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Segurança jurídico-tributária e proteção da confiança do contribuinte no Estado de Direito

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Propõe-se aclarar o sentido e o conteúdo da segurança jurídica, relacionando-a com o princípio da proteção confiança e delimitando os contornos gerais de aplicação de ambos no âmbito do Direito Tributário.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA SEGURANÇA JURÍDICA; 2.1 DEFINIÇÃO PRELIMINAR DE SEGURANÇA JURÍDICA; 2.2 DIMENSÕES FORMAL e MATERIAL DA SEGURANÇA JURÍDICA; 2.3 NATUREZA E FUNDAMENTO NORMATIVO DA SEGURANÇA JURÍDICA; 3 SEGURANÇA JURÍDICA E PROTEÇÃO DA CONFIANÇA; 4 SEGURANÇA JURÍDICA E PRINCÍPO DA CONFIANÇA NO DIREITO TRIBUTÁRIO; 5 CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS

RESUMO: A segurança jurídica é um preceito básico de grande relevância para o sistema jurídico. Tamanha é a sua utilidade e amplitude no Direito que, não raro, sua invocação é procedida de forma descompromissada, sem grande preocupação com a delimitação do seu efetivo conteúdo. A imprecisão traz empecilhos, porquanto mine parte das possibilidades de aplicação do instituto. No Direito Tributário, cuja principal atribuição implica na afetação de direitos fundamentais do cidadão, como a propriedade e a liberdade, os reclames de segurança jurídica são ainda mais intensos. A proposta do ensaio é justamente a de aclarar o sentido e o conteúdo da segurança jurídica, relacionando-a, ainda, com o princípio da proteção confiança, delimitando, também, os contornos gerais de aplicação de ambos no âmbito do Direito Tributário.

ABSTRACT: The security is a basic precept of great significance for the legal system. Such is its usefulness and comprehensiveness in the Law that, often, it use is preceded in a uncompromised way, without much concern about the delimitation of its actual content. The imprecision brings obstacles, impending the concretization of part of the institute´s possibilities of application. In the Tax Law, whose main task involves the commitment of fundamental rights of citizens, such as property and freedom, the legal security proclaims seems to be even more intense. The proposed essay intends to clarify the meaning and content of legal security, linking it with the principle of the trust protection, delimiting the general contours of application of both on the Tax Law.


1 INTRODUÇÃO

A segurança é, inegavelmente, um valor fundante do sistema jurídico, já que uma das principais – senão a principal – funções do Direito é a de estabilizar as relações sociais, garantindo o convívio pacífico. Este preceito desdobra-se de diversas formas no âmbito do fenômeno jurídico e possui potencialidade que, nem sempre, é plenamente explorada.

Apesar de corriqueiramente referido e invocado pelos juristas, grande parte de sua potencialidade deixa de ser aproveitada porque, não raro, o seu uso é irrefletido. Não só se percebe que, muitas vezes, a segurança é invocada em situações às quais ela não se adéqua, como, também, hipóteses ocorrem em que a estabilidade e a expectativa social são frustradas, sem que sequer se note a ofensa ao valor em comento e ao princípio da proteção da confiança.

No âmbito tributário, em que o Estado faz valer a sua força, cobrando do cidadão a participação nas contas e despesas públicas, a segurança e a proteção da confiança assumem grande relevância, porquanto sirvam de instância limitadora, apta a evitar e coibir os excessos do poder. Porém, também aqui, a aplicação dos institutos é procedida, em grande parte das oportunidades, de forma descurada, sem que lhes confira a amplitude que mereceriam em um Estado de Direito.

A proposta do presente ensaio é justamente a de aclarar, ainda que de forma sumária, algumas das principais formas de repercussão da segurança jurídica e da proteção da confiança no âmbito do Direito Tributário. Para tanto, proceder-se-á, por primeiro, a uma análise específica do valor segurança, da sua dimensão jurídica e desdobramentos, relacionando-a, ainda, ao princípio da proteção da confiança, para, em um segundo momento, enfrentar especificamente a incidência destes fenômenos no âmbito da ordem tributária.


2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA SEGURANÇA JURÍDICA

Antes de qualquer outra observação, há de se proceder alguns questionamentos acerca do significado da segurança jurídica. É que a sua definição está longe de consistir em tarefa fácil. Embora o termo inspire uma pré-compreensão quase que imediata na maioria das pessoas, qualquer um que pretenda delimitá-la conceitualmente se debate com sem número de dificuldades. Isto porque a expressão carrega em seu bojo grande amplitude e vagueza, típica dos valores basilares de qualquer sistema.

O grande inconveniente é que, diante disto, prolifera-se a indiscriminada utilização do conceito. Assim como é comum encontrar, seja em doutrina ou em jurisprudência, teses que defendam a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada norma com base na segurança jurídica, não menos árduo é identificar que, entre estas teses, o significado conferido ao termo é diverso e não raro incongruente.

São grandes os prejuízos que a imprecisão traz para a efetividade do conceito de segurança jurídica. Quanto mais genérica é a expressão, menor é o peso que se lhe confere quando da sua concreção, principalmente se, em determinado contexto, estiverem envolvidos outros preceitos melhor delimitados.

Essencial, portanto, aclarar o significado da acepção segurança jurídica. Para tanto, faz-se necessário remeter, primeiro, ao valor segurança. Este, porque considerado extrajurídico, é muitas vezes menosprezado pelos juristas, que, esquecidos da relevância dos anseios e expectativas sociais na concretização do Direito, tendem a descartar tudo aquilo que não esteja positivado no ordenamento.

2.1 DEFINIÇÃO PRELIMINAR DE SEGURANÇA JURÍDICA

Para entender o sentido de segurança, nada melhor do que se socorrer no léxico, já que nele é que se encontram os usos comuns dos vocábulos. De lá se extrai que segurança remete ao que é seguro; e que seguro é o que está livre de perigo, isento de risco, protegido, acautelado, garantido. Segurança é, ainda, a qualidade daquilo em que se pode confiar, é certeza, firmeza, convicção (FERREIRA, 1999, p.1827-1828).

A segurança, enquanto valor, foi, desde sempre, uma das principais aspirações do homem. Se é correta a observação de Ortega y Gasset (1973) de que uma das características mais particulares do ser humano, capaz de distingui-lo dos demais animais, reside na possibilidade de se ensimesmar, ou seja, na capacidade de abstrair a realidade concreta e traçar planos de como atuar no mundo, não menos correta será a constatação de que, para a plena utilização deste atributo, é necessário que o ser humano esteja inserido em um contexto minimamente estável e previsível.

Em decorrência desta necessidade de segurança é que, mesmo nas mais remotas e primevas formas de organização social, fizeram-se imprescindíveis regras conformadoras de conduta. Ainda que simplesmente embasadas no peso da tradição, ou em aspectos morais e religiosos jamais questionados, tais regras serviram ao propósito de superar os inconvenientes da liberdade ontológica do ser humano, permitindo, aos atores sociais, nutrirem recíprocas expectativas de comportamento.

Na modernidade, as instâncias definidoras de padrões comportamentais inquestionados foram superadas por um sistema normativo mais completo e complexo. Pelo menos no ocidente, o Direito se afirmou como principal fonte diretiva – e coercitiva – da conduta humana. De particular em relação às demais instâncias regulatórias (moral, religião, costume, etc.), o sistema jurídico tem o fato de ser estabelecido conscientemente pelo grupo, por meio do entendimento mútuo e do consentimento geral.

Com efeito, o sistema jurídico se tornou, nas complexas sociedades contemporâneas, um dos mais profícuos instrumentos para a satisfação do valor segurança. O Direito permitiu aos atores sociais nutrir a sensação de estabilidade como nenhum outro código de conduta jamais houvera feito. Se não conseguiu aniquilar com a liberdade ontológica, permitiu, ao menos, a afirmação de expectativas comportamentais. A esta segurança, veiculada a partir do sistema jurídico, é que se chama de segurança jurídica.

De todo modo, deve-se advertir que a segurança jurídica não se satisfaz em apenas um plano. Trata-se, antes, de fenômeno multifacetado, que pode ser visualizado de diferentes ângulos e perspectivas.

2.2 DIMENSÕES FORMAL e MATERIAL DA SEGURANÇA JURÍDICA

Em uma primeira e mais elementar dimensão, a segurança jurídica se realiza com a simples existência de um sistema de direito positivo, cujo cumprimento é assegurado pelo Estado. O mero fato de haver uma instância supra-individual e heterônoma autorizada a não apenas definir padrões comportamentais que devem ser seguidos por todos, mas também a resolver eventuais conflitos individuais funciona como garantia de segurança, como anuncia César García Novoa (2000, p.23), aludindo ao que ele alcunha de segurança através do Direito:

Por ello, la seguridad en el Estado no podrá ser outra cosa que la seguridad mediante la positividad del Derecho; seguridad, por una parte, previa al conflicto, entendida como la existencia de instrumentos tuteladores de intereses individuales. Y seguridad, por otra parte, en tanto componedora y armonizadora de tales intereses cuando los mismos colisionen en eventuales conflictos.

Esta segurança através do Direito representa o que José Afonso da Silva (2004, p.16-17) chama de segurança do direito, distinguindo-a da segurança jurídica, nos seguintes termos:

Cumpre, antes de mais nada, observar que a segurança no direito pode ser, num primeiro plano, compreendida num duplo sentido: segurança do direito e segurança jurídica. A segurança do direito é a que exige a positividade do direito e é, neste contexto, que a segurança se entronca com a Constituição, na medida em que esta constitui o fundamento de validade do direito positivo. [...] A segurança do direito, como visto, é um valor jurídico que exige a positividade do direito, enquanto a segurança jurídica é já uma garantia que decorre dessa positividade. Assim é que o direito constitucional positivo, traduzido na Constituição, é que define os contornos da segurança jurídica da cidadania.

Com efeito, enxergada a partir da pura existência de uma ordem positiva, a segurança jurídica – ou segurança do Direito – resolver-se-ia em aspectos meramente formais. Em última instância, o fato de existir um Estado, independente de qualquer outro atributo ou qualidade deste, seria suficiente para se afirmar atendido o preceito. A segurança se faria presente, de igual forma, em um Estado totalitário ou em um Estado democrático; em um Estado com farta e confusa legislação ou em um com poucas leis, todas simples e concisas.

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É por esta razão que a segurança jurídica contempla também uma dimensão material, a exigir a satisfação de certos valores. Este é um reclame do Estado contemporâneo, que supera a mera exigência de observância da estrita legalidade, em prol da efetivação de valores atrelados à realização dos valores e princípios constitucionais.

Sem embargo, o conceito de Estado de Direito progrediu em relação à sua fórmula clássica. Incorporou a preocupação com a legitimidade democrática do poder. A partir disto, o princípio da legalidade foi revisto; deixou de significar a tão só exigência de observância da lei pelos particulares e pelo próprio Estado, para assumir o significado de efetivo compromisso com a concretização dos anseios consagrados em sede constitucional, instaurando uma ordem em que, nas palavras de Paulo Bonavides (2002, p.386):

a consciência da garantia e efetivação da liberdade provém muito menos da lei do que da Constituição. Se o velho Estado de Direito do liberalismo fazia o culto da lei, o novo Estado de Direito de nosso tempo faz o culto da Constituição. A lei às vezes degrada e avilta, corrompe e escraviza em ocasiões sociais e políticas de profunda crise e comoção, gerando a legalidade das ditaduras, ao passo que a Constituição é sempre a garantia do poder livre e da autoridade legítima exercitada em proveito da pessoa humana.

Assim é que, no contexto deste novo modelo de Estado, a segurança jurídica ganhou novo colorido. Como indica César García Novoa (2000, p.24), "no podríamos hablar de seguridad jurídica como una derivación automática de la existencia de un orden jurídico estatal, sino que la seguridad jurídica requerirá una existencia del Estado que sea ‘éticamente aceptable’."

Além de segurança através do Direito, a segurança deve ser segurança do Direito em si mesmo, o que somente se perfaz em uma ordem justa. Tornam-se essenciais, assim, tanto reclames de natureza estrutural, como a observância e a racionalidade do processo legislativo, a clareza e a publicidade das leis, quanto a necessidade de, mesmo que atendidos todos os requisitos formais, chegar a um resultado compatível com os valores da sociedade. Dito de outro modo, a segurança jurídica define a necessidade de se chegar a um resultado constitucionalmente legítimo, sob pena de se institucionalizar a "segurança da insegurança" [01].

Portanto, a segurança jurídica não se traduz apenas na previsibilidade e estabilidade da atuação jurídica estatal. Além disto, ela se desdobra na necessidade de garantir que toda a pauta estatal se oriente à concretização da ordem constitucional ideal, satisfazendo aos anseios e expectativas dos cidadãos.

Em rigor, segurança e justiça, no momento atual das coisas, são valores indissociáveis, pois, como afirma João Batista Machado (2004, p.56), "uma justiça puramente ideal, desacompanhada de segurança, seria vazia de eficácia e, por isso, não passaria de piedosa intenção. Uma segurança sem justiça representaria pura situação de força." A melhor solução para conjugar os preceitos parece ser a defendida por César García Novoa (2000, p.32-33), para quem

una defensa decidida del principio de seguridad jurídica frente a las normas de acción servirá para reclamar que los fines del ordenamiento constitucional de un Estado social, desarrolados a través de normas de interferencia en la esfera privada de los ciudadanos, se consigan sin provocar inseguridad.

Deve-se salientar, todavia, que a aproximação entre os valores da segurança e da justiça não implica em confusão entre eles; cada termo mantém o seu conteúdo e significado próprios, estabelecendo ideais a serem buscados que podem, inclusive, vir a colidir em situações concretas, como sói ocorrer com as hipóteses de prescrição e decadência, ainda que tutelem situações manifestamente injustas.Lapidar é a lição de Almiro do Couto e Silva (1987, p.46-47):

Se é antiga a observação de que justiça e segurança jurídica freqüentemente se completam, de maneira que pela justiça chega-se à segurança e vice-versa, é certo que também freqüentemente colocam-se em oposição.

[...]

Na verdade, quando se diz que em determinadas circunstâncias a segurança jurídica deve preponderar sobre a justiça, o que se está afirmando, a rigor, é que o princípio da segurança jurídica passou a exprimir, naquele caso, diante das peculiaridades da situação concreta, a justiça material. Segurança jurídica não é, aí, algo que se contraponha à justiça, é ela própria justiça. Parece-me, pois, que as antinomias e conflitos entre justiça e segurança jurídica, fora do mundo platônico das idéias puras, alheias e indiferentes ao tempo e à história, são falsas antinomias e conflitos.

Com estas breves linhas, espera-se ter conseguido demonstrar a amplitude e o espectro do valor segurança, que, projetado sobre o Direito, repercutirá em diferentes vertentes.

2.3 NATUREZA E FUNDAMENTO normativo DA SEGURANÇA JURÍDICA

Definir a natureza da segurança jurídica também não é obra fácil. Em face da grande quantidade de possibilidades e de desdobramentos do tema, proliferam-se opiniões diferentes – e, não raro, divergentes.

Uma primeira forma de se perceber a segurança jurídica é aquela que se propõe a enxergá-la como fato da vida, ou seja, como ideal cuja busca e realização transcendem os lindes clássicos – encontrados a partir de uma vertente normativista – do que é jurídico. É o que se extrai do escólio de Souto Maior Borges (2002, p.1):

A segurança jurídica pode ser visualizada como um valor transcendente ao ordenamento jurídico, no sentido de que a sua investigação não se confina ao sistema jurídico positivo. Antes inspira as normas que, no âmbito do direito positivo, lhe atribuem efetividade. Matéria a ser abordada pela Filosofia do Direito.

Em sentido semelhante, Christine Mendonça (2005, p.47), reportando-se ao que designa de segurança extra-jurídica, afirma:

Fala-se de segurança como uma expectativa das pessoas pela existência do Sistema do Direito Positivo. Espera-se que se criem normas que digam como devem se dar as conseqüências caso ocorram certos acontecimentos, em outra palavras, espera-se que se criem hipóteses e conseqüentes normativos. Essa é uma expectativa do meio, uma forma das pessoas se sentirem seguras.

Pedro Leonardo Summers Caymmi (2007, p.44-46) chama esta perspectiva com que se enxerga a segurança jurídica de "segurança jurídica-fato", e, ao que expõe o posicionamento de Ricardo García Manrique, posto no sentido de que "a segurança jurídica é apenas um fato, e não um valor com relevância jurídica a ser tutelado pelo Direito", critica-o, asseverando que "a dimensão fática da segurança, sem dúvida existente, é apenas uma das três acepções que formam o espectro pleno do objeto cultural, e sua caracterização não implica na inexistência de uma expressão da segurança jurídica enquanto valor e enquanto norma."

Com efeito, a maioria da doutrina se inclina pelo reconhecimento de que a segurança jurídica é fenômeno multifacetado, que pode ser percebido a partir de vértices distintos. Se em um primeiro plano, a segurança jurídica é vista como fato, em outras perspectivas é possível se lhe tratar tanto como valor quanto como norma. A plena compreensão do preceito – é bom advertir – somente pode ser obtida da conjugação de todos os planos; mesmo o plano fático, reputado extrajurídico, é essencial para, ao menos, evidenciar que a sua efetivação – e também seu significado – dependem de fatores que transbordam ao Direito.

No que se refere ao plano axiológico da segurança jurídica, tem-se que ela constitui um valor fundamental e básico do sistema jurídico. Eurico Marcos Diniz de Santi (2000, p.77) explica:

A segurança jurídica é um valor fundamental que o ordenamento jurídico persegue. O direito-em-si não apresenta essa segurança, se apresentasse esse cânone seria desnecessário. Muito pelo contrário, o direito convive com o risco, com a insegurança: todas as normas jurídicas infraconstitucionais e constitucionais são, com exceção das chamadas cláusulas pétreas e das normas individuais e concretas que recebem o efeito da coisa julgada, susceptíveis de alteração, seja mediante controle jurisdicional, seja mediante o exercício das competências legislativa, judicial e administrativa. Por isso, a determinação do direito só é aferível no horizonte do presente. A segurança jurídica do futuro é garantir a estabilidade jurídica ao presente, que se torna passado.

Esta dimensão valorativa da segurança jurídica vai repercutir no plano normativo, já que, em tal aspecto, a segurança jurídica concretiza-se em um princípio que busca a efetivação dos ideais de estabilidade, previsibilidade e mensurabilidade, especialmente na atuação do Poder Público. Neste sentido, Paulo de Barros Carvalho (2002, p.146) afirma a segurança jurídica como um cânone

[...] dirigido à implantação de um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto ao efeitos jurídicos da regulação da conduta. Tal sentimento tranqüiliza os cidadãos, abrindo espaço para o planejamento de ações futuras, cuja disciplina jurídica conhecem, confiantes que estão no modo pelo qual a aplicação das normas do direito se realiza. Concomitantemente, a certeza do tratamento normativo dos fatos já consumados, dos direitos adquiridos e da força da coisa julgada, lhes dá a garantia do passado. Essa bidirecionalidade passado/futuro é fundamental para que se estabeleça o clima de segurança das relações jurídicas [...].

Cabe, nesta oportunidade, salientar que a segurança jurídica, por revestir-se da forma jurídica de princípio, possui carga de eficácia compatível com a espécie. Embora sejam tormentosas e profícuas as discussões que se põem sobre o tema, pode-se dizer que, em linha geral, aceita-se o fato de que os princípios não conferem direito judicial imediatamente exigível aos destinatários da norma. Isto não significa ausência de efeitos jurídicos, porém; apenas remete a diferenças essenciais e estruturais em relação ao modelo normativo típico das regras.

Do princípio da segurança jurídica extraem-se conseqüências jurídicas de grande relevância. Em primeiro lugar, ela atua sobre o próprio Direito, funcionando como uma regra de estrutura que impõe a obediência a determinados preceitos e procedimentos. Torna-se, com isto, possível o controle da atuação estatal, permitindo não só a aferição de constitucionalidade das disposições infraconstitucionais como também dos próprios atos concretos da Administração, já que o princípio da segurança jurídica serve à delimitação da discricionariedade administrativa. Em função disto, o preceito constituirá também uma espécie de direito do cidadão – o direito à segurança jurídica –, cujo conteúdo básico "será la discusión sobre los medios más adecuados para su consecución como objetivo" (NOVOA, 2000, p.44).

Humberto Ávila (2008, p.308-309), após afirmar que o princípio da segurança jurídica "estabelece o dever de buscar um ideal de estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade na atuação do Poder Público", sistematiza os aspectos normativos do preceito da seguinte forma:

Na perspectiva da sua dimensão enquanto limitação ao poder de tributar, a segurança jurídica qualifica-se preponderantemente do seguinte modo: quanto ao nível em que se situa, caracteriza-se como uma limitação de primeiro grau, porquanto se encontra no âmbito das normas que serão objeto de aplicação, devendo enfatizar-se, ainda, que atua sobre outras normas, podendo, por isso mesmo ser qualificada como sobreprincípio; quanto ao objeto, qualifica-se como uma limitação positiva, porquanto impõe a adoção, pelo Poder Público, das condutas necessárias para a garantia dos ideais de estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade normativa; quanto à forma, revela-se como uma limitação implícita e material, na medida em que, sobre ser uma implicação do sobreprincípio do Estado de Direito (art. 1º), embora alguns o vejam expressamente na Constituição (art. 5º, caput), impõe ao Poder Público a adoção de comportamentos necessários à preservação ou busca dos ideais de estabilidade e previsibilidade normativas.

A despeito de seu potencial normativo, o princípio da segurança jurídica não possui previsão normativa expressa no ordenamento brasileiro [02]. Isto não significa – e nem poderia significar – que não tenha valia ou que não deva ser aplicado, pois, como indica César García Novoa (2000, p.37), "la seguridad es, probablemente, el principio constitucional cuya positivización resulta menos imprescindible, pues el mismo se deduce de la propia esencia de un Estado de Derecho donde prevalezcan los valores frente al legalismo".

De fato, o princípio da segurança jurídica caminha ao lado do princípio do Estado de Direito, que, nos moldes atuais, determina não apenas a submissão de todos – inclusive e principalmente do Estado – à ordem jurídica, mas também a adequação do ordenamento aos valores constitucionais. É o que aduz Leandro Paulsen (2006, p.38), ao definir o Estado de Direito como

[...] um modelo de supremacia do Direito a exigir a realização de certos valores, como o respeito aos direitos fundamentais pelos próprios indivíduos e pelo Estado e a vedação da arbitrariedade, bem como a pressupor determinadas garantias institucionais, como a separação dos Poderes e o acesso ao Judiciário [...]

Ora, em um Estado que se possa qualificar como Estado de Direito, a segurança jurídica restará implícita – e necessariamente – contemplada, já que firmada série de garantias, como, por exemplo, a proteção da liberdade e a vedação da arbitrariedade, as quais satisfarão aos proclames da segurança. Não por outra razão José Joaquim Gomes Canotilho (1998, p.250) aponta que "[...] desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito."

A conclusão semelhante chega Humberto Ávila (2008, p.308), quando, ao procurar o fundamento constitucional do princípio da segurança, deduz que:

O princípio da segurança jurídica é construído de duas formas. Em primeiro lugar, pela interpretação dedutiva do princípio maior do Estado de Direito (art. 1º). Em segundo lugar, pela interpretação indutiva de outras regras constitucionais, nomeadamente as de proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (art. 5º, XXXVI) e das regras da legalidade (art. 5º, II, e art. 150, I), da irretroatividade (art. 150, III, ‘a’) e da anterioridade (art. 150, III, ‘b’).

Em todas essas normas, a Constituição dá uma nota de previsibilidade e de proteção de expectativas legitimamente constituídas e que, por isso mesmo, não podem ser frustradas pelo exercício da atividade estatal.

De fato, a segurança jurídica reverbera no ordenamento jurídico, podendo ser depurada tanto do princípio do Estado de Direito, quanto de outras disposições do ordenamento que terminam por reconduzir aos ideais por si propendidos.

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Sobre a autora
Mirella Barros Conceição Brito

Assessora jurídica do Ministério Público do Estado da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Mirella Barros Conceição. Segurança jurídico-tributária e proteção da confiança do contribuinte no Estado de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2789, 19 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18518. Acesso em: 22 dez. 2024.

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