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A tutela jurídica dos recursos genéticos no ordenamento jurídico brasileiro

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3. Conclusões

A expressiva riqueza em biodiversidade apresentada pelos países do Sul – megadiversos - tem feito com que os países do Norte, de forma contínua e crescente, desenvolvam atividades de bioprospecção naquelas nações, de forma, muitas vezes, predatória e revestida de flagrantes ilegalidades. E é exatamente contra tais práticas, denominadas biopirataria, que os povos subdesenvolvidos vêm buscando instrumentalizar e denunciar junto à comunidade internacional.

A discussão em torno da bioprospecção ilegal vem sendo travada, em certa medida, ao alvedrio da opinião pública internacional e nacional, acabando por mantê-la restrita e/ou hipodimensionada, contribuindo para a perpetuação da manutenção das relações no status quo atual.

A Biopirataria, ao contrário do que popularmente se imagina, não se limita apenas ao contrabando de formas de vida da flora e fauna, mas se configura como lesão à cultura e à vida das populações tradicionais – especialmente as comunidades locais de agricultores e comunidades indígenas (FONSECA, 1999, p. 01). Conforme fora exposto durante o trabalho, consiste na apropriação e monopolização indevida - direta e indiretamente - por parte de indivíduos ou por instituições, dos conhecimentos dessas populações com relação ao uso dos recursos genéticos.

Nesse aspecto, importante passo no que diz respeito ao seu combate foi dado com a ratificação da CDB, na medida em que foram estabelecidos princípios que disciplinam as formas de acesso e preservação da biodiversidade no âmbito internacional.

Destacaram-se, por entender essenciais à compreensão da temática, os princípios da soberania nacional de cada país sobre os recursos biológicos em seu território encontrados; o princípio do respeito e proteção do conhecimento tradicional e cultural das comunidades locais – notadamente as populações indígenas; e o princípio da imposição da necessidade de celebração de contratos de acesso à biodiversidade em consonância com os padrões mínimos constantes na convenção (BASTOS JÚNIOR, 2001, p. 227).

Contudo, o que se pode perceber é que os princípios insculpidos no texto convencional têm-se afigurados como mera carta de intenções aos países signatários (soft law), na medida em que as garantias previstas aos países de origem – na sua quase totalidade, subdesenvolvidos, endividados e atrasados tecnologicamente – se revestem de uma vagueza e imprecisão por si só desvantajosas.

Somado a esse fato está o de que não há maior regulamentação acerca do assunto por parte de organismos internacionais, em que inexistem mecanismos de pressão ou sanção internacional decorrentes da inobservância dos seus princípios, a exemplo do que ocorre com as regras estabelecidas pela OMC.

Como a CDB admite - e até, de certa maneira, incentiva – os contratos bilaterais ou entre partes específicas, o poder de barganha e negociação conferido aos países economicamente desfavorecidos fica substancialmente reduzido, muitas vezes eliminado, impondo a aceitação de condições flagrantemente desvantajosas. O que se verifica, portanto, ao lado de práticas totalmente desprovidas de qualquer condão de legalidade, é a existência de contratos ou acordos, inclusive com entidades nacionais, em que há, ao menos, uma violação tácita aos princípios constantes da CDB.

Considerando a condição nitidamente desleal em que estão posicionados os diferentes países, econômica e politicamente situados, há que se falar em necessário desequilíbrio destes advindos; ou ainda, em face do caráter transfronteiriço dos recursos biológicos e da disseminação do conhecimento tradicional dentre vários agrupamentos tradicionais, vem estimulando uma possível competição entre os diferentes países, aceitando e submetendo-se a condições que não representam nada ou quase nada.

Para tentar solucionar o problema, atualmente, vem sendo sugerido e estimulado através de encontros internacionais que haja efetivo movimento no sentido de que seja implementada uma legislação internacional (multilateral Sul-Sul) em que os países de origem dos recursos biológicos implementariam uma política unificada ou conjunta de combate aos biosprospectores (BASTOS JÚNIOR, 2001, p. 225).

Paralelamente à discussão sobre a legitimidade das formas de acesso à biodiversidade, subexiste ainda a polêmica em torno das garantias e proteção ao conhecimento das comunidades locais que concorram para maior eficácia e celeridade na produção do resultado alcançado pelas pesquisas científicas.

Ao mesmo tempo em que a biotecnologia inovou, ou ao menos introduziu novos horizontes às ciências naturais correlatas, o seu desenvolvimento impõe que haja similar progresso no âmbito jurídico, sob pena de total anacronismo e condenação dos interessados na prestação jurisdicional ao total abandono.

Nesse sentido, na seara do direito industrial, faz-se necessário o desenvolvimento de institutos sui generis de proteção e tutela dos direitos de propriedade industrial que atendam não só às especificidades do objeto de estudo – a vida – como se compatibilizem com a natureza dos direitos coletivos e transgeracionais das comunidades locais ao conhecimento ancestralmente adquirido e por todos partilhado.

Na esfera do direito interno, muito se fala que, no Brasil, a impunidade com relação às práticas de bioprospecção ilegal decorre do fato de o País não possuir uma lei específica que tipifique o crime de biopirataria; tampouco o enquadramento da biopirataria na lei que disciplina o tráfico de animais (Lei 9.605/98) seria considerado suficiente para manter o acusado na cadeia.

Contudo, parte significativa da doutrina entende que, enquanto não houver a edição da lei específica, sempre que possível, cabe às autoridades aplicar as sanções administrativas do Decreto nº. 98.830/90, da Medida Provisória nº. 2.186-16/2001, da Lei Federal nº. 11.105/2005, além da Lei Estadual nº. 1.235/97, do Acre, e da Lei Estadual nº. 388/97, do Amapá, pois estes são os aparatos legais responsáveis pelo disciplinamento do acesso a componente do patrimônio genético nacional, quer para fins de pesquisa, quer visando ao desenvolvimento tecnológico, ou ainda para a realização da bioprospecção.

De fato, é de se reconhecer que o Brasil, se comparado a outros países, está bastante atrasado no estabelecimento de preceitos legais e normativos capazes de assegurar a proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais. A nossa legislação é, ainda, frágil e pouco clara, tanto para o provedor de acesso aos conhecimentos tradicionais associados à diversidade biológica, bem como para aqueles que buscam, através do acesso, desenvolver novos produtos. O Projeto de Lei nº. 306/95, conforme demonstrado, traria avanços significativos nesse sentido, todavia, encontra-se preso à burocracia legislativa e à falta de interesse dos nossos representantes legitimados, responsáveis por sua possível aprovação.

Sendo assim, configura-se uma necessidade urgente de que se definam mais precisamente os mecanismos legais a serem adotados no Brasil, os quais se eliminem os conflitos entre as normas federais e as estaduais e que, principalmente, crie-se um ambiente de confiança e estabilidade para os contratos de acesso, pois, do contrário, o Brasil não terá capacidade de exercer o papel que por direito lhe pertence.


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Sobre o autor
André Augusto Duarte Monção

Mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa - UAL. Especialista em Gestão do Esporte e Direito Desportivo pelo Centro Universitário Católica de Santa Catarina - Católica SC e pela Faculdade Brasileira de Tributação - FBT/INEJE. MBA em Compliance e Gestão de Riscos (com ênfase em Governança e Inovação) pela Faculdade Pólis Civitas. Especialista em Arbitragem, Conciliação e Mediação pela Faculdade de Minas - FACUMINAS. Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade Legale - FALEG. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Maurício de Nassau - UNINASSAU. Graduado pela Faculdade de Direito do Recife - FDR da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Auditor do Tribunal Pleno do STJD de Skateboarding. Auditor da Comissão Disciplinar do STJD da CBVD. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo - IBDD. Membro do Grupo de Estudos em Direito Desportivo da UFMG (GEDD UFMG). Autor do livro "Mediação e Arbitragem aplicadas ao desporto e o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS/CAS), publicado pela Editora Dialética no ano de 2022.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONÇÃO, André Augusto Duarte. A tutela jurídica dos recursos genéticos no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2745, 6 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18211. Acesso em: 25 nov. 2024.

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