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Segurança jurídico-tributária e proteção da confiança do contribuinte no Estado de Direito

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3 SEGURANÇA JURÍDICA E PROTEÇÃO DA CONFIANÇA

A segurança jurídica guarda íntima relação com o princípio da proteção da confiança. Tamanha é a aproximação dos dois preceitos que não falta, em doutrina, quem os trate por sinônimos de um mesmo fenômeno. Também são encontrados posicionamentos firmados no sentido de que os conceitos são distintos e possuem conteúdos específicos. A tarefa proposta no presente tópico é a de adentrar este debate, no fito de lançar luzes sobre a celeuma e, se for o caso, delimitar e identificar os contornos dos aventados princípios.

Para cumprir o quanto proposto, começa-se com a delimitação do efetivo conteúdo da segurança jurídica. Há de se buscar definir a forma como, de fato, ela atua no sistema de Direito. E, em última análise, a questão sobre o conteúdo da segurança jurídica se resume ao problema de estabelecer o que é um direito seguro.

César García Novoa (2000, p.73) aduz que, para aferir a operatividade da segurança jurídica, há de se reportar, em primeiro lugar, à segurança do ordenamento jurídico. Esta deverá ser empreendida a partir uma análise estrutural das normas, considerando-se a precisão e clareza do antecedente (dado "a") e conseqüente (deve ser "b"), pois, em última análise, as normas é que podem ser qualificadas como seguras ou inseguras.

Neste sentido, a segurança jurídica é usualmente identificada como segurança normativa objetiva, assim explicada por Pedro Leonardo Summers Caymmi (2007, p. 55):

A segurança jurídica objetiva é a segurança do ordenamento jurídico em sentido objetivo, uma possibilidade objetiva de previsibilidade e calculabilidade, pelos destinatários da norma, de quais serão os efeitos jurídicos dos seus atos, ou seja, quais conseqüências o ordenamento jurídico impõe a seus possíveis comportamentos, de modo que possam ter noção de seus direitos e deveres.

Humberto Ávila (2008, p.310) especifica o conteúdo desta dimensão da segurança jurídica. Para tanto, a decompõe em duas perspectivas distintas: de um lado, o aspecto formal-temporal; e, do outro, a dimensão material, definindo-as da seguinte forma:

em primeiro lugar, os cidadãos devem saber de antemão quais normas são vigentes, o que é possível apenas se elas estão em vigor ‘antes’ que os fatos por ela regulamentados sejam concretizados (irretroatividade), e se os cidadãos dispuserem da possibilidade de conhecer ‘mais cedo’ o conteúdo das leis (anterioridade). A idéia diretiva obtida a partir dessas normas pode ser determinada ‘dimensão formal-temporal da segurança jurídica’, que pode ser descrita sem consideração ao conteúdo da lei. Nesse sentido, a segurança jurídica diz respeito à possibilidade do ‘cálculo prévio’ independente do conteúdo da lei. Em segundo lugar, a exigência de determinação demanda uma ‘certa medida’ de compreensibilidade, clareza, calculabilidade e controlabilidade conteudísticas para os destinatários da regulação. A idéia diretiva obtida a partir dessas determinações pode ser denominada ‘dimensão material da segurança jurídica’, que está em combinação com o conteúdo da lei, qualificado também como legalidade no sentido material.

Em tal perspectiva, portanto, a segurança jurídica atua sobre a estrutura do sistema normativo, exigindo que ele preencha requisitos objetivos de previsibilidade e calculabilidade dos efeitos oriundos dos atos praticados pelos destinatários da norma.

Estes vetores objetivos da previsibilidade e da calculabilidade, se analisados a partir das conseqüências que despertam na esfera anímica dos destinatários da norma, configurarão o que se chama de segurança subjetiva. Esta dimensão não representa outra coisa, senão o inevitável reflexo que a dimensão objetiva da segurança jurídica produzirá nos cidadãos.

Na medida em que o Estado deve obedecer a determinados proclames objetivos de conduta, oriundos da segurança jurídica, gera-se nos cidadãos expectativas legítimas em relação a determinadas pautas, que devem ser resguardadas pelo Direito. Esta dimensão subjetiva da segurança é, precisamente, o que se identifica como o princípio da proteção da confiança.

Em rigor, como salienta César García Novoa (2000, p.73-74), a divisão entre os aspectos subjetivo e objetivo da segurança é meramente formal; as expressões são auto-referenciáveis e, mais do que isto, complementam-se. Não há como pretender definir um sem se defrontar com o outro.

De todo modo, em razão das potencialidades de um e outro aspecto, não raro, prefere-se tratar a segurança jurídica e a proteção da confiança como princípios autônomos. É o que adverte Almiro do Couto Silva (2005, p.4-5):

Modernamente, no direito comparado, a doutrina prefere admitir a existência de dois princípios distintos, apesar das estreitas correlações existentes entre eles. Falam os autores, assim, em princípio da segurança jurídica quando designam o que prestigia o aspecto objetivo da estabilidade das relações jurídicas, e em princípio da proteção à confiança, quando aludem ao que atenta para o aspecto subjetivo. Este último princípio (a) impõe ao Estado limitações na liberdade de alterar sua conduta e de modificar atos que produziram vantagens para os destinatários, mesmo quando ilegais, ou (b) atribui-lhe conseqüências patrimoniais por essas alterações, sempre em virtude da crença gerada nos beneficiários, nos administrados ou na sociedade em geral de que aqueles atos eram legítimos, tudo fazendo razoavelmente supor que seriam mantidos.

Neste mesmo sentido é o posicionamento de Paulo Roberto Lyrio Pimenta (2007, p.353), ao ressaltar

que o princípio da segurança jurídica relaciona-se, porém não se confunde, com o da proteção da confiança. De fato, aquele representa uma exigência de possibilidade de previsão pelos administrados, como afirmado anteriormente, acerca dos efeitos jurídicos dos seus atos, de forma que possam ter uma expectativa a mais precisa possível acerca dos direitos, deveres, poderes, enfim, das situações jurídicas que poderão titularizar. Essa possibilidade só interessa quando se reflete no ânimo subjetivo do cidadão, surgindo daí a idéia de proteção da confiança, que a doutrina alemã denomina de Vertrauensschutz.

De todo modo, aceite-se a divisão entre segurança jurídica objetiva e subjetiva ou entre segurança jurídica e princípio da confiança, o fato é que, na dimensão que resguarda as legítimas expectativas dos cidadãos, o preceito tem fartas possibilidades de aplicação.

Em um primeiro aspecto, atua na correição estrutural do ordenamento jurídico, a exigir a construção de tipos legais claros e precisos, isentos de lacunas, ambigüidades ou contradições, para que, com isto, o cidadão possa conhecer os desdobramentos jurídicos de suas condutas. É o que se chama de segurança de orientação ou segurança de regra, que como destaca Pedro Leonardo Summers Caymmi (2007, p.59), "impõe a necessidade de segurança tanto na definição das hipóteses normativas em si mesmas, quanto na técnica de descrição legal do antecedente e do conseqüente da norma de conduta, mediante a linguagem prescritiva do Direito."

De forma mais minudente, pode-se arrolar como exigências para a satisfação da segurança de orientação: (a) a existência de norma jurídica, o que não significa a mera positivação do Direito, mas supõe atividade legislativa racional e consonante com a realidade dos fatos que se deseja regular – eventuais lacunas e excessos devem ser expurgados, para que se mantenha incólume a segurança jurídica –; (b) a adoção do princípio da prévia regulamentação como requisito de vigência e validade da norma, a significar que as leis, em regra, devem ser definidas antes dos fatos ocorrerem (irretroatividade da lei); (c) a possibilidade de conhecimento das normas jurídicas pelos destinatários, garantida por condições objetivas mínimas, como a publicidade das normas, que deve ser qualificado pela inclusão de preceitos referentes ao seu âmbito territorial e a sua entrada em vigor e derrogação; (d) a pretensão de definitividade da norma jurídica, à qual se agregam a pretensão de estabilidade – a significar a vedação à constante modificação da ordem jurídica – e de plenitude da norma – a informar o dever de se contemplar o maior espectro possível da realidade, evitando as lacunas –.

Por fim, ainda sob o pálio da segurança de orientação, tem-se, ao lado das exigências mínimas para a segurança do ordenamento jurídico, a segurança do Direito em si mesmo, a impor que a norma jurídica não seja opaca, mas que, ao contrário, se adéqüe a "una estructura racional, de tal suerte que el empleo del método lógico-jurídico permita descubrir su sentido y sus conexiones." (NOVOA, 2000, p.78)

Por óbvio, a segurança de orientação é realizada essencialmente pelo legislador; somente com o recurso a uma técnica legislativa adequada é que se poderá intensificar esta dimensão do preceito. Neste sentido, oportuna se faz a remissão ao postulado do legislador coerente, a resguardar a congruência sistemática do ordenamento, conforme explanado por Humberto Ávila (2007, p.176-179). Trata-se de exigir que o Poder Legislativo mantenha coerência com as atitudes anteriormente sinalizadas, evitando que os cidadãos sejam surpreendidos ou tenham frustradas expectativas legítimas.

"A atitude anterior do legislador vincula sua atividade posterior. O legislador, ao criar novas regras, vincula-se às suas próprias decisões fundamentais anteriores na regulação da mesma matéria" (ÁVILA, 2007, p.178). Assim, por exemplo, o legislador não poderá definir que, para fins previdenciários, o salário seja calculado com base em determinados parâmetros, porque suficientes e essenciais para resguardar o mínimo existencial, mas definir outro formato para encontrar a faixa de isenção de imposto de renda.

Deve-se ressaltar, todavia, que o postulado do legislador coerente não impõe o absoluto vínculo com as opções legiferantes anteriormente encampadas, pois isto implicaria, ao fim, na total supressão da discricionariedade legislativa. O que o preceito exige é que exista um motivo justificante para a mudança de posicionamento – do que decorre a sua íntima conexão, também, com o princípio (ou postulado, para alguns) da igualdade – e que, em todo caso, seja resguardada, ao máximo, a confiança legitimamente depositada pelo cidadão.

Porém, a segurança jurídica subjetiva, ou o princípio da confiança, se se preferir, remete-se não apenas ao Poder Legislativo, mas também aos aplicadores do Direito; nesta faceta, designa-se segurança de realização, que, nas palavras de César García Novoa (2000, p.75), expressa-se na

seguridad de que las proposiciones normativas, formuladas en clave hipotética, se van a aplicar a cada concreta situación de hecho con absoluto respeto a lo previsto en las mismas y sin variaciones de criterio a la hora de resolver supuestos similares.

Aqui se trata de correição funcional do Direito, a qual se concretiza, em parte, pelo atendimento aos preceitos do ordenamento pelos próprios destinatários, mas especialmente pelos órgãos responsáveis por sua aplicação. Como aduz Pedro Leonardo Summers Caymmi (2007, p.59), a segurança de realização

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também é chamada de segurança funcional, ou seja, segurança de que as normas jurídicas, formuladas hipoteticamente em linguagem prescritiva, vão ser aplicadas na valoração jurídica de cada caso concreto com respeito integral ao sentido e alcance da formulação hipotética e sem que se altere o critério de concretização nas sucessivas aplicações a casos similares.

O processo de aplicação do Direito, que objetiva a conversão da linguagem normativa à ação prática, deve obedecer a um raciocínio lógico – e por isso previsível –, ainda que não silogístico. A principal manifestação da segurança jurídica neste âmbito é a interdição da arbitrariedade, que se dá de duas perspectivas: do ponto de vista formal, por meio do respeito e atenção à lei, e do ponto de vista material, quando se rechaçam

aquellas situaciones que, sin infringir el orden jerárquico, menoscaban el derecho del ciudadano a un conocimiento lo más rápido posible y lo más acorde con sus racionales previsiones de incidencia, que en su esfera particular pueda tener la aplicación de la norma jurídica.

(NOVOA, 2000, p.82)

Uma segurança absoluta neste âmbito somente seria possível se existisse uma resposta judicial correta única e invariável, o que se acredita, porém, inconcebível. De todo modo, a segurança jurídica serve, ao menos, como parâmetro para, salvaguardando a dignidade metodológica e os métodos de interpretação admitidos, limitar a discricionariedade.


4 SEGURANÇA JURÍDICA E PRINCÍPIO DA CONFIANÇA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

O Direito Tributário é o ramo do Direito responsável por disciplinar juridicamente os tributos; regulamenta não apenas a sua criação e cobrança, como também a fiscalização, arrecadação e eventuais sanções decorrentes do descumprimento do regime por si estabelecido.

Em decorrência de sua atividade fundamental, o Direito Tributário implica a afetação de diversos direitos fundamentais do cidadão. É o que ocorre, por exemplo, com o direito de propriedade, que é turbado na medida em que os contribuintes vêem-se compelidos a destacar parte de seu patrimônio para fazer face aos custos e despesas do Poder Público e demais atividades constitucionalmente previstas. Neste sentido é o escólio de Regina Helena Costa (2001, p.80):

Efetivamente, o direito à propriedade privada é alcançado direta e imediatamente pela tributação, porque o tributo consiste em prestação pecuniária compulsória, devida por força de lei, implicando a sua satisfação, necessariamente, redução do patrimônio do sujeito passivo.

Também a liberdade termina sendo afetada pela tributação, ainda que reflexamente. Muitas vezes, a finalidade do tributo não é meramente arrecadatória; ao invés de pura e simplesmente pretender a arrecadação de montante suficiente para fazer funcionar o aparato estatal, o Poder Público pode almejar estimular ou desestimular uma conduta. Nisto consiste a noção de extrafiscalidade tributária.

A necessidade de efetivar a segurança neste âmbito é intuitiva. Não apenas porque o preceito se transfigura em fundamento de toda a ordem jurídico-constitucional – na qual o Direito Tributário está inserido –, mas, também e principalmente, em razão de, historicamente, ser crassa a tendência do Estado ao abuso do poder em tal âmbito.

Além destes preceitos fundamentais, outros direitos e garantias situam-se em uma zona de perigo em relação à atividade tributária, sempre na iminência de verem-se turbados pelo afã arrecadatório estatal. Justamente por conta desta possibilidade de afetação do conteúdo do estatuto básico do cidadão, afirma-se que, de todos os ramos do Direito, é no campo específico do Direito Tributário que a segurança ressoa com maior intensidade (XAVIER, 1978, p.44).

A segurança jurídica constitui, ao lado de outros princípios, uma limitação ao poder de tributar do Estado. É o que ressalta Pedro Leonardo Summers Caymmi (2007, p.63), ao informar que a segurança jurídica

possui especial relevância, pela própria natureza do objeto de sua disciplina jurídica, que regula uma limitação estatal ao patrimônio privado, e pelo comportamento historicamente verificado do Estado na relação de tributação, o que torna imperativo a fixação de uma delimitação precisa da esfera privada em oposição ao Poder Público.

O fundamento da segurança jurídica no âmbito do Direito Tributário reside no próprio princípio do Estado de Direito – que serve de fundamento geral para a incidência do preceito –, mas decorre, igualmente, da necessidade de se conviver também com o sistema econômico encampado, defendendo a livre iniciativa, que precisa de estabilidade, previsibilidade e proteção à propriedade privada. É o que noticia Alberto Xavier (1978, p.44):

Com efeito, a livre iniciativa exerce-se através de planos econômicos elaborados pelos empresários para um dado período e nos quais se realizou uma previsão, mais ou menos empírica, dos custos de produção, do volume dos investimentos adequados à obtenção de dado produto e da capacidade de absorção do mercado. Tal previsão não pode deixar de assentar na presunção de um mínimo de condições de estabilidade, dentro do que a normal margem de riscos e incertezas razoavelmente comporte para o horizonte de planejamento a que respeita. O planejamento empresarial, por que a iniciativa privada se concretiza, supõe assim uma possibilidade de previsão objetiva e esta exige, por seu turno, uma segurança quanto aos elementos que a afetem.

Interessante é a posição da segurança jurídica na órbita tributária; ao mesmo tempo em que se situa como preceito derivado do princípio do Estado de Direito, funciona, ela mesma, como ponto de sustentação de uma série de outros princípios que operam em tal órbita.

A segurança jurídica, na ordem tributária, demanda que o sistema jurídico-tributário atenda aos ideais de previsibilidade, calculabilidade, mensurabilidade e confiabilidade.

O espectro de atuação da segurança jurídica termina sendo tão grande e intenso no âmbito do Direito Tributário que alguns autores identificam-na como sobreprincípio de tal ordem. É o caso de Paulo de Barros Carvalho (1994, p.89), para quem

todo princípio atua para implantar valores. Há, contudo, conjuntos de princípios que operam para realizar, além dos respectivos conteúdos axiológicos, princípios de maior hierarquia, aos quais chamaremos de "sobreprincípios". Se num determinado sistema jurídico tributário houver a consciência de diretrizes como a da legalidade, da igualdade, da irretroatividade, da universalidade da jurisdição, da anterioridade etc., dele diremos que abriga o sobreprincípio da segurança jurídica em matéria tributária.

Destoa-se desta lição apenas em relação à indicação de que os sobreprincípios se situam em um grau superior, de maior hierarquia que os demais princípios. Esta idéia implica a conclusão de que princípios se fundamentam em valores dotados de peso próprio, específico e constante, passível de avaliação abstrata. Em rigor, não existe hierarquia entre princípios; todo e qualquer – pretenso – choque ou colisão, ocorrido diante de situação concreta, deve ser resolvido mediante a técnica da ponderação de interesses, através do princípio (ou postulado) da proporcionalidade. Nestes termos, mais adequada se faz a definição encampada por Humberto Ávila (2008, p.39-40), para quem o que permite qualificar um preceito como sobreprincípio é o fato dele "impor a realização de um ideal mais amplo, que engloba outros ideais mais restritos.".

Assim, a segurança jurídica se situa, de fato, como um sobreprincípio da ordem tributária. Porém, não porque seja hierarquicamente superior a outros, mas tão somente porque inspira a realização de um estado ideal de coisas mais amplo, em relação ao qual convergem diversos outros princípios, como é o caso, por exemplo, do princípio da legalidade, como fica claro, aliás, da lição de Alberto Xavier (1978, p.43-44):

O princípio da legalidade tributária, nos quadros do Estado de Direito, é essencialmente um critério de realização da justiça; mas é, do mesmo passo, um critério da sua realização em termos seguros e certos. A idéia de segurança jurídica é, decerto, bem mais vasta do que a de legalidade; mas posta em contato com esta não pode deixar de a modelar, de lhe imprimir um conteúdo, que há de necessariamente revelar o grau de segurança ou certeza imposto, ou pelas concepções dominantes, ou pelas peculiaridades do setor a que respeita.

Em suma, o princípio da legalidade, ao atuar, termina realizando parte substancial do ideal ostentado pela segurança jurídica. Um e outro não se confundem, embora haja uma espécie de convergência que permite identificar a segurança jurídica como espécie de norte mais amplo para o qual converge a legalidade. A mesma situação ocorre com os princípios da anterioridade, da irretroatividade, dentre outros. Justamente por isto – porque imbuído da realização de um ideal mais amplo – é que se pode classificar a segurança jurídica como sobreprincípio da ordem tributária.

Por conseqüência lógica do fato de se apresentar como sobreprincípio, tem-se que a segurança jurídica opera na ordem tributária sempre que se faz notar qualquer um destes princípios cujos ideais confluam na realização dos valores comprometidos com a previsibilidade, a calculabilidade, a mensurabilidade e com a proteção da confiança.

Souto Maior Borges (2002, p.1-2) destaca a pluralidade de alternativas de realização da segurança jurídica ao questionar:

Quais os valores que a segurança busca preservar, no âmbito do sistema constitucional tributário? A irretroatividade? A legalidade? A isonomia? A efetividade da jurisdição tributária, administrativa ou judicial? Tudo isso junto e muito mais que isso.

Arriscando-se à formulação de um rol de princípios relacionados à segurança jurídica, Ricardo Lobo Torres (2005, p.14) arrola os seguintes: legalidade, no que engloba a superlegalidade, a reserva da lei e o primado da lei; tipicidade, arregimentando ao seu redor a tipicização, a determinação do fato gerador e a conformidade com o fato gerador; irretroatividade; proibição de analogia; anterioridade e anualidade; e a proteção da confiança do contribuinte, desdobrada em irrevisibilidade do lançamento, inalterabilidade do lançamento e irrevogabilidade das isenções onerosas.

De fato, todos estes pontos apontados relacionam-se com o princípio da segurança jurídica em matéria tributária. Por óbvio, o aprofundamento de todos estes desdobramentos específicos fugiria aos limites do tema de pesquisa proposto, até porque, cada um dos preceitos demandaria um trabalho específico e mais aprofundado sobre si.

Há que se ressaltar, todavia, que estas hipóteses de aplicação não esgotam – e nem poderiam – o tema da aplicação da segurança jurídica e do princípio da proteção da confiança em matéria tributária. Estes preceitos ostentam amplitude suficiente para afastar a possibilidade de se lhes delimitar as repercussões de modo exaustivo. Ao revés, as suas hipóteses de aplicação permanecem sempre em aberto, podendo ter seu conteúdo acrescido à medida em que novas situações concretas se apresentem.

Exemplo disto é apresentado por um desdobramento específico do princípio da proteção da confiança no Direito Tributário que não foi referenciado por Ricardo Lobo Torres. Trata-se da imposição de limites à modificação na jurisprudência constitucional-tributária.

Tal tema foi bastante visitado em momento recente; mais precisamente, em junho de 2007, por ocasião do enfrentamento de questão de ordem levantada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, no RE 370.682-SC. Questionou-se, então, a possibilidade de, em nome da proteção da confiança, conceder efeitos apenas prospectivos à decisão que, modificando entendimento do Supremo Tribunal Federal, denegou o direito ao creditamento do crédito no IPI em relação aos produtos sujeitos à alíquota zero.

Em suma, o problema enfrentado foi o de decidir se aqueles contribuintes que foram beneficiados por entendimento que perdurou vigente por tempo razoavelmente longo, ao se defrontarem com a reviravolta jurisprudencial, teriam de arcar com os bustos referentes às benesses usufruídas ao longo de todo o período.

A Corte Constitucional "não reconheceu, no caso em tela, confiança a ser protegida, nem direito à segurança ou à irretroatividade da nova decisão, ao argumento de que nenhuma sentença anterior, relativa à alíquota zero, chegara a transitar em julgado." (DERZI, 2007, p. 300).

Em crítica à decisão, Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues (2007, p.207-208) defenderam a tese de que, para salvaguardar a confiança dos contribuintes, deveria ser atribuído efeito ex nunc à decisão; ou seja, aqueles contribuintes que tinham se beneficiado da postura anterior, não deveriam ser compelidos à restituição das benesses. Aduziram, para tanto, que

o STF, assim como qualquer outro juízo ou tribunal, não está impedido de modificar sua posição sobre determinada questão, seja para readaptar a novos fatos, seja para rever sua interpretação anterior. Ao fazê-lo, porém, o STF, a exemplo dos demais Poderes Públicos, está vinculado ao princípio constitucional da segurança jurídica por força do qual a posição jurídica dos contribuintes, que procederam em conformidade com a orientação anteriormente adotada pela Suprema Corte em relação à matéria, deve ser preservada.

Em sentido similar, Paulo Roberto Lyrio Pimenta (2007, p.357) aduz que, em casos como este, o julgador deve buscar uma solução que pondere os valores e princípios envolvidos, mediante a utilização da técnica da proporcionalidade, o que lhe autorizaria a, apesar de modificar o seu entendimento jurisprudencial, resguardar a expectativa daqueles que legitimamente confiaram, o que seria possível mediante a modulação temporal dos efeitos da decisão.

O reproche à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no tópico é inevitável, já que fez pouco caso do fato de o entendimento anterior, apesar de não ter transitado em julgado, ter sido reiteradamente proferido em outros processos; fora, inclusive, acolhido liminarmente em algumas oportunidades, justamente porque considerado jurisprudência assente daquele órgão. Descurou, assim, da legítima expectativa que fora construída com esteio naquele posicionamento, que se esperava ser ratificado aquando do julgamento final. Ofendeu, por isto, ao princípio da proteção da confiança.

Porém, a despeito da correição ou não do entendimento jurisprudencial especificamente debatido, o fato é que o princípio da proteção da confiança apresenta, em tese, mais esta possibilidade. E não só ela. Trata-se de preceito ao qual, assim como ocorre com a segurança jurídica, se deve devotar particular atenção. As hipóteses de utilização deles são – e sempre serão – abertas; prontas para serem estendidas diante de novas e inusitadas situações.

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Sobre a autora
Mirella Barros Conceição Brito

Assessora jurídica do Ministério Público do Estado da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Mirella Barros Conceição. Segurança jurídico-tributária e proteção da confiança do contribuinte no Estado de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2789, 19 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18518. Acesso em: 19 nov. 2024.

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