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A fixação do valor mínimo da reparação de danos na sentença penal condenatória.

Sucinta análise sobre a validade da norma

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Resumo:


  • O Código de Processo Penal passou por uma importante reforma em 2008, introduzindo o inciso IV ao artigo 387, que determina que o juiz fixe o valor mínimo indenizatório para reparar os danos causados pela infração penal na sentença condenatória.

  • Essa mudança visa valorizar a vítima no processo penal e agilizar a prestação jurisdicional, mas tem sido alvo de críticas por supostamente ferir princípios constitucionais como a ampla defesa, o contraditório e a inércia, além de questionarem a legitimidade do Ministério Público para promover a reparação patrimonial da vítima.

  • No entanto, a fixação do valor mínimo indenizatório na sentença penal não requer um pedido específico na denúncia, pois é efeito automático da condenação, sendo legítima a atuação do Ministério Público nesse sentido, desde que respeitados os princípios constitucionais e os direitos da defesa.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Tal dispositivo inaugura, como regra geral, o reconhecimento do prestígio da vítima, relegada por tantos anos pelo poder estatal punitivo, ao mesmo tempo em que traz celeridade à prestação jurisdicional.

"Então, um magistrado disse: ‘E que dizes a respeito de nossas Leis, mestre?’

E ele respondeu:

Vós apreciais estabelecer leis,

Contudo, vos deliciais ao violá-las.

Qual crianças que brincam na praia construindo castelos de areia para logo destruí-los em meio a risos.

Mas enquanto construí vossos castelos, o mar traz mais areia até a praia,

E quando os destruís, ele sorri convosco.

Na verdade, o mar sempre ri com os inocentes".

Kahlil Gibran.O Profeta.

RESUMO:

A Lei n. 11.719, de 20 de junho de 2008, promoveu importante reforma no Código de Processo Penal. Dentre as mudanças impostas pelo novel diploma legislativo, verifica-se a introdução do inciso IV ao artigo 387, que impõe o dever, ao magistrado, de, na sentença condenatória, fixar o quantum mínimo indenizatório para reparar os danos causados pela prática da infração penal. Tal dispositivo inaugura, como regra geral, na legislação processual penal, o reconhecimento do prestígio da vítima, relegada por tantos anos pelo poder estatal punitivo, ao mesmo tempo em que traz celeridade à prestação jurisdicional. Parte da doutrina vem entendendo, entretanto, que a aplicação do aludido dispositivo de lei fere os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e da inércia, além de contestarem a legitimidade ativa do Ministério Público para promover atos que visem à recomposição patrimonial da vítima na própria ação penal pública. Todavia, conclui-se nesse breve arrazoado que não há necessidade de se contemplar rito especial, nem de pedido específico para a fixação do valor mínimo indenizatório. Isto, porque não se trata de duas ações (cível e penal) em trâmite: a obrigação de reparar o dano é efeito da condenação, previsto no art. 91, I, do Código Penal. Desta maneira, cabe ao Ministério Público promover, no curso da ação penal pública, a demonstração do prejuízo causado, através da produção de provas e de contraditório diferido, possibilitando, ao magistrado, a fixação do valor mínimo indenizatório. Reveste-se, portanto, a norma em comento, de plena validade, eis que está em perfeita consonância com os dispositivos consignados nos arts. 91, inciso I, do Código Penal, 5º, incisos LV e LXXVIII, e 129, da Constituição Federal.

Palavras-chave: fixação de valor mínimo - sentença penal condenatória - reparação do dano - efeito da condenação - validade da norma

ABSTRACT:

TheLaw n. 11 719 of 20 June 2008, promoted major reform in the Code of Criminal Procedure. Among the changes imposed by the novel piece of legislation, there is the introduction of item IV of the article 387, which imposes a duty, to the magistrate, on conviction, to fix the indemnity quantum minimum to repair the damage caused by the practice of criminal offense . This device opens, as a general rule in criminal procedure law, the recognition of the prestige of the victim, relegated for many years by state power of punishment, while bringing swift adjudication. Part of the doctrine understands, however, that the application of the aforementioned device law violates the constitutional principles of legal defense, the adversarial and inertia, in addition to questioning the legitimacy of the prosecutor to actively promote actions aimed at rebuilding the assets of the victim own public criminal action. However, it is concluded that there is no need to contemplate the particular rite, or any specific request for the establishment of the minimum severance. This is because these are not two actions (civil and criminal) in progress: the obligation to repair the damage is the effect of the condemnation, provided for in the article 91, I, of the Criminal Code. Thus, it is up to prosecutors to promote, in the course of prosecuting public, a demonstration of the damage caused by the production of evidence and contradictory deferred, enabling a magistrate, fixing the minimum severance. It is coated, therefore, the standard comment in full force, here it is in perfect conformity with the provisions contained in articles 91, item I, of the Criminal Code, 5, sections, and LV and LXXVIII, 129 of the Federal Constitution.

Keywords: setting minimum - criminal sentence - repair the damage - effect of sentencing - validity of the standard

SUMÁRIO: Introdução – 1. A ação civil ex delicto – 2. A pretensa violação ao princípio da inércia – 3. A inexistência de ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa – 4. A legitimidade do Ministério Público para promover a reparação patrimonial da vítima – 5. Conclusão


INTRODUÇÃO

A prática de uma infração penal pode trazer reflexos na esfera civil, provocando danos de ordem material ou moral, passíveis, portanto, de reparação.

Nesse passo, o ordenamento jurídico brasileiro prevê, ao lado da ação penal, outra de caráter civil, que tem por escopo a reparação dos danos eventualmente sofridos pelo ofendido. Trata-se da "ação civil ex delicto", que é proposta contra o agente causador do dano ou contra quem a lei civil apontar como responsável pela indenização.

O Código de Processo Penal trata da ação civil ex delicto, em seus artigos 63 a 68. Para tanto, estabelece as regras quanto à sua propositura, legitimidade ativa e passiva e competência, do que se infere a independência entre os juízos civil e criminal.

Todavia, a Lei n. 11.719, de 20 de junho de 2008, quando introduziu o inciso IV ao art. 387 do Código de Processo Penal, impôs ao magistrado o dever de fixar o valor mínimo da reparação dos danos causados pela infração penal na sentença condenatória, inaugurando, como regra geral, sistemática prevista de forma semelhante no art. 297, da Lei n. 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e art. 20, da Lei n. 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais).

Desta maneira, com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o ofendido ou, na sua impossibilidade, os demais legitimados disporão de um título líquido a ser executado, o qual, certamente, facilitar-lhe-á o ressarcimento do dano, caso se satisfaça com o valor mínimo fixado. Isto sem prejuízo da liquidação para a apuração do prejuízo efetivamente sofrido.

O dispositivo em comento se originou, assim, de uma nova visão da Justiça, que possui o mérito de valorizar a vítima no processo penal e acelerar a prestação jurisdicional. Entretanto, enseja discussões relevantes no âmbito da exigência constitucional do contraditório, da ampla defesa e do principio da inércia, eis que o Código de Processo Penal não estabeleceu um rito específico para oportunizar a instrução do quantum debeatur.

A legitimidade do Ministério Público para perquirir o ressarcimento de danos da vítima também vem sendo questionada pelos doutrinadores, já que a indenização constitui direito patrimonial disponível e, no caso dos hipossuficientes, cabe à Defensoria Pública, conforme disposição constitucional, o ingresso da ação civil reparatória.

Assim, visa o presente estudo analisar a possibilidade jurídica de fixação da indenização ex officio pelo juiz criminal, que só pode ser admitida, em nosso ordenamento jurídico, se estiver em perfeita consonância com os princípios garantísticos apostos na Carta Magna.


1. A AÇÃO CIVIL EX DELICTO

Uma conduta, quando tipificada penalmente, também pode constituir um ilícito cível, trazendo para o ofendido ou demais legitimados pretensões de cunho indenizatório.

A lesão causada pelo crime pode atingir a coletividade, sem a específica particularização ou personificação da vítima, como por exemplo, no tráfico de drogas, ou também pode afetar diretamente o patrimônio de uma pessoa, seja este patrimônio moral ou econômico.

Na segunda hipótese, esse ilícito criminal dará ensejo a intervenções judiciais distintas da resposta penal, em vista da diversidade e pluralidade de graus de ilicitude que as acompanham. Em situações tais, ou seja, nos casos em que a "repercussão da infração houver de atingir também o campo da responsabilidade civil, terá lugar a chamada ação civil ex delicto, que outra coisa não é senão o procedimento judicial voltado à recomposição do dano civil causado pelo crime". [01]

É importante registrar, ab initio, que a doutrina aponta vários sistemas jurídicos, os quais tratam da relação entre o direito penal e o civil. Os mais conhecidos são os sistemas da confusão, da solidariedade, da livre escolha e o da separação.

Quando as pretensões civil e penal são deduzidas em um mesmo pedido, em ação única no juízo criminal, estar-se-á diante do sistema da confusão. Cabe ao Juiz, caso decida pela condenação, proceder à dosimetria da pena e à quantificação da reparação civil.

No sistema da solidariedade ou da união, existem duas ações, civil e penal, embora as pretensões sejam deduzidas num mesmo processo e resolvidas de forma simultânea. As ações podem ser movidas por diferentes pessoas em desfavor de responsáveis diversos.

Já no sistema da livre escolha ou da interdependência, faculta-se à parte ingressar com uma ação reparatória na esfera civil ou penal. Assim, as ações podem tramitar em conjunto na Justiça criminal, ou em separado, a depender da discricionariedade do demandante.

No sistema da separação ou da independência existe uma completa separação das ações: a penal, que visa à condenação do réu pela prática do crime, e a civil, que pleiteia a reparação de danos. Nesse caso, reside a possibilidade de ocorrência de decisões judiciais diversas sobre o mesmo fato.

O Direito brasileiro adotou o sistema da independência relativa ou mitigada, em razão de uma subordinação temática de uma instância a outra, que possui como escopo evitar decisões contraditórias. Nesse diapasão, está disposto no art. 935 do Código Civil que a responsabilidade civil é independente da criminal, vedando-se, no entanto, a discussão, no âmbito civil, da existência do fato ou de sua autoria quando essas questões se acharem decididas no juízo criminal. [02]

A Lei n. 11.719/08, que alterou o quanto disposto no art. 387, do Código de Processo Penal, ao inserir-lhe o inciso IV, veio mitigar ainda mais o sistema da independência entre as esferas civil e penal, pois determinou que o magistrado, na sentença condenatória, fixe "o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido". [03]

Com tal disposição, a vítima ou os legitimados enumerados no caput do art. 63 do mesmo Estatuto de Lei poderão executar, de imediato, no juízo cível, a parcela mínima reparatória, sem prejuízo de prosseguir na apuração do montante efetivamente devido.

Assim, no dizer de Eugênio Pacelli de Oliveira [04]:

a via judicial escolhida poderá ser a executória, no caso da execução da sentença penal condenatória, consoante o disposto no art. 584,II, do CPC (título executivo judicial, cuja certeza deriva do disposto no art. 91, I, CP), e, agora, no parágrafo único do art. 63, CPP, relativamente à parcela mínima para reparação dos danos sofridos pela vítima, ou por meio de processo de conhecimento, devendo ser encaminhados ambos os pedidos (de execução ou de condenação civil), ao juízo cível, conforme previsto no art. 63 do CPP.

Arremata afirmando que, "nas duas situações, estar-se-á diante da ação civil fundada no delito (ex delicto)", que é submetida, em ambos os casos, às regras de subordinação temática, previstas na legislação processual e civil, as quais dão plena eficácia às decisões do juízo criminal.

Portanto, a execução da parcela mínima estabelecida no art. 387, inciso VI, nada mais é do que uma das modalidades de ação civil ex delicto, e encontra-se devidamente regulada no parágrafo único do art. 63, do Código de Processo Penal. Deriva do art. 91, inciso I, do Código Penal, que se subsume aos efeitos da condenação.

Saliente-se que antes da reforma do Código de Processo Penal, a vítima ou legitimados já podiam, em face do disposto no art. 63, transitada em julgado a sentença condenatória, promover a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, entretanto a quantia devida deveria ser sempre liquidada no processo de execução.

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Em face da novel disposição, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado na sentença penal condenatória e, se a vítima entender que o quantum estabelecido foi inferior ao prejuízo sofrido, poderá ainda promover a liquidação para apurar o valor do dano efetivamente sofrido.

Entretanto, parte da doutrina vem levantando questionamentos importantes no que tange à validade [05] da aludida norma inserta no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal. Sustentam que a fixação do quantum indenizatório, na sentença, ofende os princípios da inércia, do contraditório e da ampla defesa, além de aduzirem que o Ministério Público não possui legitimidade para promover, no feito criminal, a fixação do quantum mínimo, nem de ajuizar a ação executiva no caso de vítimas pobres.


2. A PRETENSA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INÉRCIA

Aduzem alguns doutrinadores ser necessário haver pedido expresso na denúncia ou queixa para que o magistrado possa fixar o valor indenizatório mínimo, sob pena de violação ao princípio da inércia ou da correlação [06] entre a exordial acusatória e a sentença. Nesse sentido, sustentam Nestor Távora e Rosmar Alencar, ao afirmar que o magistrado não pode julgar extra petita. [07] Guilherme Nucci também trilha esse caminho, asseverando que a parte deve proceder ao "formal pedido" do numerário indenizatório mínimo. [08]

Ousa-se aqui discordar desse entendimento. É consabido que a obrigação de reparar o dano decorrente do delito constitui um dos efeitos automáticos da sentença penal condenatória, secundário da sentença penal, nos termos em que se encontra disposto no art. 91, inciso I, do Código Penal, quando reconhece a certeza e a obrigação de indenização do dano causado pelo crime.

Eugênio Pacceli afirma de forma peremptória: "ainda que sem pedido ou participação da vítima no processo, o citado dispositivo legal sempre autorizou a formação de título executivo no juízo cível". Isto quando já fora afirmada a obrigação de indenização do dano pela prolação da sentença penal condenatória. [09]

Rômulo de Andrade Moreira [10] também assim se posiciona:

Trata-se de um julgamento extra petita autorizado (e mesmo imposto) pela lei, pois a decisão refere-se a algo que não foi pedido pelo autor na peça vestibular. Não cremos ser necessário ao acusador requerer nada neste sentido ao Juiz (ele o fará de ofício). Os elementos da peça acusatória continuam a ser aqueles do art. 41 do Código de Processo Penal.

A respeito do tema versado, Andrey Borges de Mendonça [11] se manifesta de forma irretocável:

É relevante notar que a possibilidade de o magistrado criminal fixar o valor mínimo na sentença independe de pedido explícito. E não há violação ao princípio da inércia, segundo pensamos. Isto porque é efeito automático de toda e qualquer sentença penal condenatória transitada em julgado impor ao réu o dever de indenizar o dano causado. Não é necessário que conste na denúncia ou na queixa tal pedido, pois decorre da própria disposição legal o mencionado efeito. É automático, já dissemos. Ou seja, independentemente de qualquer pedido, no âmbito penal, a sentença penal condenatória será considerada título executivo. O mesmo se aplica em relação ao valor mínimo da indenização: decorre da lei, é automático, sem que haja necessário pedido expresso de quem quer seja.

Esclarece o mencionado autor, com sabedoria, que a única modificação que a reforma introduziu foi a de transmudar o título executivo que antes era "ilíquido", passando a ser, agora, "líquido".

Na mesma linha de intelecção, sustenta João Paulo Bernstein [12]:

Cuida-se, na verdade, de um dos efeitos da própria coisa julgada da sentença penal condenatória, que torna certa essa obrigação, pois aquele que tem reconhecido contra si a prática de um ilícito penal com maior razão já estará também responsabilizado pelo ilícito civil, que é um minus em relação àquele.

Portanto, nesse diapasão, há de se concluir que não ocorreu, no ordenamento jurídico pátrio, qualquer mudança quanto ao sistema de coordenação entre a ação civil e a ação penal, que continua sendo o da separação parcial das instâncias. Com isso, não se pode falar que a atual sistemática tenha tentado introduzir um sistema de "confusão", como sugerido por Nestor Távora e Rosmar Alencar [13], pois não há propriamente uma ação civil cumulada com uma ação penal no juízo criminal.

Trata-se apenas de um efeito genérico da sentença penal condenatória, que já havia na sistemática anterior, mas que foi apenas aprimorado, com o fiel escopo de prestigiar a vítima e tratar de cumprir o dispositivo constitucional inserto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, consubstanciado na agilidade da prestação jurisdicional. Por isso, desnecessária se faz a formulação de pedido expresso na denúncia ou queixa do quantum mínimo indenizatório devido ao ofendido.


3. A INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

Apregoa-se que a fixação do valor mínimo de indenização na sentença penal fere os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, por não estabelecer, o Código de Processo Penal, um rito adequado que proporcione ao réu a possibilidade de se defender e produzir contraprova no sentido de apontar que inexistiu prejuízo material ou moral a ser reparado ou o respectivo valor do possível dano.

Em pólo diverso, há de se sustentar que a própria matéria atinente à demonstração do prejuízo pode e deve ser discutida durante a instrução do processo penal e, evidentemente, submetida ao contraditório.

O Ministério Público, o querelante e o assistente de acusação têm o ônus de produzir prova nesse sentido, promovendo a discussão de laudos que já se encontram no inquérito policial ou perseguindo a produção de outras provas importantes, através da própria processualística atinente ao feito criminal, a qual deverá ser oportunizada, pelo magistrado, com paridade de armas, através de um contraditório diferido e posterior. Ademais, é importante deixar bem claro que a indenização a ser fixada pelo juiz, via de regra, "será parcial e nunca superior ao valor do prejuízo demonstrado no processo, devendo o restante ser objeto de execução (ou de ação, se for o caso) cível". [14]

Nesse desiderato, o valor indenizatório que se faz possível à sua determinação, na sentença penal condenatória, será, no dizer de Eugênio Pacelli, "aquele que tiver sido objeto de discussão ao longo do processo, prescindindo, porém, de pedido expresso na inicial", e também "aquele relativo aos prejuízos materiais efetivamente comprovados, ou seja, em que haja certeza e liquidez quanto à sua natureza". [15]

Não há necessidade de rito especial para a mencionada fixação do valor mínimo, e nem se deve alargar a apuração acerca dos possíveis desdobramentos que ensejem a verificação da efetiva responsabilidade civil do réu, afirma o aludido jurista, com propriedade. [16]

Tome-se o exemplo de um crime de furto. A própria instrução processual já possibilitaria a mais ampla defesa sobre o valor da coisa subtraída, sobretudo quando existente, nos autos, o laudo de avaliação. Nesse caso não se pode conceber a alegação de violação ao contraditório ou à ampla defesa quanto à fixação judicial do valor mínimo, pois o réu, através de seu defensor está ciente do conteúdo das peças colacionadas aos autos, podendo ainda apresentar e impugnar quaisquer documentos.

Todavia, é preciso ficar assente que o quantum do valor mínimo da indenização não pode ser o resultado de um juízo subjetivo e desfundamentado do magistrado, mas sim, de uma séria análise da prova do prejuízo colacionada ao feito, devendo se socorrer de preceitos legais para a aferição do dano.

Registre-se que o Código Civil fornece os parâmetros da quantificação do valor indenizatório, em vários crimes, através das disposições do art. 948 (homicídio), 949 e 950 (lesão corporal), 952, parágrafo único (crimes contra o patrimônio), 953 (crimes contra a honra) e 954 (cárcere privado), e deve, com certeza, servir de referência ao juiz criminal na fixação do valor mínimo.

Não havendo, pois, condições de verificar, em face da prova produzida nos autos, o quantum mínimo devido, o juiz deverá abster-se de fixá-lo, fundamentando evidentemente a omissão.

Conforme Pacelli e Polastri, também as discussões que pretendam averiguar o dever de reparação do dano moral ou mesmo dos danos emergentes não devem ser admitidas, pois não se trata de cumulação de instâncias (cível e penal), mas simplesmente da especificação do valor mínimo, que deve emergir da própria imputação. [17]

Como textualizam Nestor Távora e Rosmar Alencar [18]:

deve-se interpretar o dispositivo de sorte a que este se compatibilize com a nova rotina dos procedimentos, que passaram a ser mais escorreitos e concentrados, em busca de uma pretensa celeridade e também com a própria Constituição Federal, que assegura a razoável duração do processo (art. 5º, inc. LXXVIII). Se a questão cível for tão ou mais complexa que a criminal, de sorte a tumultuar a evolução do procedimento, deve o magistrado criminal remeter as partes à esfera cível, para que lá, em condições propícias, possam debater de forma exauriente a questão indenizatória.

Mas é preciso certificar que, embora não seja recomendado que o juízo criminal esgote a matéria sobre o valor indenizatório devido, cabendo ao juízo civil a elucubração da matéria, o art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, não se restringe aos danos de natureza material. Havendo condições de instrução, no feito, em face do dano moral, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa, não há por que ser vedada a fixação de um numerário mínimo pelo magistrado. No mesmo sentido, é o magistério de Daniel Hertel [19]:

Não vejo qualquer óbice na possibilidade de o juiz criminal fixar o valor mínimo tanto para a indenização pelos danos materiais como para a indenização pelos danos morais. De fato, o art. 387, inc. IV do CPP não estabelece qualquer restrição. Ao revés, o preceptivo mencionado determina que o juiz fixará o "valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido".

Note-se que o dispositivo faz referência a valor mínimo "para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos". É consabido que uma infração penal pode redundar em dano material e/ou dano moral. Nesse particular, não se pode vislumbrar qualquer impossibilidade de o juiz criminal fixar indenização tanto pelo dano material como pelo dano moral sofrido pelo sujeito passivo.

Sabe-se que o dano material diz respeito às perdas e danos, ou melhor, ao somatório dos lucros cessantes e do dano emergente, na forma do art. 406 do Código Civil. O dano moral, por sua vez, consiste em "um valor capaz de indenizar o abalo psíquico, a angústia, o sofrimento da vítima. Por outras palavras: trata-se de uma forma de compensação dos prejuízos causado à ‘alma’ da vítima". [20]

A existência de um dano moral é, muitas vezes, por demais evidente, em face da própria comprovação da autoria e da materialidade do delito, no curso de uma ação penal. E o quantum mínimo a ser estabelecido pode ser aferido conforme os critérios de "compensação e punição", como bem equaciona Daniel Hertel. Trata-se da fixação de um valor que compense a dor sofrida e que também se preste a punir o autor do delito, com o objetivo de evitar a reiteração da conduta delitiva. [21]

Tourinho Filho já defendia, ainda antes da edição da lei em comento, na ação civil ex delicto, a definição de um critério de fixação do dano moral, por analogia, relacionado com a aplicação da própria pena, levando em consideração, para a escolha do valor, a posição econômica do réu, a gravidade da ofensa, e o comportamento do ofendido, dentre outras circunstâncias. [22]

Portanto, nada impede que o juiz criminal, em face da nova disposição do Código de Processo Penal, estabeleça um numerário mínimo na sentença condenatória a título indenizatório pelo dano moral, fundamentando-se evidentemente em critérios razoáveis e proporcionais.

É importante perceber ainda que a norma aludida encontra similar previsão em outros Diplomas Legais, como na Lei n. 9.605/08 (Lei dos Crimes Ambientais) em seu art. 20, caput, e no Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97), art. 297, demonstrando que o ordenamento jurídico vem tentando diminuir os sofrimentos e percalços por que passam as vítimas e seus sucessores para obter a reparação do dano causado pelo ilícito criminal.

Outro exemplo de que a legislação vem gradativamente valorizando a vítima, no Direito brasileiro, é o instituto da suspensão condicional do processo, o qual exige, para a declaração da extinção da punibilidade, nos devidos termos do art. 89, parágrafo 1º, inciso I, e parágrafo 3º, da Lei 9099/95, a "reparação do dano".

Dessa reflexão se colhe que o dispositivo em questão está na linha evolutiva do Direito contemporâneo, que prima pela aproximação entre a resposta estatal penal e a reparatória, atendendo a uma política criminal preocupada com a vítima que até pouco tempo atrás não merecia a devida atenção do legislador. [23]

Sobre essa preocupação crescente do organismo estatal com a vítima, explana Scarance Fernandes [24], com acerto:

Com todo movimento tendente a valorizar o papel da vítima no processo penal, cada vez mais vai se acentuando o entendimento de que a reparação do dano não deve ser vista como preocupação só da pessoa lesada, mas de todo o meio social, principalmente em relação a determinadas vítimas ou a certos delitos. Por isso, além de todos os aspectos já salientados, vão surgindo e se fixando novos mecanismos tendentes a estimular a reparação do dano no processo criminal: a possibilidade de acordos civis que favoreçam o réu com penas mais leves ou reduzidas, com a não instauração ou o não prosseguimento do processo; a previsão da reparação como pena, única ou cumulativa, ou como sanção substitutiva; o condicionamento da suspensão da pena privativa ou do livramento condicional à reparação; o condicionamento da graça ou do indulto à reparação do dano; a destinação de parte do trabalho do preso para a reparação dos danos; a preferência do pagamento do valor da reparação ao da multa estipulada; possibilidade de que o infrator trabalhe para a vítima ou para a comunidade como forma de pagar o valor da reparação.

Assim, verifica-se que além do dispositivo ser perfeitamente legítimo, pois respaldado no movimento contemporâneo engajado na valorização da vítima no processo penal, também não há de ser questionada a sua validade, já que está em perfeita consonância com o ordenamento jurídico vigente, tais como os dispositivos consignados no arts. 91, inciso I, do Código Penal, 5º, incisos LV e LXXVIII, e 129, da Constituição Federal.

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Sobre a autora
Sheilla Maria da Graça Coitinho das Neves

Procuradora de Justiça do Ministério Público da Bahia. Mestra em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Processo Civil e Penal pela Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Professora convidada do Curso de Especialização em Ciências Criminais da Universidade Federal da Bahia e do Programa de Capacitação e Educação em Direitos Humanos da Fundação Escola Superior do Ministério Público da Bahia. Ex-Professora de Direito Penal da Faculdade 2 de Julho. Membro da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais. Autora do livro "Penas Restritivas de Direitos: alternativa de punição justa", editora Juruá, 2008, e de artigos publicados na Revista de Ciências Penales Iter Criminis (Instituto Nacional de Ciências Penales), México, na Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais (abpcp), editora Revista dos Tribunais, além de sites como o do IBCCRIM e Âmbito Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Sheilla Maria Graça Coitinho. A fixação do valor mínimo da reparação de danos na sentença penal condenatória.: Sucinta análise sobre a validade da norma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2771, 1 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18392. Acesso em: 22 dez. 2024.

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