5. O ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E AS TUTELAS DE URGÊNCIA
Assim como o Código de Processo Civil vigente, o anteprojeto instituído pelo Ato do Presidente do Senado Federal n° 379 de 2009 também traz a previsão de 5 (cinco) Livros para ordenar as disposições processuais.
Atribui-se aos potenciais Livros os seguintes títulos: Livro I - Parte Geral; Livro II – Do Processo de Conhecimento; Livro III – Do Processo de Execução – Livro IV – Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais; por fim, Livro V - Das Disposições Finais e Transitórias.
Vislumbra-se que mesmo mantendo-se a quantidade de Livros do vigente Código, sua estrutura tornou-se consideravelmente diversa.
Pontuando e adequando ao que condiz a este estudo, observa-se não mais haver a previsão no Anteprojeto de um Livro como o atual Livro III – Do Processo Cautelar. O que se denota é a inserção das tutelas de urgência na Parte Geral, não havendo, portanto, mais a previsão da tutela antecipada dentro do Livro I referente ao Processo de Conhecimento, como também não mais existindo um Livro próprio para tratar do Processo Cautelar.
Ao que parece, o provável novo Código de Processo Civil trará grande mudança no tocante as tutelas de urgência, vez que há a indicação de ter adotado a já abordada teoria unitária.
Ora, no Código de 1973 está em evidência a separação das tutelas que antecipam, das tutelas que acautelam, tanto que apresentadas em livros diversos. Todavia, outras vicissitudes estão prestes a serem introduzidas, umas mais inovadoras, outras, nem tanto.
Quanto ao momento do requerimento das tutelas de urgência, enxergam-se semelhanças ao atual regimento, pois, preconiza o artigo 277 do Anteprojeto o pleito de concessão anterior ou no curso do procedimento, fazendo, então, uma espécie de alusão às cautelares preparatórias e às cautelares incidentais.
Também se assemelha ao momento do pedido de concessão da antecipação de tutela, já que esta pode ser requerida liminarmente na petição inicial – ou seja, antes de um efetivo "start" procedimental -, como no decorrer do feito, caso um fundado receio de dano irreparável venha a despontar; ou até mesmo, a evidência do abuso de direito de defesa ou um atuar protelatório passe a ser característico ao comportamento do réu.
Outro ponto é o acréscimo que se encontra no artigo 278 do Anteprojeto, dispondo que: "O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação".
Tem-se, especialmente a partir de 1994, que ao julgador é dado tornar-se uma espécie de garantidor do direito da parte. Tais concepções tornam-se manifestas por meio da leitura, por exemplo, do vigente artigo 461 do CPC.
Com a eventual aprovação e inserção da redação do artigo 278, estar-se-á coadunando-se com uma maior relevância às tutelas preventivas.
Sem o intuito de tratar da distinção entre ilícito e dano, a tutela preventiva tem como finalidade obstar que se concretize um ato contrário ao direito de alguém. Sendo assim, perfeitamente possível falar-se em prevenção em sede de tutelas de urgência, pois se a estas é intrínseca a idéia de imediatismo, nada mais plausível que admitir ao condutor da lide meios suficientes para evitar possíveis lesões a uma das partes.
Caso o Anteprojeto assim seja aprovado, possível será ainda analisar a idoneidade da medida de urgência. Explica-se. MARINONI e MITIDIEIRO (2008. p. 755) ao comentarem o que expõe o vigente artigo 805 do CPC elucidam:
"O art. 805, CPC, funda-se nas regras do meio idôneo e da menor restrição possível. A providência cautelar somente pode ser substituída quando existir outra igualmente idônea, porém menos gravosa. A regra da menor restrição incide, no raciocínio judicial, apenas depois de adotada a regra do meio idôneo. (...)".
Informa-se que o vigente artigo 805 do CPC irá manter sua redação, com a ressalva feita ao sujeito do artigo, que atualmente é "A medida cautelar" e passará a ser "A medida de urgência".
Desta maneira, continuará sendo permitida a substituição da medida, de ofício ou a requerimento, quando outro meio menos gravoso for apto a evitar a lesão ou repará-la na sua integralidade, desde que, prestada caução ou outra garantia menos gravosa para o requerido.
O Anteprojeto do CPC traz como requisitos autorizadores para concessão da tutela de urgência a plausibilidade do direito invocado, bem como a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Esses requisitos condizem com os necessários para a concessão da tutela cautelar do atual CPC.
Sendo assim, o novo CPC, se aprovado como consta no Anteprojeto, facilitará a concessão das medidas de urgência de caráter satisfativo. Isso porque ao contrário do atual diploma processual, a mera existência do fumus boni iuris e do periculum in mora autorizará o juiz a deferir essas medidas que hoje necessitam de requisitos mais densos como a verossimilhança, a prova inequívoca e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação.
O Anteprojeto inova ao trazer a previsão da tutela da evidência, que dispensará a parte de comprovar o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, caso se esteja diante de uma das situações previstas no artigo 285 do Anteprojeto. São elas: I - ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido; II - um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva; III - a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; ou IV - a matéria for unicamente de direito e houver jurisprudência firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante, também será dispensável a prova do risco de dano irreparável ou de difícil reparação, quando a demanda versar sobre entrega do objeto custodiado, e a requerente fundar seu pedido reipersecutório em prova documental adequada do depósito legal ou convencional.
Resta manifesto aoanalisar os preceitos do artigo 285 do Anteprojeto, que para a concessão do pedido da tutela da evidência o direito invocado deve ser perceptível com facilidade pelo magistrado.
Neste sentido, DIDIER JR. (2010, p. 408) distingue tutela de urgência da tutela da evidência, informando que:
"A evidência é uma situação processual em que determinados direitos se apresentam em juízo com mais facilidade do que outros. Há direitos que têm um substrato fático cuja prova pode ser feita facilmente. Esses direitos, cuja prova é mais fácil, são chamados de direitos evidentes, e por serem evidentes merecem tratamento diferenciado".
Pondera-se, então, que foi partindo dessa premissa que a Comissão do Anteprojeto previu a tutela da evidência e dispensou para a sua concessão a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação.
Por fim, sem inovar a atual orientação, há a previsão que concedida a tutela de urgência ou da evidência, o recurso para combatê-la será o agravo de instrumento, conforme preconiza o parágrafo único do art. 279 do Anteprojeto do novo CPC.
6. CONCLUSÃO
Almejou-se conceder ênfase àquelas situações que exigem prontidão, ponderando que nem sempre uma cognição exauriente deve ser adotada, mesmo que isso implique em certa fragilidade da segurança jurídica.
Tais medidas são concebidas como de urgência, sendo que foi o ordenamento processual civil brasileiro de 1973 que contribuiu para a sua expansão. Entretanto, impropriedades existiam, pois tutelas satisfativas eram requeridas por meio de cautelares.
Diante dessa lacuna, o legislador trouxe com a Lei n° 8.592/1994 a previsão da antecipação da tutela, encontrando uma maneira de precipitar a concessão da tutela final.
Não se olvida que tanto a medida cautelar como a tutela antecipada possuem semelhanças – cognição sumária, provisoriedade, revogabilidade, reversibilidade - que podem dar fundamento àqueles que defendem tratamento unitário a ambas.
Diante disso, erguem-se vozes para repelir uma teoria unitária, aduzindo serem os requisitos reclamados pelas cautelares mais amenos que os requisitos exigidos pela antecipação da tutela.
A dúvida que paira, entretanto, diz respeito a como o novo Código de Processo Civil irá regular estas medidas de urgência. Foi esta indagação que motivou a realização do presente estudo.
Sendo assim, partiu-se das disposições presentes no Anteprojeto do Código de Processo Civil que foi instituído por Ato do Presidente do Senado.
Analisando - sem ensejar exaurir o tema - o Anteprojeto e seus preceitos incidentes sobre as tutelas de urgência, pontuaram algumas regras já conhecidas pelo atual sistema, assim como se fez reflexões sobre outras que se apresentam, de certa forma, inéditas.
Atentou-se a um possível tratamento unitário das medidas, passando-se a exigir delas a evidência da plausibilidade do direito, bem como a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Chamou-se atenção à permissão concedida pelo potencial Código de Processo Civil, admitindo que em casos excepcionais ou expressamente autorizados em lei, seja dado ao juiz, de ofício, conceder medidas de urgência.
Tratou-se ainda da tutela da evidência, que são concedidas quando diante de direitos em que há certa facilidade na sua percepção ou na produção da sua prova, dispensando-se a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação.
Diante do aludido, não há como prever o êxito das prováveis alterações, sabe-se, todavia, que modificações não devem ser encaradas como o fim do vigente código. No que tange as tutelas de urgência, indubitavelmente, esperam-se mudanças que não ignorem as premissas emergenciais. É preciso sempre buscar o aprendizado e o aprimoramento. Ideal, então, é concluir o presente com as linhas de BARBOSA MOREIRA (2001, p.13):
"É necessário denunciar a funesta tendência a enxergar na entrada em vigor de uma norma o ponto final de sua história. Ao contrário, nesse momento é que ela começa verdadeiramente a viver; e é a partir daí que ela passa a merecer a nossa particular atenção. Já pouco interessam, agora, as intenções, por mais altas que fossem, do legislador, e as expectativas que acalentava. Interessa, sim, o que estará acontecendo no dia a dia forense; e é forçoso que mantenhamos o espírito aberto dos ensinamentos que a experiência nos possa dar. Se eles vierem a coroar nossas esperanças, tanto melhor; no caso contrário, renunciemos às ilusões e tenhamos a coragem de rever o que foi feito, e até desfazê-lo se preciso for".
7. BIBLIOGRAFIA
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