Sumário: 1. O exame polígrafo; 2. O polífrafo e o direito do trabalho; 3. O projeto de lei n. 7.253/2002; 4. O polígrafo e o assédio moral vertical descendente
1.O exame polígrafo
O polígrafo compreende um aparelho de registro de respostas, utilizado para comprovar a veracidade das informações colhidas de uma pessoa, visando medir e gravar registros de diversas variáveis fisiológicas enquanto essa pessoa é interrogada. A finalidade do equipamento é averiguar a possível ocorrência de mentiras da pessoa examinada em seu depoimento.
O polígrafo, também conhecido como detector de mentiras, é uma invenção do século XX e consiste em um aparelho que mede e registra as atividades neurovegetativas, reproduzindo-as sob a forma gráfica, com o objetivo de aferir a veracidade das informações da pessoa que se submete ao teste por esse meio. O aparelho registra variações da pressão arterial, da resíração, das constrações musculares, dos movimentos oculares. Esse teste funda-se no princípio segundo o qual o fato de mentir acarreta alteração psicológica, gerada pelo temor.(BARROS, 2009, p.586)
A autora assevera que existem três etapas no teste por meio de polígrafo. A primeira se refere a uma conversa preliminar entre o interrogado e o interrogador, a segunda ao teste propriamente dito e a terceira, à conclusão. No ínicio do teste, é colocado um sensor em um dos braços da pessoa interrogada, para medição do pulso e da pressão arterial. Em seguida, um tubo flexivel ajustado ao redor do tórax irá observar o ritmo da sua respiração. Podem também ser inseridos dois eletrodos nas mãos ou braços da pessoa examinada para analisar as suas variações elétricas e um sensor de movimentos em suas pernas para analisar a contração involuntária de músculos.
O polígrafo visa, assim, avaliar o comportamento e as possíveis reações fisiológicas da pessoa questionada durante a realização do teste. Essas mudanças fisiológicas possibilitarão detectar se está ou não mentindo.
Caso, durante o teste do polígrafo, sejam registradas alterações de extrema importância na condição física e emocional da pessoa examinada, a mesma, durante o interrogatório, poderá ser considerada mentirosa.
Desse modo, durante o procedimento para a execução do exame, quando a pessoa é questionada sobre um determinado acontecimento, o examinador irá analisar se os batimentos cardíacos, a pressão arterial, a frequência respiratória e a atividade eletrodérmica (suor dos dedos ou calafrios) da pessoa examinada se alteram em comparação aos níveis normais, pois a cada resposta, os sensores registram as reações do interrogado em um gráfico. De acordo com tais reações será possível determinar a veracidade de seu depoimento. É preciso destacar que as variações podem indicar se a pessoa está ou não mentindo, mas os resultados do exame estão abertos à interpretação do examinador.
2.O polígrafo e o direito do trabalho
O polígrafo é utilizado pelas empresas tanto na fase pré-contratual de trabalho para candidatos que concorrem à vaga de emprego quanto durante a fase de execução do contrato de trabalho, como forma de fiscalizar os empregados, sob a justificativa de que tal procedimento decorre do exercício do poder fiscalizatório do empregador.
A finalidade do equipamento polígrafo utilizado por algumas empresas é analisar se a pessoa examinada (pré-candidato ao emprego ou o empregado) está mentindo ou não acerca de fatos relacionados à sua vida laboral passada, bem como sobre a sua conduta profissional durante a execução da sua prestação de serviços no ambiente de trabalho.
Convém ressaltar que o poder fiscalizatório ou poder de controle compreende um conjunto de prerrogativas que são deferidas ao empregador com o intuito de fiscalizar e controlar a atividade desempenhada pelo empregado ao longo do contrato de trabalho. Trata-se do poder que é concedido ao empregador para acompanhar e monitorar a prestação de serviços que é realizada pelo empregado no espaço empresarial.
Através dessa faculdade, o empregador fiscaliza e controla os passos do empregado durante a jornada de trabalho, com vistas a aferir se as atividades estão sendo executadas conforme pactuado no contrato de trabalho e, ainda, se estão de acordo com os fins almejados pela empresa. (NASCIMENTO, 2009, p. 72)
Segundo Delgado (2008), o poder fiscalizatório, também conhecido como poder de controle, compreende "o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno".
O poder fiscalizatório autoriza o empregador, dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico, verificar se os empregados estão respeitando as exigências e diretrizes estabelecidas para o desempenho da sua atividade laborativa.
Ocorre que, em decorrência da proteção legal concedida aos direitos de personalidade do empregado, como, por exemplo, na Constituição Federal de 1988 - art. 5º, incisos V e X e no Código Civil Brasileiro - no capítulo II, do Livro I, o poder fiscalizatório não pode ser exercido de forma ilimitada, da mesma forma que não é ilimitada a subordinação jurídica do trabalhador ao poder patronal.
[...] sendo o poder de controle da atividade laboral do trabalhador imanente ao próprio conceito de subordinação jurídica, elemento caracterizador essencial do contrato de trabalho, serão, todavia, proibidos os meios de vigilância e controle dessa atividade para os quais não exista uma razão objetiva, v.g. em função de exigências organizativas e/ou de segurança ou da necessidade de tutela do patrimônio do empregador, bem como as modalidades desse controle que (ao menos potencialmente) sejam lesivas da dignidade do trabalhador, máxime por revestir caráter vexatório. (REIS, 2007, p. 87)
Segundo Branco (2007), os direitos de personalidade visam proteger o patrimônio moral da pessoa humana em suas dimensões psicológica, social, ideológica e estética.
Em razão disso, a utilização do polígrafo no ambiente de trabalho extrapola sobremaneira os limites do razoável no que tange ao exercício regular do poder fiscalizatório do empregador e, por consequência, a necessária observância aos direitos fundamentais de personalidade do empregado. Tais direitos visam não só estabelecer limitações ao exercício abusivo e irregular do poder empresarial no âmbito das relações trabalhistas, como também inviabilizar a perda das liberdades do empregado no ambiente de trabalho.
Os direitos fundamentais de personalidade do empregado devem se sobrepor aos poderes de comando do empregador, haja vista que o intuito maior do ordenamento jurídico brasileiro é proteger a dignidade da pessoa humana no âmbito das relações de trabalho.
Segundo Cogo (2006), se o processo de gestão de pessoas utilizado pela empresa for levado a efeito sem os controles sociais e jurídicos necessários, os direitos e garantias individuais e sociais dos trabalhadores poderão ser dilapidados.
Para Branco (2007), já se passaram quase vinte anos de vigência da Constituição Federal de 1988 e o princípio da dignidade humana, estampado no artigo 1º, inciso III, apesar de ser considerado o fundamento da República Federativa do Brasil e um valor supremo do Estado Democrático de Direito, ainda não atingiu de forma satisfatória o grau de eficácia normativa esperado, a ponto de ser reconhecido como o status de essência em relação aos demais princípios constitucionais. Para a autora, o princípio da dignidade da pessoa humana compreende a razão de ser do próprio Direito, que é tutelar o homem como bem maior em todas as dimensões de sua existência, inclusive, no que concerne aos direitos humanos fundamentais sociotrabalhistas.
Barros ainda assevera que "[...] é justamente na dignidade da pessoa humana como princípio fundamental que os direitos fundamentais encontram seu próprio fundamento".
Desse modo, o exame através do polígrafo representa um atentado aos direitos fundamentais de personalidade do empregado, pois agride a sua integridade física e moral e seus direitos fundamentais à intimidade e à vida privada. Trata-se de afronta à dignidade da pessoa humana, por não decorrer do exercício legítimo e regular do poder fiscalizatório do empregador.
O pressuposto teleológico de todo o sistema normativo brasileiro, que é a dignidade da pessoa humana, seria suficiente, por si só, para fazer eclodir uma rede de proteção dos direitos da personalidade no âmbito da relação de emprego, impedindo-se que fossem perpetradas contra os empregados transgressões destinadas a limitar os direitos à intimidade, honra, vida privada, imagem. Por derradeiro, incolumidade física e psíquica. (COGO, 2006, p.41).
À guisa de ilustração, vale colacionar julgados onde a utilização do polígrafo foi repudiada pelo judiciário. Vejamos:
EMENTA: Seleção de funcionários por intermédio de polígrafo (detector de mentira) – Ilegalidade – Dano moral – A submissão do empregado ao teste do polígrafo gera constrangimento, eis que expediente discriminatório e que viola a vida íntima do indivíduo, afrontando o art. 5º, X, da CF/88, assim como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, qual seja, a dignidade da pessoa humana, insculpido no inciso III do artigo 1º da CF/88. Recurso a que se dá provimento. (TRT 4 R., Proc. RO 01315.2002.312.02.00-8, 1ª Turma. Relª. Desembargadora Maria Inês M. S. A. Cunha. Publicação da decisão no DJ 14/03/2006.)
No mesmo sentido, estão as decisões abaixo:
EMENTA: USO DE POLÍGRAFO, COMO INSTRUMENTO TÉCNICO DE AVALIAÇÃO, PARA FINS ADMISSIONAIS DE EMPREGO. CONFIGURAÇÃO DE DANO MORAL. Por certo que o uso de meios técnicos, para fins de avaliação da idoneidade da pessoa, como critério inadequado e evidentemente falho, só por si, acaba por representar um ato de constrangimento pessoal – ainda que desprezado, aqui, o "modus procedendi", de acoplagem de aparelhos, capazes de identificar reações de sudorese, batimentos cardíacos e reações emocionais. Comprimido pela necessidade de um emprego, qualquer cidadão de melhor índole e sensibilidade, só pela certeza da falha desse critério e pelo receio de não vir a alcançar o objetivo perseguido, por certo que se encontra extremamente exposto a reações daquela ordem – sem que, nem por isso, as mesmas guardem qualquer relação com a meta da verdade perseguida. De tanto se pode concluir, pois, inequivocamente, tratar-se de método duplamente atentatório, contra a dignidade da pessoa: em si, como ato vexatório; e, quanto ao seu resultado, enquanto que eventualmente oposto à realidade examinada. A todos os títulos, portanto, afrontoso à privacidade da pessoa e que fere, frontalmente, a sua dignidade – substrato e fundamento do direito à reparação por "dano moral", melhor dito dano não patrimonial. (TRT 3 R., Proc. 00298200309203000, 6 Turma. Rel. Juiz Manoel Cândido Rodrigues, DJ 30.04.2004).
Portanto, por se tratar de agressão à saúde do empregado, é inadmissível sustentar a realização de determinado exame que possa gerar constrangimento, pressão e mal-estar físico e psicológico no decorrer da sua utilização. Além disso, é preciso pontuar que, durante o procedimento de tal exame, são formuladas perguntas ao empregado "entrevistado", que podem não ser divulgadas ao mesmo. Autorizar tal certame representa, de fato, retroceder aos preceitos fundamentais sociais assegurados pela Constituição Federal de 1988, que acentuam a importância do valor social do trabalho e da proteção à dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho (art. 3º e 170 da CF/88).
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana constitui, na verdade, a maior razão de ser dos direitos denominados como da personalidade, sendo, portanto, um corolário lógico que a proteção de tais bens jurídicos tenha se dado em nosso ordenamento, para além de outros diplomas infraconstitucionais, ou seja, no próprio seio da Carta da República – conforme pode ser verificado por meio do inciso X do art. 5 – ante a relevância dos valores aos quais estão ligados, quais sejam: a intimidade, a vida privada,a a honra e a imagem.( BRANCO, 2007, p.71)
As medidas de segurança necessárias para a defesa do patrimônio, que compreendem a justificativa sustentada pelas empresas para salvaguardar a realização de tal exame, não são motivos suficientes para suplantar o caráter vexatório e sigiloso do exame, muito menos, o stress físico e mental que o mesmo acarreta ao trabalhador, restando clara, portanto, a constatação de abuso de direito do empregador.
O empregador tem o dever de assegurar aos trabalhadores o desenvolvimento de suas atividades em ambiente moral e rodeado de segurança e higiene, tendo a obrigação de prover aos trabalhadores um ambiente de trabalho sadio, com condições físicas e psicológicas ideais para o desenvolvimento das atividades laborais (NASCIMENTO, 2004, p. 10).
Para Barros (2009), o temor, a raiva e o constrangimento pelo fato de estarem se submetendo ao teste do polígrafo são fatores que geram estresse e que acarretam, consequentemente, alterações fisiológicas nas pessoas. A autora destaca que fatores emocionais como o cansaço, a angústia e até mesmo uma simples cefaléia poderão falsear os resultados obtidos pelo teste do polígrafo.
Explana Garcez (2001) em sua dissertação de mestrado acerca da vida privada na relação de emprego: "Podemos afirmar que o direito do empresário à administração adequada da empresa, bem como o direito constitucional à livre iniciativa, estão em patamar inferior ao direito do obreiro à intimidade, devendo prevalecer este, em caso de conflito".
Nesse enleio, submeter o empregado ao teste do polígrafo é adentrar na esfera íntima do trabalhador. Além do mais, trata-se de equipamento de eficácia duvidosa e, por consequência, passível de falhas, não correspondendo a cem por cento da verdade, uma vez que não há qualquer prova de que o polígrafo possa medir, de maneira inconteste, se o ser humano está mentindo ou sendo honesto.
Assim se manifestou a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo):
EMENTA: CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CONDICIONADA A RESULTADO OBTIDO ATRAVÉS DE TESTE DE POLÍGRAFO (DETECTOR DE MENTIRAS). VIOLAÇÃO À INTIMIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO. O polígrafo ou "detector de mentiras" (liedetector), máquina inventada no ano de 1.921, foi introduzida no Brasil nos anos sessenta e banida uma década depois. Registra, de forma simultânea, mudanças nos processos fisiológicos, através da medição de batidas do coração, respiração e pressão arterial. Parte-se da premissa de que, enquanto mentimos, sofremos alterações fisiológicas. Contudo, é sabido que as indigitadas mudanças não derivam apenas de mentiras, mas também por causas diversas, como tristeza, timidez, angústia, entre outros. Fato concreto é que estudiosos do mundo todo são unânimes em asseverar que não há qualquer prova de que o polígrafo possa medir, de maneira inconteste, se o ser humano está mentindo ou sendo honesto, razão pela qual muitos países não têm admitido como meio de prova os resultados obtidos através de testes de polígrafos. Ademais, as perguntas formuladas pelo empregador não guardam qualquer relação com o vínculo empregatício mantido entre os litigantes e configuram notória violação aos termos expressamente consubstanciados pelo artigo 1º da Lei nº 9.029/95 e dispostos nos incisos do artigo 5º da Carta Magna vigente. Não se pode olvidar, outrossim, que a inserção da empregada no ambiente do trabalho não lhe retira os direitos da personalidade, dos quais o direito à intimidade constitui uma espécie. Portanto, não há dúvida de que o uso do polígrafo por parte da recorrente apresenta-se como ilegal e ao permitir essa lógica do mercado de aviação, é dizer, essa política equivocada de gerenciamento, estaríamos reduzindo a importância do Direito do Trabalho Brasileiro e a força normativa de seus princípios, restringindo o trabalhador à condição de objeto. O empregador deve exercer seu poder diretivo, e esse exercício não lhe autoriza jamais dirigir a vida do empregado. Configurado o ilícito praticado pela reclamada, para atender exigência da empresa aérea American Airlines, a condenação ao pagamento de indenização por danos morais é medida que se impõe. (TRT 1ºR., Proc. RO 01275-2003-311-02-00-9, 6ª Turma, Rel. Desembargador Valdir Florindo. DJ 14/10/2005).
Barros (2009) corrobora este entendimento ao sustentar que não deve ser admitida a hipótese de submissão do empregado ao teste de polígrafo, por se tratar de um instrumento duvidoso do ponto de vista científico e por implicar em total violação à esfera privada do empregado.
Desse modo, a utilização do polígrafo caracteriza abuso de direito do empregador, pois extrapola os limites de atuação do seu poder fiscalizatório, transgride a dignidade do empregado ao submetê-lo a constrangimento injustificado e expõe a sua intimidade e a sua privacidade no ambiente de trabalho.
Destaca-se, então
A possibilidade de distinção ou exclusão infundada provocada pelo teste do polígrafo, uma vez que, para obter resultados, é necessário fazer indagações sobre temas discriminatórios. Para atingir os objetivos do teste, são abordadas questões muito pessoais a respeito de atuação política ou sindical do trabalhador e ainda a respeito do uso de drogas no passado. (LEFEBVRE in Barros, 2009, p. 587)
3.O projeto de lei n. 7.253/2002
Convém ressaltar que, em 2002, tramitou no Congresso Nacional o projeto de Lei sob o número 7.253/2002, que proibia expressamente a utilização do polígrafo no ambiente de trabalho. O autor do projeto, atual senador federal e ex-deputado federal Paulo Paim, sugeriu a alteração do artigo 3º da CLT, quando dispôs acerca da proibição do uso do polígrafo pelo empregador no Brasil.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Esta lei altera o art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, a fim de proibir o uso do polígrafo pelo empregador.
Art. 2º Acrescentem-se ao art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, os seguintes parágrafos:
Art. 3º (...)
§ 1º É proibido em quaisquer circunstâncias submeter o trabalhador ou candidato a emprego a teste com o uso de polígrafo, ou outro método que possa causar dano à honra e à dignidade do trabalhador.
§ 2º Pelo efetivo dano à honra e à dignidade do trabalhador, nos termos do § 1º deste artigo, é devida uma indenização no valor de dez a cem vezes o salário estabelecido para o cargo, a ser paga pelo empregador ou pelo recrutador.
Art.3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
O senador Paim (2002) justificou em seu projeto de lei que o uso do polígrafo representa grosseira violação à liberdade e à privacidade do homem, indo contra o respeito à "dignidade da pessoa humana", fundamentada pela Constituição Brasileira que, em seu artigo 5º estabelece que "...ninguém será submetido a tratamento desumano". Considera-se, assim, inadmissível, em quaisquer circunstâncias, a submissão do obreiro ao teste detector de mentiras.
Mesmo em caso de existência de suspeitas veementes de crime praticado pelo empregado (p. ex., furto, ou apropriação indébita), sua utilização consiste em prática reprovável (além de bizarra), eis que o empregador não pode instituir por sua própria conta, um "processo penal" travestido, pois cabe ao Estado a persecução penal. A prática de testes através do polígrafo nas relações de trabalho – obviamente inadmissível em nosso ordenamento jurídico, eis que atentatória à dignidade da pessoa humana – assemelha-se aos métodos medievais de controle descritos por Michel Foucaut na obra Vigiar e Punir. Cabe ao legislador reprimir o uso da ciência sem o adequado substrato ético. É lamentável que o avanço científico traga em seu bojo o retrocesso no campo da ética e da fraternidade nas relações entre os homens. Seu uso configura grosseira violação à liberdade, à dignidade e à privacidade do homem. (PAIM, 2002)
Vários dispositivos constitucionais contidos na Constituição Federal de 1988 são tidos como fundamento para considerar-se abusivo o uso do polígrafo no ambiente de trabalho, verbis:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III – a dignidade da pessoa humana;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direito e obrigações, nos termos desta Constituição;
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou á imagem;
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Ainda acompanhando o pensamento do senador Paim, submeter o trabalhador ao objeto polígrafo implica frontal desrespeito a tais princípios. A dignidade da pessoa humana é a origem da qual deve partir a interpretação do Direito, permeada sempre pela concepção do trabalho como instrumento de efetivação da justiça social, bem como pela noção de que o direito de propriedade deve ser exercido segundo sua função social, nos termos do artigo 5º , inciso XVIII, da Constituição Federal de 1988. Além disso, a proteção da dignidade da pessoa humana autoriza uma ação contra tratamentos intromissivos, impedindo atitudes que diminuam o status da pessoa humana enquanto indivíduo, cidadão e membro da comunidade.
No direito comparado, Barros (2009) assevera que a jurisprudência da Suprema Corte do Canadá considera o teste do polígrafo algo similar às perseguições abusivas e inconstitucionais, por não permitir a constatação de uma prova válida e por considerar o seu valor científico duvidoso. Além disso, essa mesma Corte considera que esse teste representa um sério e profundo atentado à privacidade dos empregados.
Na França, ensina Barros que o teste do polígrafo encontra obstáculo nos artigos 120-2 e 121-7 do Código do Trabalho, pois os mesmos vedam restrições aos direitos das pessoas e às liberdades coletivas que não sejam justificadas pela natureza das tarefas a executar, nem sejam proporcionais aos fins almejados. Por este motivo, o teste do polígrafo não é utilizado na França e a doutrina francesa o considera uma técnica forçada de transparência.