VI-AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO
6.1.Conceito
A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADI por omissão) também foi uma inovação da Constituição Federal de 1988, inspirada no art. 283 da Constituição portuguesa.
Nesse caso, diversamente do que ocorre no mandado de injunção, há um controle abstrato da omissão, com o escopo de defender a ordem fundamental contra omissões incompatíveis com o comando constitucional. Essa ação não se presta a defesa de interesses individuais ou relações subjetivas, mas a proteção da ordem jurídica. Tem-se, portanto, um processo objetivo que busca tornar efetiva norma constitucional de eficácia limitada.
O art. 103, parágrafo segundo, da Constituição Federal estabelece que, declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em 30 (trinta) dias.
6.2.Objeto
O objeto da ADI por omissão é a mera inconstitucionalidade da mora dos órgãos competentes para concretizar a norma constitucional. Por conseguinte, não só a atividade legislativa, mas a tipicamente administrativa que possa, de alguma forma, interferir na efetividade da norma constitucional, também poderá ser objeto da ação em tela.
Nesse sentido, LUIS ROBERTO BARROSO esclarece que a omissão é de cunho normativo, que é bem mais ampla que a omissão de cunho legislativo, englobando, assim, "atos gerais, abstratos e obrigatórios de outros Poderes e não apenas daqueles ao qual cabe, precipuamente, a criação do direito positivo". Portanto, para este doutrinador, são impugnáveis, no controle abstrato da omissão, a inércia legislativa de atos normativos primários e secundários de qualquer Poder que obstem a concretização de norma constitucional.
6.3.Legitimidade Ativa
Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, os legitimados para a propositura da ADI por omissão são aqueles previstos no rol do art. 103 da Constituição Federal: Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
No tocante aos legitimados, o Supremo Tribunal Federal prescreve que a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, a confederação sindical ou a entidade de classe de âmbito nacional devem demonstrar pertinência temática, ou seja, devem comprovar a existência de interesse na propositura da ação em relação à finalidade institucional.
6.4 Procedimento
Verificada a existência de omissão inconstitucional, um dos legitimados no art. 103 da Constituição Federal poderá ajuizar a ADI por omissão. Ajuizada a ação, deverá o Ministro Relator pedir informações às autoridades eventualmente responsáveis pela omissão reclamada. Após as informações, deverá ser ouvido o Procurador-Geral da República, devendo os autos, em seguida, serem conclusos ao Relator que, após análise, pedirá dia para julgamento e distribuirá o relatório.
Nessa ação, ao contrário do que ocorre na ação direta de inconstitucionalidade, não é necessária a manifestação do Advogado Geral da União, porquanto não exista ato ou texto impugnado a ser defendido.
O Supremo Tribunal Federal também entende não ser cabível a cautelar em sede de ADI por omissão, pois, no mérito, a decisão que declara a inconstitucionalidade por omissão apenas autoriza o Tribunal a cientificar o órgão omisso para que adote as providências necessárias à concretização da norma constitucional.
6.5.Efeitos da decisão
A decisão proferida na ADI por omissão tem caráter mandamental, constituindo em mora o poder competente que deveria elaborar a norma e não o fez. O art. 103, parágrafo segundo, da Constituição Federal estabeleceu que o Poder competente deverá ser cientificado para adotar as providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
O Supremo Tribunal Federal entende que o fato de o Constituinte ter estabelecido prazo em relação ao órgão administrativo não obsta que se fixe prazo para o Poder Legislativo (ADI por omissão 3.682). Portanto, em diversos julgados, verifica-se a fixação de prazo razoável para que o Poder Legislativo supra a omissão inconstitucional.
VII-DISTINÇÃO ENTRE O MANDADO DE INJUNÇÃO E A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO
Acerca da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e do mandado de injunção, leciona IVO DANTAS [50]:
"são dois institutos distintos, com procedimentos e efeitos próprios, embora a causa de pedir esteja sempre ligada a uma omissão que decorre do não cumprimento de determinação constitucional, ou seja, a obrigação de que determinada matéria fosse objeto de regulamentação pela via da legislação complementar ou ordinária".
JORGE HAGE [51], ao tratar da matéria, assevera que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão tem por objeto o vício omissivo em si, constituindo forma de controle abstrato, concentrado e objetivo da ordem jurídica.
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão é instrumento destinado a obter a produção de normas regulamentadoras. Reprime-se, assim, as omissões inconstitucionais, promovendo-se a defesa objetiva da integridade do sistema normativo.
Através dessa ação, portanto, pretende-se suprir as lacunas inconstitucionais do ordenamento jurídico, objetiva-se preencher, geral e abstratamente. Essas lacunas a fim de que a Constituição Federal alcance sua máxima efetividade [52].
O mandado de injunção, por outro lado, volta-se à tutela do direito subjetivo concreto do titular prejudicado, em seu exercício, pela ausência de norma regulamentadora, tendo como desígnio, portanto, a viabilização da fruição do direito ou garantia no caso concreto. [53]
Destarte, enquanto a ação direta de inconstitucionalidade por omissão pode ser utilizada em qualquer hipótese em que se verifica a desobediência ao dever constitucional de regulamentação, o mandado de injunção só poderá ser ajuizado quando da inércia constitucional decorrer a impossibilidade de exercício de direito ou liberdade constitucional ou de prerrogativas inerentes à cidadania, à soberania, e à nacionalidade.
É possível, com base na lição de IVO DANTAS [54], destacar cinco pontos essenciais que distinguem as duas ações constitucionais em análise, a baser:
1.Os legitimados para proporem a ação direta de inconstitucionalidade por omissão estão previstos expressa e taxativamente no art. 103 da Constituição Federal (Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional). O mandado de injunção, por sua vez, poderá ser impetrado por qualquer pessoa que esteja impossibilitada de exercer direitos e liberdades constitucionalmente assegurados, ou, ainda, prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania em decorrência da ausência de norma regulamentadora infraconstitucional.
2.Enquanto a competência para processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade por omissão é privativa do Supremo Tribunal Federal, o mandado de injunção deverá ser ajuizado perante o órgão do Poder Judiciário competente em razão do Poder, da entidade, órgão, ou autoridade responsável pela omissão, não sendo, dessa forma, exclusiva a competência da Suprema Corte.
3.No tocante aos efeitos, na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cabe ao Supremo Tribunal Federal dar ciência da omissão inconstitucional ao Poder competente para que adote as providências cabíveis e, em se tratando de órgão administrativo, para tomá-las no prazo de trinta dias, ao passo que, no mandado de injunção, o Poder Judiciário deveria suprir a lacuna normativa no caso concreto, viabilizando o exercício dos direitos, liberdades ou prerrogativas constitucionais. [55]
4.Ainda no contexto da produção de efeitos, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão apresenta efeitos erga omnes, enquanto o mandado de injunção deve ter efeitos inter partes. [56]
5.Na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a decisão é meramente declaratória, ao passo que, no mandado de injunção, ela deveria ser satisfativa, porque caberia ao Poder Judiciário suprir a omissão legislativa no caso concreto, a fim de possibilitar a fruição de direito, liberdade ou prerrogativa constitucional.
Acerca da distinção das ações constitucionais em tela, JOSÉ AFONSO DA SILVA [57] também as considera inconfundíveis e ressalta que enquanto a ação direta de inconstitucionalidade por omissão visa a obter uma decisão que estimule a produção das normas imprescindíveis para integrar a eficácia da Constituição Federal, o mandado de injunção propõe-se a concretizar o direito em favor do impetrante, quando inexistir norma regulamentadora do dispositivo constitucional que lhe outorga o referido direito.
VIII-CONCLUSÃO
De início, é preciso esclarecer que não consideramos apropriada a equiparação dos efeitos deste do mandado de injunção aos da ação de inconstitucionalidade por omissão.Não nos parece razoável admitir que o constituinte originário tenha criado dois instrumentos com finalidade e alcance idênticos.
Dessa forma, entendemos que o mandado de injunção apresenta o escopo de concretizar direitos e garantias constitucionais consagrados em normas de eficácia limitada quando obstados em razão da omissão legislativa inconstitucional do Poder Público. A ação direta de inconstitucionalidade por omissão, por sua vez, visa a obter a edição de normas regulamentadoras pelo órgão competente.
Quanto aos efeitos do mandado de injunção, entendemos que, preenchidos os requisitos da ação, o órgão jurisdicional deve conceder a injunção estabelecendo os preceitos a serem observados no caso concreto a fim de viabilizar o exercício dos direitos e das liberdades constitucionais inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, obstado pela omissão legislativa inconstitucional.
Assim, a nosso ver, por meio do instrumento em tela, o impetrante deve obter a imediata fruição do seu direito ou garantia constitucional, competindo ao juízo o delineamento das condições necessárias para tanto. Consideramos que essa atividade regulamentadora deve ser desenvolvida subsidiariamente pelo órgão jurisdicional e deverá oferecer a solução no caso concreto.
Não há que se falar, nesse caso, em sobreposição do Poder Judiciário em relação aos demais Poderes. A aplicação e efetivação das normas constitucionais é dever do Estado, não sendo lícito a nenhum dos Poderes se omitir em relação ao cumprimento dessa obrigação. Portanto, quando verificada a omissão legislativa, o Poder Judiciário, autorizado pelo art. 5º da Constituição Federal, poderá exercer o controle sobre a inércia inconstitucional dos demais Poderes.
Dessa forma, por meio dessa ação constitucional, a realização do controle dessa inatividade nada mais é do que a aplicação do sistema dos freios e contrapesos. Não existe, na hipótese, usurpação de funções, principalmente, porque a atividade do órgão julgador será sempre subsidiária e provisória, haja vista este estar autorizado a agir apenas enquanto perdurar a omissão do Poder competente.
Esta solução não transfere inapropriadamente o julgamento do mandado de injunção ao juízo de primeiro grau, cabendo ao órgão competente para apreciar a ação possibilitar diretamente o exercício do direito reclamado, fixando, de pronto, os parâmetros que o nortearão no caso concreto.
Destarte, a nosso ver, o constituinte, ao criar o mandado de injunção, pretendeu que o juiz, ao conceder a injunção, regulamentasse, para o caso concreto, a norma constitucional de eficácia limitada, sanando, no caso concreto, a omissão inconstitucional, ao passo que, por meio da ADI por omissão, o constituinte busca estimular a atividade normativa com o escopo de preencher as lacunas inconstitucionais do ordenamento jurídico brasileiro.
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