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Tutela da omissão legislativa inconstitucional.

Mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão

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30/11/2010 às 10:55
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IV-OMISSÃO LEGISLATIVA INCONSTITUCIONAL

Fixada a idéia de que toda e qualquer norma constitucional é dotada de aplicabilidade, devendo, portanto, desempenhar uma função no ordenamento jurídico, e de que há, no texto constitucional, normas que apresentam diversos graus de eficácia, apreciar-se-á, neste tópico, o conceito de omissão legislativa inconstitucional a fim de possibilitar uma melhor compreensão do mandado de injunção.

Inicialmente, é preciso deixar claro que não apenas por meio de atos administrativos ou da ação normativa do Poder Público, ou seja, de comportamento comissivo, afronta-se a Constituição Federal. A inércia desse Poder, ao negar cumprimento à ordem constitucional, também será considerada inconstitucional.

Desse modo, a Constituição deve ser respeitada não apenas pela atuação positiva do Poder Público em conformidade com seu texto, mas também deixando esse Poder de se omitir quando os dispositivos constitucionais exigirem a sua atuação.

DIRLEY DA CUNHA JUNIOR [21] doutrina que, do ponto de vista histórico, o reconhecimento das omissões inconstitucionais se deveu, principalmente, ao surgimento do Estado Social.

As Constituições Dirigentes, diplomas normativos característicos dessa espécie de Estado, além de fixar as suas premissas estruturais e os limites de sua atuação, apliaram o Estado e suas funções, sendo, por conseguinte, o Poder Público chamado a intervir ativamente para fornecer prestações aos indivíduos em decorrência dos direitos previstos no próprio texto constitucional.

Essas constituições passaram a vincular, consequentemente, expressa e normativamente, todos os órgãos dos Poderes Públicos (Executivo, Legislativo e Judiciário) à promoção do bem estar da sociedade, sendo os mesmos responsáveis pela execução dos fins sociais estabelecidos em seus textos. Assim sendo, o Estado passou a ter o dever de assegurar a concretização dos direitos previstos no texto constitucional.

Importa ressaltar que as Constituições Dirigentes, dentre elas a Carta Magna brasileira de 1988, são marcadas pela extensão das normas programáticas e por apresentarem vasto rol de direitos consagrados em normas de eficácia limitada, caracterizando-se, portanto, pela copiosa presença de dispositivos não exequíveis por si mesmos.

Sobre a questão, J.J. GOMES CANOTILHO [22] assinala ser a inconstitucionalidade por omissão um instituto que reflete as influências resultantes da redução do Estado de Direito Democrático aos processos e instrumentos típicos dos ordenamentos liberais. É válida e oportuna essa referência, pois, embora as Constituições daqueles Estados democráticos tenham somado aos direitos individuais clássicos (direitos à abstenção do Estado) os direitos sociais (direitos à prestação positiva do Estado), criando rol bem mais abrangente de garantias, não indicaram, em contrapartida, os meios adequados para concretizá-los.

A omissão inconstitucional se verifica no campos da aplicabilidade das normas constitucionais, em especial das normas de eficácia limitada que demandam integração legislativa ulterior, dependendo, consequentemente, da atuação do Poder Legislativo ou Executivo para produzirem plenamente seus efeitos.

Destarte, conquanto normalmente o legislador atue com absoluta discricionariedade, em algumas hipóteses, previstas expressamente pelo constituinte, há comandos dirigidos ao legislador infraconstitucional para a edição de leis regulamentadoras. Nesses casos, a desobediência do legislador caracteriza uma omissão inconstitucional. É relevante, no entanto, esclarecer, desde já, que, embora se admita a existência desse dever jurídico-constitucional de legislar, não há um correlato direito subjetivo dos cidadãos à atividade legislativa. [23]

Discorrendo acerca das espécies de omissões inconstitucionais, J.J. GOMES CANOTILHO afirma que as omissões, em sentido jurídico-constitucional, significa "não fazer aquilo a que estava constitucionalmente obrigado", não sendo este um conceito naturalístico restrito a um simples não fazer. É interessante registrar as palavras desse ilustre Doutrinador sobre a questão:

"Discute-se na doutrina e jurisprudência constitucionais, o conceito, o sentido e a extensão do chamado silêncio legislativo. Aqui entender-se-á, principalmente, mas não exclusivamente, como omissão legislativa inconstitucional, o não cumprimento de imposições constitucionais permanentes e concretas."

J.J. GOMES CANOTILHO [24] ressalta, ainda, a necessidade de haver uma exigência constitucional de ação para a caracterização da omissão legislativa, sendo, portanto, insuficiente a simples desobediência ao dever geral de legislar para configuração da inércia inconstitucional.

Segundo o supramencionado Doutrinador, as omissões legislativas derivam do "não cumprimento de imposições constitucionais legiferantes em sentido estrito", normas que vinculam permanente e concretamente o legislador à adoção de medidas legislativas concretizadora da Constituição.

Ele indica, portanto, haver afronta a Constituição quando o legislador deixa de conferir exeqüibilidade prática às normas constitucionais que não apresentam suficiente densidade normativa ou, na hipótese de violação das ordens de legislar consagradas expressamente em preceitos constitucionais.

Igualmente, adverte J.J. GOMES CANOTILHO ter a doutrina recentemente reconhecido a possibilidade de omissão legislativa em virtude do não cumprimento da obrigação do legislador de aperfeiçoar ou corrigir as normas de "prognose" (prognóstico/previsão) ultrapassadas em razão de circunstancias supervenientes. Tal espécie de omissão consistiria, consequentemente, na ausência e adaptação das leis já existentes. [25]

FLÁVIA PIOVESAN [26], ao analisar a inércia inconstitucional do legislador, assevera que o fenômeno a inconstitucionalidade por omissão revela uma inversão do raciocínio jurídico tradicional, pois que enquanto na inconstitucionalidade por ação busca-se a eliminação de uma norma que afronta a Carta Magna, no controle da omissão inconstitucional, almeja-se o oposto, ou seja, que, por determinação constitucional, deveria elaborar, mas assim não procedeu. [27]

A doutrina [28] costuma listar como pressupostos da inconstitucionalidade por omissão:

1.Existência de norma constitucional não exeqüível por si mesma que demande, consequentemente, produção normativa infraconstitucional ulterior;

2.Violação da Constituição decorrente do descumprimento da "ordem" (imposição) constitucional;

3.Ausência de condições para tornar a norma constitucional exequível;

4. Decurso de prazo estabelecido constitucionalmente para a produção da norma infraconstitucional ou, quando não houver previsão, de tempo razoável.

Discordamos, contudo, desse último requisito por entendermos que a caracterização da omissão inconstitucional não está atrelada a prazos. A nosso ver, é determinante apenas a inexistência da norma infraconstitucional que inviabilize a concretização dos preceitos constitucionais para configurar a omissão em questão. [29]

4.1.Omissões legislativas parciais e totais

Para a compreensão do mandado de injunção, mostra-se relevante distinguir as omissões legislativas totais (absolutas) das parciais (relativas).

A omissão legislativa total ocorre quando o legislador não cumpre totalmente seu dever de legislar, deixando a matéria sem qualquer regulamentação. Inexistem, portanto, maiores dificuldades para o seu reconhecimento. [30]

A omissão parcial, por outro lado, decorre do cumprimento incompleto do dever de regulamentar a norma constitucional. Nessa espécie de omissão, conquanto haja tratamento legislativo da matéria, este é tecnicamente deficiente, implicando, em muitos casos, o favorecimento de apenas certos grupos, categorias ou situações, haja vista não serem preceituadas todas as circunstâncias necessárias para possibilitar o exercício do direito por todas as pessoas.

Portanto, na hipótese de omissão parcial, ainda que estejam em situação idêntica ou semelhante e que preencha todos os pressupostos fáticos, nem todos os indivíduos serão contemplados pelos direitos constitucionais. Verifica-se, por conseguinte, nessa omissão legislativa, flagrante violação ao princípio da igualdade [31].

Não obstante existam doutrinadores que defendam a utilização do mandado de injunção tanto na hipótese de ausência total (absoluta) de norma regulamentadora, quanto na parcial (relativa) [32], o Colendo Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que apenas as omissões totais (absolutas) autorizam a utilização do mencionado remédio constitucional. Esta foi a inteligência conferida pela Suprema Corte no MI nº. 581-4 DF.

É interessante ressaltar, além disso, que, afora o Brasil, nenhum país ousou controlar a omissão constitucional total (absoluta).

A Constituição Federal de 1988, ao tratar da questão da incompletude normativa, consagrou dois instrumentos de natureza processual com o escopo essencial de afastar a inércia inconstitucional do Poder Público: o mandado de injunção (inciso LXXI, do art. 5º da Constituição Federal) e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (§2º, do art. 103, da Carta Magna). É preciso, contudo, distinguir essas duas ações, uma vez que, embora ambas tutelem a omissão legislativa, possuem titulares, objetos, efeitos e finalidades diversos.


V-ASPECTOS GERAIS DO MANDADO DE INJUNÇÃO

5.1 Conceito

O mandado de injunção é uma ação constitucional de caráter civil e de procedimento especial que visa a suprir uma omissão normativa do Poder Público a fim de possibilitar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal.

É, portanto, um remédio contra a omissão legislativa que afeta a fruição de direitos e garantias consagrados em normas constitucionais de eficácia limitada. Esta ação constitucional de defesa perante omissões legislativas está à disposição de qualquer pessoa que se sentir prejudicada pela ausência de norma regulamentadora.

O instituto em tela, juntamente com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, propõe-se a combater a conhecida síndrome de inefetividade das normas constitucionais.

5.2 Objeto

O inciso LXXI, do art. 5º da Constituição Federal dispõe que o mandado de injunção será concedido quando a falta de norma regulamentadora tornar inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade , à soberania e à cidadania.

Nem todas as normas constitucionais, portanto, possibilitam o ajuizamento deste remédio, mas apenas aqueles de eficácia limitada que, por não possuírem normatividade suficiente, necessitam de atuação regulamentar posterior que lhes confira executoriedade. Portanto, para a utilização desse remédio, há necessidade de uma lacuna no ordenamento jurídico.

Assim sendo, não será cabível mandado de injunção em face de norma constitucional auto-aplicável ou quando já houver norma regulamentadora do dispositivo constitucional, ainda que considerada injusta ou inconstitucional. [33]

Não é possível, dessa forma, por meio deste remédio, pleitear a alteração de norma já existente ou, ainda, exigir uma determinada interpretação à aplicação da mesma. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MI n. 81-6 DF [34], cujo relator foi o Ministro Celso de Mello, fixou entendimento nesse sentido, senão vejamos:

"A estrutura constitucional do mandado de injunção impõe, como um dos pressupostos essenciais de sua admissibilidade, a ausência de norma regulamentadora.

Essa situação de lacuna técnica – que se traduz na existência de um nexo causal entre o ‘vacuum juris’ e a impossibilidade do exercício dos direitos e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania – constitui requisito necessário que condiciona a própria impetrabilidade desse novo remédio instituído pela Constituição de 1988.

O mandado de injunção não constitui, dada sua precípua função jurídico-processual, sucedâneo de ação judicial que objetive, mediante alteração de lei já existente, a majoração de vencimentos devidos a servidores públicos.

Refoge ao âmbito de sua finalidade corrigir eventual inconstitucionalidade que infirme a validade de ato estatal em vigor."

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Ainda no supracitado julgado, o Ministro Celso de Mello afirmou que o mandado de injunção, por seu perfil constitucional, não teria sido concebido para a tutela de direitos cujo exercício se frustre pela inexecução de dever legal de legislar, sendo indispensável, portanto, a expressa previsão constitucional acerca da necessidade da ulterior produção normativa infraconstitucional.

Por conseguinte, a inobservância do dever geral de legislar ou a mera ilegalidade por omissão não constituem justificativa para a utilização do mandado de injunção.

No tocante à extensão dos direitos e das liberdades tutelados pela presente ação constitucional, há três correntes doutrinárias: uma restritiva, uma intermediária e uma abrangente.

A primeira corrente, a restritiva, reduz consideravelmente o campo de incidência do mandado de injunção. [35] Os seus defensores interpretam restritivamente o inciso LXXI, do art. 5º da Constituição Federal e afirmam que, através do exame da disposição final deste dispositivo constitucional (‘inerentes à nacionalidade, à soberania, à cidadania"), é possível concluir que o constituinte objetivava limitar o alcance do mandado de injunção.

A corrente restritiva defende, portanto, que essa ação constitucional abrange apenas os direitos que possam ser deduzidos ao status de nacional e de cidadão.

A corrente intermediária, defendida por CELSO RIBEIRO DE BASTOS [36] apresenta uma concepção mais abrangente do objeto do mandado de injunção, que engloba todos os direitos consagrados no Título II da Carta Magna de 1988 ("Dos direitos e garantias fundamentais: direitos e deveres individuais, direitos sociais, da nacionalidade, direitos políticos e dos partidos políticos"). Nas palavras do aludido Doutrinador:

"A expressão ‘direitos e liberdades constitucionais’ aponta para as clássicas declarações de direitos individuais. No nosso texto constitucional, o tratamento desta matéria é feito de forma moderna, a consagrar não só os direitos e deveres individuais, mas para incluir debaixo do mesmo título ‘dos direitos e garantias fundamentais’ os coletivos e sociais"

Adotamos, contudo, o entendimento da última corrente, a abrangente. Esta posição doutrinária não aceita qualquer espécie de restrição ao campo de incidência do remédio constitucional por considerar que as garantias constitucionais devem ser interpretadas de forma mais ampla possível. A nosso ver, não há razão para a restrição dos termos do inciso LXXI, do art. 5º da Constituição Federal.

CARLOS DE ALCÂNTARA MACHADO [37], também adepto dessa corrente, afirma não ser viável fazer uma interpretação restritiva do dispositivo constitucional de sorte a diminuir o campo de atuação do mandado de injunção pelo simples fato de ter o constituinte feito menção a "prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania".

Sustenta, por conseguinte, que todo e qualquer direito ou liberdade constitucional, quando atendidos os demais requisitos (direito assegurado por norma constitucional de eficácia limitada, omissão normativa inconstitucional e impossibilidade de exercício do direito consagrado no dispositivo constitucional em decorrência dessa omissão) comporta tutela pelo mandado de injunção. Nesse sentido, CARLOS ALCÂNTARA MACHADO leciona:

"os direitos tutelados pela injunção são todos os enunciados na constituição em normas que reclamam a ‘interpositio legislatoris’ como condição de fruição do direito ou liberdade ali agasalhada. [38]"

Ressalta o autor, além disso, se esta a conclusão a que se chega ao analisar o dispositivo constitucional, pois que o constituinte atrelou a expressão "inerentes à nacionalidade, à soberania, e à cidadania" à palavra "prerrogativa", servindo, destarte, como um reforço de abrangência em relação à mesma.

Outro não foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Injunção n. 107-DF [39], leading case, senão vejamos o trecho do voto do Relator, o Ministro Moreira Alves:

"A meu ver, não vejo razão suficiente para restringir os termos literais do inciso LXXI, do art. 5º da Constituição – ‘direitos e liberdades constitucionais’ – certo como é que a mesma razão que justifica a concessão do mandado de injunção aos direitos e garantias previstos nesse artigo 5º existe com relação aos outros direitos e garantias constitucionais (inclusive os sociais) cujo exercício seja inviabilizado pela falta de norma regulamentadora.

5.3 Requisitos

São requisitos para o mandado de injunção:

1.Direito ou liberdade constitucional assegurado em norma constitucional de eficácia limitada;

2.Ausência de norma regulamentadora da previsão constitucional (omissão legislativa);

3.Inviabilidade do exercício de direitos, de liberdades ou de prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania constitucionalmente assegurados em virtude da omissão legislativa.

Ademais, a utilização deste remédio constitucional pressupõe a existência de nexo de causalidade entre a omissão normativa e a inviabilidade do exercício de direito, de liberdade ou de prerrogativa constitucional.

Nesse contexto, é interessante mencionar trecho do voto do Ministro Celso de Mello no julgamento do leading case (Mandado de Injunção n. 107-DF):

"Essa situação de lacuna técnica, ‘ou seja, da ausência de uma norma imprescindível para que outra produza efeitos jurídicos’ (MARIA HELENA DINIZ, ‘Norma Constitucional e seus Efeitos’, p. 38, 1989, Saraiva; HANS KELSEN, ‘Teoria Pura do Direito’ vol.2/11-112, 1962, Coimbra) – embora pressuposto necessário da impetrabilidade do mandado de injunção, não é, por si só, requisito suficiente, pois a regra institutiva desse writ impõe, ainda, a existência de um nexo causal entre o vacuum juris e a impossibilidade de exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania, e à cidadania."

Portanto, não basta a inexistência de norma regulamentadora, sendo imprescindível que a falta dessa norma torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania, e à cidadania.

CARLOS AUGUSTO ALCÂNTARA MACHADO [40] afirma que por norma regulamentar deve-se entender espécie normativa de qualquer grau hierárquico, podendo apresentar natureza de lei complementar, lei ordinária, regulamento, resolução, portaria e até mesmo decisões administrativas.

Para esse Doutrinador, exige-se apenas que a norma reclamada tenha caráter de norma geral (Kelsen) e que encontre seu fundamento de validade material direta ou indiretamente na Constituição Federal. Além disso, sustenta que a norma ausente deve ter sempre caráter de abstração e generalidade,

Alem disso, CARLOS AUGUSTO ALCÂNTARA MACHADO entende que a regulamentação parcial (omissão legislativa parcial) também poderia ensejar a concessão de mandado de injunção. Consequentemente, através do remédio em tela, caso o exercício do direito, liberdade ou prerrogativa fosse obstado pela insuficiente regulamentação da norma constitucional, ou seja, por deficiência da norma regulamentadora infraconstitucional, seria possível a concessão da injunção a fim de viabilizar a fruição daquele direito, liberdade ou prerrogativa pelo impetrante. [41]

Entendemos, no entanto, não caber mandado de injunção na hipótese de omissão legislativa parcial. Havendo regulamentação do dispositivo constitucional, ainda que parcial, não será hipótese de utilização desse remédio.

É possível perceber, por meio da leitura do inciso LXXI, do artigo 5º da Carta Magna de 1988, que a intenção do constituinte era, por meio desse instrumento processual, possibilitar combate de omissões legislativas absolutas inviabilizadoras da fruição de direitos e garantias constitucionais, não servindo, portanto, pra solucionar a questão das omissões parciais que afrontam o princípio da igualdade.

5.4 Legitimidade Ativa

O mandado de injunção poderá ser ajuizado por toda e qualquer pessoa, nacional ou estrangeira, física ou jurídica, cuja fruição de direitos, liberdades constitucionais ou prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania esteja impossibilitada pela ausência de norma regulamentadora, ou seja, por aquele a que for outorgado tais direitos, liberdades ou prerrogativas.

Embora não exista previsão expressa, a Corte Suprema, no julgamento do Mandado de Injunção n. 347-SC, firmou entendimento no sentido de que, por aplicação analógica do art. 5º, inciso LXXI, é possível a impetração do mandado de injunção coletivo.

Reconhece-se, portanto, a legitimidade ativa das mesmas entidades a que a Constituição Federal conferiu o direito de ajuizar o mandado de segurança coletivo. A injunção coletiva será cabível quando a falta de norma regulamentadora comprometer o exercício de direitos e liberdades constitucionais dos associados da entidade impetrante.

Nesse contexto, vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que os sindicatos podem impetrar o mandado de injunção em favor dos sindicalizados tanto coletiva como individualmente. [42]

5.5 Legitimidade Passiva

A legitimidade passiva no mandado de injunção é exclusiva da autoridade ou órgão responsável pela elaboração da norma regulamentadora.

Figurarão, portanto, no polo passivo da ação constitucional em tela, somente pessoa estatal, pois que só aos entes estatais compete a elaboração das normas regulamentadoras essenciais ao exercício dos direitos e das liberdades expressas no texto constitucional. Não se admitem, no polo passivo, os particulares que venham a suportar o ônus da concessão da injunção.

Há doutrinadores, no entanto, que sustentam a possibilidade da legitimidade passiva recair sobre parte privada ou pública diversa da competente para a elaboração da norma faltante. Entendem esses doutrinadores que deveriam integrar o polo passivo todos aqueles que viriam a suportar o ônus da eventual concessão da injunção e cujas atuações serão necessárias para o exercício do direito [43].

FLÁVIA PIOVESAN, ao tratar dessa questão, afirma ser cabível mandado de injunção tanto nas relações de natureza pública como nas relações privadas, como, por exemplo, nas relações de emprego privado, hipótese que envolve os direitos previstos no art. 7º do texto constitucional. Nesse sentido, a jurista assevera que a legitimidade passiva recairia sobre a parte privada que arcaria com as consequências da decisão proferida.

Insta ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da questão de ordem do Mandado de Injunção n. 107-3, firmou entendimento no sentido inverso, considerando legitimado passivo, em sede de mandado de injunção, apenas a autoridade incumbida da elaboração da norma regulamentadora.

5.6 Procedimento

Não há, até a presente data, legislação específica sobre o rito do mandado de injunção, razão pela qual deverão ser observadas, no que couberem, as normas aplicáveis ao mandado de segurança e as normas do Código de Processo Civil.

Além disso, a Lei n º. 8.038/1990 instituiu normas procedimentais aplicáveis ao mandado de segurança impetrado perante o Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça e determinou que essas normas também sejam aplicadas ao mandado de injunção quando compatíveis com esta ação.

Nesse sentido, aponta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, senão vejamos o debatido no Mandado de Injunção n. 107-3/DF, in verbis:

"(...)

Assim fixada a natureza jurídica desse mandado, é ele, no âmbito da competência desta Corte – que está devidamente definida pelo artigo 103, I, q, auto-executável, uma vez que, para ser utilizado, não depende de norma jurídica que o regulamenta, inclusive quanto ao procedimento, aplicável que lhe é analogicamente o procedimento do mandado de segurança no que couber."

Ademais, cumpre mencionar que a Carta Magna, na alínea "q", inciso I, do art. 102 e na alínea "h", inciso I, do art. 105, dispõe sobre a competência para julgamento do mandado de injunção pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça. Outrossim, no inciso V, do parágrafo quarto, do art. 121, fixa a competência recursal do Tribunal Superior Eleitoral.

Interessa esclarecer que a lei ainda poderá regulamentar a competência remanescente para outros casos de mandado de injunção desde que respeite as disposições constitucionais acerca da matéria. Além disso, no âmbito estadual, poderão os Estados-membros, no exercício do poder constituinte derivado decorrente, tratar, nas suas Constituições, sobre o órgão jurisdicional competente para o processamento e julgamento do writ contra a omissão do Poder Público estadual em relação às normas constitucionais estaduais.

5.7 Decisão do mandado de injunção: posições doutrinárias acerca dos seus efeitos

É grande a controvérsia sobre os efeitos do mandado de injunção. Há diversos posicionamentos sobre a abrangência desses efeitos. Trataremos das três principais correntes doutrinárias a esse respeito.

5.7.1 Primeira corrente: decisão declaratória da inconstitucionalidade

Segundo os defensores desta corrente, o Poder Judiciário, em sede de mandado de injunção, ao se deparar com uma omissão inconstitucional, inviabilizadora do exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, deve conceder a injunção, limitando-se a declarar a inconstitucionalidade por omissão do órgão responsável pela regulamentação da norma constitucional e a cientificá-lo para que tome as devidas providências.

Conferem, por conseguinte, ao mandado de injunção alcance análogo ao da ação de inconstitucionalidade por omissão.

MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO [44], defensor deste entendimento, sustenta que se ao órgão julgador competisse a elaboração da norma regulamentadora necessária, verificar-se-ia afronta ao princípio da separação dos poderes que, na Constituição Federal de 1988, foi erigido à cláusula pétrea.

Este doutrinador assevera, ademais, não ser possível atribuir ao mandado e injunção alcance maior ao da ação direta de inconstitucionalidade por omissão que possui como legitimados ativos as mais altas autoridades da República e que, além disso, é julgada pela Suprema Corte brasileira.

A principal crítica dirigida a esta corrente é a de que ela confere ao mandado de injunção finalidade e efeitos idênticos ao da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, pois, em ambos, haveria apenas a declaração de inconstitucionalidade por omissão e comunicação dessa omissão ao órgão competente para saná-la. Dessa forma, o exercício dos direitos e garantias continuariam inviabilizados, uma vez que, em nosso sistema, não há possibilidade de obrigar-se o Poder inerte a elaborar a norma faltante por meio de imposição de quaisquer sanções.

Não seria plausível, além disso, admitir que o constituinte criou dois institutos com idêntica finalidade. Neste sentido, assevera FLÁVIA PIOVESAN [45]:

"a duplicidade de institutos jurídicos afastaria a logicidade e a coerência do sistema constitucional, mesmo porque não haveria sentido em centrar a legitimidade ativa no caso da ação direta de inconstitucionalidade por omissão nos entes elencados pelos incisos I a X do art. 103 e, ao mesmo tempo, admitir a ampla legitimidade do mandado de injunção, que pode ser impetrado por qualquer pessoa, se ambos os instrumentos apresentassem idênticos efeitos."

Além disso, como salienta ROBERTO AUGUSTO CASTELLANOS PFEIFFER [46], é princípio cediço que a Constituição não contem palavras inúteis, o que nos leva à conclusão de que não há, no texto constitucional, institutos inúteis. Esse mesmo Doutrinador aduz que o próprio constituinte deixou clara a distinção entre os dois institutos em tela, e segue afirmando que:

"o mandado de injunção é destinado à tutela do direito subjetivo, visando à concretização de um direito, prerrogativa ou liberdade constitucionais delineados, mas cujo exercício não se viabilizou por estarem previstos em norma constitucional dependente de regulamentação.

A ação de inconstitucionalidade por omissão, por seu turno, visa à tutela de norma constitucional, da integridade do ordenamento constitucional, desempenhando o Poder Judiciário um controle político...(art. 103, §2º da CF)."

Ademais, o alcance conferido pelos adeptos desta corrente retira o caráter impositivo do mandado de injunção, restando, portanto, prejudicada a efetividade da medida judicial eventualmente obtida por meio deste remédio, o que ocasiona, ainda, a inefetividade de direitos consagrados constitucionalmente.

Cumpre destacar que, durante muitos anos, esse foi o entendimento consagrado no âmbito do Colendo Supremo Tribunal Federal, pois ela igualava seus efeitos aos da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, atribuindo-lhe, por consequência, o escopo específico de ensejar o reconhecimento formal da inércia inconstitucional do Poder Público.

Com efeito, durante vários anos, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se, majoritariamente, no sentido de que, ao se verificar a omissão do Poder competente em elaborar a norma regulamentadora, no caso concreto, incumbiria ao órgão jurisdicional apenas a declaração da inconstitucionalidade dessa omissão e comunicação ao referido Poder para a adoção das providências devidas.

Nas duas primeiras décadas da Carta Magna, foi pequena a evolução do entendimento da Suprema Corte sobre a aplicação desse remedium júris, nos últimos anos, contudo, nota-se relevante modificação no âmbito desse Egrégio Tribunal.

5.7.2 Segunda corrente: supressão da omissão no caso concreto

Esta corrente, da qual são defensores MARCELO FIGUEIREDO [47] e MICHEL TEMER [48], sustenta que o Poder Judiciário, ao constatar uma omissão legislativa inconstitucional, deve afastá-la, formulando os preceitos a serem observados no caso concreto para possibilitar o exercício do direito, da liberdade ou das prerrogativas constitucionais consagrados em normas constitucionais de eficácia limitada.

Dentro dessa corrente, contudo, há uma cisão quanto ás consequências da concessão da injunção: para alguns, o órgão jurisdicional se restringiria a proceder à regulamentação do direito no caso em análise; para outros, além dessa regulamentação, o provimento jurisdicional condenaria o obrigado a satisfazer, desde logo, o interesse do impetrante, ou seja, condenaria que suportaria o ônus do exercício do exercício do direito pelo impetrante a fazê-lo.

Os partidários da primeira subcorrente supramencionada asseveram que, por meio do mandado de injunção, os critérios viabilizadores da fruição do direito, da liberdade, ou prerrogativa constitucional devem ser fixados pelo Poder Judiciário, regulando-se a questão apenas no caso concreto. Não haveria, entretanto, condenação do obrigado para atender de imediato a regulamentação emanada do órgão jurisdicional, sendo necessário, na hipótese de recusa do obrigado, buscar a concretização do seu direito em ação posteriormente proposta.

A segunda subcorrente, por outro lado, sustenta competir ao juiz o delineamento das condições necessárias para o exercício imediato do direito subjetivo do impetrante e que, além disso, no mesmo julgado, deve o órgão jurisdicional condenar o obrigado à satisfação desse direito.

Portanto, segundo essa concepção, o Poder Judiciário deve elaborar a regra necessária para suprir a lacuna técnica do ordenamento, aplicá-la ao caso concreto e condenar o obrigado, possibilitando, de tal modo, a fruição do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto do pedido da ação constitucional.

Os críticos deste entendimento afirmam, essencialmente, que a regulamentação, no caso em espécie, ofereceria riscos ao princípio da isonomia e segurança jurídica, pois situações idênticas poderiam receber soluções diferentes, verificando-se, dessa forma, distintas regulamentações para um mesmo dispositivo constitucional. Além disso, eles consideram que essa atividade regulamentadora desempenhada seria incompatível com a função típica desempenhada pelo Poder Judiciário.

Os defensores da segunda corrente respondem às críticas afirmando que a atividade desenvolvida pelo órgão jurisdicional no writ não tem natureza legislativa, mas sim jurisdicional, sendo a solução dada a cada caso concreto. Sustentam, ainda, que, para solucionar eventuais discrepâncias de regulamentação, pode ser utilizado o mecanismo da uniformização de jurisprudência.

Importa mencionar que, em 25 de outubro de 2007, ao julgar o Mandado de Injunção nº. 712, a Suprema Corte brasileira mudou, radicalmente, a interpretação até então conferida à conformação constitucional do mandado de injunção, para garantir, minimamente, o exercício de direitos constitucionalmente reconhecidos.

A Corte entendeu que, no mandado de injunção, conquanto o Poder Judiciário não defina norma de decisão, enuncia o texto normativo que faltava para, no caso concreto, tornar viável o exercício do direito obstado em razão da omissão inconstitucional.

Assim, no Mandado de Injunção nº. 712, como a Constituição Federal consagra expressamente o direito de greve dos servidores públicos civis, no artigo 37, inciso VII, e, de longa data, a Suprema Corte já reconhecera e declarara a omissão legislativa inconstitucional, essa Corte entendeu, por maioria de votos, ser devida a concessão da injunção para traçar os parâmetros atinentes ao exercício do direito de greve pelos servidores.

5.7.3 Terceira corrente: regulamentação com eficácia erga omnes

Esta é a corrente que confere maior alcance à decisão proferida em sede de mandado de injunção, pois dispõe competir ao Poder Judiciário o dever de afastar a omissão legislativa inconstitucional e regulamentar o exercício do direito não só para o caso em espécie, mas com eficácia extensível a todos os casos análogos (com eficácia erga omnes).

Os adeptos dessa corrente, dentre eles VICENTE GRECO FILHO [49], entendem que a decisão no mandado de injunção é eminentemente normativa. Por conseguinte, a norma criada pelo órgão jurisdicional, em obediência ao princípio da isonomia, precisa ter caráter geral e deve ser aplicada a todos os casos que apresentarem situação fática semelhante à do caso concreto levado à apreciação do Poder Judiciário.

Contra esta corrente, são dirigidas críticas no sentido de que a elaboração de normas de caráter genérico é função precípua do Poder Legislativo, não sendo, portanto, compatível com a natureza da função jurisdicional.

Destarte, segundo os críticos, admitir a concessão da injunção com efeitos erga omnes significaria aceitar a ocupação da função do Poder Legislativo pelo Judiciário, o que afrontaria, de forma evidente, o princípio constitucional da separação dos poderes. Ademais, asseveram que a injunção não se prestaria à solução da incompletude técnica do ordenamento jurídico, mas tão somente a afastá-la no caso concreto a fim de possibilitar o exercício do direito constitucional pelo impetrante.

É interessante mencionar que ALEXANDRE DE MOAIS reuniu essas diversas posições doutrinárias, bem como as jurisprudências acerca do alcance da decisão do mandado de injunção em dois grandes grupos: concretistas e não concretistas.

Segundo ALEXANDRE DE MOAIS, a posição concretista sustenta que o Poder Judiciário, ao verificar a presença dos requisitos do mandado de injunção, deve proferir decisão constitutiva, declarando a existência da omissão administrativa ou legislativa e viabilizando o exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucional até que o Poder competente tome as devidas providencias.

Esse grupo apresenta-se subdividido em:

1.Concretista geral: a decisão do Poder Judiciário tem efeitos erga omnes, apresenta uma normatividade geral;

2.Concretista individual: a decisão do Poder Judiciário produz efeitos apenas no caso concreto (para o autor do writ – tem efeitos inter partes).

A subcorrente concretista individual ainda se encontra subdividida em:

2.1.concretista individual direta: o Poder Judiciário, ao julgar o mandado de injunção, imediatamente implementa a eficácia da norma constitucional para o autor;

2.2.concretista individual intermediária: o Poder judiciário, após julgar a ação, fixa prazo de 120 dias para que o Poder ou órgão competente elabore a norma faltante para sanar a omissão. Ao término desse prazo, conservando-se a inércia inconstitucional, o Poder Judiciário deverá fixar as condições necessárias ao exercício do direito constitucional obstado indevidamente.

A posição não concretista sustenta ser a finalidade específica do remédio constitucional em análise o reconhecimento formal da inércia do Poder Público em conferir concreção à norma constitucional consagradora de direito, de liberdade ou de prerrogativa inerente à nacionalidade, à soberania e à cidadania. A decisão do órgão jurisdicional, consequentemente, limita-se a declarar a inconstitucionalidade dessa omissão e a determinar que seja dada ciência ao poder competente para que ele elabore a norma regulamentadora.

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Sobre a autora
Marina dos Anjos Pontual

Procuradora federal. Pós graduada em Direito Processual. Bacharel em Direito pela UFPE. Pós graduanda em Direito do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PONTUAL, Marina Anjos. Tutela da omissão legislativa inconstitucional.: Mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2708, 30 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17971. Acesso em: 25 abr. 2024.

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