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Responsabilidade dos sócios avalistas por dívidas da sociedade empresária em recuperação judicial

28/11/2010 às 11:12
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A crise internacional ocorrida no ano de 2008 gerou reflexo direto na atividade empresarial no Brasil, o que fez eclodir um elevado número de pedidos de recuperação judicial no país a partir do ano de 2009.

A Lei de Falência e de Recuperação de Empresas – Lei n° 11.101/2005 - extinguiu o instituto da concordata e introduziu a recuperação judicial, um recurso que possibilita ao empresário individual e à sociedade empresária que enfrentam dificuldades econômico-financeiras recuperar-se da situação adversa, com finalidade precípua insculpida no art. 47 da lei, in verbis:

"A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica."

O processo de recuperação judicial é promovido por iniciativa do próprio empresário, que apresenta perante o Poder Judiciário o pedido do benefício, observando o atendimento aos requisitos legais contidos no art. 51 da Lei 11.101/05.

Em que pesem os benefícios advindos com a nova legislação, alguns aspectos permanecem controvertidos, sendo ainda hoje objeto de discussões travadas nos diversos tribunais do país.

Uma das situações que merecem destaque é referente à responsabilização dos sócios nos casos em que estes prestaram garantias pessoais pelas dívidas da empresa em recuperação judicial. Trata-se de matéria relativamente nova sobre a qual a jurisprudência ainda não se sedimentou o entendimento.

Apesar de a Lei n° 11.101/05 estabelecer a suspensão do curso das ações de execução propostas em face das empresas que tiveram deferido o processamento de Recuperação Judicial, ainda se discute se tal benefício se estenderia também para a pessoa dos sócios que garantiram pessoalmente as mesmas dívidas.

O artigo 6º da Lei 11.101/05 estabelece que "a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário". Ademais, fixou-se no § 4º do mesmo dispositivo o prazo improrrogável de 180 dias para vigência deste benefício.

Apesar de o artigo 6° da Lei n° 11.101/05 estender expressamente o benefício aos sócios solidários, alguns Tribunais de Justiça do País vêm mantendo em curso as execuções propostas contra os sócios avalistas, sob o argumento de que a garantia por eles prestada se trata de uma obrigação assumida de forma autônoma, inexistindo impedimento para o prosseguimento da execução contra os sócios que assim procederem.

Tal entendimento não se coaduna com espírito que o legislador quis conferir ao texto da lei, que é justamente fazer com que a sociedade se mantenha íntegra em sua atividade a fim de manter a fonte produtora, os empregos e a função social que passa pela sobrevivência de seus sócios.

Desta forma, cogitar o prosseguimento dos processos de execução contra o sócio garante é privilegiar a contraditória situação onde o sócio seria responsabilizado de forma mais onerosas que a própria empresa, beneficiada com a suspensão das ações e execuções movida contra si por conta do disposto na lei.

Ademais, o art. 59 da Lei 11.101/05 estabelece a novação de todas as dívidas, na hipótese de aprovação do Plano de Recuperação Judicial; por conseqüência lógica, seria um verdadeiro absurdo conceber que as ações de execuções referentes a estes mesmos créditos pudessem prosseguir em face dos sócios avalistas.

Neste sentido já se manifestou o Tribunal de Justiça de São Paulo:

"Execução por título extrajudicial - Ação dirigida contra pessoa jurídica e contra os sócios desta, devedores solidários – Recuperação judicial homologada – Benefício legal que torna inexigível o título tanto para a devedora principal, quanto para os garantes, em razão de serem sócios da empresa em recuperação judicial – Análise do artigo 49, § 1º, da Lei 11.101/2005, combinado com o artigo 739-A do CPC – Recurso provido." [01]

"Exceção de pré-executividade - Homologado o plano de recuperação judicial da empresa co-executada -Novação da dívida- Hipótese em que tal novação se estende aos devedores solidários - Inexigibilidade da dívida - Execução extinta; Litigância de má-fé - Não configurada - Multa afastada - Recurso provido" [02]

Verifica-se, portanto, que essa novação decorre de lei, de maneira que o melhor entendimento aponta para suspensão das execuções individuais em face da empresa recuperanda, bem como dos sócios avalistas, por força da nova obrigação contraída em eventual aprovação do plano de recuperação judicial ou mesmo pelo prazo de blindagem definido no art. 6° da Lei 11.101/05.


Notas

  1. TJ/SP, 21ª Câmara de Direito Privado, Apelação n. 7.166.479-6, relator Des. Souza Lopes
  2. Agravo de Instrumento 7326978600 Relator (a): Cunha Garcia - Comarca: Salto Órgão julgador: 20ª Câmara de Direito Privado Data do julgamento: 27/04/2009 Data de registro: 10/06/2009.
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Sobre o autor
Tiago de Farias Lins

Advogado, formado pela Faculdade de Direito de Olinda, especialista em Direito Empresarial, tendo cursado MBA em Direito da Economia e da Empresa pela FGV/RJ – Fundação Getúlio Vargas (2008). Curso de extensão na área do Direito Falimentar e Recuperação Judicial também pela FGV/RJ – Fundação Getúlio Vargas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LINS, Tiago Farias. Responsabilidade dos sócios avalistas por dívidas da sociedade empresária em recuperação judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2706, 28 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17919. Acesso em: 20 abr. 2024.

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