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O sentido e o alcance da expressão preceito fundamental: uma construção jurisprudencial

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05/11/2010 às 17:15
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho procurou verificar os contornos fixados pela doutrina pátria e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para a expressão "preceito fundamental", delimitando-lhe o sentido e o alcance, através da coleta de diversas definições e conceituações efetuadas nestas duas fontes.

O primeiro passo foi uma pesquisa bibliográfica na qual se buscou compreender como o conceito foi estabelecido por diversos autores de relevância na comunidade jurídica, e que pôde concluir que a doutrina, salvo vozes divergentes isoladas, inclui na categoria de preceitos fundamentais os princípios fundamentais da Constituição, os direitos e garantias fundamentais (e aqui cabem não só os contidos no art. 5°, mas também outros princípios e direitos garantidos em artigos esparsos na constituição, como os relativos à administração pública, saúde, família, meio ambiente), as cláusulas pétreas e os princípios constitucionais sensíveis.

Em seguida, passou-se a analisar os votos e debates ocorridos durante o julgamento de ADPF´s, fosse quando da apreciação de sua admissibilidade, apreciando ou referendando uma liminar, ou mesmo no julgamento do mérito. O instituto da ADPF é bastante jovem em nosso ordenamento, se levarmos em conta que, embora criado pela Constituição de 1988, somente foi regulamentado em 1999 (Lei n° 9.882), tendo a primeira ADPF ido a plenário para análise de admissibilidade em 2000.

Ao empreender esta análise constatou-se que, por cerca de cinco anos, o Supremo Tribunal não se preocupou com uma definição do conceito do parâmetro de controle, o "preceito fundamental". Somente com o debate travado quando do julgamento da ADPF 33 é que vemos os ministros engajados em discussões conceituais, tendo, à época, divergido o Ministro Carlos Britto dos demais, por considerar preceito fundamental somente as normas densificadoras de princípios, mas não os princípios em si mesmos.

Neste mesmo debate, o Ministro Sepúlveda Pertence hesita em considerar os direitos sociais como preceitos fundamentais, optando por um conceito mais restritivo. O Ministro Gilmar Mendes defendeu, em sentido contrário, a adoção de um conceito extensivo de preceito fundamental, que abrangesse tanto os princípios fundamentais, os direitos e garantias, as cláusulas pétreas e os princípios sensíveis, mas também as normas básicas contidas no texto constitucional que densificassem normativamente estes princípios. O Ministro Eros Grau contribuiu para a discussão trazendo a noção, da doutrina, de que preceito é gênero do qual princípio e regra são espécies.

Comparando o panorama tecido pela doutrina com a leitura dos julgados coletados, verifica-se que o tribunal tem admitido uma interpretação ampla da expressão preceito fundamental, no sentido do preconizado pelo Ministro Gilmar Mendes, pelo que se pode inferir da admissão de ADPF´s que apontavam supostas lesões a preceitos insculpidos no art. 1°, 5° e incisos, 6°, 7°, 60 §4°,170, 193,196, 201 § 11, 220 e 225.

Entre os julgados considerados com vistas à seleção dos casos a integrar este trabalho, não se encontrou nenhum em que o STF tenha rejeitado a ADPF por não reconhecer os preceitos apontados na inicial como preceitos fundamentais; entretanto, houve um caso, aqui destacado, em que a ADPF foi admitida com base em preceito diverso do apontado na inicial.

Digno de nota é a existência, já em 2003, de tese de aptidão da ADPF para viabilizar políticas públicas, através do controle de omissão legislativas em normas concretas, tais como as leis orçamentárias, apesar do entendimento então consolidado naquele tribunal, seguindo a linha determinada na ADI n° 203-1/DF, de que leis orçamentárias, por serem atos concretos destituídos de normatividade, não estavam sujeitas ao controle de constitucionalidade. Tal jurisprudência só veio a ser revista em 2008, quando do julgamento da ADI n° 4.048 – MC/DF.

Por fim, é possível concluir que ainda há um longo caminho a ser percorrido pela jurisprudência em termos de arguição de descumprimento de preceito fundamental. Há ainda dificuldade em seu manejo, havendo muita confusão com a ação direta de inconstitucionalidade e com outros instrumentos de controle. A grande maioria das ADPF´s rejeitadas o são por conta da aplicação do princípio da subsidiariedade. Aos operadores do Direito resta, portanto, esperar que a jurisprudência do STF ganhe consistência, a fim de que o conceito de preceito fundamental seja mais precisamente delineado.

Com este estudo pretende-se contribuir para a discussão em torno do tema, além de mostrar a necessidade de ir mais a fundo na questão, a fim de que o instituto da ADPF seja mais bem compreendido e utilizado com melhor proveito, e que, aos poucos, a comunidade jurídica vá aprendendo a manejar mais habilmente este importante instrumento.


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Sobre a autora
Maria Thereza Tosta Camillo

Analista Judiciária - Justiça Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Direito Constitucional, Universidade Estácio de Sá). Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Habilitada no Exame de Ordem, área Direito Administrativo (OAB-RJ, 2008.3). Bacharel em Letras - Português/Inglês pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMILLO, Maria Thereza Tosta. O sentido e o alcance da expressão preceito fundamental: uma construção jurisprudencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2683, 5 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17770. Acesso em: 10 mai. 2024.

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