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Da competência para gestão do Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade – SISBIO

25/10/2010 às 08:58
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Em 08 de agosto de 2008 foi editada, pelo Ministério do Meio ambiente, a Portaria nº 236, que promoveu a reestruturação do Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade (SISBIO), transferindo sua gestão integral para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, competência anterior afeta ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA.

Desde logo, questionamentos surgiram acerca da legalidade do mencionado ato normativo. Em apertada síntese, alega-se que as atividades relativas ao SISBIO também estão afetas às atribuições legais do IBAMA, devendo o ICMBio apenas conceder anuência quando as atividades de pesquisa e afins forem realizadas no âmbito das unidades de conservação, possuindo como cerne de fundamentação a necessidade de licenciamento para as atividades previstas no retromencionado Sistema.

Não bastasse isso, haveria também um equívoco na escolha do instrumento "portaria" visando à alteração de competência das autarquias por extrapolação dos limites delineados pelo ordenamento jurídico. Entretanto, penso não merecer razão os argumentos aqui expendidos. Vejamos.

O SISBIO é um sistema automatizado, interativo e simplificado de atendimento à distância e de informação. Dessa feita, serve para que os pesquisadores solicitem autorizações para atividades com finalidade científica ou didática, conforme prescreve a Portaria MMA nº 236/2008, in verbis:

Art. 1º Reestruturar o Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade - SISBIO para a aprovação prévia da realização das seguintes atividades científicas ou didáticas:

I - coleta de material biológico;

II - captura ou marcação de animais silvestres in situ;

III - manutenção temporária de espécimes de fauna silvestre em cativeiro;

IV - transporte de material biológico; e

V - realização de pesquisa em unidade de conservação federal ou em cavidade natural subterrânea.

Art. 2º Compete ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes gerir o SISBIO e aprovar a realização das atividades dispostas no art. 1º desta Portaria.

Por conseguinte, impender tecer considerações acerca das atribuições legalmente previstas ao IBAMA e ao ICMBio, pois somente assim poder-se-á cotejar as atividades passíveis de autorização no SISBIO com a respectiva competência para gestão do multicitado Sistema. Em outras palavras, quer-se definir, no presente estudo, de quem seria a alçada para autorizar as atividades lá previstas. Passemos ao exame.

No que tange ao IBAMA, tem-se que suas atribuições foram legalmente determinadas através de normas da Lei nº 7.735/89 e do Decreto nº 6.099/07, os quais rezam:

Lei nº 7.735/89

Art. 2º  É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de: (Redação dada pela Lei nº 11.516, 2007)

I - exercer o poder de polícia ambiental; (Incluído pela Lei nº 11.516, 2007)

II - executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente; e (Incluído pela Lei nº 11.516, 2007)

III - executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente. (Incluído pela Lei nº 11.516, 2007)

Decreto nº 6.099/07 (anexo I)

Art. 2º  No cumprimento de suas finalidades e ressalvadas as competências das demais entidades que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, cabe ao IBAMA, de acordo com as diretrizes fixadas pelo Ministério do Meio Ambiente, desenvolver as seguintes ações federais:

(...)

VIII - disciplinamento, cadastramento, licenciamento, monitoramento e fiscalização dos usos e acessos aos recursos ambientais, florísticos e faunísticos;

(...)

XII - fiscalização e controle da coleta e transporte de material biológico;

(...)

XVII - elaboração do sistema de informação para a gestão do uso dos recursos faunísticos, pesqueiros e florestais;

XVIII - elaboração e estabelecimento de critérios, padrões e proposição de normas ambientais para a gestão do uso dos recursos pesqueiros, faunísticos e florestais; e

(...)

Por sua vez, ao Instituto Chico Mendes foram conferidas as seguintes competências, nos termos da Lei nº 11.516/07 e do Decreto 6.100/07, in litteris:

Lei nº 11.516/07

Art. 1º  Fica criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:

I - executar ações da política nacional de unidades de conservação da natureza, referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação instituídas pela União;

II - executar as políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais renováveis e ao apoio ao extrativismo e às populações tradicionais nas unidades de conservação de uso sustentável instituídas pela União;

III - fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e de educação ambiental;

IV - exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das unidades de conservação instituídas pela União; e

V - promover e executar, em articulação com os demais órgãos e entidades envolvidos, programas recreacionais, de uso público e de ecoturismo nas unidades de conservação, onde estas atividades sejam permitidas.

Decreto nº 6.100/07 (anexo I)

Art. 1º  O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, entidade autárquica de regime especial, com autonomia administrativa e financeira, dotada de personalidade jurídica de direito público, com sede em Brasília, Distrito Federal, e jurisdição em todo o território nacional, criada pela Medida Provisória nº 366, de 26 de abril de 2007, vincula-se ao Ministério do Meio Ambiente, e tem como finalidades:

(...)

III - fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade; e

Art. 2º  No cumprimento de suas finalidades, e ressalvadas as competências das demais entidades que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, cabe ao Instituto Chico Mendes, de acordo com as diretrizes fixadas pelo Ministério do Meio Ambiente, desenvolver as seguintes ações federais:

(...)

IV - geração, integração e disseminação sistemática de informações e conhecimentos relativos à gestão de unidades de conservação e à conservação da biodiversidade;

(...)

XI - geração do conhecimento para a gestão do uso dos recursos faunísticos, pesqueiros e florestais e de metodologias e tecnologias de gestão ambiental;

XII - proteção e manejo integrado de ecossistemas, de espécies, do patrimônio natural e genético de representatividade ecológica em escala regional e nacional;

XIII - proposição e edição de normas, fiscalização e controle do uso do patrimônio espeleológico brasileiro, bem como fomento a levantamentos, estudos e pesquisas que possibilitem ampliar o conhecimento sobre as cavidades naturais subterrâneas existentes;

(...)

Não se quer teorizar aqui sobre a competência ou não do IBAMA para monitorar e fiscalizar o acesso aos recursos ambientais, florísticos e faunísticos, pois o artigo 2º, VIII do Decreto nº 6.099/07 é muito claro quanto a isso.

Por outro lado, nessa linha de pensamento, insta trazer à baila dispositivo cogente da Lei nº 9.985/00, o qual corrobora nitidamente a atribuição do ICMBio para gerir o SISBIO, nos seguintes termos:

Art. 32. Os órgãos executores articular-se-ão com a comunidade científica com o propósito de incentivar o desenvolvimento de pesquisas sobre a fauna, a flora e a ecologia das unidades de conservação e sobre formas de uso sustentável dos recursos naturais, valorizando-se o conhecimento das populações tradicionais.

§ 1º As pesquisas científicas nas unidades de conservação não podem colocar em risco a sobrevivência das espécies integrantes dos ecossistemas protegidos.

§ 2º A realização de pesquisas científicas nas unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural, depende de aprovação prévia e está sujeita à fiscalização do órgão responsável por sua administração.

§ 3º Os órgãos competentes podem transferir para as instituições de pesquisa nacionais, mediante acordo, a atribuição de aprovar a realização de pesquisas científicas e de credenciar pesquisadores para trabalharem nas unidades de conservação.

Ora, não bastasse o insuperável §2º do artigo 32 acima colacionado, compulsando as normas supracitadas da Lei nº 11.516/07 e do Decreto 6.100/07, uma a uma, tenho para mim igualmente clarividente a competência do Instituto Chico Mendes para gerir o SISBIO. Malgrado o fato de não existir uma disposição incisiva, nos artigos alhures transcritos, sobre o monitoramente e fiscalização dos recursos ambientais, uma interpretação sistemática e teleológica é suficiente para fundamentar uma conclusão pela mencionada atribuição legal. Observe-se, ponto a ponto:

- Artigo 1º, III da Lei nº 11.516: é inegável que o SISBIO é uma ferramenta de proteção, preservação e conservação da biodiversidade, na medida em que monitora e fiscaliza a forma como atividades com finalidade científica ou didática serão executadas, sendo uma forma de controle;

- Artigo 2º, IV e XI do Decreto nº 6.100/07: o SISBIO é muito mais do que um sistema de autorização ou licenciamento do uso de recursos naturais para atividade científica, constituindo-se na principal ferramenta de que o ICMBio dispõe para realizar o diagnóstico, o monitoramento e a gestão da informação gerada pelas instituições científicas no tocante à biodiversidade em todo o território nacional, possibilitando o planejamento das ações de fomento da pesquisa científica voltada para a conservação;

- Artigo 2º, XII do Decreto nº 6.100/07: se o SISBIO controla a atividade científica de coleta e transporte de material biológico e captura ou marcação de animais silvestres, por exemplo, obviamente que ele serve para os fins de proteção e manejo integrado de ecossistemas, de espécies, do patrimônio natural e genético de representatividade ecológica;

- Artigo 2º, XIII do Decreto nº 6.100/07: está sedimentado nos autos que o Sistema se propõe também ao controle de atividades com finalidade científica ou didática em cavidades naturais subterrâneas, subsumindo perfeitamente o objetivo do SISBIO com a competência fiscalizatória do uso do patrimônio espeleológico brasileiro, bem como fomento a levantamentos, estudos e pesquisas que possibilitem ampliar o conhecimento sobre as cavidades naturais subterrâneas existentes.

Por conseguinte, resta patente a competência do Instituto Chico Mendes para autorizar atividades com finalidade científica ou didática dentro de UC´s. Entretanto, vou mais além para afirmar, com veemência, a possibilidade de o ICMBio autorizar essas mesmas atividades quando ultrapassarem os limites das unidades de conservação.

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Isso porque, permissa venia, enganam-se aqueles que acham que a novel Autarquia Ambiental somente possui atribuição de gestão a atividades correlatas em unidades de conservação. Da leitura de todas as normas que regem sua criação, afirma-se que a grande maioria de suas atribuições está ligada a UC´s. Repita-se: a grande maioria, mas não todas.

Essa intelecção é atingida por meio das remissões das normas à proteção e conservação da biodiversidade, sem qualquer correlação com unidade de conservação. Ratificando o aqui disposto, temos o inciso IV do artigo 2º do supracitado Decreto nº 6.100/07, que aduz caber ao ICMBio a geração, integração e disseminação sistemática de informações e conhecimentos relativos à gestão de unidades de conservação e à conservação da biodiversidade. Nessa mesma via, há ainda a competência para a proteção do patrimônio espeleológico brasileiro, sem qualquer restrição às cavidades naturais subterrâneas serem dentro ou fora de UC´s (artigo 2º, XIII do citado Decreto nº 6.100).

Evoluindo nos questionamentos, por mero esforço de argumentação, notadamente no que se relaciona à atribuição do Instituto Chico Mendes em apenas anuir com uma autorização dentro de UC a ser concedida pelo IBAMA, torna-se imperioso tecer algumas considerações sobre a questão do licenciamento ambiental.

A tese contrária afirma que, quando a autorização constante do SISBIO for relacionada para atividade dentro de unidade de conservação, seria competente o IBAMA para tal, devendo apenas e simplesmente haver anuência do ICMBio. Para tanto, considera-se, como ponto de partida, que as ações reguladas pelo SISBIO são passíveis de licenciamento ambiental.

Todavia, penso que essa conclusão não é a mais adequada ao caso. Vejamos as atividades passíveis de autorização pelo multicitado Sistema, já enumeradas em linhas precedentes: a coleta e transporte de material biológico; captura ou marcação de animais silvestres in situ; manutenção temporária de espécimes de fauna silvestre em cativeiro e a realização de pesquisa em unidade de conservação federal ou em cavidade natural subterrânea. Impende destacar que todas elas possuem objetivo didático ou científico.

Tomando como supedâneo o artigo 10 da Lei nº 6.938/81, as atividades passíveis de prévio licenciamento seriam aquelas relacionadas à construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental.

Ora, será que atividades descritas no Artigo 1º da Portaria MMA nº 236/2008 seriam sinônimos de ações de construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos? Ou será que elas seriam consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras? Em ambas as respostas, tenho a plena convicção de que não, ainda mais quando é consabido que serão voltadas para finalidade científica ou didática.

Por conseguinte, descabida uma exposição mais detalhada sobre natureza jurídica de autorização, licença ou institutos semelhantes, pois a premissa imprescindível para se determinar a obrigatoriedade do licenciamento não se encontra satisfeita.

Ultrapassadas as questões anteriormente analisadas, toda a discussão surge a partir da edição da Portaria MMA nº 236/2008, a qual transferiu a gestão integral do SISBIO para o ICMBio Já se afirmou que existe uma corrente pela ilegalidade da referida Portaria, sob o argumento da impossibilidade de alteração de competência por meio do ato normativo vergastado. Contudo, essas conclusões partem de uma premissa errada, qual seja, a de que o Instituto Chico Mendes não é competente para autorizar as atividades constantes do SISBIO, ainda mais quando fora de unidades de conservação.

Ocorre que, diante de toda a fundamentação esposada ao longo deste trabalho, verifica-se, ao contrário, que o ICMBio possui atribuição legal para autorizar ou não as atividades científicas ou didáticas mencionadas no artigo 1º da Portaria MMA nº 236/08. Dessa feita, cai por terra a tese de alteração de competências por portaria.

Impende salientar que não está sendo retirada do IBAMA a competência para disciplinamento, cadastramento, licenciamento, monitoramento e fiscalização dos usos e acessos aos recursos ambientais, florísticos e faunísticos. Frise-se que o SISBIO é um dos meios existentes para se proceder a esta fiscalização. Pode, por conseguinte, a antiga Autarquia Ambiental continuar com suas atividades de controle referentes àquelas atividades.

Por fim, impende destacar a competência do Exmo. Sr. Ministro do Meio Ambiente na edição da portaria, com fulcro no Decreto-lei nº 200/67, ainda em vigor, in litteris:

Art. 19. Todo e qualquer órgão da Administração Federal, direta ou indireta, está sujeito à supervisão do Ministro de Estado competente, excetuados unicamente os órgãos mencionados no art. 32, que estão submetidos à supervisão direta do Presidente da República.

Art. 26. No que se refere à Administração Indireta, a supervisão ministerial visará a assegurar, essencialmente:

I - A realização dos objetivos fixados nos atos de constituição da entidade.

II - A harmonia com a política e a programação do Governo no setor de atuação da entidade.

III - A eficiência administrativa.

IV - A autonomia administrativa, operacional e financeira da entidade.

Nessa esteira, conclui-se pela completa legalidade da Portaria MMA nº 236/2008, sendo o Instituto Chico Mendes o órgão competente na gestão do SISBIO, por desejo do Ministério do Meio Ambiente, inclusive para atividades a serem autorizadas fora das unidades de conservação, tendo em vista interpretação sistemática e teleológica de suas normas de criação.

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Sobre o autor
René da Fonseca e Silva Neto

Procurador Federal. Coordenador Nacional de Matéria Administrativa da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Chico Mendes - ICMBio. Ex-Coordenador Nacional do Consultivo da PFE/ICMBio. Bacharel em Direito pela UFPE. Especialista em Direito Ambiental. Coautor do livro Manual do Parecer Jurídico, teoria e prática, da Editora JusPodivm.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA NETO, René Fonseca. Da competência para gestão do Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade – SISBIO. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2672, 25 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17686. Acesso em: 22 dez. 2024.

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