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Abuso do poder regulamentar no Direito Previdenciário.

Doutrina e jurisprudência

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04/01/2011 às 05:22
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12 O CONTROLE DO PODER REGULAMENTAR PELO PODER EXECUTIVO

A respeito dos remédios administrativos que possibilitam, pelo próprio Poder Executivo, o controle dos abusos administrativos em sentido lato, TÁCITO (1959, p. 33) lembra ainda existirem três tipos de meios de controle, que são os meios preventivos, os sucessivos e os repressivos.

Entre os preventivos, cita que determinados atos administrativos dependem, para sua validade, de autorização ou aprovação: são atos complexos que se formam mediante várias manifestações de vontade, sem as quais não se tornam completos. A intervenção obrigatória de mais de uma autoridade atende tanto a condições de conveniência quanto às razões de legalidade.

Cita também os meios sucessivos de controle, entre os quais o julgamento da legalidade dos contratos, das aposentadorias e das pensões pelos Tribunais de Contas.

Finalmente, entre os meios repressivos de controle, cita a anulação ex officio ou mediante representação, de atos administrativos, baseados no fato de que não há direitos adquiridos contra a lei [09].

Não parece, porém, que o Poder Executivo, já tendo exorbitado de seu poder, fosse realizar seu controle posteriormente, fosse ex officio ou a pedido, visto que tal implicaria reconhecer o próprio erro, o que parece ser pouco provável, exceção seja feita aos casos extremos.


13 O CONTROLE DO PODER REGULAMENTAR PELO PODER LEGISLATIVO

Tal controle fundamenta-se na disposição emanada do art. 49, inc. V da Carta Política, o qual afirma que:

Art. 52. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

(...)

V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.

Tal competência tem delimitação bastante específica, alcançando, exclusivamente, atos normativos de primeiro grau, vale dizer: abstratos, gerais e impessoais, não se estendendo aos atos concretos, e decorrentes do poder regulamentar de competência do Presidente da República. Nesse sentido, vide excerto retirado de FERRAZ (1995):

"Exatamente porque adstrito aos expressos termos da Constituição, o poder congressual alcança, tão somente, os atos executivos enquanto expressão do poder regulamentar do Chefe do Executivo. Sendo o poder regulamentar inerente ao Presidente (...), não cabe a sustação, pelo Congresso Nacional, de atos executivos secundários, ainda que normativos, tais como portarias e instruções, mesmo que, por via reflexa, estes se revistam de caráter abusivo relativamente à lei. Somente o regulamento aprovado por Decreto Presidencial pode ser objeto dessa excepcional competência. Para os demais atos abusivos permanece o controle jurisprudencial. Por igual, descabe a sustação de decretos presidenciais de conteúdo concreto, atos administrativos de caráter individual, portanto".

Ocorre, porém, que o Congresso Nacional, por razões que não caberia expendir neste trabalho, não tem o costume de aplicar tal prerrogativa que lhe é conferida, ainda que tal comportamento importe em diminuição de seu próprio prestígio. Já se manifestou, a respeito desse poder de controle, o Supremo Tribunal Federal, com os seguintes dizeres:

"Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal. O abuso de poder regulamentar, especialmente nos casos em que o Estado atua contra legem ou praeter legem, não só expõe o ato transgressor ao controle jurisdicional, mas viabiliza, até mesmo, tal a gravidade desse comportamento governamental, o exercício, pelo Congresso Nacional, da competência extraordinária que lhe confere o art. 49, inciso V, da Constituição da República e que lhe permite ‘sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (...)’. Doutrina. Precedentes (RE 318.873-AgR/SC, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).

Deste modo, verifica-se que, não obstante seja considerado comportamento grave, o abuso do poder regulamentar não costuma ser controlado pelo Poder Legislativo, ao menos especificamente em matéria previdenciária; de fato, em pesquisa realizada no ambiente virtual, não logramos encontrar uma única resolução de sustação de decreto em matéria previdenciária baseado no inc. V do art. 49 da Carta Magna.

TÁCITO (1959, p. 39) dá uma opinião que pode eventualmente explicar o porquê de tal comportamento por parte do poder legislativo, ao classificar a sua presença como eminentemente política; apóia tal tese o supracitado ALMEIDA (1959, p. 31), quando afirma que o controle do abuso do poder regulamentar pelo Poder Legislativo é "de difícil trilho, porque seria o de o Poder Legislativo ser mais ativo e presente e não permanecer atrasado em relação aos problemas que lhe cabe resolver por leis sábias".


14 O CONTROLE DO PODER REGULAMENTAR PELO PODER JUDICIÁRIO

Verifica-se, então, a possibilidade de controle do abuso do poder regulamentar pelo Poder Judiciário. Tal possibilidade está prevista, como direito fundamental, no art. 5º, inc. XXXV, o qual prevê a inafastabilidade da análise, pelo Poder Judiciário, de lesão ou ameaça de lesão a direito, conforme se vê:

Art. 5º.

(...)

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Tal controle tradicionalmente ocorre somente sob o âmbito do controle da legalidade do ato, através da análise de lesão ou ameaça de lesão a direito subjetivo. Tratando-se, como é o caso que estudamos, de abuso do poder regulamentar na esfera federal, por ato expedido pelo Presidente da República ou por autoridade a ele subordinada, a competência para análise do caso será da Justiça Federal.

No caso do controle pelo Poder Judiciário do abuso do poder regulamentar, impende lembrar que examina-se somente a legalidade e não o mérito, a conveniência e a oportunidade do ato, observação importante visto que, conforme já se viu, há uma componente de discricionariedade no poder regulamentar, no que diz respeito à maneira de propiciar a fiel execução da lei.

Do mesmo modo, tal abuso de poder não é, tradicionalmente, passível de controle de constitucionalidade abstrato realizado pelo Supremo Tribunal Federal, em vista do entendimento da Corte a respeito da inconstitucionalidade indireta, contido no bojo dos autos da ADI 996-MC:

"Se a interpretação administrativa da lei, que vier a consubstanciar-se em decreto executivo, divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar, quer porque tenha este se projetado ultra legem, quer porque tenha permanecido citra legem, quer, ainda, porque tenha investido contra legem, a questão caracterizará, sempre, típica crise de legalidade, e não de inconstitucionalidade, a inviabilizar, em conseqüência, a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata. O eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que materialmente deve estar adstrito poderá configurar insubordinação executiva aos comandos da lei. Mesmo que, a partir desse vício jurídico, se possa vislumbrar, num desdobramento ulterior, uma potencial violação da Carta Magna, ainda assim estar-se-á em face de uma situação de inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada." (ADI 996-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 11-3-04, DJ de 6-5-94).

Em que pese o respeitabilíssimo entendimento do Supremo Tribunal Federal, tal posicionamento não é livre de toda crítica; crítica esta dirigida não ao Tribunal Maior em si mesmo, mas ao sistema judiciário nacional

Isto porque, ainda que indiretamente, fica caracterizada alguma dose daquilo que tem sido denominado como a auto-restrição do Poder Judiciário, no sentido de levar a extremos de rigidez o princípio da separação dos poderes.

Tratando desta auto-restrição, ESTEVES (2007: p. 82) afirma que:

"Além da construção teórico-dogmática de restrição dos direitos fundamentais sociais, a qual os acondiciona ao exercício da liberdade – aliada a concepções que lhes negam aplicabilidade imediata, subjetividade e justiciabilidade – e à dogmática da separação de poderes, pesa, por fim, uma última contraposição que tem nascedouro sob a influência secular de todas as outras e acaba demonstrando o caráter prático da questão: a auto-restrição do Judiciário. No tocante à necessidade de superação do dogma da separação de poderes, a fim de que o Judiciário desempenhe um papel ativo e concretizador dos direitos fundamentais sociais, a auto-restrição é campo em que o problema se apresenta de forma mais contundente e deve ser entendida como tradicional obstáculo à concretização e efetividade dos direitos sociais, pelo qual juízes consideram que a decisão sobre prioridades é dos órgãos políticos do sistema. O comportamento auto-restritivo do Judiciário quando chamado a desempenhar, com o Executivo e o Legislativo, a tarefa de concretizador da Constituição, denuncia a existência de uma concepção jurídico-ideológica que afirma não existir legitimidade democrática do Judiciário que lhe dê incumbência objetiva na efetividade dos direitos fundamentais sociais.

LENZA (2008: p. 161) leciona, a este respeito, alteração que vem ocorrendo na jurisprudência nacional:

"O STF, excepcionalmente, conforme noticia Alexandre de Moraes, ‘tem admitido ação direta de inconstitucionalidade cujo objeto seja decreto, quando este, no todo ou em parte, manifestamente não regulamenta a lei, apresentando-se, assim, como decreto autônomo. Nessa hipótese, haverá possibilidade de análise de compatibilidade diretamente com a Constituição Federal para verificar-se a observância do princípio da reserva legal.

Em interessante precedente, estabelece o STF: ‘Estão sujeitos ao controle de constitucionalidade concentrado os atos normativos, expressões da função normativa, cujas espécies compreendem a função regulamentar (do Executivo), a função regimental (do Judiciário) e a função legislativa (do Legislativo). Os decretos que veiculam ato normativo também devem sujeitar-se ao controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal. O Poder Legislativo não detém o monopólio da função normativa, mas uma parcela dela, a função legislativa" (ADI 2.950-AgR, Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, j. 06.10.2004, DJ, 09.02.2007).

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Confira, ainda: ‘Impugnação de resolução do Poder Executivo estadual. Disciplina do horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, consumo e assuntos análogos. Ato normativo autônomo. Conteúdo de lei ordinária em sentido material. Admissibilidade do pedido de controle abstrato. Precedentes. Pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade, o ato normativo subalterno cujo conteúdo seja de lei ordinária em sentido material e, como tal, goze de autonomia nomológica" (ADI3.731-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 29.08.2007, DJ, 11.10.2007.

Verifica-se, deste modo, uma atenuação daquela supracitada tendência de auto-restrição do Poder Judiciário, no sentido de que, ainda que, do abuso do poder regulamentar, resulte uma inconstitucionalidade indireta, esta inconstitucionalidade poderá ser analisada em sede de ação direta de inconstitucionalidade, tendo o condão de, eventualmente, vir a afastar definitivamente o ato abusivo do cenário normativo.


15 JURISPRUDÊNCIA COLACIONADA: EXEMPLOS DO ABUSO DO PODER REGULAMENTAR NO AMBITO DO DIREITO PREVIDENCIARIO

Neste ponto, incluímos uma série de sentenças e acórdãos relacionados ao abuso do poder regulamentar em sede de direito previdenciário; após cada pronunciamento jurisdicional, faremos breve comentário acerca da decisão e, na sessão seguinte, será feita uma análise do perfil geral dos abusos que se entendeu cometidos.

15.1 SALÁRIO-MATERNIDADE: EXIGÊNCIA DE RELAÇÃO DE EMPREGO, PELO DECRETO 3.048/1999, PARA SUA CONCESSÃO

Iniciamos com o seguinte acórdão relacionado à concessão do salário-maternidade. Tal benefício previdenciário é regido pela Lei 8.213/1991, a qual afirma que:

Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.

Para regulamentar tal direito, o Governo Federal dispôs, no Decreto 3.048/1999, do seguinte modo, em seu art. 97:

Art. 97. O salário-maternidade da empregada será devido pela previdência social enquanto existir a relação de emprego.

Ora, é fácil verificar que a exigência da relação de emprego para que ocorra o direito ao salário-maternidade não encontra respaldo legal na Lei 8.213/1991; ali se definiu como condição unicamente a data prevista para o parto e a condição de segurada social – sendo esta, explicitamente inserida no citado artigo da lei, uma forma de proteção à maternidade, o que é um comando constitucional, conforme se depreende da simples leitura do art. 6º da Magna Carta, na redação dada pela Emenda Constitucional 26/2000::

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Outro não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme se vê:

"O salário-maternidade foi instituído como objetivo de proteger a maternidade, sendo, inclusive, garantido constitucionalmente como um direito fundamental, nos termos do art. 7º da CF; assim, qualquer norma legal que se destine à implementação desse direito fundamental deve ter em conta o objetivo e a finalidade da norma magna."

Verifica-se ainda, do ponto de vista puramente lógico, ser um contra-senso a restrição do direito ao salário-maternidade exclusivamente à mãe que comprovar relação de emprego, visto que é exatamente a gestante que não tiver como comprovar a relação de emprego a mais necessitada de tal direito previdenciário, sendo possivelmente a sua única forma de subsistência.

Encontra-se ainda a exigência de todo desarrazoada visto que a própria Lei 8.213/1991 estabelece o chamado período de graça, o qual tem o condão de preservar a qualidade de segurado independentemente da existência de contribuições, conforme se vê:

Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

(...)

II – até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração.

Deste modo, ao criar – mediante decreto – restrição à fruição do chamado "período de graça", fica claro ter incorrido a norma regulamentar em abuso.

Não é por outro motivo que tal exigência foi vivamente rechaçada pelos tribunais, fundamentando-se a decisão exatamente no citado art. 15 da lei supracitada, conforme se vê:

PREVIDENCIÁRIO. ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. SALÁRIO-MATERNIDADE. ART. 15 DA LEI Nº 8.213/91. QUALIDADE DE SEGURADA MANTIDA. BENEFÍCIO DEVIDO. 1. Não ocorre omissão quando o Tribunal de origem decide fundamentadamente todas as questões postas ao seu crivo. 2. A legislação previdenciária garante a manutenção da qualidade de segurado, independentemente de contribuições, àquele que deixar de exercer atividade remunerada pelo período mínimo de doze meses. 3. Durante esse período, chamado de graça, o segurado desempregado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social, a teor do art. 15, II, e § 3º, Lei nº 8.213/91. 4. Comprovado nos autos que a segurada, ao requerer o benefício perante a autarquia, mantinha a qualidade de segurada, faz jus ao referido benefício. 5. Recurso especial improvido. (REsp 549.562/RS, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 25.06.2004, DJ 24.10.2005 p. 393) (grifos nossos)

Por este motivo, e através do Decreto 6.122/2007, o Governo Federal alterou a redação do citado art. 97, conforme se vê:

Art. 97. O salário-maternidade da empregada será devido pela previdência social enquanto existir a relação de emprego, observadas as regras quanto ao pagamento desse benefício pela empresa.

Parágrafo único. Durante o período de graça a que se refere o art. 13, a segurada empregada fará jus ao recebimento do salário-maternidade nos casos de demissão antes da gravidez, ou, durante a gestação, nas hipóteses de dispensa por justa causa ou a pedido, situações em que o benefício será pago diretamente pela previdência social.

Verifica-se deste modo, com a inclusão do parágrafo único ao artigo, a correção do abuso do poder regulamentar, submetendo-se agora aos ditames da Lei.

15.2 ORDEM DE SERVIÇO PARA REGULAMENTAR O PARCELAMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.

Outro exemplo a ser colacionado no presente estudo diz respeito ao abuso de poder regulamentar [10] por ordem de serviço.

Tal instrumento, segundo a definição de DE PLÁCIDO E SILVA, "designa a comunicação endereçada ao subordinado, determinado a realização de tarefa".

O art. 38 da Lei 8.212/1991 previa [11], à época, a possibilidade de parcelamento dos débitos tributários devidos à Previdência Social, nos moldes em que se vê:

Art. 38. As contribuições devidas à seguridade social, incluídas ou não em notificação de débito, poderão, após verificadas e confessadas, ser objeto de acordo para pagamento parcelado em até 60 (sessenta) meses, observado o disposto em regulamento.

§ 1º Não poderão ser objeto de parcelamento as contribuições descontadas dos empregados, inclusive dos domésticos, dos trabalhadores avulsos, as decorrentes da sub-rogação de que trata o inciso IV do art. 30 e as importâncias retidas na forma do art. 31, independentemente do disposto no art. 95.

Neste sentido, a Ordem de Serviço DAF/INSS n.º 100/1993 veio a realizar a seguinte normatização do parcelamento previsto no § 1º do art. 38 da Lei 8.213/1991:

"29. As contribuições dos empregados, descontadas ou não, a partir da competência 07/91, inclusive dos domésticos, dos trabalhadores avulsos e as decorrentes da sub-rogação de que trata o inciso IV do art. 30, além do disposto no art. 95 da mesma lei, não serão objetos de parcelamento". (grifamos)

Entendeu-se que tal extensão, indo das contribuições descontadas, conforme previsto no § 1º do art. 38 da Lei 8.212/1991, para as contribuições descontadas ou não-descontadas constituiu-se em abuso do poder regulamentar. Nas palavras da relatora, citando Wladimir Novaes Martinez:

"O parcelamento deve ser visto como um favor fiscal outorgado pela lei, constituindo-se, após a promulgação da norma, em direito subjetivo do contribuinte, bastando reunir as exigências legais. Nestas condições, não pode ser indeferido."

Deixou ainda consignado, na ementa do acórdão, o entendimento de ter agido em total abuso do poder regulamentar:

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PARCELAMENTO. ORDEM DE SERVIÇO. ABUSO DO PODER REGULAMENTAR.

1.A Ordem de Serviço DAF/INSS nº 100/93, sob o pretexto de regulamentar o art. 38 da Lei 8.212/91, acabou por ampliar sua abrangência, estendendo seus efeitos às contribuições não-descontadas dos empregados, em total abuso do poder regulamentar.

2.Recurso especial a que se nega provimento.

(Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 386.755/RS).

Um dado interessante, não analisado pelo Tribunal Superior, é o caráter de norma interna através da qual se veiculou tal comando normativo. De fato, conforme ficou claro pela definição do dicionarista jurídico, a ordem de serviço, tendo o caráter de norma interna, somente pode atingir ao subordinado da autoridade; não pode, em hipótese alguma, obrigar o contribuinte, não possuindo o caráter de generalidade da norma jurídica emanada do poder regulamentar exercido através, por exemplo, do decreto; não nos aprofundaremos nesta questão visto que, além de não ser este o escopo do presente trabalho, a sua análise demandaria um outro trabalho do mesmo porte.

15.3 REGULAMENTAÇAO DO TETO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIARIO DE EX-COMBATENTE

Em outro caso concreto verificado no exame da jurisprudência, verificou-se a regulamentação, pelo Poder Executivo e cm abuso do poder regulamentar verificado pelo Poder Judiciário, do teto de remuneração de ex-combatente, em contrariedade ao previsto pela Emendas Constitucional de número 20, a qual previu a seguinte redação para o art. 248 da Carta Magna:

Art. 248. Os benefícios pagos, a qualquer título, pelo órgão responsável pelo regime geral de previdência social, ainda que à conta do Tesouro Nacional, e os não sujeitos ao limite máximo de valor fixado para os benefícios concedidos por esse regime observarão os limites fixados no art. 37, XI.

Não obstante a clareza da norma constitucional, e através do Decreto 2.172/97, exarou-se norma regulamentar instituindo teto diverso daquele, o que levou à seguinte decisão:

ADMINISTRATIVO - CONSTITUCIONAL - EX-COMBATENTE - BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CONCEDIDO NA FORMA DA LEI Nº 4.297/63 -LIMITE DE REMUNERAÇÃO DA REDAÇÃO ORIGINÁRIA DO ART. 37, XI. DA CF/88 -REGULAMENTAÇÃO PELO ART. 263, §1º, DO DECRETO Nº 2.172/97 E PORTARIAS DO PODER EXECUTIVO - IMPOSSIBILIDADE - EC/19 E EC/20 -REMUNERAÇÃO DE MINISTRO DO STF COMO TETO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE EX-COMBATENTE I- Inadmissível a inovação operada pelo §1º do art. 263 da Decreto nº 2.172/97, haja vista que, tratando-se de norma regulamentadora, não poderia extrapolar os limites da Lei regulamentada, de nº 8.213/91, a qual não remeteu àquele a aplicação do teto constitucional aos benefícios previdenciários dos ex-combatentes. II -Com o advento da Emenda Constitucional nº 20, de 12/12/98, a qual acrescentou o art. 248 às Disposições Constitucionais Gerais, o limite máximo dos benefícios previdenciários dos ex-combatentes passou a ser a remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ex vi da redação dada ao art. 37, XI, da CF/88, pela EC/19 de 04/06/98.

16.4 ORDEM DE SERVIÇO QUE PREVÊ PRAZO DE 6 MESES PARA REENQUADRAMENTO DO SEGURADO EM OUTRO NÍVEL DE SALÁRIO-BASE

Do mesmo modo,

TRF4 - APELAÇÃO CIVEL: AC 96974 RS. Relator(a): VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS. Julgamento: Tue Dec 13 00:00:00 CST 2005. Órgão Julgador: QUINTA TURMA. Publicação: DJ 22/03/2006 PÁGINA: 795.

PREVIDENCIÁRIO. DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO. SEGURADO SUJEITOS A RECOLHIMENTOS SEGUNDO O REGIME DA ESCALA DE SÁLÁRIO-BASE (sic) E COMO EMPREGADO. PERDA DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. § 7º DO ART. 29 DA LEI 8.212/91. DIREITO AO REENQUADRAMENTO. DESNECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO PRAZO DE SEIS MESES PREVISTO NA OS INSS/DSS Nº 578/97. EXERCÍCIO ILEGAL DO PODER REGULAMENTAR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1. A observância do duplo grau obrigatório de jurisdição, enquanto condição do trânsito em julgado da sentença contra o INSS (autarquia federal), foi incorporada ao art. 475 do CPC, após a Lei 9.469/97.

2. Se o Presidente da República, no exercício do poder regulamentar, não poderia restringir o direito a ser reenquadrado na escala do salário-base, nos termos em que definido pelo § 7º do art. 29 da Lei 8.212/91, não tendo esta Lei nada referido quanto ao prazo para a requerer a revisão do enquadramento na aludida escala, com muito mais força, isso é aplicável aos outros atos gerais emanados de autoridades situadas em patamar inferior ao do Chefe do Poder Executivo, como é o caso da OS INSS/DSS nº 578, emitida pelo Diretor do Seguro Social.

3. Portanto, é de considerar-se ilegal e deve ser declarada a nulidade da OS INSS/DSS nº 578, de 14 de agosto de 1997, na parte em que determinou no Vol I, Parte 1, Cap. III, item 2.3, alínea b, da Consolidação dos Atos Normativos, que o reenquadramento do segurado que contribuiu na escala do salário-base e como empregado, após a perda do vinculo empregatício, nos termos do § 7º do art. 29 da Lei 8.213/91, pode, tão-somente, ser requerido até 6 (seis) meses contados da ruptura do contrato de trabalho.

4. É de explicitar-se que, admitido o direito do segurado de ser reenquadrado e recolher as contribuições no nível 9 (nove) do salário-base, desde outubro de 1996, em lugar do nível 7 (sete), mesmo quando manifestou tal propósito após ultrapassado o prazo de seis meses do término do vínculo empregatício, impõe-se que o INSS revise a RMI da aposentadoria por tempo de serviço, com data de início em 17-6-1998, para que se considere os novos recolhimentos a ser efetuados na classe nove, nas competências de outubro de 1996 a maio de 1998, integrantes do período básico de cálculo - PBC.

5. Correto o novo enquadramento do segurado-autor na classe 9 (nove), em outubro de 1996, porquanto a média aritmética dos seus seis últimos salários-de-contribuição (de abril a setembro de 1996:da atividade de empregador e empregado, atualizados monetariamente pelo mesmo índice aplicável na época ao reajuste dos benefícios, ou seja, o IGP-DI, referente ao período decorrido a partir da competência de cada salário-de-contribuição até a de reenquadramento, perfaz R$ 894,24 (oitocentos e noventa e quatro reais e vinte e quatro centavos), valor que é o mais próximo da classe 9 (nove) da escala do saláriobase, consoante o estatuído no § 7º do art. 29 da Lei 8.212/91.

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Sobre o autor
Fábio Roberto Sefrin

Físico. Funcionário Público Municipal. Estudante de Direito na Universidade Estadual de Londrina - PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SEFRIN, Fábio Roberto. Abuso do poder regulamentar no Direito Previdenciário.: Doutrina e jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2743, 4 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18194. Acesso em: 4 mai. 2024.

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