apogeu no reinado da rainha Vitória [07], nesse período a Inglaterra chegou a dominar um quarto do planeta, havia um temor de que a autoridade britânica fosse corroída pela decadência sexual, como o que teria acontecido com o Império Romano. A violência e a disciplina seriam armas contra a promiscuidade".

Em terras britânicas, inicialmente, o futebol virou a arma a ser utilizada contra a masturbação, difundindo-se equipes nas igrejas, escolas e, mais tarde, passou a ser praticado também pelos trabalhadores das zonas industriais. Como citado por Winner "para manter as cabeças ocupadas e as mãos dos garotos ocupadas os diretores das escolas da Inglaterra impuseram a eles prática intensiva de um novo esporte praticado com os pés"

E a somatória de todos esses fatores, tornou o esporte o mais praticado do mundo. A criação de oito equipes que hoje participam da premier league [08] foi nessa época.

No século XIX, no ano de 1896, o Barão Pièrre de Coubertin, um aristocrata francês, reorganizou os jogos para tentar recuperar o espírito integrador dos primeiros Jogos Olímpicos e organizou as Olimpíadas de Atenas em 1896. Após isso elas voltaram a ser realizadas de quatro em quatro anos e, desde então, os jogos só foram interrompidos durante as duas grandes guerras mundiais.

Inicialmente os jogos só eram disputados por atletas amadores, mas a partir das Olimpíadas de 1992 em Barcelona, foram abertos aos atletas profissionais. Os Jogos sempre são uma vitrine onde o mundo todo se expõe, e por isso sempre foram palco para confrontos políticos e reivindicações. Houve problemas extremos, como o que ocorreu em Munique em 1972, ocasião em que a comitiva Israelense disputava a sua segunda Olimpíada, quando terroristas extremistas palestinos invadiram o alojamento e fizeram seus membros reféns. Ao final da ação foram assassinados 11 atletas. Outro momento em que a política interferiu no mundo olímpico aconteceu durante os Jogos de 1980, realizados em Moscou, no ápice da Guerra Fria. Os Estados Unidos e mais sessenta países boicotaram os Jogos por causa da invasão soviética no Afeganistão. Os atentados à bomba nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996, geraram outro momento tenso na história do esporte olímpico.

Mas nem só de passagens tensas vivem os Jogos Olímpicos. Houve momentos em que o esporte deu uma mostra de sucesso diplomático, não alcançado, muitas vezes, nas políticas entre países. Um exemplo muito claro disso ocorreu nas Olimpíadas de Sidney (2000) e Atenas (2004) onde a Coréia do Norte e a Coréia do Sul disputaram os Jogos sob a mesma bandeira. O sucesso não pôde ser repetido em Pequim em 2008, devido a problemas nucleares da Coréia do Norte que abalaram todas as relações diplomáticas.

A luta das mulheres para participar das Olimpíadas também foi muito marcante para a história dos Jogos. Contra a vontade dos organizadores e do Barão de Coupertin, elas conseguiram participar das Olimpíadas de Paris de 1900. Foram elas, seis tenistas e cinco golfistas e, desde então, a participação feminina só tem crescido. Nos Jogos de Amsterdã em 1928, já eram 277 mulheres. Nos primeiros Jogos Olímpicos após a Segunda Guerra Mundial em Helsinque, 1952, elas já contabilizavam 519. Nos Jogos Olímpicos de Atenas de 2004, foram 4.239 mulheres e as conquistas delas não acabam por aí. No dia 13 de agosto de 2009 o Comitê Olímpico Internacional (COI) decidiu por integrar mais uma modalidade feminina, o boxe, a partir dos Jogos Olímpicos de Londres em 2012.

As histórias dos atletas são cada vez mais heróicas e cheias de patriotismo, fazendo com que as Olimpíadas sejam o que foi idealizado na sua criação, na antiguidade e no seu ressurgimento em tempos modernos, integrando os povos, mostrando espírito de luta, superação e, assim, reduzindo as diferenças e aproximando todos do ideal de igualdade.


2.Desporto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

A Constituição Federal de 1988, uma das mais modernas do mundo, inovou e trouxe, pela primeira vez na história do Brasil, o esporte como uma das bases que constituem o Estado brasileiro. Como escreveu Uadi Lammêgo Bulos [09],

O subsistema constitucional do desporto visa à integração social do homem (Art. 217 da CF). Sua palavra de ordem é educar pelo esporte.

Uma das grandes inovações do dispositivo constitucional é o sentido amplo de que o esporte não se limita apenas à prática esportiva convencional, mas agrega a prática recreativa, de lazer e de divertimento, o que o coloca no rol dos direitos sociais, tipificado no artigo 6º da Constituição Federal.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Segundo Pedro Lenza [10], "o lazer está arrolado no artigo 6º como direito social, apresentando íntima relação com a idéia de qualidade de vida". Tendo em vista que a Ordem Social tem por princípios e objetivos promover o bem estar e a justiça social (Artigo 193 da CF/88), José Afonso da Silva [11], diz:

A constituição declara que a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. Aí estão explicitados os valores da ordem social. Ter como base o primado do trabalho significa pôr o trabalho acima de qualquer outro fator econômico, por entender que nele o homem se realiza com dignidade. Ter como objetivo o bem estar e a justiça sociais quer dizer que as relações econômicas e sociais do país, para gerarem o bem estar, hão de propiciar trabalho e condições de vida, material, espiritual e intelectual, adequada ao trabalhador e a sua família, e que a riqueza produzida no país, para gerar a justiça social, há equanimente distribuída. Nesse particular, a ordem social harmoniza-se com a ordem econômica

O bem estar social está previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem [12] no artigo XXV

1.Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.

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2.A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem é o espelho para as normas constitucionais brasileiras de caráter social. No caso do desporto, esse direito é contemplado na Ordem Social constitucional, como cita Chimenti [13],

Há, porém, outros direitos considerados necessários ao bem-estar que não estão previstos nos artigos 6º e 7º. Estão previstos na Ordem Social, e demonstram que não somente as necessidades materiais que devem ser supridas para que de efetive o bem-estar social. Há também a garantia do desenvolvimento intelectual e espiritual do homem. Assim o artigo 217 impõe ao Estado o implemento de pratica desportivas formais e não formais, como direito de cada um.

O esporte não faz apenas parte dos direitos sociais porque foi caracterizado como lazer, mas, porque ele serve como forma de promoção social, de educação, da saúde e de entretenimento. Como exposto anteriormente, a palavra-chave do artigo 217 da Constituição Federal de 1988 é "educar pelo esporte" e como cita Bulos [14] "Busca-se por seu intermédio, a expansão da personalidade humana, fomentando a política de saúde, o bem-estar e o lazer".

2.1O Artigo 217

A cabeça do art. 217, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, encerra "É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:". O esporte evoluiu através dos tempos e precisou ser disciplinado pelo Direito. No ordenamento jurídico brasileiro, ele foi subdivido em categorias para facilitar as formas de aplicação e disciplina. Essa subdivisão surge, no ordenamento jurídico atual, na Constituição Federal de 1988, quando expressa no artigo 217 "... práticas desportivas formais e não-formais...". É certo que a Constituição não disciplinou o que é cada uma exatamente. Esse trabalho coube à Lei 9.615 de 1998, conhecida como lei Pelé, que trouxe um capítulo sobre as disposições iniciais, totalmente inspirados no fundamento constitucional.

A prática desportiva formal é aquela regulada pelas regras nacionais e internacionais do esporte e administrada por entidade de organização esportiva, daí decorrendo a existência de outra subdivisão para distinguir as formas de tal prática, alcançando o desporto de rendimento. No tocante à prática não formal, como exposto pela lei Pelé, a mesma é "caracterizada pela liberdade lúdica de seus praticantes". A palavra lúdica, segundo o dicionário Domingos Paschoal Cegalla, significa "relativo ou pertencente a jogo, brinquedo ou divertimento" [15]. Como citado por José Ricardo Rezende [16]:

Com base nestes elementos e numa perspectiva de integração da LGSD [17], evidenciam-se relações lógicas, diretas e objetivas, estabelecendo conexões entre a prática desportiva e sua natureza e finalidade, que permitem concluir, com segurança:

• Que o desporto de rendimento é uma prática desportiva formal.

• Que o desporto de participação e o desporto educacional constituem prática desportiva não formal.

A utilização da expressão "Esporte Amador", é errada, como expõe Heraldo Luiz Panhoca [18]:

Por ser um conjunto de exercícios físicos, (individual ou por equipe) resta por enganosa a utilização da expressão esporte amador para designar uma modalidade (basquetebol, voleibol, handebol, futsal, natação. Ginástica, etc). Como constatado, inexiste o esporte amador; a expressão amador ou profissional não caracteriza uma qualidade da modalidade, mas sim do praticante, ou melhor, do indivíduo.

Por isso o constituinte corrigiu toda a forma como foi tratado o esporte, através da Constituição. Panhoca ainda continua expondo sobre porque da modificação

Dentro do conceito de esporte amador, que foi utilizado centenariamente, pelas confederações e clubes, para justificar o não pagamento de salários e outros benefícios decorrente dele, à inúmeros atletas.

O inciso I do artigo 217 da CF/88 dispõe "a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;". A norma constitucional dá o poder funcional para as referidas entidades, como forma de flexibilizar o modo de funcionamento para que elas alcancem os seus objetivos, com vida própria para que as mesmas consigam resolver os próprios problemas. Álvaro Melo Filho [19] cita:

Com autonomia os entes desportivos estão aptos a buscar fórmulas capazes de resolver seus problemas, enriquecendo a convivência e acrescentando à sociedade desportiva idéias criativas e soluções inovativas mais adequadas às peculiaridades de sua conformação jurídica (organização) e de sua atuação (funcionamento), desde que respeitados os limites da legislação desportivas nacional e resguardados os parâmetros das entidades desportivas internacionais.

Lembrando que autonomia não significa liberdade absoluta, mas liberdade nos moldes conferidos pelo ordenamento jurídico, que se inaugura pela própria Constituição Federal. Quer dizer, pois, que a noção de autonomia não afasta a de heteronomia.

Apesar da autonomia de funcionamento, o Estado brasileiro terá que destinar recursos públicos para fomentar a prática esportiva no país e está normatizado no inciso II do artigo 217.

O desporto educacional começa abiscoita uma diferenciação na Constituição Federal, no artigo 217, II, para o recebimento dos recursos públicos "A destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento."

Apesar de priorizada pela Constituição, a modalidade foi definida pela Lei Pelé, no artigo 3º, I, como sendo:

"Desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do individuo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer".

Nessa modalidade, em tese, não pode haver formas de seleção e sim ser difuso para todos os interessados em participar e aprender a praticar um esporte, para evitar assim a disputa e segregação entre os praticantes e os que desejam aprender a modalidade. A intenção desta modalidade é a de formar o cidadão e não apenas o atleta, incentivando-o a praticar o esporte como forma de formação física e mental de uma maneira saudável, e ainda diverti-lo.

O desporto educacional não é uma prioridade do Estado brasileiro apenas após a Constituição de 1988, mas também antes. Em 1971 com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei  5.692, em seu artigo 7º, instituíram-se as aulas de educação física no sistema de ensino nacional. "Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus...".

Desde então nunca mais as aulas de educação física deixaram de fazer parte das diretrizes da educação nacional. A Lei 9.394 de 1996, instituiu novas diretrizes para a educação brasileira e não deixou de fora a prática, apenas a tornou facultativa, para poder obedecer aos princípios constitucionais de direitos e garantias. A redação da nova legislação é do seguinte teor

Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

§ 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos

Houve duas alterações, sendo a primeira feita pela Lei nº 10.328, de 12.12.2001, que deu nova forma ao § 3º:

§ 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos

Mas essa alteração encontrou uma série de problemas, como, por exemplo, o crescimento do número de jovens obesos. Então o Poder Público logo corrigiu esse erro na Lei 10.793/2003 que deu uma nova redação ao parágrafo

§ 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno:

I – que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas;

II – maior de trinta anos de idade;

III – que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar, estiver obrigado à prática da educação física;

IV – amparado pelo Decreto-Lei no 1.044, de 21 de outubro de 1969;

V – (VETADO)

VI – que tenha prole.

E, com essa nova redação, só é liberada da prática, uma parcela dos alunos que não tenham alguma outra atividade inibidora da participação, em razão do trabalho, da necessidade de cuidar dos filhos, os maiores de 30 anos e os deficientes físicos nos termos do decreto-lei 1.044/69.

Com todo esse mecanismo de promoção, o Estado procura cumprir o dispositivo constitucional da prioridade ao desporto educacional, além de colocar quase todos os jovens e crianças que estudam no Brasil em contato com o esporte.

O desporto de participação é aquele "praticado de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos participantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e na preservação do meio ambiente".

É conhecido também como amador, já que é praticado de modo voluntário. Utilizado como promoção social e desenvolvido, na maioria das vezes, pelo Poder Público, tem como exemplo os Jogos da Cidade de São Paulo, promovidos pela Prefeitura da Cidade de São Paulo. Às vezes, é promovido pela iniciativa privada, como no caso da "Corrida Um Beijo Pela Vida", que é promovida pela AVON PRODUCTS INC. Independente da promoção ser feita pela iniciativa privada ou pelo poder público, a intenção é sempre de incentivar a melhoria da qualidade de vida, saúde e a preservação do meio ambiente.

A prática é caracterizada nas disputas que seguem as regras nacionais e internacionais do esporte, mas praticado de modo voluntário, contribuindo para integração dos praticantes, para a vida social, promoção da saúde, educação e preservação do meio ambiente. Como cita Pedro Lenza [20] "O dever do Estado é no sentido da preservação dos parques, áreas verdes, praias, lagos, com o objetivo de facilitar a prática desse desporto de lazer (LENZA, 2008, p. 721)".

O desporto de rendimento é a pérola do esporte nacional. Ele está definido no artigo 3º, III, da Lei Pelé, nos seguintes termos:

"Desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações"

A prática de rendimento é conhecida como esporte profissional. Entretanto, a pedido da norma constitucional do artigo 217, III, a seguir reproduzido, a Lei Pelé faz uma subdivisão da modalidade, em profissional e não profissional.

III - "o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional;"

A modalidade profissional está prevista no artigo 3º, parágrafo único, I da Lei 9.615/98 e tem como característica a "remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva". Não existe nada que impeça o atleta de ter contratos com outras pessoas jurídicas, mas o vinculo contratual não pode ser de vinculo esportivo, e sim de caráter de patrocínio. Com isso, a lei define o atleta profissional como o funcionário do clube, ou entidade esportiva. Uma característica muito peculiar dessa modalidade é que, na maioria das vezes, irá se aplicar às equipes de esporte coletivo, nisso diferindo do não profissional.

O atleta não profissional está definido na lei Pelé, no artigo 3º, parágrafo único, II, conforme transcrito: "Identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio". Essa espécie é aquela em que se enquadram, na maioria das vezes, os atletas de modalidades individuais, uma vez que eles independem de uma entidade desportiva, como um clube para participar de seus campeonatos.

A inscrição para participação em campeonatos individuais é feita em nome do atleta, o que a torna um direito personalíssimo (instituto do direito das obrigações), pois na maioria destes campeonatos somente o atleta que garanta o direito de participação por índices pessoais pode fazê-lo.

A Carta Magna brasileira, além de colocar na essência do Estado a promoção do esporte, definir as modalidades e elencar quais delas serão priorizadas em seu desenvolvimento, no artigo 217, IV, traz em seu texto a proteção das manifestações esportivas de criação nacional, quando determina "a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional".

A proteção às manifestações desportivas de criação nacional, não trata apenas de modalidades desportivas criadas no Brasil, mas como cita José Afonso da Silva [21] "Não significa que seja de invenção brasileira, mas que seja prática desportiva que já tenha sido incorporada aos hábitos e costumes nacionais". Com isso o constituinte procurou proteger, de todas as formas, as modalidades difundidas dentro do território brasileiro e não somente esportes como a capoeira, o beach soccer (futebol de areia ou de praia), futsal (futebol de salão), e outras tantas modalidades criadas por aqui. Visa sim, proteger, também, esportes como o futebol, vôlei, basquete, handebol, atletismo, vela, hipismo, ginástica, jiu jtsu e outros que são muito praticados em todo o país, que já tenham se sedimentado no cenário internacional como potência ou adquirido destaque pela qualidade de seus desportistas.

Com todo um sistema constitucional para proteger e fomentar a prática desportiva, a constituição novamente inovou e pela primeira vez, na história das constituições brasileiras, trouxe no bojo do artigo 217, dois parágrafos que reconhecem a Justiça Desportiva.

§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.

§ 2º - A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.

A Justiça Desportiva foi criada para, única e exclusivamente, julgar as questões inerentes a competições desportivas, tratando de questões relativas à disciplina. De caráter administrativo e, pois, extrajudicial, não integra o Poder Judiciário nacional, cujos órgãos têm sua sede localizada e fisionomia desenhada ao longo dos artigos 92 a 126, da Constituição Federal.

Inclusive, de acordo com a Resolução nº 10/2005 do Conselho Nacional de Justiça, estabeleceu-se a aplicabilidade, no particular, do artigo 95, parágrafo único, I, da Constituição Federal que diz:

Art. 95. Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;

II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;

III - dedicar-se à atividade político-partidária.

IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

A resolução do CNJ decidiu por aplicar o dispositivo constitucional, entendendo que a Justiça Desportiva é independente e não integra o Poder Judiciário. Com isso ficou vedado aos magistrados o exercício junto àquela instância.

No voto que vedou a participação dos magistrados, expõe Pedro Lenza [22]:

Segundo noticiado, de acordo com o então Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Antonio de Pádua Ribeiro, em 2005 eram cerca de 100 magistrados que atuavam na Justiça Desportiva: "Para o ministro, não é permitido ao desembargador o exercício de cargo de direção ou cargo técnico de sociedade civil, associação ou fundação de qualquer natureza ou finalidade. Essa, como argumentou em seu voto, é a forma que a sociedade encontrou de assegurar a independência e o cumprimento, pelo magistrado, de seus deveres e funções, com presteza, correção e pontualidade" (Noticias do STF, 23.12.2005)

No artigo 50 da Lei Pelé, estipula-se a competência da justiça desportiva, limitando-a ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições esportivas. Determina, ainda, que seus órgãos sejam criados pelas próprias ligas e seus custos suportados pela entidade de administração do Desporto, como mostra o artigo:

Art. 50. A organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva, limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas, serão definidas em códigos desportivos, facultando-se às ligas constituir seus próprios órgãos judicantes desportivos, com atuação restrita às suas competições. (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)

§ 1º As transgressões relativas à disciplina e às competições desportivas sujeitam o infrator a:

I - advertência;

II - eliminação;

III - exclusão de campeonato ou torneio;

IV - indenização;

V - interdição de praça de desportos;

VI - multa;

VII - perda do mando do campo;

VIII - perda de pontos;

IX - perda de renda;

X - suspensão por partida;

XI - suspensão por prazo.

§ 2º As penas disciplinares não serão aplicadas aos menores de quatorze anos.

§ 3º As penas pecuniárias não serão aplicadas a atletas não-profissionais.

§ 4º Compete às entidades de administração do desporto promover o custeio do funcionamento dos órgãos da Justiça Desportiva que funcionem junto a si. (Incluído pela Lei nº 9.981, de 2000)

Apesar de serem custeados pelas entidades de administração do esporte, os órgãos que integram a Justiça são independentes, como expresso no artigo 52 da referida legislação.

Art. 52. Os órgãos integrantes da Justiça Desportiva são autônomos e independentes das entidades de administração do desporto de cada sistema, compondo-se do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades nacionais de administração do desporto; dos Tribunais de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades regionais da administração do desporto, e das Comissões Disciplinares, com competência para processar e julgar as questões previstas nos Códigos de Justiça Desportiva, sempre assegurados a ampla defesa e o contraditório. (Redação dada pela Lei nº 9.981, de 2000)

§ 1º Sem prejuízo do disposto neste artigo, as decisões finais dos Tribunais de Justiça Desportiva são impugnáveis nos termos gerais do direito, respeitados os pressupostos processuais estabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 217 da Constituição Federal.

§ 2º O recurso ao Poder Judiciário não prejudicará os efeitos desportivos validamente produzidos em consequência da decisão proferida pelos Tribunais de Justiça Desportiva

A organização da Justiça Desportiva é muito parecida com a organização do Poder Judiciário, e com o intuito de oferecer um processo justo, também obedece ao principio do duplo grau de jurisdição e, segundo Pedro Lenza [23], é organizada da seguinte forma:

Comissões Disciplinares: com competência para processar e julgar as questões previstas nos Código Justiça Desportiva;

Tribunal de Justiça Desportiva: funcionando junto às entidades regionais da administração do desporto;

Superior Tribunal de Justiça Desportiva: funcionando junto às entidades nacionais de administração do desporto.

Mesmo com todos os mecanismos para promoção independente da Justiça Desportiva, fomentados pela Constituição Federal de 1988, ainda assim nós vemos que o constituinte não se olvidou do princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no artigo 5º, XXXV, segundo o qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"

Sendo cuidadoso o constituinte, deixou aberta mais uma possibilidade de que no caso de lesão a direito ainda possa o Poder Judiciário interferir nos assuntos de competência da Justiça Desportiva, apenas após a lide ter passado por todos os graus da jurisdição desportiva ou decorrido o prazo previsto constitucionalmente. A interferência do Poder Judiciário, nesse lapso, é limitada, não podendo interferir no mérito da decisão. Ela só poderá ocorrer, ainda que no curso do processo administrativo no prazo máximo de 60 dias, como expõe Pedro Lenza [24], "trata-se da instauração da denominada instância administrativa de curso forçado. Findo tal prazo, "abrem-se as portas" para o Poder Judiciário, mesmo que o julgamento pela Justiça Desportiva ainda não tenha terminado" e quando forem desobedecidos os direitos e garantias constitucionais ou os legais, como o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, a razoabilidade e a proporcionalidade.

A composição do Superior Tribunal de Justiça deverá obedecer ao artigo 55 da lei 9.615 (Lei Pelé), devendo ter nove membros da seguinte forma:

Art. 55. O Superior Tribunal de Justiça Desportiva e os Tribunais de Justiça Desportiva serão compostos por nove membros, sendo:

I - dois indicados pela entidade de administração do desporto;

II - dois indicados pelas entidades de prática desportiva que participem de competições oficiais da divisão principal;

III - dois advogados com notório saber jurídico desportivo, indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil;

IV - um representante dos árbitros, por estes indicado;

V - dois representantes dos atletas, por estes indicados.

§ 2º O mandato dos membros dos Tribunais de Justiça Desportiva terá duração máxima de quatro anos, permitida apenas uma recondução.

§ 3º É vedado aos dirigentes desportivos das entidades de administração e das entidades de prática o exercício de cargo ou função na Justiça Desportiva, exceção feita aos membros dos conselhos deliberativos das entidades de prática desportiva.

§ 4º Os membros dos Tribunais de Justiça Desportiva poderão ser bacharéis em Direito ou pessoas de notório saber jurídico, e de conduta ilibada.

O último parágrafo do artigo 217 que dispõe sobre o esporte, o terceiro, está inteiramente ligado a um assunto tratado anteriormente, que é a promoção do esporte como lazer, e está conectado diretamente com a ordem social, através do bem estar social. "§ 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social".

2.2.Os Princípios Desportivos

Os princípios são a base de toda a norma, constitucional ou infraconstitucional, pois cabe a ela trazer os ideais que estarão presentes no seu bojo. Os princípios, ao lado das regras, são espécies do gênero normas. Mas, além de se constituírem, eles próprios, em normas, também se mostram como diretrizes hermenêuticas para compreensão de outras normas, especialmente as regras. Eles estão na Constituição e nas legislações abaixo dela, com base na pirâmide de Kelsen [25]. Como é exposto por Celso Antônio Bandeira de Melo, "Violar qualquer princípio, ainda que implícito, é tão afrontoso, como o que esteja expresso (FILHO [26], 2003, APUD MELO)". A legislação esportiva não poderia ser exceção à regra, e tem também os seus princípios. A lei Pelé traz todo um rol de princípios específicos, em seu art. 2º:

I - da soberania, caracterizado pela supremacia nacional na organização da prática desportiva;

II - da autonomia, definido pela faculdade e liberdade de pessoas físicas e jurídicas organizarem-se para a prática desportiva;

III - da democratização, garantido em condições de acesso às atividades deportivas sem quaisquer distinções ou formas de discriminação;

IV - da liberdade, expresso pela livre prática do desporto, de acordo com a capacidade e interesse de cada um, associando-se ou não a entidade do setor;

V - do direito social, caracterizado pelo dever do Estado em fomentar as práticas desportivas formais e não formais;

VI - da diferenciação, consubstanciado no tratamento específico dado ao desporto profissional e não profissional;

VII - da identidade nacional, refletido na proteção e incentivo às manifestações desportivas de criação nacional;

VIII - da educação, voltado para o desenvolvimento integral do homem como ser autônomo e participante, e fomentado por meio da prioridade dos recursos públicos ao desporto educacional;

IX - da qualidade, assegurado pela valorização dos resultados desportivos, educativos e dos relacionados à cidadania e ao desenvolvimento físico e moral;

X - da descentralização, consubstanciado na organização e funcionamento harmônicos de sistemas desportivos diferenciados e autônomos para os níveis federal, estadual, distrital e municipal;

XI - da segurança, propiciado ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua integridade física, mental ou sensorial;

XII - da eficiência, obtido por meio do estímulo à competência desportiva e administrativa.

Parágrafo único. A exploração e a gestão do desporto profissional constituem exercício de atividade econômica sujeitando-se, especificamente, à observância dos princípios:

I - da transparência financeira e administrativa;

II - da moralidade na gestão desportiva;

III - da responsabilidade social de seus dirigentes;

IV - do tratamento diferenciado em relação ao desporto não profissional; e

V - da participação na organização desportiva do País.

Os princípios que discorrem sobre o esporte devem ser conjugados com os de outros ramos e áreas. Nesse sentido, associa-se com os direitos/princípios fundamentais básicos previstos na cabeça do artigo 5º constitucional, especialmente, os direitos à vida, à liberdade e à igualdade, bem como com outros desenvolvidos ao longo dos seus muitos incisos, vejamos, por exemplo, a aplicação da cláusula do devido processo legal, com todos os seus consectários, na Justiça Desportiva, ou a igualdade entre homens e mulheres, sem excluir tantos mais espalhados por toda a Tábua Constitucional. Sofrem, ainda, inspiração dos fundamentos e objetivos previstos nos artigos 1º e 3º, da Constituição.

Assim é que, a soberania, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, I), envolve a supremacia nacional, dando ao esporte toda a característica de patrimônio do país. Outrossim, os fundamentos da cidadania ("direito a ter direitos") e da dignidade da pessoa humana (II e III) têm inafastável incidência sobre o desporto e seus princípios próprios e peculiares.

Já o princípio da autonomia da administração das entidades desportivas é dado pelo artigo 217, I. As bases da principiologia desportiva são similares àquelas que compõem a Constituição e as principais normas jurídicas do país. O principal dentre os desportivos é o do direito social, ao qual foi conferida uma qualificação diferenciada pelo próprio constituinte. Está previsto no artigo 6º da CF/88, e esses direitos, como exposto por Alexandre de Moraes [27] são:

Os direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo artigo 1º, IV, da Constituição Federal. (MORAES, 2009. P.195)

A idéia citada por Alexandre de Moraes é complementada pela citação feita por outro constitucionalista, Pedro Lenza, que expõe um trecho da obra de Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Junior:

Os direitos sociais objetivam a formação do ser humano integral: agente da sociedade, das relações de trabalho, construtor do mundo moderno e ao mesmo tempo, um ser relacional, humano, que, desse modo, deve integrar sua vida com o lazer, o convívio familiar e a prática desportiva. Assim, o desporto, quer como forma de lazer, quer como parte da atividade educativa, quer, ainda em caráter profissional, foi incorporado ao nosso sistema jurídico no patamar de norma constitucional (LENZA, 2009 APUD ARAUJO E NUNES JUNIOR, P. 493).

O legislador procurou trazer princípios do artigo 2º da lei 9615/1998, da forma mais clara e abrangente possível, como já exposto anteriormente.

2.3.A Eficácia das Normas Constitucionais do Desporto.

As normas constitucionais sempre trazem em seu bojo a eficácia, podendo essa eficácia ser jurídica e social ou somente jurídicas. O legislador Michel Temer [28] expõe:

Eficácia social se verifica na hipótese de a norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos. Eficácia jurídica, por sua vez, significa que a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de relações concretas; mas já produz efeitos jurídicos na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas anteriores que com ela conflitam. (LENZA, 2009 APUD MICHEL TEMER, 2007 [29])

A corrente que trata da eficácia das normas constitucionais vem de longa data. O jurista Ruy Barbosa foi pioneiro no Direito Constitucional brasileiro tratando da eficácia das normas constitucionais. Na teoria dele, as normas se dividiam em dois grupos:

Normas "Autoexecutáveis" (Self-executing; Self-enforcing, Self Acting)

Normas "Não Autoexecutáveis" (Not Self-Execunting; Not Self-enforcing provisions ou Not self-acting)

Segundo o professor Vicente Paulo [30], as normas constitucionais autoexecutáveis são "Preceitos constitucionais completos, que produzem seus plenos efeitos com a simples entrada em vigor da Constituição". Quanto às normas constitucionais não autoexecutáveis, Vicente Paulo assim as enquadra: "São as normas indicadoras de princípios, sem estabelecerem normas que lhes dêem plena eficácia. Exigem atuação legislativa posterior para efetivação, possibilitando, só então, sua plena execução".

Apesar de a teoria das eficácias das normas ser de um dos maiores juristas da história do Brasil, não é, atualmente e segundo a jurisprudência do STF, a teoria predominante no país. A teoria predominante é a de José Afonso da Silva como cita Lenza [31]:

O professor José Afonso da Silva, do Largo de São Francisco (USP), o grande responsável pelo estudo da matéria, tratou do tema de maneira sistemática na primeira edição, em 1967, de Aplicabilidade das normas constitucionais. Valemo-nos, a seguir, de sua sistematização para apresentar a matéria, na medida em que é a sua teoria que vem sendo perguntada nos concursos, tendo, inclusive o Supremo Tribunal Federal adotado o critério classificatório do autor, conforme RT 723/231.

A teoria do professor José Afonso da Silva é dividida em três tipos:

Normas de Eficácia Plena: Sendo aquelas que têm a sua aplicabilidade desde o momento da entrada em vigor da Constituição, não necessitando de lei integrativa para torná-la eficaz.

Normas de Eficácia Contida: são aquelas em que o legislador regulou o suficiente os interesses relativos para que a lei integrativa estabeleça os termos e os conceitos nela enunciados.

Normas de Eficácia Limitada: Segundo Lenza [32] são "aquelas normas que de imediato, no momento em que a constituição é promulgada, não têm condão de produzir todos os efeitos, precisando de uma lei interativa infraconstitucional. São, portanto, de aplicabilidade mediata e reduzida, ou, segundo alguns autores, aplicabilidade diferida"

No entendimento de José Afonso da Silva, as normas de eficácia limitada se subdividem em normas de princípio institutivo (ou organizativo) e normas de princípio programático. As normas de princípio institutivo são:

Normas constitucionais de princípio institutivo: aquelas através das quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuição de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei (LENZA [33], 2008, Apud SILVA. P. 108)

Já as normas de princípio programático, trazem no bojo uma programação a ser desenvolvida pelo Estado e normalmente se aplicam à realização de fins sociais. Como novamente expõe José Afonso da Silva, elas são aquelas:

"Através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado" (LENZA [34], APUD SILVA. p. 108)

As Normas constitucionais que tratam do esporte são compostas por mais de um tipo de norma. As normas de eficácia plena são aquelas como a atribuição de autonomia às entidades desportivas para sua organização e funcionamento (art. 217, I), que tem a aplicação imediata, pois dá a autonomia de organização e funcionamento sem que seja necessária uma lei que defina o que é essa autonomia.

O caput do artigo 217, diz que caberá ao Estado o dever de fomentar a prática esportiva formal e não formal e, no seu inciso II, ordena a destinação de recursos públicos para a promoção do esporte, mas não lhe subsidia com informações de como direcionar os recursos para tal. Essa é uma norma de eficácia limitada. A norma teve sua aplicação com a Lei nº 9.615 de 1998, conhecida também como lei Pelé, a qual distinguiu vários tipos de recursos para promover o esporte e, seu aprimoramento foi feito pela lei 11.438/2006, a Lei de Incentivo ao Desporto.

Um modelo de norma de eficácia limitada de princípios institutivos, é o inciso III do artigo 217 "o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional;". É uma norma que o constituinte em vez de regular, apenas traça um esquema a ser estruturado em definitivo pelo legislador ordinário. Essa norma foi cumprida pelo legislador, quando da aprovação Lei Pelé, que disciplina o desporto.

A norma que está disposta no art.217, § 2º, que disciplina o prazo máximo de duração de um processo na Justiça Desportiva, é uma norma de eficácia plena, pois tem aplicação imediata, traçando padrões para a lei que veio posteriormente regulamentar a justiça desportiva.

Na seqüência do artigo, no § 3º, o constituinte deixou uma norma de eficácia limitada declaratória de princípios programáticos, quando explicitou "O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social" e veiculou programas a serem implementados pelo estado.

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Sobre o autor
Danilo Araujo Gomes

Bacharel em Direito. Assistente Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Danilo Araujo. O desporto e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Contribuição ao estudo do direito desportivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2652, 5 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17563. Acesso em: 19 abr. 2024.

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