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O sentido e o alcance da expressão preceito fundamental: uma construção jurisprudencial

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05/11/2010 às 17:15
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3 PRECEITO FUNDAMENTAL NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Como exposto anteriormente, cabe ao STF construir e delimitar o conceito de preceito fundamental, por ser o intérprete e o guardião da Constituição. Para observar o processo de delimitação do conceito, através do debate jurídico, que tem sido levado a cabo no Tribunal, foram selecionados alguns casos de arguição de descumprimento de preceito fundamental, devido à sua relevância, nos quais, durante o processo, a discussão surgiu, de forma mais ou menos explícita.

Houve um hiato, de 1988 a 2000, antes que a primeira ADPF fosse processada e julgada, uma vez que a lei que regulamentou o procedimento só foi editada em 03/12/1999 (Lei n° 9.882). Tratava-se de um novíssimo instituto que o Tribunal só então começava a compreender, a ponto do Min. Sepúlveda Pertence afirmar que o instituto era, para si, misterioso "como uma esfinge".

A primeira vez que o Tribunal debateu o tema foi no julgamento da ADPF 1, de relatoria do Min. Néri da Silveira, em que o Partido Comunista do Brasil – PC do B, impugnou o veto ao art. 3° da Emenda Legislativa ao PL n.1713-a/1999, da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, pelo Prefeito do Município. Naquela arguição, a inicial apontava como descumprido o preceito fundamental da "separação de poderes", previsto no art. 2° da Constituição.

Em seu voto, escreveu o eminente relator, Min. Néri da Silveira:

"Guarda da Constituição e seu intérprete último, ao Supremo Tribunal Federal compete o juízo acerca do que se há de compreender, no sistema constitucional brasileiro, como preceito fundamental, cujo desrespeito pode ensejar a arguição regulada na Lei n° 9.882, de 3.12.1999. Nesse sentido, anota o Ministro Oscar Dias Corrêa, in ‘A Constituição de 1988, contribuição crítica’, 1ed. Forense Universitária, 1991, p.157: ‘Cabe exclusivamente e soberanamente ao STF conceituar o que é descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição, porque promulgado o texto constitucional é ele o único, soberano e definitivo intérprete, fixando quais são os preceitos fundamentais, obediente a um único parâmetro – a ordem jurídica nacional, no sentido mais amplo. Está na sua discrição jurídica indicá-los.’ Noutro passo, observa: ‘Parece-nos, porém, que desde logo podem ser indicados, porque, pelo próprio texto, não objeto de emenda, deliberação e, menos ainda, abolição: a forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação de poderes, os direitos e garantias individuais. Desta forma, tudo o que diga respeito a essas questões vitais para o regime pode ser tido como preceitos fundamentais. Além disso, admita-se: os princípios do Estado democrático, vale dizer: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho, livre iniciativa, pluralismo político; os direitos sociais; os direitos políticos; a prevalência das normas relativas à organização político administrativa; a distribuição de competências entre a União, Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios; entre Legislativo, Executivo e Judiciário; a discriminação de rendas; as garantias da ordem econômica e financeira, nos princípios básicos; enfim, todos os preceitos que, assegurando a estabilidade e a continuidade da ordem jurídica democrática, devem ser cumpridos’ (op. cit. p.157).

Nessa mesma linha, a lição de Celso Ribeiro Bastos que, ainda, acrescenta, em sua enumeração, ‘a proteção à criança, à velhice, aos menos afortunados’ (in Comentários à Constituição do Brasil (1988), 4° vol., Tomo III, p.235). [...] Celso Ribeiro Bastos, na obra citada, p. 237, ainda escreve: ‘Pode-se concordar que o objeto desse instituto seja a defesa de preceito fundamental. Por preceito fundamental entendem-se os princípios constitucionais. Sabe-se o órgão competente a examinar essa arguição: O Supremo Tribunal Federal.[...]’Imprescindível é, na arguição em exame, que o requerente venha a apontar o preceito fundamental que tenha por lesado e este, efetivamente, seja reconhecido, como tal, pelo Supremo Tribunal Federal. Cuida-se, aí, de instrumento de defesa da Constituição, em controle Concentrado. "(grifos no original)

Em seguida ao voto do relator, que não conheceu da arguição, foi levantada questão de ordem e negado seguimento à ADPF, em face da natureza do ato impugnado, o veto, considerado ato político e, portanto, não sujeito a controle de constitucionalidade.

Outra discussão relevante acerca do assunto se deu durante a o referendo à medida liminar concedida no bojo da ADPF 33/PA, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, em que o governador do estado do Pará pleiteava a declaração de não recepção do Regulamento de Pessoal do Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará - IDESP, adotado pela Resolução 8/86 do Conselho de Administração e aprovado pelo Decreto estadual 4.307/86, que, tratando da remuneração do pessoal da referida autarquia, extinta e sucedida pelo respectivo Estado-membro, vinculou o quadro de salários ao salário mínimo.

No caso em tela, o arguente invocou o inciso IV do art. 7° da Constituição, que versa sobre o salário mínimo e a proibição de vinculação e utilização como indexador, e o princípio da autonomia estadual, insculpido no art. 60, §4°, I.

Em seu voto condutor, o Min. Gilmar Mendes afirma que, embora alguns dos preceitos estejam enunciados de forma explícita no texto constitucional, tais como os insculpidos no art. 5° da CF, as cláusulas pétreas e os princípios sensíveis, que ensejam decretação de intervenção federal nos Estados-Membros, também merecem inclusão no conceito de preceito fundamental as regras que confiram densidade normativa ou significado específico aos princípios, uma vez que um juízo mais seguro sobre eventual lesão de preceito fundamental exige a identificação do conteúdo e das relações de dependência dessas categorias no ordenamento constitucional. Transcrevo trecho pertinente do voto:

"ninguém poderá negar a qualidade de preceitos fundamentais da ordem constitucional aos direitos e garantias individuais (art. 5°, dentre outros). Da mesma forma, não se poderá deixar de atribuir essa qualificação aos demais princípios protegidos pela cláusula pétrea do art. 60, §4°, da Constituição, quais sejam, a forma federativa de Estado, a separação de poderes e o voto direto, secreto, universal e periódico".

O Ministro defendeu, na ocasião, a fixação de um conceito extensivo de preceito fundamental, que abrangesse as normas básicas contidas no texto constitucional. Contra esse entendimento foi o voto do Min. Carlos Britto, que considera que "preceitos fundamentais" são apenas aqueles que a própria Constituição assim denomina, ou seja, os direitos e garantias (Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais), regras que estão a serviço dos princípios fundamentais da República (Título I – Dos Princípios Fundamentais).

Prosseguiu, então, o Min. Carlos Britto, esclarecendo que seu posicionamento origina-se na inteligência do art. 29 da Constituição, que menciona preceitos, em contraposição a princípios, do que se infere que "preceitos não são princípios; estão a serviço de princípios, há um vínculo funcional imediato entre eles". Conclui o Ministro, então, que considera como preceito fundamental apenas as regras – e não princípios – que densifiquem, concretizem, especifiquem um princípio igualmente adjetivado de fundamental pela Constituição.

Transcrevo trecho do voto exarado naquela ocasião:

"Por que a Constituição chamou seu Título II de fundamentais? Porque ali estão consignadas regras que densificam, especificam, concretizam os princípios fundamentais. Há uma lógica na designação dos dois títulos. Então, tenho para mim que os artigos de 1° a 17 da Constituição são realmente densificadores dos princípios fundamentais, que vão do art. 1° ao art. 4° da Carta Magna. Daí insistir muito nesta distinção. Eu restrinjo o âmbito material da ADPF à defensa de preceitos que a Constituição designa por fundamentais, não princípios."

A definição de preceito como regra, exposta pelo Min. Carlos Britto, foi contestada pelo Min. Eros Grau, para quem preceito (ou norma) é gênero, do qual princípios e regras são espécies.

Enquanto o Min. Carlos Britto entendeu que a legislação impugnada afrontava o preceito contido no inciso IV do art. 7° da Constituição, que trata do salário mínimo, o Min. Sepúlveda Pertence tinha dúvidas quanto ao caráter de fundamentalidade deste princípio, enxergando, no entanto, lesão ao preceito da autonomia estadual, pois vincular a remuneração dos servidores ao salário mínimo é atribuir, a uma decisão legislativa da União, efeitos imediatos sobre a remuneração dos servidores estaduais.

Por fim, o Tribunal julgou procedente o pedido, com efeitos ex nunc, pois, tendo em conta a vedação constitucional de vinculação do salário mínimo para qualquer fim (CF/88, art. 7º, IV), entendeu-se que a norma de direito estadual é incompatível com a CF/88, uma vez que utiliza o salário mínimo como fator de reajuste automático de remuneração dos servidores. Além disso, afronta o princípio federativo (CF/88, arts. 1º e 18), porque retira do aludido Estado-membro a autonomia para decidir sobre esse reajuste, o qual fica vinculado ao índice fixado pelo Governo Federal (Informativo STF n°412, Brasília, 5 a 9 de dezembro de 2005).

A ADPF 45 foi proposta pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) contra veto do presidente da República que incidiu sobre o § 2º do art. 55 (posteriormente renumerado para art. 59), de proposição legislativa que se converteu na Lei nº 10.707/2003 (LDO), destinada a fixar as diretrizes pertinentes à elaboração da lei orçamentária anual de 2004. Muito embora tenha negado seguimento à ADPF (DJ de 04/06/2004), em razão de perda superveninente de objeto, pela edição da Lei n° 10.777, de 24/11/2003, que restaurou o texto vetado, o relator, Min. Celso Mello, faz, em sua decisão monocrática, defesa do cabimento de ADPF para viabilizar a concretização de políticas públicas:

"Não obstante a superveniência desse fato juridicamente relevante, capaz de fazer instaurar situação de prejudicialidade da presente argüição de descumprimento de preceito fundamental, não posso deixar de reconhecer que a ação constitucional em referência, considerado o contexto em exame, qualifica-se como instrumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto da Carta Política, tal como sucede no caso (EC 29/2000), venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando inscrito na própria Constituição da República. Essa eminente atribuição conferida ao Supremo Tribunal Federal põe em evidência, de modo particularmente expressivo, a dimensão política da jurisdição constitucional conferida a esta Corte, que não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais – que se identificam, enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO) -, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da Constituição, comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional[...]."

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O monopólio do serviço postal pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, instituído pela Lei n° 6.538/78, foi questionado na ADPF 46, arguida pela ABRAED – Associação Brasileira das Empresas de Distribuição em face da referida estatal. Os preceitos que a arguente reputou lesados foram os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, decorrente dos arts. 1°, IV, 5°, XIII, 170 caput, inciso IV e parágrafo único, todos da Constituição.

O relator, Min. Marco Aurélio, reconheceu como preceitos fundamentais os princípios apontados pela arguente como afrontados:

"É de ressaltar, ainda, que os preceitos tidos por violados são essenciais à ordem constitucional vigente, configurando princípios e fundamentos da República Federativa do Brasil, como a livre iniciativa – comando este previsto no art. 1°, inciso IV, inserto no Título I, da Constituição Federal, denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, também a liberdade no exercício de qualquer trabalho (art. 5°, inciso XIII), a livre concorrência (artigo 170, cabeça e inciso IV) e o livre exercício de qualquer atividade econômica (artigo 170, parágrafo único)."

O Tribunal, por maioria, julgou improcedente o pedido, considerando que o serviço postal é serviço público, operado em regime de privilégio pela ECT, conforme voto do Min. Eros Grau, o que não importa em lesão aos preceitos invocados e, ainda, por unanimidade, ainda deu interpretação conforme ao art. 42 da Lei 6.538/78 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no art. 9º do referido diploma legal ( "Art. 9º - São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais: I - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal; II - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada: III - fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal. [...] Art. 42º - Coletar, transportar, transmitir ou distribuir, sem observância das condições legais, objetos de qualquer natureza sujeitos ao monopólio da União, ainda que pagas as tarifas postais ou de telegramas. Pena: detenção, até dois meses, ou pagamento não excedente a dez dias-multa.") (Informativo STF n° 554).

Em abril de 2005, foi trazida ao plenário a ADPF 54, acerca do aborto de fetos anencéfalos, em que é relator o Min. Marco Aurélio, arguida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS, contra suposta lesão aos preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, da saúde, liberdade, autonomia da vontade e da legalidade perpetrada pela interpretação dos artigos 124, 126 e 128, I e II do Código Penal de forma a alcançar aqueles que participam de interrupção de gravidez em caso de anencefalia do feto. A arguente requer, do STF, pronunciamento formal, com a interpretação conforme a constituição dos aludidos dispositivos.

Naquela ocasião, o Tribunal julgou cabível a ADPF para fins de interpretação conforme a constituição de texto legal pré-constitucional, e, considerou preceitos fundamentais os princípios tidos como violados: dignidade da pessoa humana, da saúde, liberdade, legalidade e autonomia da vontade.

O pleno revogou a medida liminar concedida pelo Min. Marco Aurélio e suspendeu os processos criminais em curso relativos à interrupção de gravidez em caso de anencefalia até o julgamento final da arguição. O processo encontra-se hoje pendente de julgamento de mérito.

Na ADPF 76, do estado do Tocantins, arguida pelo Conselho Federal da OAB, a suposta lesão alegada é contra o princípio do "quinto constitucional" nos Tribunais: "O alegado preceito fundamental supostamente violado (item "a") é o disposto no art. 94 e parágrafo único, da Constituição Federal".

Embora tenha indeferido liminarmente a inicial, por afronta ao princípio da subsidiariedade, o Min. Gilmar Mendes não negou que o "quinto constitucional" seja um preceito fundamental decorrente da constituição.

Em 13 de dezembro de 2005 era protocolizada no STF a ADPF 84, arguida pelo Partido da Frente Liberal - PFL (atual Democratas, DEM) contra o Presidente da República, contra a Medida Provisória n° 242, de 24/03/2005, que alterou dispositivos da Lei nº 8213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. A inicial apontava para o descumprimento dos preceitos decorrentes dos artigos 5º, caput, 6º c/c art. 201, § 11 e art. 193, da Constituição.

O Min. Sepúlveda Pertence negou seguimento à ADPF, em decisão monocrática de 10/02/2006. Em sua decisão, ponderou que, como a norma impugnada foi objeto de ação direta e posteriormente revogada, restava o exame dos efeitos das relações jurídicas concretas ocorridas durante a vigência da medida provisória, o que não estaria no escopo da ADPF, que é instrumento de controle concentrado.

Tendo sido interposto Agravo Regimental contra a decisão monocrática que negou seguimento à ação, interveio, após a leitura do voto do Relator, o Min. Gilmar Mendes, que considerou que a discussão dizia respeito, na verdade, à interpretação do art. 62, § 11, da Constituição (Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. [...]§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.[...] § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.), uma vez que a Previdência Social estaria aplicando as regras da Medida Provisória mesmo em situações prospectivas. Seguiu-se um breve debate, ao fim do qual o Min. Sepúlveda Pertence retificou seu voto para dar provimento ao Agravo Regimental e determinar o seguimento da Arguição.

A questão ainda não foi julgada no mérito, mas o interessante aqui é verificar que o arguente apontou lesão a determinados preceitos, quando do ajuizamento da ADPF, e o Tribunal compreendeu que ocorria violação a outro preceito, não mencionado pelo Autor, e admitiu a ADPF com base nessa compreensão.

Digno de nota, igualmente, o fato de que o preceito fundamental destacado pelo STF, tido como lesionado, não faz parte do rol de princípios ou direitos fundamentais (Títulos I e II da Constituição), ou das cláusulas pétreas, ou, ainda, dos princípios ditos sensíveis, normalmente apontados pela doutrina como preceitos fundamentais.

A ADPF 101, ajuizada pelo Presidente da República, de relatoria da Ministra Carmem Lúcia, discute se decisões judiciais que autorizam a importação de pneus usados ofendem os preceitos inscritos nos artigos 196 e 225 da CF ("Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.. .. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.").

Cito, do Informativo n° 538, do STF:

"A relatora, ao iniciar o exame de mérito, salientou que, na espécie em causa, se poria, de um lado, a proteção aos preceitos fundamentais relativos ao direito à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cujo descumprimento estaria a ocorrer por decisões judiciais conflitantes; e, de outro, o desenvolvimento econômico sustentável, no qual se abrigaria, na compreensão de alguns, a importação de pneus usados para o seu aproveitamento como matéria-prima, utilizada por várias empresas que gerariam empregos diretos e indiretos. Em seguida, apresentou um breve histórico da legislação sobre o assunto, necessária para o deslinde da causa. No ponto, enfatizou a inclusão da saúde como direito social fundamental no art. 6º da CF/88, bem como as previsões dos seus artigos 196 e 225.[...] A relatora, tendo em conta o que exposto e, dentre outros, a dificuldade na decomposição dos elementos que compõem o pneu e de seu armazenamento, os problemas que advém com sua incineração, o alto índice de propagação de doenças, como a dengue, decorrente do acúmulo de pneus descartados ou armazenados a céu aberto, o aumento do passivo ambiental — principalmente em face do fato de que os pneus usados importados têm taxa de aproveitamento para fins de recauchutagem de apenas 40%, constituindo o resto matéria inservível, ou seja, lixo ambiental —, considerou demonstrado o risco da segurança interna, compreendida não somente nas agressões ao meio ambiente que podem ocorrer, mas também à saúde pública, e inviável, por conseguinte, a importação de pneus usados. Rejeitou, ainda, o argumento dos interessados de que haveria ofensa ao princípio da livre concorrência e da livre iniciativa, ao fundamento de que, se fosse possível atribuir peso ou valor jurídico a tais princípios relativamente ao da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, preponderaria a proteção destes, cuja cobertura abrange a atual e as futuras gerações. Concluiu que, apesar da complexidade dos interesses e dos direitos envolvidos, a ponderação dos princípios constitucionais revelaria que as decisões que autorizaram a importação de pneus usados ou remoldados teriam afrontado os preceitos constitucionais da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado e, especificamente, os princípios que se expressam nos artigos 170, I e VI, e seu parágrafo único, 196 e 225, todos da CF."

A aludida ADPF foi, no mérito, julgada parcialmente procedente, por maioria e nos termos do voto da Relatora, em 24/06/2009. Neste julgamento o STF considerou o direito à saúde (art. 196) e o direito a um meio ambiente equilibrado (art. 225) preceitos fundamentais a serem protegidos por meio de arguição de descumprimento.

A Lei de Imprensa (Lei n° 5.250/67) não sobreviveu na ordem jurídica após a sua impugnação via ADPF (130), tendo sido considerada incompatível com o regime democrático. Foram considerados violados os preceitos fundamentais decorrentes dos artigos 5° incisos IV, V, X, XIII, XIV e 220 da Constituição.

O relator, Min. Carlos Britto, considerou que o art. 220 da CF não se sujeitaria a outras disposições que não fossem fixadas na própria Constituição, tais como aquelas do art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV (vedação ao anonimato, direito de resposta, direito à indenização por danos material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e imagem das pessoas, livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, e direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação). Afirmou, igualmente, que o receio do abuso não pode ser impeditivo do pleno uso das liberdades de manifestação do pensamento e expressão em sentido lato (Informativo do STF n° 541).

Por fim, o Tribunal, por maioria, julgou procedente o pedido formulado na argüição de descumprimento de preceito fundamental proposta pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT para o efeito de declarar como não-recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto de dispositivos da Lei n° 5.250/67, conhecida como "Lei de Imprensa".

Julgamento acompanhado com grande interesse pela sociedade brasileira foi o referente à Lei da Anistia, na ADPF 153, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na qual, ao final, a Lei 6.683/79 (Lei da Anistia) foi declarada compatível com a Constituição Federal.

O arguente sustentou que a norma impugnada afronta quatro preceitos fundamentais: a isonomia em matéria de segurança, pelo art. 1°§1° (Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes,[...] § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política), por estender a anistia "a classes absolutamente indefinidas de crimes", usando o adjetivo "relacionados"; o preceito decorrente do art. 5° inciso XXXIII, pelo qual todos têm o direito de receber dos órgãos públicos informações do seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, por não ter permitido às vítimas dos agentes da repressão tomar conhecimento da identidade dos responsáveis pelos horrores perpetrados; os preceitos democrático e republicano, porque, uma vez que os que cometeram crimes com motivações políticas exerciam funções públicas, e tendo sido a lei votada pelo Congresso Nacional na época em que havia senadores escolhidos por meio de eleição indireta, e sancionada por um Chefe de Estado que era General de Exército e que não havia sido eleito diretamente pelo povo, esta deveria, após a entrada em vigor da atual Constituição, ter sido legitimada pelo órgão legislativo oriundo de eleições livres, ou ainda, por referendo, o que não ocorreu, e, por fim, o preceito da dignidade da pessoa humana, por encobrir crimes cometidos por funcionários do Estado contra presos políticos.

Aqui não nos cabe entrar no mérito das alegações; importa, no entanto, perceber que o ministro Eros Grau reconhece os preceitos apontados como sendo fundamentais, embora tenha julgado em sentido contrário às alegações do arguente. Ao final, o STF decidiu pela improcedência, concluindo que a anistia concedida por esta lei foi ampla e geral, alcançando os crimes de qualquer natureza praticados pelos agentes da repressão no período compreendido entre 02/09/61 e 15/08/1979.

Até a conclusão deste texto, constavam no site do STF 218 ADPF´s. Destas, analisamos aqui aquelas em que pudemos observar debates pertinentes, ou aquelas cujos preceitos supostamente violados eram de grande relevância, gerando debates de repercussão nacional, por representarem de forma mais consistente a visão do tribunal sobre o tema.

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Sobre a autora
Maria Thereza Tosta Camillo

Analista Judiciária - Justiça Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Direito Constitucional, Universidade Estácio de Sá). Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Habilitada no Exame de Ordem, área Direito Administrativo (OAB-RJ, 2008.3). Bacharel em Letras - Português/Inglês pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMILLO, Maria Thereza Tosta. O sentido e o alcance da expressão preceito fundamental: uma construção jurisprudencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2683, 5 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17770. Acesso em: 26 abr. 2024.

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