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Enfoques sobre a nova sentença e as formas de cumpri-la

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1. Sobre a sentença

1.1. Dos Títulos Executivos

O presente trabalho tratará de alguns possíveis enfoques da nova sistemática do cumprimento de sentença, no entanto para que possamos lograr êxito nessa empreitada cumpre termos em mente, de forma clara, que a sentença nada mais é do que um dos admissíveis títulos executivos. Em assim sendo, começaremos nossa explanação por este caminho, pois quanto antes se estabelecerem conceitos firmes, maiores serão as possibilidades de conclusões bem abalizadas.

Todas as definições de títulos executivos que encontramos na doutrina pátria trazem duas idéias básicas: a) a de que é o título o documento necessário para que um titular de direito possa buscar a sua satisfação, e b) a do numerus clausus, ou seja, de que os títulos executivos são bem demarcados pela lei. Além disto, a doutrina costuma apontar como pressupostos de qualquer título executivo aqueles trazidos pelo artigo 586 do Código de Processo Civil, a saber: "obrigação certa, líquida e exigível". Para Marcelo Lima Guerra (2002, p. 1), título executivo "consiste na representação documental típica de crédito líquido, certo e exigível", sendo que o autor cearense esclarece mais adiante ser "típica" toda hipótese "indicada em lei". Para Dinamarco (2004, v.4, p. 191), título executivo "é um ato ou fato jurídico indicado em lei como portador do efeito de tornar adequada a tutela executiva em relação ao preciso direito a que se refere". Para Glauco Gumerato Ramos, título executivo é:

"(...) um documento – representativo de um fato – caracterizado pela liquidez do limite da obrigação, pela certeza da existência da obrigação e pela exigibilidade, que significa que não deve haver nenhuma condição que impeça a eficácia da obrigação nele (título executivo) representada. Além do mais, o título executivo deve estar previsto na lei como tal (...)" (NEVES et al., 2006, p. 255-256)

E a lei nos adverte que haverá, de acordo com sua proveniência, títulos executivos extrajudiciais – aqueles elencados no artigo 585 do Código de Processo Civil – e títulos executivos judiciais – os elencados no artigo 475-N do mesmo diploma – dos quais a sentença é uma modalidade apenas: são considerados também títulos executivos judiciais o acordo extrajudicial homologado judicialmente e, em relação ao inventariante e aos sucessores, o formal e a certidão de partilha.

Note-se que quando falamos de sentença no âmbito civil, a priori estamos abrangendo, além daquelas do inciso I do artigo 475-N (sentença que reconhece obrigação cujo objeto é fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia) também a penal condenatória que transitou em julgado, a homologatória de conciliação ou transação, a arbitral e a estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. A nosso ver, contudo, muito embora todas as citadas sejam títulos executivos, nem todas são propriamente sentenças, como veremos mais adiante.

Sem título não há que se cogitar em execução, quer esta seja entendida como processo autônomo, quer seja entendida como fase conclusiva do processo de conhecimento - a chamada ação sincrética, que estudaremos no tópico 2 da segunda parte.

Esclarecemos desde já que a forma de satisfação do quanto estabelecido por um título judicial poderá ser diversa daquela utilizada para efetivar o determinado em outro título judicial. Da mesma forma, é variável a modalidade de cumprimento do quanto decidido pelo Juiz, dependendo do tipo de sentença.

1.1.1. Da sentença

Certamente grande parte das divergências doutrinárias sobre o conceito de sentença ocorre devido à dificuldade de observá-la sob o prisma estritamente científico.

O Código de Processo Civil, em redação revogada, definia sentença como o ato do juiz que põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa. Em outras palavras, a antiga redação do § 1º do artigo 162 do referido diploma legal dizia que sentença era o ato de encerramento do processo. Notamos que a redação do Código de 1973 não se preocupava absolutamente com o conteúdo do ato, mas com a sua repercussão. Ato que encerrasse o processo era sentença.

Tal conceituação sofria muitas críticas devido ao fato de que a sentença não obrigatoriamente extinguiria o processo: apenas faria terminar o procedimento perante o juiz em decisão de primeiro grau. De fato o processo só termina quando não há mais possibilidade de interposição de recursos.

Contudo, pela leitura sistemática do Código de Processo Civil, antes das reformas, combinando o citado artigo com os de nº 267, 269, 329, e 463, cuja redação original transcrevemos no anexo 1, chegava-se à conclusão que, na verdade, sentença era o ato com o qual o Juiz punha fim ao seu ofício de julgar.

Mas aqui também a questão não era pacífica, pois nem sempre o juiz, com a sentença punha fim ao seu ofício: poderia alterá-la sucessivamente se contra ela fossem interpostos embargos de declaração ou ainda se a sentença apresentasse inexatidões materiais ou erro de cálculo.

Na atual redação do § 1º do artigo 162 do Código Processual notamos a preocupação do legislador em conceituar sentença não mais pela sua repercussão, mas pelo seu conteúdo, o que, a princípio, é mais correto. A nova redação estabelece que sentença é o "ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269". O artigo 267 traz hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito e o artigo 269 traz hipóteses em que haverá resolução do mérito – note-se que na nova redação destes artigos utiliza-se mais propriamente o termo "resolução", no lugar de "julgamento". De fato, analisando exemplificativamente a hipótese do inciso III do artigo 269, se as partes transigirem resolve-se o mérito sem que haja "julgamento", pois o juiz não valorará o transacionado: não julgará. Com isso, podemos inicialmente concluir que pela redação legal nem toda sentença, mesmo que de mérito, traz em si um julgamento. Mas será que estamos realmente diante de uma sentença, neste caso? Na realidade, no mais das vezes, as hipóteses previstas em ambos os artigos em comento tratam de meras ocorrências factuais e não de juízos (vide Anexo 2). Pela regra do inciso I do artigo 162 do Código de Processo Civil, quando o Juiz proferir ato que implicar algum dos eventos ali descritos, mesmo que tal pronunciamento não envolva um juízo, será uma sentença. Mas o que há de comum em todos os casos dos artigos 267 e 269? Indubitavelmente, segundo a redação legal, seriam todos casos de sentença.

Ora, mas o que é uma sentença? È o ato do Juiz que implica uma das hipóteses dos artigos 267 e 269? É necessário nos livrarmos dessa nova tautologia! Saímos de uma para entrarmos em outra? – A redação revogada do artigo 162 § 1º também dava margem a idêntica crítica pois dizia que sentença era o ato do juiz que punha fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição. Ao questionarmos qual seria o ato do juiz que punha fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição, respondia-se: a sentença. Mas pelo menos, antes, o legislador, embora tenha focado os efeitos da sentença no lugar do conteúdo, esforçou-se em dar um conceito, não uma referência a outros artigos, com a desculpa de que estes encerrariam de forma expressa e taxativa todo conteúdo possível numa sentença, capaz de distinguir este ato dos demais pronunciamentos do Juiz. Até porque essa premissa revela-se errônea, como veremos.

A definição do Código nos lembra o raciocínio presente na frase "que não é o que não pode ser". Certamente o raciocínio lógico-circular é brilhante em Poesia, não em Direito, eis que este é, das ciências humanas, a que "dá conformação à vida social e às relações do homem com as coisas e com os outros homens" (MARTINS, 2000, p. 30)... e tão nobre tarefa não pode redundar numa ciência cujos conceitos e códigos são joguetes lingüísticos.

Também não nos parece cientificamente correto definir o conteúdo pelo continente: não posso definir vinho como tudo aquilo que coloco dentro do copo. Se amanhã eu colocar óleo no copo, nem por ficção ele se transformará em vinho: pela simples observação se notará a diferença! Dessa mesma forma, a sentença há de ter as suas características e peculiaridades, assim como o vinho as tem. Afinal, qual a essência de uma sentença? O que é que faz de uma sentença uma sentença? A resposta não pode ser simplesmente o fato de "implicar alguma das situações" dos artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil!

Ademais, há atos do Juiz que implicam em algumas das situações dos artigos 267 e do 269 do Código de Processo Civil e nem por esse fato serão sentenças. Lucon em inspirado artigo, traz algumas hipóteses disto ocorrer:

"A título exemplificativo, isso ocorre em relação ao ato que põe fim à liquidação de sentença 1, que se aproxima, pelo conteúdo, de uma sentença de mérito, mas que, pela nova lei, é decisão interlocutória suscetível de ser impugnada pela via do agravo. A mesma situação ocorre em relação à impugnação no cumprimento de sentença, igualmente atacável por meio de agravo quando a decisão que a encerrar não acarretar a extinção da execução. A partir desse aspecto e do ponto de vista prático, a inovação pode gerar dúvidas: em alguns casos, o mérito pode ser decidido por um pronunciamento do juiz que não é sentença, mas decisão interlocutória. Assim é que, pelos argumentos até aqui apresentados, não é suficiente a definição de sentença pelo seu conteúdo (artigos 267 e 269) ou pelo critério topográfico". (LUCON, 2005)

Alexandre Freitas Câmara (2006, p. 15-20) resume, em aprofundada obra sobre o tema em exame, as definições atribuídas à sentença por dois renomados doutrinadores italianos. Segundo Chiovenda "é a provisão do juiz que, recebendo ou rejeitando a demanda do autor, afirma a existência ou inexistência de uma vontade concreta da lei", já para Satta, "é um provimento decisório, seja sobre todo o mérito ou parte dele, seja sobre uma questão de competência ou outra prejudicial".

Dentre os brasileiros, o ilustre Advogado cita as conceituações, anteriores às reformas, de Nagib Slaibi Filho, segundo o qual sentença é "ato jurídico-processual praticado pelo órgão estatal com o fim de produzir efeitos na relação processual"; de Barbosa Moreira, segundo o qual é o ato do Juiz que "põe fim ao procedimento em primeiro grau, decidindo ou não o mérito da causa"; e de Teresa Alvim Wambier, segundo a qual "é ato do juiz que tem algum dos conteúdos previstos nos artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil". Logo em seguida o autor propõe sua própria definição, também articulada à época da original redação do § 1º do artigo 162, conceituando sentença como "o provimento judicial que põe termo ao ofício de julgar do magistrado, resolvendo ou não o objeto do processo". Ou seja, resolvendo ou não o mérito.

Com máxima vênia nos aventuramos, também, sugerindo uma conceituação, por ora parcial, que será completada nas próximas páginas: sentença é ato do juiz singular que, após provocação da parte, declara a lei aplicável à demanda.

Intencionalmente não cogitamos incluir a questão da resolução ou não do mérito, pois a nosso ver esta é mera potencialidade do ato, não parte do conceito. Seria o mesmo que definir chuva como "precipitação atmosférica de partículas de água que pode ou não destruir plantações". Ora, a probabilidade de destruir plantações nada tem a ver com a definição de chuva, sendo aquela nada mais que potencial efeito, a depender do pH da água. De fato, se este for por demais ácido, a chuva pode contaminar o solo e destruir plantações. Mas ácida ou não, a chuva não perde sua natureza, assim como a sentença, cujo conteúdo pode resolver ou não o mérito.

Atente-se também ao fato que em momento algum asseveramos que findou o ofício jurisdicional do juiz, embora isso possa, às vezes, ocorrer; nem mesmo afirmamos que a sentença determinará o fim do processo: e isto jamais poderia ocorrer, pois o que determinaria tal fato seria o trânsito em julgado da sentença, não ela em si.

Analisemos então nossa proposição inicial: "é ato do juiz" – o Juiz é Órgão do Poder Judiciário dotado de Jurisdição, que é a capacidade a ele conferida pelo Estado, para dizer o direito. "Singular" – pois é ato proferido por apenas um sujeito. Não seria correto dizer "juiz de primeira instância", pois nos Juizados Especiais há a hipótese do chamado "recurso inominado", no qual o Colégio Recursal (composto por juízes de primeira instância) decide - em segundo grau de jurisdição - através de Acórdão. Tampouco seria correto dizer "juiz de primeiro grau" pois o juiz não "pertence" ao grau, mas "decide" em primeiro ou segundo grau de jurisdição. De fato pode ocorrer de Tribunal ser originariamente competente para uma determinada ação, caso em que decidirá - em julgamento de primeiro grau, muito embora na segunda instância, através de Acórdão. Com isto quisemos demonstrar que pode dar-se Acórdão tanto em primeiro quanto em segundo grau de jurisdição e tanto em primeira quanto em segunda instância. A explicação para isto é simples pois basta lembrar do Princípio do duplo ‘grau’ de jurisdição", que visa assegurar ao litigante vencido uma nova análise. Esta segunda análise caracteriza o grau. Por outro lado basta pensar no significado da palavra "instância", mera denominação administrativa organizacional do Judiciário. Assim, a instância relaciona-se com o posicionamento do Órgão Jurisdicional na estrutura do Poder Judiciário, enquanto que o grau de jurisdição relaciona-se com a oportunidade de reexame de uma decisão por outro Órgão; na mesma ou em outra instância 2.

Voltemos ao conceito proposto: "após provocação da parte" - a sentença é, sempre, provocada. De fato, pelo Princípio da Inércia do Juiz, este não pode exercer a jurisdição de forma espontânea, só atuando após a exordial, na qual um autor expõe seus pedidos. Aqui é interessante notar que, portanto, há uma íntima relação entre a petição inicial, ou seja, entre a res in iudicium deducta e a sentença, muito embora entre elas, outros atos processuais ocorram. Não pode, também, o Juiz, decidir além ou diversamente do que foi pedido pelo autor. É de se ressaltar que esta última observação será útil mais adiante. Continuemos: "que declara a lei aplicável à demanda" – já na introdução deste estudo quisemos deixar claro que participamos do pensamento segundo o qual o autor vem a juízo para invocar a aplicação da lei: o Juiz, quando decide a demanda, aplica os preceitos legais, fundamentando-os de acordo com os autos que lhe foram submetidos para exame, os quais dizem respeito a um caso concreto.

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É imprescindível notar também a topografia dos artigos reformados: uns encontram-se no Capítulo III do Título VI do Livro I do Código de Processo Civil, intitulado "Da Extinção do Processo", outros, na Seção I do Capitulo V do Título VIII do mesmo Livro, também denominada "Da Extinção do Processo". Logo, a idéia de encerramento de algum tipo de atividade processual continua presente. Muito embora o Código tenha sepultado a conceituação que levava em conta essa conseqüência, talvez o que se extinga não seja o processo, mas algo diferente disso.

1.1.2. Da sentença no processo sincrético

Datado de 1973, nosso Código de Processo Civil inspirou-se profundamente nos ensinamentos do processualista italiano Enrico Tullio Liebman, o qual defendeu, em meados dos anos quarenta, tese segundo a qual cognição e execução constituem dois processos autônomos e separados.

Para Liebman "a doutrina européia não duvida em considerá-los autônomos. Assim era em direito romano, pois a actio judicati era ação que não diferia de todas as outras senão por ter como pressuposto a existência do judicatum anteriormente proferido." (apud CÂMARA, 2006, p. 1-2).

Tal concepção reinou entre nós brasileiros, sendo que renomados juristas nacionais reproduziram tal e qual o paradigma liebmaniano, dentre eles Alfredo Buzaid, Cândido Rangel Dinamarco, Ernane Fidélis dos Santos, José Frederico Marques e Moacyr Amaral Santos.

Tomando por base as palavras de Liebman, ocorre uma sentença no processo de conhecimento e haverá outra no distinto processo executório. Note-se que pode haver ainda, entre os dois processos, mais um, que segundo parte da doutrina, também tem índole cognitiva, volto a liquidar a sentença do primeiro.

É importante salientar, porém, que a ótica de Liebman não prevaleceu perante uma pequena parte da doutrina: Eduardo Couture, Niceto Alcalá-Zamora y Castillo, Gabriel Rezende Filho, Humberto Theodoro Júnior e Alexandre Freitas Câmara são alguns dos que perceberam a dicotomia liebmaniana como prejudicial ao correto entendimento do assunto.

Hodiernamente, de fato, com as reformas (especialmente as Leis 10.444/02 e 11.232/05) sofridas pelo Código Processual, já não há que se falar em "processos distintos", mas em "módulos processuais", termo originariamente usado por Marcelo Lima Guerra. É que não há mais que se falar de processo cognitivo e executivo, mas daquele que nasce da justaposição sucessiva destes e ao qual costuma dar-se o nome de processo "sincrético" ou "misto", o qual engloba também o módulo de liquidação de sentença, quando esta for necessária. Neste diapasão, "sentença" seria o ato do juiz singular que, após provocação da parte, declara a lei aplicável à demanda, com intuito de extinguir determinado módulo processual.

A definição ora oferecida ainda merece retoques, portanto não a tomemos como definitiva. Utilizamos o vocábulo "intuito" pois a nosso ver, a extinção do módulo processual com a sentença, está presente apenas na intenção do Juiz. Este, quando empunha a pena, pretende proferir, em relação ao módulo processual em que se encontra o processo, palavra final, imutável e derradeira. A sentença, contudo, só produzirá efeitos práticos, de forma peremptória, após seu trânsito em julgado. Ainda assim, esta última afirmação não é irrestrita, pois além da hipótese da ação rescisória, nossos Tribunais vem também relativizando a coisa julgada, em alguns casos.

Esta definição de sentença não difere daquela por nós ofertada inicialmente, sendo que apenas acrescentamos "com o intuito de extinguir determinado módulo processual" pois foi esta a grande reviravolta na forma de se enxergar a prestação jurisdicional: conhecimento, liquidação e cumprimento pertencem a um único processo sincrético de conhecimento, formado por módulos. O Juiz, provocado, dirá o direito que, se desrespeitado, acarretará, automaticamente, maiores ônus ao vencido. Não é mais como outrora, tempos em que o Juiz dava, inicialmente, ao vencedor, apenas um reconhecimento, por assim dizer, "platônico" de seu direito. Nestes novos tempos, o Juiz pode decidir de forma a impor verdadeiras mudanças no mundo fático, através de uma sentença que não extingue o processo mas, ao contrário, atribui ao Judiciário o ônus de uma continuidade, caso a primeira decisão não seja voluntariamente cumprida. Essa continuidade, em que se dará a efetivação da tutela, será o módulo de cumprimento da sentença.

1.1.3. Da sentença quanto ao seu conteúdo

Como já antecipado no tópico 1.1 deste título, há sentenças que apreciam o mérito e há sentenças que não o apreciam. Para Santos (1976, p. 422) apreciar o mérito é "decidir a relação de direito substancial posta em juízo". Segundo os ensinamentos do Prof. Tesheiner (2002, p. 24) ao mérito "pertence toda questão de fato e de direito relativa à procedência da demanda, isto é, à conformidade ao direito da proteção jurídica que se pretende pelo interesse substancial". Esclarecemos que a relação de direito substancial que se pretende é a res in iudicium deducta, ou seja, é o próprio objeto do pedido, é o bem da vida almejado.

Ocorre aqui uma primeira classificação das sentenças: a sentença que, em seu conteúdo, trouxer a resolução do mérito, será denominada "definitiva", enquanto a que não trouxer resolução de mérito em seu bojo, será "terminativa".

O Código de Processo Civil traz no artigo 267 as hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito e no artigo 269 as hipóteses em que haverá sempre resolução do mérito, mas nem sempre extinção do processo.

Pela leitura do artigo 162, § 1º do mesmo diploma, temos que, quando o juiz praticar ato que implique em uma das situações de um dos dois artigos recém citados, tal ato seria uma sentença. Partindo dessa premissa – que é conceitualmente errônea, como demonstraremos – por lógica todos os provimentos do juiz que implicassem nas situações previstas no artigo 267 seriam sentenças terminativas e as que implicassem nas situações previstas no artigo 269 seriam sentenças definitivas. Nesse sentido, ainda, extinguiriam o processo todas as sentenças terminativas e algumas das definitivas. A este ponto pode ocorrer uma dúvida: mas serão realmente sentenças todos casos dos artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil?

Por certo que nem sempre, pois já restou explícito, quando nos socorremos dos ensinamentos de Lucon, que "em alguns casos, o mérito pode ser decidido por um pronunciamento do juiz que não é sentença, mas decisão interlocutória". Notamos que tais casos ocorrem justamente quando, mesmo que o ato do juiz implique em uma das situações do artigo 269, não há neste ato, intuito de encerrar módulo processual algum. Acrescentamos, para que fique ainda mais cristalino o conceito, que o juiz pode também praticar atos que implicam em alguma das situações do artigo 267 e nem por isso estará sentenciando, pois aqui também o intuito em seu agir não será o de extinguir um dos módulos processuais, mas meramente decidir de forma interlocutória, como, por exemplo, no indeferimento da petição inicial de uma ação declaratória incidental. Para Câmara (2006, p. 21) "resoluções parciais ou provisórias de mérito devem ser consideradas decisões interlocutórias".

Daniel Neves (2006, p. 82) adverte que: "a simples adoção do conceito de sentença fixado por seu conteúdo poderá levar a situações surreais, permitindo, inclusive, que manobras processuais possam atrasar ainda mais a já tão demorada prestação da tutela jurisdicional".

No esforço de demonstrar que nem todos aqueles casos serão sentenças, para escancarar qualquer dúvida que porventura ainda houver, podemos argumentar citando o inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal, o qual estabelece que serão públicos todos os julgamentos do Judiciário e "fundamentadas todas as decisões". Desta forma, estão abrangidas pela obrigatoriedade de fundamentação, tanto decisões interlocutórias quanto sentenças. Também o Código de Processo Civil, no artigo 458 diz que são "elementos essenciais da sentença" o relatório, os fundamentos e o dispositivo. Seu artigo 165 coloca a mesma regra para a redação de Acórdãos e acrescenta, em relação à fundamentação, que "as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso". Em outras palavras toda decisão deve ser fundamentada, ainda que resumidamente, e quando o ato judicial for uma sentença, a fundamentação deve ser, forçosamente, parte do silogismo ao qual pertencem relatório e dispositivo.

O relatório deve conter, por previsão legal, os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, além do registro das principais ocorrências havidas no processo. Os fundamentos devem trazer a análise feita pelo juiz das questões de fato e de direito. No dispositivo o juiz decidirá as questões deduzidas pelas partes.

Destarte, o conceito de sentença por nós proposto anteriormente deve ser revisto pela última vez, já que nele fazíamos referência ao relatório e à fundamentação quando dizíamos "declara a lei aplicável à demanda", mas não fazíamos nenhuma menção ao outro elemento essencial: o dispositivo. Assim, sentença não é mero ato: sentença é o provimento decisório-volitivo do juiz singular que, após provocação da parte, declara a lei aplicável à demanda, com intuito de extinguir determinado módulo processual 3.

É notório que são nulas as sentenças às quais falte relatório e fundamentação e inexistentes as sentenças que não tragam o dispositivo. Devemos ressalvar que, quando a própria lei autoriza a ausência de um dos elementos da sentença, fazendo com que este elemento deixe de ser uma sua parte essencial, aí sim o ato subsistirá como sentença válida. É o que ocorre, por exemplo, no sumaríssimo trabalhista após a Lei nº 9.957, de 12 de janeiro de 2000, que acrescentou à Consolidação das Leis do Trabalho, o artigo 852-I, entre outros, na tentativa de desafogar também os Tribunais daquela Justiça Especializada. Pois bem, naquele procedimento foi conferida ao juiz a faculdade de fazer ou não o relatório, devendo apresentar tão-somente um resumo dos fatos relevantes havidos na audiência, fundamentar e decidir. Assim a sentença será válida e eficaz, embora não apresente relatório, porque aqui este elemento não é legalmente substancial.

Feita a ressalva, entendemos não serem sentenças válidas aqueles atos do juiz que, embora impliquem nos artigos 267 e 269, careçam de seus "elementos essenciais". Isto porque, como já dissemos, serão sentenças nulas ou inexistentes, conforme o caso. E o que é inexistente pode ser desconsiderado, não necessitando nem mesmo de posterior pronunciamento nesse sentido.

Assim, exemplificativamente, quando o processo fica parado por mais de 1 ano por negligência das partes (inciso II do artigo 267) ou quando o autor renuncia ao direito sobre que se funda a ação (inciso V do artigo 269) o Juiz profere decisão com valor de sentença, mas que sentença não é. Isto porque, no primeiro, não haverá relatório (se fosse sentença, seria nula), no segundo, não haverá dispositivo (se fosse sentença, seria inexistente). Nem por isso diremos que tais atos são nulos ou não existem: mas para que existam no mundo jurídico e sejam válidos, não podemos considerá-los sentenças. Logo, serão coisa diversa.

Para que fique mais claro o que estamos por dizer, devemos primeiramente relembrar os conceitos de decisão interlocutória e despacho, que estão nos §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil. Decisão interlocutória é "ato do Juiz, no curso do processo, que resolve questão incidente" e despachos são "todos os demais atos do Juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito à lei não estabelece outra forma".

Na dita "sentença homologatória" da convenção de arbitragem, ainda que o primeiro módulo processual se extinga, tal ato não possui conteúdo decisório algum. Não contendo decisão no sentido estrito da palavra, não será nem decisão interlocutória nem sentença. Aliás, o próprio Código Processual, em seu artigo 449, estabelece que nesse caso a homologação pelo juiz "terá valor de sentença". Se faz essa observação, é porque aquela homologação sentença não é: apenas terá "valor" de sentença. O mesmo fenômeno ocorre quando o autor desiste da ação antes de decorrido o prazo para a resposta do réu: aqui também o Juiz não decide, apenas homologa. Assim, não sendo sentença, mas tendo valor de sentença, que nome poderíamos dar ao provimento que homologa, senão "despacho homologatório"?

Em ambos os casos, se o juiz não homologar, aí sim estará decidindo: eis que a negativa passa a ser decisão interlocutória. Afinal, não é o conteúdo do ato (e não mais suas conseqüências) que o faz ser o que é?

A discussão é importante e não é trazida à baila por mera vaidade científica, mas por motivos práticos: é que, em regra, de despachos não se recorre; de decisões interlocutórias se agrava por instrumento (artigo 522 do Código de Processo Civil) e de sentenças se apela (artigo 513 do Código de Processo Civil).

Em decorrência do exposto, os incisos dos artigos 267 e 269 trazem hipóteses de sentenças, decisões e despachos. Para descobrirmos de que ato se trata basta analisar se há dispositivo, fundamentação e relatório. Se não há a concomitante presença dos três (exceto quando excepcionado em lei), sentença não será. O importante é não eleger o Capítulo III do Título VI do Livro I como único critério de classificação dos pronunciamentos judiciais, para que não caiamos no sedutor ardil de pensar que aqueles artigos encerram apenas e exclusivamente hipóteses de sentenças. Isto porque o novo conceito de sentença imposto pela norma, ao oposto de conferir velocidade ao Judiciário, lhe colocaria um enorme empecilho, eis que veríamos apelações, atreladas, logicamente, ao envio dos autos ao competente Tribunal, (com a conseqüente suspensão do feito) em casos nos quais o provimento judicial não analisou a lide, nem teve o intuito de extinguir um módulo processual, como nos exemplos que apresentamos acima.

Em "A Nova Execução de Sentença" Alexandre Câmara (2006, p. 22) também revela sua perplexidade: "Se a cada vez que uma ‘sentença’ fosse proferida fosse interposta uma apelação (que se recebe com efeito suspensivo e se processa nos mesmos autos em que a sentença tenha sido proferida), este processo jamais terminaria..."

Propondo uma solução, Daniel Neves (2006, p. 84) sugere que o entendimento da matéria deve se dar "como se o conceito de sentença simplesmente não tivesse sido modificado, ao menos para fins de cabimento do recurso" O fato é que o conceito legal foi modificado e será necessário que a doutrina consiga contornar os problemas dali advindos.

Pois bem, continuando nossa classificação, cabe esclarecer que a doutrina não sub-classifica as sentenças terminativas. Isto se dá pelo fato de não trazerem jamais resolução de mérito, sendo que não haveria alguma utilidade em decompô-la: toda sentença não meritória apenas declara.

Já as definitivas são subdivididas, não sem polêmicas, de acordo com o mérito que encerram. O mérito, portanto, além de ser critério cardinal para uma primeira classificação das sentenças em definitivas ou terminativas, continua sendo, em relação às definitivas, critério para uma subclassificação que, dependendo da doutrina adotada, será ternária ou quinária.

Por importante, cabe lembrar que tal subdivisão está intimamente atrelada à tutela pleiteada no pedido inicial 4, tendo em vista o antigo brocardo segundo o qual sententia debet esse conformis libello, devidamente transformado em norma positivada pelo artigo 460 do Código de Processo Civil.

Como visto anteriormente, toda sentença de mérito exprime uma verificação judicial, declarando formalmente o estado das coisas. Em outras palavras é a declaração feita pelo juiz, após a verificação do objeto do pedido (portanto declaração quanto ao mérito da res in iudicium deducta) que dá à sentença seu caráter definitivo. Decorrência desse raciocínio é que toda sentença de mérito, ao menos declara. Pode ocorrer, todavia, que além de declarar, a sentença determine algo mais.

Tradicionalmente a doutrina majoritária reconhece três categorias de sentenças meritórias ou definitivas: meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias. Há, contudo, quem, influenciado por Georg Kuttner e, sucessivamente, por Pontes de Miranda, além das três espécies, avista a existência de mais duas: a mandamental e a executiva, que na verdade, como veremos, são subespécies ou da condenatória ou da constitutiva, como bem insere José Ignácio Botelho Mesquita (2005, p.171).

Assim, toda sentença declara. Algumas, além de declarar, "constituem" ou "condenam". Para os que acatam a teoria quinária pontiana, há ainda as sentenças que, além de declarar, "mandam" ou "executam". Vejamos brevemente cada uma delas.

Meramente declaratória é a sentença que, em regra, contém apenas a declaração da existência (ou inexistência) de uma relação jurídica. Por óbvio, tal declaração deve ter sido pleiteada pelo demandante: é que aqui o que busca o autor é meramente a declaração de certeza de um seu direito subjetivo ou a afirmação de um fato. Logo, tal sentença não necessitará de nenhum outro módulo processual, pois o demandante já obterá a satisfação de seu pedido com o mero trânsito em julgado da declaração. Jamais haverá cumprimento de sentença declaratória mediante atos executivos, como poderemos demonstrar adiante. Importante salientar também que é cediço na doutrina 5 e na jurisprudência 6 o entendimento que tal sentença não prescreverá jamais.

O artigo 4º do Código de Processo Civil estabelece que: "O interesse do autor pode limitar-se à declaração: I - da existência ou da inexistência de relação jurídica; II - da autenticidade ou falsidade de documento", e o parágrafo único do referido artigo acrescenta que é admissível a ação declaratória mesmo quando já tenha ocorrido uma violação ao direito do demandante.

Destarte, pode ocorrer que o pedido não verse sobre relações, mas sobre fatos, caso em que a sentença de procedência declarará a existência ou não de um ou mais fatos. Isto se verifica tanto na sentença que declara a autenticidade (ou falsidade) de um documento quanto, por exemplo, na que decide uma ação demarcatória. Também são meramente declaratórias as sentenças oriundas de ações de existência ou inexistência de créditos, usucapião, etc...

Atentemos ao fato que o que deve ser observado para classificar as sentenças é o objeto do pedido, ou seja, o bem da vida almejado, a que a doutrina chama de "pedido mediato". Assim, muito embora alguns autores tenham inserido também a sentença de interdição no rol das sentenças meramente declaratórias, não entendemos ser esta a melhor posição. O que deve ser analisado, para, enfim, classificar uma sentença, insistimos, é o rogo mediato do autor feito na inicial: pois apenas pautando-se nele é que o Juiz decidirá pela procedência ou não da demanda. O que será concedido ou denegado é esse pedido. Nesta ótica, para que se possa considerar uma sentença como "meramente declaratória", o pedido mediato da demanda deve ser no sentido de uma afirmação judicial de um estado das coisas, e nada mais. Pois bem, na ação de interdição o que é pedido não é meramente a "declaração da incapacidade" do indivíduo, bem sim a constituição de um curador, quando reconhecida e declarada a incapacidade. Esta sentença, portanto, constituirá uma nova relação jurídica entre "curador" e "curatelado" e, logo, não será meramente declaratória, mas "constitutiva", nosso próximo assunto.

Por raciocínio análogo, também a sentença procedente da ação de investigação de paternidade deverá ser considerada constitutiva. Sobre o assunto o Prof. Tesheiner (2004, p.1) ensina que "a sentença, na ação de investigação de paternidade, não é declaratória de fato: portanto, é constitutiva da situação jurídica de filho". Em outras palavras, o bem da vida perseguido nessas ações, não é a mera declaração da filiação, mas a constituição de novo status.

Constitutiva é a sentença que, além de declarar, também determina a criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica. Logo, o pedido que resultará em sentença constitutiva, deve circunscrever o estado jurídico novo que se pretende decorrente dela. Os casos discutidos no final do tópico anterior são um bom exemplo disso, criando novas relações jurídicas. Ainda exemplificando, modifica-se uma relação jurídica com a sentença que altera o quantum de uma obrigação alimentar e, por fim, extingue-se uma relação com a sentença que decreta o divórcio.

Destacamos que, nestes casos, a própria sentença transitada em julgado também já proporciona ao demandante a tutela jurisdicional plena, pois tais sentenças bastam-se por si, não sendo necessários atos posteriores para conferir-lhes executividade. Assim, é suficiente tanto ao autor da ação declaratória quanto da constitutiva, ter em mãos tais sentenças para que, na prática, lhe seja, automaticamente, conferido o direito. Desta forma a atividade jurisdicional se encerra com a sentença transitada em julgado no primeiro módulo processual, pois, embora a sentença possa conter mandado dirigido a outro órgão estatal, não será necessária qualquer outra atividade do Judiciário para dar-lhe efetividade. Tal não ocorre com as sentenças condenatórias, como veremos.

Cabe ainda, para encerrarmos este assunto, citando exemplos de sentenças constitutivas, (e já aproveitando para iniciarmos o combate ao o mito das sentenças mandamentais), fazer referência a Botelho de Mesquita (2005, p. 171-172), o qual traz a constatação que Pontes de Miranda listou como "mandamentais", no índice do Volume VI do Tratado das Ações, vinte ações, das quais a metade tem, na verdade, natureza constitutiva, como podemos verificar a seguir: Seqüestro com Destituição de Inventariante, Extinção de Usufruto ou Fideicomisso, Embargos de Terceiro, Ação de Modificação, Ação de Reserva de Bens, Ação de Extinção, Ação de Habilitação de Herdeiros, Extinção de Fundações, Embargos do Devedor e Ações Relativas a Registro Civil (sendo que estas últimas podem ser de natureza meramente declaratória, dependendo do pedido mediato almejado no caso concreto).

Condenatória é a sentença que, além de declarar o direito do demandante, impõe ao demandado o cumprimento de um dever jurídico, que pode ser uma obrigação de dar, de fazer ou de abster. Logo, o pedido inicial deve conter a solicitação de uma condenação, cujo teor será a própria prestação devida pelo réu.

Por óbvio, o vencido numa demanda condenatória de que resulte uma sentença de procedência pode cumprir voluntariamente a obrigação (aceitação da sentença, artigo 503 do Código de Processo Civil), mas quando não o faz, a "imposição" pode dar-se por sub-rogação (execução forçada) ou por coerção. É justamente pela variante na forma de sua imposição que autores filo-pontianos repartem as sentenças condenatórias: as impostas por sub-rogação seriam "executivas", as impostas por coerção seriam "mandamentais".

Exemplificativamente a coerção da sentença mandamental ficaria configurada quando o Juiz, para forçar o condenado a cumpri-la, impõe a astreinte prevista no § 4º do artigo 461 do Código de Processo Civil consubstanciada numa multa diária. Da mesma forma, a sub-rogação que caracterizaria a sentença executiva ficaria configurada quando sua execução permanece nas mãos do próprio Estado, através do Judiciário, que exercerá atos de agressão patrimonial ou, de qualquer forma, atos que só ele, Estado, poderá efetuar, como a penhora de bens ou a expropriação, "substituindo" a vontade do devedor.

Ocorre que, na verdade, tais sentenças são meramente condenatórias, pois o que se analisa para a sua classificação não é, nunca foi, nem poderia vir a ser a forma de sua execução, ou seja, jamais a técnica processual a ser adotada para seu cumprimento (um procedimento posterior, portanto, uma conseqüência) poderia servir de norte para uma categorização científica da sentença em si.

Para corroborar a afirmação acima, trazemos um trecho de Humberto Theodor Júnior no qual o autor assegura que "não há distinção pelo objeto entre as sentenças ditas executivas e mandamentais diante da sentença condenatória" e, mais adiante esclarece que:

"Quando se classificavam as sentenças em declaratórias, constitutivas e condenatórias, sempre se levava em conta o objeto (o conteúdo do ato decisório). Já quando se cogitou das sentenças executivas ou mandamentais, o que se ponderou foram os efeitos de certas sentenças". (THEODORO JR., 2006, p. 127)

Logo, o critério a utilizar-se deve consistir, como evidenciamos acima, em uma análise do próprio mérito da sentença, não de suas conseqüências. É inegável que estas lhe são meros efeitos exteriores e, assim, por não serem características intrínsecas não lhe podem alterar a natureza.

Na mesma balada, Câmara (2006, p. 34), que tem por peculiar característica um esmerado raciocínio científico, esclarece que "deve-se conceituar a sentença condenatória, como qualquer outro fenômeno jurídico, por seu conteúdo, e não por seus efeitos".

A razão utilizada é análoga àquela que excluiu a "análise ou não do mérito" da conceituação de sentença, proposta no início deste trabalho: de acordo com a lógica, o que não é parte da própria natureza de um ato não pode servir para conceituá-lo.

Por proveitoso, enfim, transcrevemos mais uma lição do Prof. Tesheiner, adepto da classificação quinária, pois muito embora neste aspecto não comunguemos do mesmo pensamento, suas palavras trazem, ao final, o próprio motivo pelo qual tal classificação nos parece inaceitável:

"Tem-se emprestado excessiva importância ao "problema da classificação das sentenças por seus efeitos". São poucas as conclusões práticas que dela se podem extrair. Não raro, ocorre o contrário: são as conclusões práticas, e não a natureza da sentença, que determinam seu lugar na classificação..." (TESHEINER, 2004)

Mais adiante o mesmo autor assevera que: "trata-se de uma classificação, útil para efeitos didáticos, mas da qual não se podem extrair conclusões "científicas" inarredáveis."

A nosso ver, a única afirmação possível em relação ao tema dos efeitos jurídicos das sentenças condenatórias é a seguinte: "executoriedade" e "mandamentalidade" devem ser entendidas pelo que são, ou seja, meras técnicas admitidas para fazer cumprir a condenação. Reafirmamos: são qualidades extrínsecas à condenação e não lhe alteram a natureza condenatória. Sendo, portanto, adjetivas à condenação, não convém utiliza-las como parâmetro. Nos parece que il ragionamento non fa una piega 7.

Após todo esse empenho conceitual acreditamos ter aproximado o leitor do entendimento ternário das sentenças, em detrimento do quinário e esperamos também tê-lo situado perante o tema que passamos a enfrentar: trataremos, dentre os possíveis títulos judiciais, dos únicos que necessitam de um módulo posterior para a satisfação do titular de um direito. Estudemos, a partir do próximo título, então, o cumprimento das sentenças condenatórias.

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Sobre o autor
Alessandro Carlo Bernardi Valério

Advogado, Tradutor Público e Intérprete Comercial, atualmente exerce o cargo de Vice Presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Embaixadas, Consulados, Organismos Internacionais e Empregados que Laboram para Estado Estrangeiro ou para Membros do Corpo Diplomático Estrangeiro no Brasil - Sindnações

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALÉRIO, Alessandro Carlo Bernardi. Enfoques sobre a nova sentença e as formas de cumpri-la. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2731, 23 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18101. Acesso em: 22 dez. 2024.

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