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Do cabimento de habeas corpus contra a prisão cautelar fundada em situação de risco do idoso conscrito em asilo.

A ilegalidade do ato pela inexistência de nomeação de curador provisório

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Resumo: Investiga-se a possibilidade de impetração de habeas corpus em razão da decretação de prisão cautelar fundada em situação de risco do idoso conscrito em asilo, devido à inexistência de nomeação de curador provisório, o que reveste o ato de ilegalidade. Defende-se o cerceio à liberdade do idoso quando o Poder Público executa medida de recolhimento à instituição apropriada de amparo, retirando-o forçadamente de seu convívio familiar e social, sem antes proceder às determinações constitucionais e infra-constitucionais. Entende-se que decretar a busca e apreensão do idoso sob suposta renúncia do dever de cuidado da família sem que esta seja devidamente repreendida de sua responsabilidade, parece ser um equívoco que coloca a pessoa apreendida em risco, bem como suprime seu direito constitucional à liberdade.

Palavras-chave: Habeas corpus – prisão cautelar – idoso – situação de risco – ilegalidade – curador provisório.


1 – Introdução

Através do habeas corpus busca-se tutelar o direito fundamental à liberdade sempre que esta for ameaçada ou violada pela prática de ato ilegal ou abusivo. Esse instituto incluído nas Constituições brasileiras desde 1891, também foi recepcionado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

O cabimento da aludida ação constitucional condiciona-se à constatação de ato ilegal ou abusivo oriundo de alguma autoridade que, exorbitando de seus poderes funcionais, infringe a liberdade do impetrante em ir e vir [01]. Interessante notar que sua legitimidade ativa compete a qualquer membro do povo, e a legitimidade passiva à autoridade coatora, ou seja, aquela que causa o cerceio à liberdade.

A partir de uma situação específica, a saber, a decretação de prisão cautelar de idosos fundada na alegação pelo Poder Público de situação de risco, e sem a designação de curador provisório, preferencialmente alguém de vínculo afetivo, é que se cogita a possibilidade de impetração do habeas corpus.

Nessa circunstância, entende-se que seria medida preliminar inafastável, advertir a família precipuamente antes da tomada de uma decisão extremada. A própria Constituição da República vigente, precisamente no seu título VIII denominado "Da ordem social", capítulo VII que trata da "Da família, da criança, do adolescente e do idoso", ressalta ser obrigação da família, juntamente com o Estado, assegurar aos idosos condições dignas de vida e de saúde.

Seria incorreto, do ponto de vista da razoabilidade, afastar sub-repticiamente o idoso do seu convívio familiar e social sob a suspeita de estar vivendo em situação de risco. Inicialmente, mostra-se conveniente alertar a família acerca de sua obrigação constitucional e infra-constitucional, na medida que a lei 10.741/03 complementa a Constituição em relação aos direitos especificamente conferidos ao idoso, e reforça a ideia do dever da família ampará-lo.

É medida sensata e equilibrada evitar a superlotação de instituições sob a custódia do Poder Público, como alguns asilos. Além do mais, representa um grande prejuízo ao idoso ser retirado de sua família e inibido de seus hábitos rotineiros. Certamente a decretação de prisão cautelar, após a expedição de mandado de busca e apreensão, deve ser fundamentada com laudos técnicos que atestem efetivamente o abandono e a sobrevivência em condições sub-humanas. E mesmo assim, tem que ficar provado que a família foi admoestada para a tomada de providências urgentes, além de ter se silenciado quanto ao atendimento das disposições constitucionais e infra-constitucionais atinentes à espécie.

Dessa forma, a designação de um curador provisório é um ato necessário para que o idoso não sofra maiores danos pessoais. Portanto, qualquer medida tendente a abolir ou restringir seu direito de conviver em comunidade de modo a isolá-lo da vida familiar e social, atenta contra sua liberdade, especificamente a de ir e vir, o que dever ser combatido pela via própria.

Para comprovar essa premissa, será preciso analisar primeiramente o habeas corpus em suas variadas acepções, em seguida demonstrar a ilegalidade do ato de decretação da prisão cautelar sem antes designar um curador provisório para, por fim, se defender a possibilidade de impetração da ação constitucional mencionada. É o que será analisado a seguir.


2 – O habeas corpus enquanto ação de impugnação constitucional: origem, evolução e inserção no ordenamento jurídico brasileiro

A doutrina é vacilante no tocante à origem do habeas corpus, sendo que alguns doutrinadores como Pontes de Miranda afirmam apenas que: "[...] o instituto vem de muitos séculos, tido sempre como o melhor remédio jurídico processual". [02]

Entretanto, a origem do habeas corpus, de acordo com Alexandre de Moraes, remonta à época do Direito Romano, em que qualquer cidadão possuía legitimidade para reclamar a apresentação do homem livre recluso abusiva ou ilegalmente. Ressalta o aludido autor, que aquele que pretendia libertar alguém em razão de uma prisão arbitrária poderia se valer de uma ação específica, denominada interdictum de libero homine exhibendo. [03]

Contudo, a origem verdadeira da referida ação constitucional parece ser a Carta Magna, outorgada pelo Rei João Sem Terra em 1215. Existem também apontamentos de que o habeas corpus surgiu durante o reinado do Rei Carlos II com a edição da Petition of Rights, posteriormente convertida no Habeas Corpus Act em 1679. [04]

No Brasil, sua origem compatibiliza-se com o surgimento do Código de Processo Criminal de 1832, sem ter sido absorvido com status de ação constitucional pela Constituição de 1824. Somente na Constituição de 1891 é que o instituto do habeas corpus foi efetivamente reconhecido como uma ação destinada a amparar o direito à liberdade. [05]

O habeas corpus foi inicialmente utilizado como remédio para garantir não só a liberdade física, como os demais direitos que tinham por pressuposto básico a locomoção. Tratava-se da chamada "teoria brasileira do habeas corpus" que, conforme Pedro Lenza, perdurou até o advento da Reforma Constitucional de 1926, impondo o exercício da garantia somente para os casos de lesão ou ameaça de lesão à liberdade de ir e vir. [06]

A partir da Constituição da República de 1988 seu escopo não apenas se limita a impedir constrangimentos corporais. Atualmente sua função abarca todos os casos de ameaça ou impedimento de exercício de direitos pela prática de abuso de poder ou de alguma ilegalidade.

O habeas corpus é o meio eficaz para impugnar ato proferido de forma ilegal ou com abuso de poder, "[...] sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade.", conforme previsão do artigo 5°, inciso LXVIII, da Constituição da República de 1988.

Ao tutelar a liberdade, a ação de índole constitucional visa a garantir ao impetrante o direito de ir e vir no âmbito do território nacional, sem que seja surpreendido por ato arbitrário que ameaçasse seu direito de locomoção, segundo disposto no artigo 5º, inciso XV, da Constituição. Ressalte-se, que tal remédio constitucional não possui o objetivo de estirpar da esfera do direito o poder coercitivo, assim debatido e defendido por Hans Kelsen, mas apenas limitá-lo às arbitrariedades e os preceitos imorais, conforme enfatiza Miguel Reale. [07]

O habeas corpus possui natureza jurídica de ação constitucional por ter como fim assegurar o exercício da liberdade de locomoção. Trata-se de uma ação de caráter penal e de procedimento especial, principalmente pelo seu trâmite menos burocratizado, além de proporcionar ao paciente a isenção de custas processuais, capaz de evitar ou cessar violência ou ameaça à liberdade de locomoção, em função de ilegalidade ou abuso de poder da autoridade coatora. [08]

Nesse sentido está fundamento acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, verbis:

Habeas Corpus. Roubo duplamente majorado. Condenação fixada no mínimo legal a 5 anos e 4 meses de reclusão em regime fechado. Insurgência quanto ao regime fixado pela sentença condenatória recorrível. Possibilidade da revisão do decisum pela via estreita do writ. HC concedido pelo STJ para fins de determinar o conhecimento da impetração por esta Instância. Irrelevância da existência de sucedâneo recursal. Ordem conhecida. Habeas Corpus. Roubo duplamente majorado. Condenação fixada no mínimo legal a 5 anos e 4 meses de reclusão em regime fechado. Agente primário, de bons antecedentes, com circunstâncias judiciais favoráveis. Insurgência quanto ao regime fixado. Acolhimento. Gravidade do delito não suficiente para a fixação de regime mais severo do que o previsto em lei. Inteligência das súmulas nº 718 e 719 do STF. Concessão do regime semi-aberto como o inicial para cumprimento da pena. Constrangimento ilegal configurado. Ordem concedida.

[...] o writtem a natureza jurídica de ação popular constitucional destinada a impugnar ato ilegal ou praticado com abuso de poder que ameace ou violente a liberdade de locomoção de qualquer pessoa. [...] o writde habeas corpus só poderia ser considerado via necessária e adequada ao combate de violação à liberdade de locomoção caso explicitamente caracterizada a ilegalidade da coação e inexistente outro meio recursal para a obtenção do pedido. [...] o mandamusé ação de rito especial não cabível quanto às decisões judiciais recorríveis, pois para estas o legislador já previu meio de impugnação próprio, dotado de mais fases processuais que garantem a ampla defesa e a dilação probatória. (TJSP, HC 01706515620098260000 (990091706515)/SP, Rel. Almeida Toledo, DJ 21/12/2010).

O Superior Tribunal de Justiça esposou entendimento semelhante, verbis:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO. PENA DE MULTA. INADIMPLEMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE RESTABELECIMENTO DOS DIREITOS POLÍTICOS. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO. INOCORRÊNCIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. RECURSO NÃO CONHECIDO.

1. Configura requisito inafastável para a ação de habeas corpus a existência de qualquer indício de ameaça de violência ou constrangimento à liberdade de ir e vir do paciente, não se conhecendo do writ nos casos em que tal pressuposto não for observado.

2. Incabível o manejo de recurso ordinário em habeas corpus na hipótese em que se discute a legalidade da manutenção da suspensão dos direitos políticos do recorrente, em razão da existência da pena de multa, haja vista que não há qualquer risco à liberdade de locomoção, pois a sanção pecuniária, mesmo se descumprida, não poderá ser convertida em sanção privativa de liberdade.

3. Recurso não conhecido.

[...]

A exclusividade de proteção da liberdade de locomoção pelo habeas corpus se deve pela grande relevância do aludido bem jurídico no convívio social dentro de um Estado Democrático de Direito, razão pela qual o remédio constitucional em apreço, na regulamentação que lhe foi dada pelo legislador ordinário, é dotado de rito célere e sumário, com o intuito de que, caso verificada a ilegalidade ou abusividade do ato tido como coator, o direito de liberdade reclamado seja restituído ao indivíduo com a maior brevidade possível, minimizando-se as consequências nefastas da sua restrição indevida. Assim, configura requisito inafastável para a ação de habeas corpus a existência de qualquer indício de ameaça de violência ou constrangimento à liberdade de ir e vir do paciente, não se conhecendo do writ nos casos em que tal pressuposto não for observado. (STJ, HC 27.381/SC, Min. Jorge Mussi, DJ16/11/2010)

Salienta-se que a liberdade de locomoção deve ser entendida como uma espécie do direito à liberdade, englobando o acesso, a saída, a permanência e o deslocamento dentro do território nacional por brasileiros (natos e naturalizados) e estrangeiros. O direito de ir e vir, assim como os direitos de expressão artística e cultural, de pensamento, de consciência, de crença religiosa, de convicção filosófica ou política, constituem espécies do gênero liberdade.

O habeas corpus cumpre o papel de salvaguardar o exercício ao direito de ir e vir quando este sofrer ameaça ou violência por atos perpetrados pela autoridade coatora. Dessa forma, essa ação constitucional não pode ser considerada um tipo recursal devido à sua natureza de proteger um direito fundamental específico.

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As considerações iniciais sobre a ação constitucional em comento foram necessárias para se certificar as possibilidades de sua impetração. Com isso pretende-se demonstrar ser cabível habeas corpus para atacar ato ilegal ou abusivo contra o direito à liberdade de idosos recolhidos a asilo em caso de inexistência de nomeação de curador provisório pela ocorrência de suposta situação de risco. Eis o que se passa a fazer.


3 – Da ilegalidade da decretação de prisão cautelar fundada em situação de risco que determina o recolhimento do idoso em asilo mediante inexistência de nomeação de curador provisório

A Constituição da República dispõe expressamente em seu artigo 230 que a "[...] família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida." O artigo 229, por sua vez, é claro ao prescrever que "[...] os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade."

Da mesma forma que o texto constitucional do artigo 229 impôs aos pais o dever de "[...] assistir, criar e educar os filhos menores [...]", também conferiu aos filhos maiores o dever de cuidar dos pais idosos. A norma constitucional estabelece uma obrigação, e não uma mera faculdade. Daí porque, a despeito da inexistência de qualquer vínculo afetivo entre as partes, não se pode simplesmente eximir os filhos daquele dever, que tem por escopo garantir o respeito e a dignidade da pessoa idosa.

Nesse sentido, registra-se que a proteção ao idoso tem previsão inclusive infra-constitucional. Assegura a lei 10.741/03, verbis:

Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

I - atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população;

II - preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas;

III - destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso;

IV - viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações;

V - priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência;

VI - capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos;

VII - estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento;

VIII - garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais.

IX - prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda.

[...]

Art. 9º É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade.

[...]

Art. 37. O idoso tem direito à moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada.

§ 1º A assistência integral na modalidade de entidade de longa permanência será prestada quando verificada inexistência de grupo familiar, casa-lar, abandono ou carência de recursos financeiros próprios ou da família.

§ 2º Toda instituição dedicada ao atendimento ao idoso fica obrigada a manter identificação externa visível, sob pena de interdição, além de atender toda a legislação pertinente.

§ 3º As instituições que abrigarem idosos são obrigadas a manter padrões de habitação compatíveis com as necessidades deles, bem como provê-los com alimentação regular e higiene indispensáveis às normas sanitárias e com estas condizentes, sob as penas da lei".

As disposições legais supracitadas deixam claro que é obrigação tanto da família quanto do Estado, também incluído o Município, zelar pelo bem estar dos idosos, garantindo-lhes uma existência digna e um envelhecimento saudável, com políticas sociais que visem a proteger, especialmente, as suas vidas e saúde.

Alexandre de Moraes, sobre o dever de proteção ao idoso, assevera que:

A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem estar e garantindo-lhes o direito à vida, inclusive por meio de programas de amparo aos idosos que, preferencialmente, serão executados em seus lares.

Mais do que reconhecimento formal e obrigação do Estado para com os cidadãos da terceira idade, que contribuíram para seu crescimento e desenvolvimento, o absoluto respeito aos direitos humanos fundamentais dos idosos, tanto em seu aspecto individual como comunitário, espiritual e social, relaciona-se diretamente com a previsão constitucional de consagração da dignidade da pessoa humana.

O reconhecimento àqueles que construíram com amor, trabalho e esperança a história de nosso país tem efeito multiplicador de cidadania, ensinando às novas gerações a importância de respeito permanente aos direitos fundamentais, desde o nascimento até a terceira idade.

Esse entendimento foi adotado com a edição, pelo Congresso Nacional, do Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741, de 1º-10-2003), que visa consagrar os direitos de todas as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, garantido-lhes o pleno gozo de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e afirmando o princípio da solidariedade, ao obrigar a família, a comunidade, a sociedade em geral e o Poder Público a assegurarem, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

A intensidade e a efetividade do respeito aos idosos demonstram o grau de desenvolvimento educacional de um provo, e somente com educação integral poderemos garantir a perpetuidade e a efetividade do Estado Democrático de Direito, a partir da formação de consciência de cidadania e justiça em todos os cidadãos.

Ao garantir atendimento preferencial, imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços da população, viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações, capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos, estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre aspectos biopsicossociais de envelhecimento e garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais, entre formas de prioridade à terceira idade, a nova legislação brasileira reconheceu, com se faz nos países europeus, o envelhecimento como um direito social, a ser devida e especificamente protegido.

A nova legislação será mais um valioso instrumento para continuidade do trabalho prioritário que o Poder Público deve realizar em defesa da efetividade dos direitos da terceira idade. (MORAES, 2005, p. 748-749)

No mesmo sentido, decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, verbis:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - ESTATUTO DO IDOSO - LEI N.10. 741/2003 - PROTEÇÃO ABSOLUTA E PRIORITÁRIA - EFETIVAÇÃO POR LEI OU OUTROS MEIOS - DEVER CONJUNTO - FAMILIAR, SÓCIO-COMUNITÁRIO E ESTATAL - IDOSA NONAGENÁRIA - RISCO IMINENTE À SAÚDE E À VIDA - ABRIGO EM ENTIDADE ASILAR - MEDIDAPROTETIVA QUE SE IMPÕE - INTERDIÇÃO E SITUAÇÃO DE RISCO - INSTITUTOS QUE NÃO SE CONFUNDEM - DECISÃO REFORMADA - RECURSO PROVIDO. 1. A Lei n. 10.741/2003 confere proteção integral ao idoso - por lei ou outros meios - aspirando à preservação de sua saúde físico-mental, bem como ao seu aperfeiçoamento, moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade, cuja prerrogativa configura dever familiar, sócio-comunitário e estatal, competindo a tais entes - com absoluta prioridade - a efetivação do seu direito à vida, à saúde e à dignidade, dentre outros. 2. Impõe-se a efetivação de medida de proteção, quando os direitos do idoso forem ameaçados ou violados, por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso de família, curador ou entidade de atendimento; ou em razão de sua condição pessoal. 3. No caso dos autos, a saúde da idosa - bem fundamental, indissociável do direito à vida - está sob risco iminente, sendo que essa prerrogativa reveste-se do atributo da indisponibilidade, ao qual se submete a própria pessoa, máxime quando se trata de idosa nonagenária e senil, razão por que deve ser internada em entidade asilar. 4. A interdição não se confunde com a proteção absoluta e prioritária do idoso. Aquela, cinge-se a instituto (genérico) de direito material; esta, configura tutela cogente, especial. específica e urgente, decorrente de situação de risco iminente do idoso, que faz jus a proteção incondicionada e imediata." (TJMG, Agravo de instrumento n° 1.0372.09.038884-7/001, Rel.: Des. Nepomuceno Silva, DJ 21/07/2009)

Não se vislumbra a possibilidade de decretação de prisão cautelar caso os familiares do idoso não se recusarem a prestar o auxilio necessário, devido à existência de alegada possível situação de risco pelo Poder Público. A família ciente do dever de assistir o idoso, e tomando todas as medidas imprescindíveis ao amparo e à manutenção de sua saúde, pode inviabilizar a intervenção judicial revestida de caráter cautelar. O interesse do idoso é melhor atendido se puder permanecer junto à sua própria família, recebendo os cuidados e auxílios advindos de seus parentes.

O abandono deve ficar plenamente caracterizado para que seja decretada a prisão cautelar fundada em situação de risco, o que se consumará mediante a expedição do mandado de busca e apreensão. E mesmo assim, é preciso se comprovar que o idoso encontra-se em precárias condições de sobrevivência e deixado à própria sorte.

Nessas condições, é preciso que antes da tomada de uma medida protetiva pelo Poder Público, haja a nomeação de um curador provisório para administrar os interesses do idoso. Caso a autoridade coatora, no intuito de buscar uma solução mais rigorosa, como a de determinar a conscrição do idoso, olvidar-se em nomear curador provisório antes de interná-lo em estabelecimento adequado, haverá vício de formalidade no ato, que poderá deixá-lo em situação de grave risco e, consequentemente, causar cerceio ao seu direito de ir e vir em razão da ilegalidade da medida.

É incorreto tomar uma decisão consistente em afastar alguém de sua rotina repentinamente, impedindo-o de rever as pessoas do seu círculo de convivência e de praticar os seus hábitos, sem consultar a sua família com certa antecedência. Indubitavelmente, indicar algum membro familiar para gerir a vida patrimonial e cercar de cuidados especiais àquele que necessita de amparo, seria uma solução mais adequada e equilibrada.

Não resta dúvida que determinar o recolhimento do idoso sob o fundamento de situação de risco em razão de abandono, caso não seja realizada uma prévia advertência à família quanto à tomada de providências, afigura-se um ato ilegal e inconstitucional. Trata-se de interferir na liberdade da pessoa humana, que poderá ter seu direito de ir e vir cerceado indevida e precocemente.

Não se pretende afirmar que, o idoso quando instalado em um estabelecimento desse tipo, ficará em condições piores do que já se estava, mas certamente ficará impedido de se locomover para onde quiser, uma vez que deverá ficar sob a vigilância de alguém. É mais sensato nomear um curador e, se for o caso, em última hipótese, determinar o recolhimento do idoso ao asilo.

O direito de ir e vir, portanto, consubstanciado na liberdade em sua acepção plena, deve ser observado. E se a família do idoso de fato estiver capacitada e em condições de proporcionar o amparo devido, a decretação da prisão cautelar que determina a ida compulsória ao asilo parece ser indevida. Por isso é que a nomeação de curador provisório é um recurso plausível e precisa ser efetivado em prol da garantia ao direito de liberdade. Eis o que demonstrará a seguir.

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Sobre os autores
Luiz Márcio Siqueira Júnior

Mestrando em Direito Público pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).Advogado.

Rodrigo Alves Pinto Ruggio

Pós-graduado em Direito Processual pelo Instituto de Educação Continuada (IEC) da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor da Faculdade de Santa Luzia (FACSAL). Advogado.

Hugo Lázaro Marques Martins

Pós-graduado em Direito Internacional pelo Centro de Direito Internacional (CEDIN). Advogado.

Michelle Abras

Pós-graduada em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva. Professora da Faculdade Minas Gerais (FAMIG). Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA JÚNIOR, Luiz Márcio ; RUGGIO, Rodrigo Alves Pinto et al. Do cabimento de habeas corpus contra a prisão cautelar fundada em situação de risco do idoso conscrito em asilo.: A ilegalidade do ato pela inexistência de nomeação de curador provisório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2749, 10 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18193. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Originalmente publicado em 04/01/2011. Republicado por erro na atribuição da autoria.

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