A prisão preventiva foi banalizada pelo Poder Judiciário, sendo perceptível que o tempo os motivos que fundamentam a decretação da prisão preventiva estão ao livre arbítrio subjetivo do juiz, o qual na maioria das vezes se investe de poderes para decretar tal modalidade de prisão cautelar e deixar o réu encarcerado por tempo indeterminado, sendo que alguns casos se chega ao absurdo da prisão preventiva ultrapassar o tempo máximo da pena prevista para o delito objeto da ação penal.
Não é por menos que os ilustres juristas que integraram a comissão de reforma do código de processo penal incluíram no projeto de lei do Senado nº 156/2009 (reforma do Código de Processo Penal), já aprovado pelo Senado Federal, dispositivo que prescreve o tempo máximo de duração da prisão preventiva e obriga o juiz a indicar no decreto ou prorrogação da prisão preventiva o prazo de duração da medida.
A alteração processual chega em boa hora, haja vista que o que se vê hoje é a utilização arbitrária e inconstitucional por parte de muito daqueles que utilizam da toga para macular diversos princípios constitucionais ligados, direta ou indiretamente, ao direito à liberdade, fato este que leva à incontestável banalização do instituto prisão preventiva de modo a tornar perceptível a falta de critérios para a decretação e, principalmente, para a manutenção da medida privativa de liberdade, o que na maioria dos casos acaba provocando o nefasto e combatido excesso de prazo.
Os Tribunais Superiores bem que tentaram iniciar uma mudança de paradigma com relação ao tempo de duração da prisão preventiva, mas acabaram regredindo ao aceitar o excesso justificado em questões ligadas à complexidade da ação penal, quantidade de réus, necessidade de expedição de cartas precatórias, dentre outras justificativas que não têm correlação com a atuação da defesa e não têm outra finalidade senão a de permitir a continuidade da prática arbitrária de muito daqueles que utilizam a caneta para macular ilegalmente um dos bens mais valiosos de uma pessoa: A LIBERDADE.
Não se tem notícias de qualquer juiz que tenha sido penalizado por ter decretado a prisão cautelar de uma pessoa sem fundamento ou por ter largado uma pessoa no cárcere estatal por período excessivo, ou seja, os juízes que decretam prisões ilegais sempre encontram meios de justificar a prática de atos atentatórios à dignidade da pessoa humana para, assim, se tornarem "intocáveis".
São poucos os casos de arbitrariedades ligados à prisão preventiva que chegam ao conhecimento da imprensa e, até mesmo, dos Tribunais Superiores, uma vez que são poucas as "vítimas" da arbitrariedade estatal que têm condições de ter o patrocínio de um bom advogado e buscar resposta das instâncias superiores.
Assim, é mantida a ditadura da caneta e a hegemonia daqueles que se investem na figura de Deus para privar, despótica e indiscriminadamente, a liberdade das pessoas.
Importante frisar que o presente artigo aborda aquelas prisões preventivas que são decretadas e mantidas sem fundamento fático e jurídico, prisões que na maioria das vezes decorrem do subjetivismo exacerbado do julgador em detrimento dos princípios constitucionais concernentes à dignidade da pessoa humana.
É comum ver juiz fundamentando o excesso de prazo de duração da prisão preventiva na quantidade de réus e na necessidade de expedição de diversas cartas precatórias. Ora, o réu deve ser penalizado pela falta de estrutura do Estado para proporcionar uma prestação jurisdicional efetiva e célere? Ao Estado é permitido utilizar da própria torpeza para justificar o atentado ao direito de liberdade de uma pessoa?
O que se vê é que a Constituição Federal é considerada um pretensioso, ridículo e caro pedaço de papel por aqueles que, indiscutivelmente, a deveriam observar, haja vista que fecham os olhos para diversos princípios que obstam a privação de liberdade de forma indiscriminada e desprovida de fundamentação.
Enquanto a reforma do Código de Processo Penal não chega, resta aos advogados travar uma incansável batalha para mostrar que não há preceito na Constituição Federal que legitime a indefinição do prazo de decretação de uma prisão preventiva, que se é direito de todo e qualquer réu ter informação a respeito da pena a que está sujeito, deve ser assegurado ainda mais o direito de ser informado do prazo da prisão preventiva, sendo um contrassenso reconhecer a inconstitucionalidade do cumprimento antecipado da pena e ao mesmo tempo permitir decretos de privação de liberdade indefinidos e que se eternizam no tempo por culpa exclusiva de um Estado que não disponibiliza meios para que a sociedade tenha uma resposta rápida da atividade jurisdicional.
O absurdo do excesso de prazo das prisões preventivas chega aos Tribunais Superiores, onde na maioria das vezes acaba chancelado, seja pela distância que os Ministros mantêm da causa, seja pelo pernicioso corporativismo ainda existente.
A média do período da prisão preventiva reconhecida pelos Tribunais Superiores como legítima e legal tem sido de 3 anos, o que é um despautério, haja vista que a justificativa para o término da instrução processual pode até ser aceitável, mas nada justifica uma pessoa ter sua prisão preventiva perpetuada no tempo.
Não há necessidade de um exercício lógico-dedutivo exaustivo para se concluir que o período médio de 3 anos de prisão preventiva aceito pelos Tribunais Superiores é uma ratificação da arbitrariedade, bastando para tanto tomar conhecimento que os juristas que integraram a comissão de reforma do CPP e o Senado Federal fizeram constar no texto do projeto de lei, repise-se, já aprovado pelo Senado Federal, que o prazo máximo de duração da prisão preventiva, decretada no curso da investigação ou antes da sentença condenatória recorrível deverá ser de 180 dias.
Ora, dessa vez o legislador saiu na frente do Poder Judiciário, o que não é aceitável quando se trata de aplicação de princípios constitucionais, e tornou efetivo os mandamentos previstos na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ambos ratificados pelo Brasil.
É singular o fato de que o excesso de prazo da prisão preventiva justificado na complexidade processual atenta contra o princípio gravado no Art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal, o qual garante a duração razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Ora, se o Estado não disponibiliza os meios que garantam a celeridade da tramitação do processo penal, deveria o julgador, ao menos, reconhecer a ilegalidade do excesso da prisão preventiva ao invés de, vergonhosamente, tentar justificar o excesso com base em ilações descabidas, arbitrárias e ilegais, posto que todo processo pode se tornar complexo, dependendo do ponto de vista que é analisado, fato este que torna demasiadamente subjetiva a conclusão acerca da complexidade de uma ação penal.
Muitos julgadores acham que a venda da justiça deve servir de subsídio para rasgarem os instrumentos normativos que tratam do direito à liberdade, das garantias judiciais e da dignidade da pessoa humana.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos dispõe de forma cristalina, em seu Artigo 7º, que toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, SEM DEMORA, à presença de um juiz e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. [01]
Ademais, o mesmo dispositivo acima citado preceitua que toda pessoa privada de liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou a tribunal competente, a fim de que este decida, SEM DEMORA, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem ilegais.
Muitos são os réus que passam anos atrás das grades sem ao menos serem ouvidas por um juiz, fato este que macula frontalmente as garantias judiciais previstas no Artigo 8º da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, o qual dispõe que toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e DENTRO DE UM PRAZO RAZOÁVEL, por um juiz ou tribunal competente, na apuração de qualquer acusação formulada contra ela.
Desse modo, o que se constata é que sequer os Tribunais Superiores cumpre aquilo que deveria ser observado estritamente por aqueles que dizem utilizar a toga para a prática de uma "justiça" que se mostra distante a partir do momento que o corporativismo e deficiência estatal justificam a mácula ao direito de liberdade.
Diante do prazo médio de 3 anos que os Tribunais Superiores entendem ser razoável para a duração de uma prisão preventiva, quem pode afirmar que o Brasil observa o que prescreve o Artigo XVII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem?
O Artigo XVII do aludido instrumento normativo dispõe o seguinte:
.""Artigo XVIII. Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, qualquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente
Assim, o que acontece no Brasil é exatamente o contrário: Tribunais chancelam a arbitrariedade do excesso de prazo da prisão preventiva sob diversos pretextos que jamais deveriam penalizar o réu, o qual na maioria das vezes em nada contribui para a conclusão da instrução criminal.
Assim, os julgadores deveriam tomar lição de casa e fazer jus à nobre função que exercem!
Até que a reforma do Código de Processo Penal ganhe corpo no ordenamento jurídico, resta aos bravos advogados que lutam contra o império das arbitrariedades levar ao conhecimento da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos a mácula aos diversos princípios constitucionais e humanitários decorrentes do excesso de prazo da prisão preventiva, de modo a obstar que o Estado utilize da própria torpeza para penalizar aqueles que nada contribuem para a ineficiência do Poder Judiciário.
O Estado deve assumir de vez a responsabilidade decorrente dos instrumentos normativos internacionais que ratifica de modo a impedir que o Poder Judiciário jogue para a sociedade o problema atinente à falta de estrutura hábil a proporcionar uma resposta célere e efetiva para os jurisdicionados.
Notas
01 CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. (Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos,San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 19690