4 – A necessidade de nomeação de curador provisório como garantia do exercício do direito à liberdade: possibilidade de impetração de habeas corpus?
O artigo 1.775 do Código Civil de 2002 dispõe sobre a figura do curador, verbis:
O cônjuge ou companheiro, não sendo separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interditado.
§1º Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto.
§2º Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos.
§3º Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a escolha do curador.
Entretanto, a jurisprudência pacificou-se no sentido de ser relativa a nomeação de curador em benefício do interditando. Dessa forma, demonstra o seguinte julgado do TJMG, verbis:
EMENTA: Apelação Cível. Ação de Interdição e Curatela. Nomeação de curador. Art. 1.775 CC. 1 - A ordem de nomeação de curador estabelecida no art. 1.775 não é absoluta, e admite flexibilização em benefício do Interditado. 2 - Residindo a Interditada conjuntamente com a filha, e sendo esta quem cuida de todas as necessidades da mãe idosa e absolutamente dependente, exsurge a conveniência e melhor interesse da filha ser nomeada curadora da interditada, e não o marido que mora em outro local, e nem mesmo se manifestou nos autos, não tendo portanto exarado qualquer concordância com o encargo que lhe foi imposto, pelo Juízo "a quo. (Apelação Cível nº 1.0701.04.066407-3/001, Rel.: Des.. Jarbas Ladeira, DJ 19/08/2005)
A flexibilização da regra tem fundamento plausível e deve ser analisada caso a caso. Seguir a ordem disposta na legislação civil, não necessariamente estar-se-ia atendendo satisfatoriamente os interesses do idoso. Pode ser que aquele sem prioridade na prestação de cuidados, apresente melhores condições para empreender esse mister.
De qualquer modo, deve-se combater as decisões temerárias tendentes a isolar da vida social pessoas idosas sob o fundamento de estarem vivendo em situação de risco, ainda mais se restar comprovado a inexistência de laudos técnicos que atestem essa realidade. Outrossim, é importante a nomeação de curador provisório anteriormente à decisão que determina sua condução forçada ao asilo.
O direito à liberdade de locomoção, enquanto direito fundamental, tem que ser resguardado. Mesmo que seja bem tratado no asilo, o idoso sujeitar-se-á à ordem judicial cujo efeito principal enseja a restrição de sua liberdade de ir e vir. Destaca-se que o seu direito à liberdade também está previsto na lei 10.741/03, verbis:
Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.
§ 1º O direito à liberdade compreende, entre outros, os seguintes aspectos:
I – faculdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
II – opinião e expressão;
III – crença e culto religioso;
IV – prática de esportes e de diversões;
V – participação na vida familiar e comunitária;
VI – participação na vida política, na forma da lei;
VII – faculdade de buscar refúgio, auxílio e orientação.
A nomeação de um curador provisório, preferencialmente algum parente de vínculo afetivo, exige urgência. Tratando-se da possibilidade de aplicação de medida que implicará a restrição da liberdade e também a modificação dos titulares do dever de cuidado ao idoso, afigura-se necessária a intervenção familiar.
Todavia, sendo determinada a destinação obrigatória do idoso pelo Poder Público ao asilo sem a escolha de um curador provisório, sob a alegação de sua vida estar em situação de risco, é perfeitamente admissível a impetração de habeas corpus para impedir ameaça ou violação à sua liberdade de locomoção.
O ato executado pela autoridade coatora, nesse caso, transcende a disposição constitucional que incumbe à família, juntamente com o Estado, o dever de proporcionar ao idoso tratamento condizente com o princípio da dignidade da pessoa humana. Sob a proteção de sua família, certamente seus interesses serão veementemente preservados e defendidos por também refletirem-se diretamente nos demais membros familiares.
A supressão da família é prejudicial ao idoso e até mesmo ao Poder Público, que terá a responsabilidade de zelar pela integridade física e moral de mais uma pessoa. Por razões de fato e de direito, mostra-se razoável que compete, preferencialmente, à unidade familiar fornecer o auxílio necessário ao idoso, e não impor sua internação coercitivamente em detrimento do seu direito fundamental à liberdade.
O habeas corpus é uma ação constitucional capaz de tutelar ameaça ou violação concreta do direito de locomoção do impetrante. No caso em análise, justifica-se sua impetração notadamente para evitar que haja um vilipêndio ao direito de ir e vir do idoso conscrito forçadamente à instituição própria de amparo, caso essa medida seja efetivada por ato unilateral do Poder Público, sem se designar previamente um curador provisório.
5 – Conclusão
A liberdade, paralelamente à vida, são os direitos fundamentais de primeira geração mais destacáveis ostentados pelo ser humano. Garanti-los plenamente é um dever do Estado irrefutável e, por isso, quando alguma autoridade pública no exercício de sua função colocá-los em risco ou desrespeitá-los, alguma coisa tem que ser feita instantaneamente.
No caso da liberdade, qualquer ato perpetrado que vilipendie esse direito fundamental pode ser rechaçado mediante a impetração de habeas corpus. Essa ação constitucional, embora dependa dos pressupostos processuais intrínsecos às demais ações, pode ser manejada quando houver mero prenúncio de limitação à locomoção.
A Constituição no caput do artigo 5º menciona que todos são iguais perante a lei, sem haver espaço para distinção de qualquer natureza entre brasileiros, garantindo-se, ainda, a inviolabilidade, sobretudo, do direito à vida e à liberdade. Seria inconcebível admitir-se então violação à liberdade de pessoas idosas, independe do motivo.
O Poder Público temendo o abandono do idoso deve se cercar das medidas necessárias, desde que antes seja dada a oportunidade à família, principal responsável, em atender às disposições da Constituição e do Estatuto do Idoso, para então em momento apropriado, interferir de maneira correta, inclusive por meio da internação, se for o caso.
A arbitrariedade do ato da autoridade que determina o recolhimento imediato revela uma ação de desumana e despida de afeto e consideração pela pessoa idosa, que seria tratada de forma ríspida demais pelo afastamento brusco de sua família e de seus costumes. Sensato seria advertir os familiares e escolher um curador provisório antes de interná-lo, o que certamente viola sua liberdade.
Sob a proteção de um asilo, o idoso é vigiado e banido da vida comunitária, como se verifica na realidade dessas instituições. Mesmo que receba alimentação, assistência médica, vestuário e cuidados específicos, sua liberdade é afetada quando se impõe sua prisão cautelar sem antes ter sido notificada a família.
Entende-se que decretar a busca e apreensão do idoso sob suposta renúncia do dever de cuidado da família sem que esta seja devidamente repreendida de sua responsabilidade, parece ser um equívoco que coloca a pessoa apreendida em risco, bem como suprime seu direito constitucional à liberdade. Consubstanciada essa situação, defende-se a admissibilidade do habeas corpus para cessar a agressão ao direito de ir e vir do idoso.
6 – Bibliografia
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LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13.ª Edição. Editora Saraiva, 2009.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional – Curso de Direitos Fundamentais. 3.ª Edição ver e atual. São Paulo: Método, 2008.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 18. ed.. São Paulo: Atlas, 2005.
REALE, Miguel. Lições Preliminares do Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. rev. e atual.. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 14.ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1998.
Notas
- MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional – Curso de Direitos Fundamentais. 3.ª Edição ver e atual. São Paulo: Método, 2008, p. 61.
- TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 14.ª Edição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 195.
- MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 18. ed.. São Paulo: Atlas, 2005, p. 108.
- SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. rev. e atual.. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 444-445.
- Idem. p. 445.
- LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13.ª Edição. Editora Saraiva, 2009, p. 728.
- REALE, Miguel. Lições Preliminares do Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 46.
- MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 18. ed.. São Paulo: Atlas, 2005, p. 111.