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A prisão civil do depositário infiel proveniente da execução trabalhista

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26/02/2011 às 14:16
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5. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL NA JUSTIÇA DO TRABALHO

A possibilidade da prisão civil do depositário infiel prevista expressamente pela Constituição Federal é, como ensina o magistrado Mauro Schiavi, exceção ao princípio da patrimonialidade da execução (art. 591. do CPC), in verbis:

[...] tendo por escopo a prisão que é de índole processual, e não penal, forçar o depositário a entregar o bem que está sob sua guarda, garantindo-se a dignidade do processo e a efetividade da jurisdição (SCHIAVI, 2010, p. 967).

Ressalte-se que não cabe ao juiz decretar a prisão do depositário sem antes ensejar-lhe o direito de defesa e o esclarecimento sobre o desaparecimento dos objetos penhorados, sendo-lhe garantido o contraditório e a ampla defesa e até mesmo a possibilidade de depositar o preço do bem penhorado como medida para evitar a prisão (THEODORO JÚNIOR apud SCHIAVI, 2010, p. 967).

A prisão poderá ser determinada pelo Juiz do Trabalho por tempo não superior a um ano (§ 1º, art. 902, CPC).

Sem prejuízo do depósito ou da prisão do réu, pode o autor promover a busca e apreensão da coisa. Caso esta seja encontrada ou entregue voluntariamente pelo réu, cessará a prisão, sendo devolvido o equivalente em dinheiro (art. 905, CPC).

Nesse contexto, adverte Júlio César Bebber que esse procedimento trata-se, na verdade, de uma "técnica processual de coerção", e explica:

A prisão civil (ou ameaça de prisão) embora constitua medida privativa de liberdade de locomoção física, não tem natureza jurídica de penalidade. Trata-se de técnica processual de coerção adotada com o escopo de constranger o depositário a restituir os bens depositados (BEBBER apud SCHIAVI, 2010, p. 967).

Corrobora com esse entendimento Marcelo Cerveira Gurgel que entende ser a prisão civil um instituto de coerção pessoal que pode ser usado pelo Poder Judiciário em situações excepcionais e plenamente justificadas, afirmando em poucas linhas que: "A prisão civil não possui natureza sancionatória e é um importante instrumento de coerção pessoal que deve ser utilizado pelo Poder Judiciário na consecução de sua missão constitucional" (GURGEL, 2007, p. 158).

Diante dos esclarecimentos até então expostos nesta obra, os tópicos deste capítulo direcionam a análise do tema à Justiça do Trabalho, levando-se em consideração as peculiaridades inerentes a ela.

5.1. Posição do Supremo Tribunal Federal

Conforme já citado no item 4.1 do capítulo anterior, o STF, mesmo após a ratificação do Pacto de São José da Costa Rica, admitia a prisão civil do depositário infiel.

Posteriormente, o Supremo alterou seu posicionamento ao fixar jurisprudência no sentido da proibição da referida prisão de acordo com os fundamentos já discutidos. Em consequência, foi cancelada a súmula nº 619, e editada a súmula vinculante nº 25 com o seguinte teor: "É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito".

Não obstante o entendimento pacificado do STF, há discordância de parte dos magistrados e doutrinadores acerca do tema, seja no que pertine ao status dos tratados sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil sem obediência ao quorum previsto no § 3º do art. 5º da CF/88, seja em relação à falta de discussão da matéria sob a óptica trabalhista.

Note-se que de todas as lides analisadas pelo Supremo para a adoção dessa posição, nenhuma trata de prisão civil de depositário infiel em processo em trâmite na Justiça do Trabalho.

Georgenor de Souza, juiz do trabalho, salienta ainda a questão da repercussão geral, requisito para o exame de recursos extraordinários. Segundo ele, "no caso do depositário infiel, a repercussão geral dada foi apenas para a hipótese de alienação fiduciária" (FRANCO FILHO, 2010). Acrescenta também o magistrado que:

[...] no dia 5 de outubro de 2009, antes da aprovação da Súmula Vinculante n. 25, o Min. Carlos Ayres Britto, apreciando o HC 100.888, concedeu o remédio por entender que o Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil, prevalece como norma supralegal na norma jurídica interna e, assim, proíbe a prisão civil por dívida. De acordo com o decisório, não é norma constitucional, mas a sua hierarquia intermediária de norma supralegal autoriza afastar regra ordinária brasileira que possibilite a prisão civil por dívida. Este foi o primeiro caso de exame do tema em matéria trabalhista. E a ementa do HC 95.170, base desta decisão, é a mesma do HC 94.013, citado acima, e, o tema era de depositário infiel em processo de execução de título extrajudicial na Justiça estadual comum do Rio Grande do Sul, evidentemente sem qualquer ligação com crédito trabalhista e decisão proferida em processo oriundo da Justiça do Trabalho ou crédito trabalhista. A Súmula Vinculante n. 25. segue a esteira desse julgado (FRANCO FILHO, 2010, grifo meu).

Nesse contexto, na decisão do STF que culminou na edição da súmula vinculante nº 25, algumas questões não foram consideradas, fato que enseja a discussão da aplicabilidade dessa decisão na justiça do trabalho. Por isso, tais assuntos necessitam de esclarecimento e serão, no decorrer deste capítulo, paulatinamente discutidos, são eles: a natureza alimentar dos créditos trabalhistas; a Constituição da OIT; o direito à vida; o andamento das execuções trabalhistas no Brasil.

5.2. Natureza jurídica dos créditos trabalhistas (art. 100, §1º - A da CF)

A Constituição Federal de 1988 atribui privilégio especial ao crédito trabalhista, indubitavelmente considerado alimentar, in verbis:

Art. 100

§ 1º-A – Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.

Conforme se depreende do citado artigo, os créditos trabalhistas da mesma forma que as pensões, são considerados débitos de natureza alimentícia.

Por conseguinte, discute-se a razão pela qual a prisão civil do depositário infiel é vedada na seara trabalhista, já que o respectivo débito em questão tem natureza alimentar. De outro lado, permite-se a prisão do devedor de prestação alimentícia.

Nesse passo, Georgenor de Sousa traz o seguinte entendimento acerca dessa questão:

[...] o crédito trabalhista tem natureza alimentar, por isso é privilegiado em relação a todos os demais, sem exceção. E por que? Porque o direito à contra prestação pelo trabalho prestado abrange, por igual, o direito à alimentação. Pois bem! Ao negar o direito de prender o depositário infiel, estará sendo negado o direito de o credor trabalhista (de natureza alimentar), que tem direito também à alimentação, e a alimentação é vida, obrigar o cumprimento de uma tarefa que judicialmente foi atribuída a outrem: ao fiel (agora infiel) depositário (FRANCO FILHO, 2010).

A alimentação é um direito social, além de ser direito fundamental do cidadão. Está diretamente relacionado ao direito à vida, à sobrevivência e à dignidade, previstos no art. 1º, III, e 6º da Constituição Federal. O qual requer a devida proteção.

Em outro plano de argumentação, SANTOS JÚNIOR (2010, p. 146) sustenta que o Pacto de São José da Costa Rica não é direcionado ao devedor de alimentos, não está voltado à proteção do depositário de um bem que visa satisfazer uma obrigação alimentícia, oriunda do trabalho prestado por uma pessoa à outra. Tem como embasamento a própria exposição de motivos daquele tratado e o artigo 7º, 7 do mesmo que dispõe: "Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar". Assim, o autor traz a seguinte ressalva:

Uma interpretação sistemática a respeito dessa norma sinalizará a impossibilidade da proteção do depositário infiel de um bem que visa a satisfazer uma dívida de natureza alimentícia, como ocorre nas execuções trabalhistas de um modo geral. Não há como se inverter a lógica do sistema concebido no próprio Pacto, que visava proteger justamente o hipossuficiente e não desproteger o trabalhador que vendeu sua força de trabalho e não recebeu o correspondente pagamento (SANTOS JÚNIOR, 2010, p. 146).

Destarte, não é certo negar a proteção ao trabalhador, no que tange à sua sobrevivência, em face do depositário infiel cuja obrigação é a satisfação de uma dívida alimentícia, o que vai de encontro aos preceitos do próprio Pacto de São José da Costa Rica.

Flávia Piosevan, citada por Santos Filho (2010, p. 147), leciona que na ocorrência de eventual conflito entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito interno, adota-se o critério da prevalência da norma mais favorável à vítima. Isto é, prevalecerá a norma que melhor proteja, em cada caso, os direitos da pessoa humana. Nessa situação, deve-se avaliar quem é a vítima, isto é, se a vítima seria o depositário infiel (normalmente o empregador) do bem que serviria para o pagamento de uma dívida de natureza alimentícia, ou o trabalhador que ficou sem o recebimento desses alimentos, apesar do trabalho prestado em favor do empregador.

Outro argumento a ser analisado é aquele defendido pelo Ministro Menezes Direito em voto proferido no HC 87.585-8/TO, estudado no capítulo anterior. Segundo ele, a impossibilidade de prisão com base no Pacto de São José da Costa Rica não abrange o depositário judicial, pois neste caso não se trata de dívida, como se refere o tratado, mas sim de um múnus público assumido pelo depositário.

Mauro Schiavi corrobora o entendimento do Ministro, defendendo que:

O art. 7, item 7, da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos proíbe a prisão civil por dívidas. O depositário tem uma obrigação processual de natureza pública para entrega do bem penhorado que está sob sua guarda. Não se trata, no nosso sentir, de prisão por dívida, mas pelo não cumprimento de um encargo público (SCHIAVI, 2010, p. 971).

Importa acrescentar outro posicionamento no sentido da aplicação da prisão civil oriunda de dívida alimentar, não adimplida por ato voluntário e inescusável, aos devedores de créditos trabalhistas de natureza salarial (SOUTO MAIOR; TOLEDO FILHO, p. 1). Esta posição fundamenta-se, além do caráter alimentar do salário, na similitude entre o rito preconizado pela Lei nº 5.478/68, que dispõe sobre a ação de alimentos, e à dívida trabalhista, litteratim:

a) o pedido pode ser externado verbalmente, com sua redução a termo pelo escrivão (Lei 5.478, art. 3º, §s primeiro e segundo; CLT, art. 840, § 2º);

b) a segunda via da petição ou do termo será remetida ao demandado no prazo de 48 horas (Lei 5.478, art.5º; CLT, art. 841);

c) a citação é em regra postal (Lei 5.478, art. 5º, § 2º; CLT, art. 841, § 1º);

d) o autor é notificado da data da audiência já no ato de recebimento da petição ou da lavratura do termo (Lei 5.478, art. 5º, § 6º; CLT, art. 841, § 2º);

e) na audiência, deverão estar presentes autor e réu, independentemente da presença de seus representantes (Lei 5.478, art. 6º; CLT, art. 843);

f) a ausência do autor importará em arquivamento e a do réu em revelia e confissão (Lei 5.478, art. 7º; CLT, art. 844);

g) as testemunhas, até o máximo de três para cada parte, comparecerão espontaneamente à audiência, na qual ademais serão apresentadas eventuais outras provas (Lei 5.478, art. 8º; CLT, arts. 821, 825 e 845);

h) audiência deverá ser contínua, salvo motivo de força maior (Lei 5.478, art. 10; CLT, art. 849);

i) as alegações finais serão verbais, no prazo de 10 minutos, após o que será renovada a proposta conciliatória, seguindo-se, caso esta resulte frustrada, a prolação da decisão (Lei 5.478, art. 11. ; CLT, art. 850);

j) as partes reputar-se-ão intimadas da sentença na própria audiência (Lei 5.478, art. 12; CLT, art. 852) (SOUTO MAIOR; TOLEDO FILHO, p. 2).

Assim, para a referida corrente, o instituto da prisão civil por dívidas de cunho alimentar, que, embora detenha expressa previsão constitucional, é por completo desconhecido no âmbito trabalhista.

Diante dos argumentos expostos no presente tópico, conclui-se: que é inegável a natureza alimentar dos créditos trabalhistas; que o Pacto de São José da Costa Rica está mais voltado para a proteção do trabalhador do que para a proteção do depositário infiel que não cumpre uma obrigação de caráter alimentar; e que o depositário judicial assume um encargo público, e não uma dívida, sendo passível de prisão.

5.3. A Constituição da Organização Internacional do Trabalho e o Pacto de São José da Costa Rica

Dentre os princípios que norteiam o Direito do Trabalho está o princípio da proteção, cujo propósito consiste em tentar corrigir desigualdades, criando uma superioridade jurídica em favor do empregado, diante da sua condição de hipossuficiente (BARROS, 2008, p. 180).

O princípio da norma mais favorável encontra fundamento na existência de duas ou mais normas em que há polêmica quanto à preferência de aplicação de uma ou de outra. Segundo Alice Monteiro de Barros (2008, p. 180), "esse princípio autoriza a aplicação da norma mais favorável, independentemente de sua hierarquia".

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É interessante lembrar que o princípio da aplicação da norma mais benéfica ao trabalhador, conforme ensina Georgenor de Sousa (2010), está consagrado no art. 19, item 8, da Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dispõe:

Art. 19, 8

Em caso algum, a adoção, pela Conferência, de uma convenção ou recomendação, ou a ratificação, por um Estado-Membro, de uma convenção, deverão ser consideradas como afetando qualquer lei, sentença, costumes ou acordos que assegurem aos trabalhadores interessados condições mais favoráveis que as previstas pela convenção ou recomendação.

A Constituição da OIT foi ratificada pelo Brasil em 13 de abril de 1948, conforme Decreto de Promulgação n. 25.696, de 20 de outubro de 1948. Posteriormente, o Pacto de São José da Costa Rica foi aprovado pelo Brasil através do Decreto Legislativo n. 27, de 25/09/1992, e promulgado pelo Decreto nº 678 de 6/11/1992, prevendo em seu art. 7º, item 7 que "Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar".

Frise-se que ambos os tratados, relativos à aplicação de direitos humanos fundamentais foram ratificados pelo Brasil antes da EC nº 45, portanto, não obedeceram ao quórum previsto no § 3º da Constituição Federal de 1988, possuindo status supralegal, conforme entendimento do STF.

Sendo assim, Georgenor de Sousa (2010) entende que, considerando tal situação, há um conflito de normas supralegais, quais sejam:

[...] a que privilegia o crédito trabalhista, de natureza alimentar, caso do dispositivo constitucional que permite a prisão do depositário infiel, considerando o tratamento atribuído pelo art. 19. da Constituição da OIT, de um lado; e a regra do Pacto de San José da Costa Rica que não admite a prisão desse depositário, salvo em caso de obrigação alimentícia, que, para esse fim, pode-se limitar ao seu sentido mais estrito, de pensão alimentícia decorrente de processo na Justiça Comum, no âmbito das relações civis (FRANCO FILHO, 2010).

Segundo o autor, aplicando-se o princípio da especialidade, a regra do artigo 19 da Constituição da OIT, permitirá a prisão civil do depositário infiel nos processos trabalhistas.

De acordo com esse raciocínio, Alice Monteiro de Barros (2008, p. 176) preleciona que, em se tratando de conflito entre regras, a solução está na perda da validade de uma delas em favor da outra. Por outro lado, tratando-se de princípios, privilegia-se um deles, sem que o outro seja violado. Por isso, pode-se concluir que os princípios têm como característica a relatividade, posto que eles não são aplicados de forma absoluta. Por fim, a autora acentua que para a conciliação entre princípios, sugere-se a invocação do princípio da proporcionalidade deduzido no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988.

Insta salientar que o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios, são eles: princípio da proporcionalidade em sentido estrito, ou máxima do sopesamento; princípio da adequação e princípio da exigibilidade, ou mandamento do meio mais suave (BARROS, 2008, p. 177).

O princípio da proporcionalidade em sentido estrito assegura que deverá ser empregado o melhor meio possível, sob o prisma jurídico, para ser alcançado o fim de uma determinada disposição normativa.

Por conseguinte, o princípio da adequação estabelece que a partir dele seja atingido o fim legítimo perseguido. Por sua vez, o princípio da exigibilidade institui que a medida sancionadora é exigível quando o legislador não poderia ter escolhido outra, igualmente eficaz, sem o sacrifício dos direitos fundamentais ou o menor grau dos mesmos.

Por tudo, observa-se a possibilidade da prevalência da Constituição da OIT perante o Pacto de São José da Costa Rica, vez que ambos são hierarquicamente considerados como normas supralegais.

Isto enseja a aplicação do princípio da especialidade a fim de que seja aplicada a norma mais favorável ao trabalhador, isto é, a permanência do meio coercitivo da prisão do depositário infiel tendo por fim o recebimento do crédito pelo trabalhador, elemento essencial à sua própria sobrevivência. De igual forma, enseja a aplicação do princípio da proporcionalidade, devendo prevalecer o princípio consagrado na Constituição da OIT, posto que, o não recebimento do crédito pelo trabalhador exequente ou até sua postergação implica em danos morais e materiais a ele e a sua família, comprometendo entre outros fatores, a sua sobrevivência, como já enunciado.

5.4. Direito à liberdade X direito à vida

Ao discutir a aplicabilidade da prisão civil do depositário infiel, é fundamental tratar do conflito de direitos fundamentais que permeia o tema: o direito à liberdade (do depositário infiel) e o direito à vida (do credor trabalhista).

Note-se que trata-se de uma relação em que estão em conflito a liberdade do depositário que tem a obrigação legal de cumprir a ordem judicial, e a vida do credor exequente que normalmente depende do recebimento do seu crédito para a sua própria sobrevivência e de sua família, sua própria dignidade.

Em eventuais colisões entre direitos fundamentais a doutrina encontra solução na ponderação de princípios e valores. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, habitualmente tem sido adotado o critério da opção mais benéfica à pessoa, nos seguintes termos:

Certo é que aqui haverá de se buscar uma harmonização das posições conflitantes, no âmbito de uma concordância prática (tal como proposta por Konrad Hesse) e que inevitavelmente passa por uma hierarquização dos valores e princípios em pauta (Juarez Freitas). Para não nos omitirmos aqui no que diz com uma tomada de posição pessoal em sem que se possa aqui aprofundar-se a esse aspecto, adotamos o entendimento de que na dúvida impõe-se a opção pela solução mais afinada com a proteção da dignidade da pessoa humana (in dúbio pro dignitate), tal qual nos propõe Juares Freitas, ainda que em outro contexto (SARLET apud SANTOS JÚNIOR, 2010, p. 148).

Dessa forma, a técnica de ponderação de valores e a harmonização de interesses conflitantes é a solução encontrada pela doutrina em situações de contraposição de direitos fundamentais.

Nessa esteira, Marcelo Cerveira Gurgel (2007, p. 155) lembra que não se deve olvidar de outro princípio fundamental inserido na Constituição que é o princípio da máxima efetividade da prestação jurisdicional:

Não podemos esquecer que o próprio constituinte positivou o princípio da inafastabilidade da prestação da tutela jurisdicional efetiva, quando em seu art. 5°, XXXV, dispôs que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito."

Ora, de nada adiantaria impor ao Poder Judiciário uma prestação para evitar a lesão ou ameaça a direito se esta prestação não puder ser efetiva (GURGEL, 2007, p. 155).

Assim, não há como aniquilar as, muitas vezes, remotas hipóteses que o credor trabalhista tem de receber seus direitos, protegendo o depositário do bem de tal forma que ele possa até mesmo vender o bem sem maiores responsabilidades.

5.5. A vedação da prisão civil do depositário infiel e seus reflexos na execução trabalhista

O posicionamento do Supremo Tribunal Federal foi cristalizado na súmula vinculante nº 25 que afirma ser ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito.

Ao fixar esse entendimento, o Supremo não analisou pormenorizadamente o assunto sob os aspectos peculiares da justiça do trabalho, o que gerou consequências na execução trabalhista cujas principais vítimas são os credores exequentes.

Mauro Schiavi, a respeito da definição e objetivo da execução trabalhista, ensina que:

[...] consiste num conjunto de atos praticados pela Justiça do Trabalho destinados à satisfação de uma obrigação consagrada num título executivo judicial ou extrajudicial, da competência da Justiça do Trabalho, não voluntariamente satisfeita pelo devedor, contra a vontade deste último (SCHIAVI, 2010, p. 815).

A execução, portanto, visa a satisfação da obrigação contida no título, a qual não foi satisfeita voluntariamente pelo credor. Em outras palavras, a execução tem como objetivo a efetivação da prestação jurisdicional.

Nesse passo, um dos princípios norteadores da execução trabalhista é o da efetividade, isto é, o máximo de resultado com o menor dispêndio de atos processuais (SCHIAVI, 2010, p. 819).

Araken de Assis explica que o êxito da execução trabalhista pode ser verificado de duas formas:

[...] quando entrega rigorosamente ao exeqüente o bem perseguido, objeto da prestação inadimplida, e seus consectários, ou obtém o direito reconhecido no título executivo. Este há de ser o objetivo fundamental de toda e qualquer reforma à função jurisdicional executiva, favorecendo a realização do crédito (ASSIS apud SCHIAVI, 2010, p. 819).

Destarte, alguns estudiosos do direito entendem que o Supremo Tribunal Federal, ao editar a súmula vinculante nº 25, agiu na "contramão", uma vez que prejudica a efetividade na aplicação da justiça1.

Assim também compreende André Campello, ao aduzir que "tal decisão é catastrófica, pois quebra o alicerce da prestação jurisdicional: o já combalido processo de execução" (CAMPELLO, 2010).

Para Georgenor de Sousa, com a aprovação da súmula, torna-se profundamente difícil obrigar o depositário a cumprir com diligência o sua missão. Segundo ele, três são os aspectos que mais chamam a atenção:

Primus, a única esperança real de se efetivar a liquidação de um feito ante atos de violação praticado por depositário infiel é a sua possível prisão. E a previsão consta do inciso LXVII do art. 5º da Constituição. Secundo, perderá total motivo de existir o inciso IV do art. 114. da Constituição, eis que ao Juiz do Trabalho só cabe mandar prender depositário infiel. Logo, se não existir mais essa hipótese, evidente que o habeas corpus na competência da Justiça do Trabalho será apenas um enfeite despiciendo. Tertius, a guisa de se invocar direitos humanos, viola-se o novo comando constitucional e se reconhece, como supralegal, tratados dessa natureza, sem que tenha sido observado o quorum exigido, pretendendo ter esse alcance supralegal ter sido reconhecido desde 1988, com o texto primitivo do § 2º do art. 5º constitucional (FRANCO FILHO, 2010).

De fato, uma das consequências da decisão do Supremo é a impossibilidade de o juiz do trabalho decretar prisão, pois a única possibilidade era no caso do depositário infiel.

Conforme recorda André Campello (2010), "a prisão civil também servia como meio dissuatório de tentativa de prática de atos fraudulentos à execução".

Na falta deste instrumento de coerção poderá o depositário se sentir à vontade para, inclusive, alienar o bem sob sua guarda. De acordo com o citado autor, poder-se-ia até pensar, neste caso, no crime de ato atentatório à dignidade da justiça (art. 593. e art. 600, I, do CPC), com aplicação, no máximo, de multa de 20% (art. 601. do CPC), no entanto, essa não parece ser a melhor solução, como se observa em sua explicação:

[...] se o devedor (que geralmente é o próprio depositário do bem penhorado) não se intimidou com a cobrança da dívida principal, expondo-se à execução, por que se atormentaria com a aplicação de uma pequena sanção pecuniária? De fato, não existe mais nenhuma preocupação para o depositário infiel (CAMPELLO, 2010).

Outra alternativa a ser analisada por André Campello (2010) seria obrigar o devedor a exibir o bem conscrito em certo prazo, sob pena de prática de crime de desobediência, tipificado no art. 330. do Código Penal. Por outro lado, o perecimento da coisa não importaria na prisão.

Santos Júnior (2010, p. 149) salienta que, em geral, nas execuções trabalhistas o proprietário do bem penhorado fica também como depositário fiel, o que lhe possibilita continuar usando e auferindo lucros com o respectivo bem, já que na maioria das situações o depositário vem a ser ex-empregador do trabalhador exequente.

Ademais, ao evitar que o bem conscrito seja recolhido a um depósito judicial, por exemplo, a execução não é onerada, visto que, conforme afirma o citado autor, não há despesas com transporte e nem armazenamento do bem. Nesses termos, a execução se processa de forma menos gravosa para o devedor.

A magistrada TRT da 14ª Região, Luzinália de Souza Moraes (2010), salienta que uma solução seria a retirada do bem da posse do devedor não o deixando com o depositário, porém nesta região, por exemplo, não há depósito judicial para o qual poderia ser levado o bem. Outra solução seria deixar credor como depositário do bem, todavia, no caso de o bem possuir valor superior ao crédito exequendo esse não seria o procedimento mais adequado. Conclui, com isso, que a impossibilidade de prisão gerou o "esvaziamento do processo executivo"2.

Desse modo, a estrutura da execução trabalhista encontra-se ameaçada, tendo em vista a impossibilidade da decretação da prisão do infiel depositário. Tal é o que conclui, em fortes linhas, Rubens Fernando Clamer dos Santos Júnior:

Esta sistemática terá de obrigatoriamente ser alterada na hipótese de a jurisprudência consagrar o entendimento da impossibilidade da prisão civil do depositário infiel desse bem, porquanto não há como se manter este procedimento se não há meios de se garantir a restituição do bem. Trata-se de medida inútil, ineficaz e fadada ao insucesso. Obrigatoriamente, a fim de se garantir um resultado útil e eficaz à prestação jurisdicional, o bem terá de ser recolhido, deixando de ser depositário o proprietário ou o possuidor do bem. Esta alternativa estará prejudicando e penalizando aquele devedor de boa-fé que pretende entregar o bem penhorado quando instado a tanto ou então satisfazer a obrigação (SANTOS JÚNIOR, p. 149, grifo meu).

Portanto, o que se observa é que com a criação da súmula, retirou-se um instrumento essencial para a efetivação da prestação jurisdicional, o qual não foi substituído por outro melhor e mais eficaz. Ao contrário, procurou-se solucionar a questão de modo a abrandar a punição já estabelecida, gerando impactos na aplicação da justiça laboral.

Segundo CAMPELLO (2010), o Supremo "não observou que, na prática, destruiu um dos principais instrumentos para a constrição do devedor, a penhora, atacando a eficácia da própria prestação jurisdicional".

Denota-se que até a penhora está perdendo sua razão de ser, pois não há meios satisfatórios de garanti-la.

Rubens Fernando Clamer dos Santos Júnior tenta solucionar a questão através de uma possível modificação desse procedimento, tal como a opção de recolhimento do para depósito judicial, como já explanado linhas acima. Mas conforme ele mesmo adverte essa solução acarretará maiores dificuldades à execução trabalhista, onerando-a demasiada e desnecessariamente. Para este autor, não há dúvidas de que "a providência mais útil e econômica seria a possibilidade de prisão desse depositário, como medida coercitiva eficaz para a restituição do bem penhorado" (SANTOS JÚNIOR, 2010, p. 149).

Guilherme Guimarães Feliciano comenta algumas consequências oriundas de uma possível aprovação do Enunciado n. 17. da PSV n. 03, ou seja, da então súmula vinculante nº 25, conforme excerto abaixo:

Alfim, a par do incalculável prejuízo para a efetividade das execuções trabalhistas, a aprovação do enunciado n. 17. da PSV n. 03. representaria, para a Justiça do Trabalho, uma inexplicável supressão hermenêutica de competência constitucional expressa, eis que, afastada a competência penal das varas do trabalho (ADI n. 3684/2006, rel. Min. CEZAR PELUSO) e inviabilizada a prisão civil de depositários judiciais infiéis, não restaria qualquer hipótese possível de constrangimento ao "ius libertatis" perpetrado por juízes do trabalho. Isso significará, na prática, a derrogação oblíqua da norma do artigo 114, IV, da CRFB (quanto à competência material da Justiça do Trabalho para o processo e o julgamento de "habeas corpus") — o que evidencia que, sistematicamente, essa não é uma interpretação constitucional aceitável. (FELICIANO, 2009).

Além de suprimir a competência penal constitucional consagrada no artigo 114, IV da CRFB, como afirma o autor supra, deve salientar que o caso não se resume a mera prisão civil por dívidas, pois tem inegável natureza bifronte:

Não bastasse, a prisão civil do depositário judicial infiel economicamente

capaz, sobre estar autorizada pela norma do artigo 5º, LXVII, in fine, da CRFB, não se resume à mera "prisão civil por dívidas". Tem irrefragável natureza bifronte, consubstanciando também medida de defesa da autoridade pública e da dignidade do Poder Judiciário, à maneira de contempt of court (o que não está vedada, nesses termos, pelo Pacto de San José da Costa Rica) (FELICIANO,2009).

Sendo assim, a inadmissibilidade da prisão civil do depositário infiel nas execuções trabalhistas compromete a efetividade da prestação jurisdicional, pois esta modalidade de prisão serve como instrumento de coerção para que haja a satisfação do crédito exequendo.

5.6 Posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho

Antes da edição da súmula vinculante nº 25, o Tribunal Superior do Trabalho era pacífico quanto à possibilidade da prisão civil do depositário infiel, litteratim:

RECURSO ORDINÁRIO EM -HABEAS CORPUS-. DEPOSITÁRIO INFIEL. A prisão civil do depositário infiel não se caracteriza como pena, mas como coação. Não apresentados os bens cuja guarda fora confiada ao executado, ora paciente, e posteriormente adjudicados pelo exeqüente, correta a determinação de ordem de prisão. Ademais, não se admite, em sede de -habeas corpus- a análise de questão que dependa de dilação probatória. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(ROHC - 1004300-31.2008.5.02.0000 , Relator: Min. Pedro Paulo Manus. Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, julgado em 09/09/2008, publicado em 19/09/2008)

Após as decisões do Supremo Tribunal Federal que começaram a conceder ordens de habeas corpus a depositários infiéis, em razão da subscrição pelo Brasil do Pacto de São José da Costa Rica, o TST ainda mostrava-se favorável à prisão, ante a inexistência de súmula vinculante. É o que se observa na decisão com relatoria do Ministro Ives Gandra Martins Filho, abaixo:

HABEAS CORPUS- - DEPOSITÁRIO INFIEL - CONFIGURAÇÃO - PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA SOBRE DIREITOS HUMANOS (1969) E POSSIBILIDADE DE PRISÃO CIVIL - RECURSO DESPROVIDO.

1. Em que pese a existência de precedentes turmários do STF, não vinculativos, anatematizando a prisão civil de depositário infiel, a jurisprudência do TST é firme e pacífica quanto à possibilidade jurídica dessa modalidade de constrangimento ao direito de ir e vir, não a título de pena, mas como meio extremo de pressão para resgatar bem recebido em depósito e afetado ao cumprimento de obrigação de caráter alimentício.

2. Paradoxalmente, o mesmo Supremo, que fez letra morta do art. 4.1. do Pacto de São José da Costa Rica, ao referendar lei que autoriza a morte de embriões humanos para fins de pesquisas científicas, quando a referida Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, ratificada pelo Brasil em 1992, garante o direito à vida desde a concepção, vem esgrimir o art. 7.7. da mesma convenção, para afastar do Direito Positivo Brasileiro a prisão civil do depositário infiel.

3. A par da Constituição Federal prever expressamente a prisão civil do depositário infiel (CF, art. 5º, LXVII), o próprio art. 7.7. do Pacto de São José excepciona a prisão por descumprimento de obrigação alimentar, como é o caso dos créditos trabalhistas garantidos por depósitos judiciais. Nesse diapasão, não há de se falar em conflito entre o Acordo Internacional e o Direito Interno.

4. -In casu-, a condição de depositária infiel da Impetrante restou demonstrada tanto nos presentes autos quanto nos da ação trabalhista principal, uma vez que assumiu o -munus publicum- de depositária, nos termos do art. 629. do CC, negligenciando a guarda dos bens penhorados e não os restituindo quando instada a fazê-lo. Daí a legalidade da decretação prisional e a ausência de direito à concessão preventiva do -habeas corpus- impetrado.

Recurso ordinário desprovido.

(ROHC - 31100-86.2008.5.03.0000 , Relator: Min. Ives Gandra Martins Filho, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, julgado em 14/10/2008, publicado em 07/11/2008).

O acórdão acima retrata, inclusive, uma perplexidade do Ministro quanto algumas decisões do Supremo. Faz uma comparação entre aquela decisão que permitiu o uso de embriões para pesquisas científicas e o art. 4º do Pacto de São José da Costa Rica que estabelece a garantia do direito à vida desde a concepção. Além disso, contrasta essa decisão com a proibição da prisão civil do depositário infiel em que o STF passou a discutir o art. 7, item 7 do Pacto para afastar a prisão em questão.

O Ministro Ives Gandra Martins Filho, no citado acórdão, confirmou a tese do TST em relação à matéria. Ademais, segundo seu ponto de vista, em função de os créditos trabalhistas terem natureza alimentar, não há o que se falar em conflito de normais internas e internacionais, pois o Pacto permite a prisão decorrente de descumprimento de obrigação alimentar.

Nesse mesmo sentido votou a Ministra Maria Doralice Novaes em acórdão subsequente:

HABEAS CORPUS- - DEPOSITÁRIO INFIEL - INVOCAÇÃO DO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA SOBRE DIREITOS HUMANOS (1969) - IMPOSSIBILIDADE DA PRISÃO CIVIL - DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CONCESSÃO DA ORDEM.

1. Trata-se de recurso ordinário em -habeas corpus-, em face de decreto de prisão expedido pelo juízo da execução, em virtude da condição de depositário infiel decorrente da não-apresentação dos bens penhorados, como decidido pelo acórdão do 2º TRT.

2. De plano, verifica-se que restou configurada a condição de depositário infiel do Paciente, tanto nos presentes autos quanto nos da ação trabalhista principal, uma vez que assumiu o -munus publicum- de depositário, nos termos do art. 629. do CC, negligenciando a guarda dos bens penhorados e não os restituindo devido ao seu desaparecimento, o que revelaria a legalidade da decretação prisional e a ausência de direito à concessão do -habeas corpus- impetrado.

3. A par de a Constituição Federal prever expressamente a prisão civil do depositário infiel (CF, art. 5º, LXVII), o próprio art. 7.7. do Pacto de São José excepciona a prisão por descumprimento de obrigação alimentar, -verbis-: -ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar-.

4. Vê-se, de forma clara, que o dispositivo em tela admite exceções, em relação ao descumprimento de obrigação alimentar, nas quais se enquadra o crédito judicial trabalhista. Daí a inexistência de conflito entre o art. 7.7. do Pacto de São José e o art. 5º, LXVII, da CF, que prevê expressamente a prisão civil do depositário infiel.

5. No entanto, com ressalva de entendimento pessoal, adoto a decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal firmada no processo RE-466.343/SP, relatado pelo Min. Cezar Peluso e julgado na sessão de 03/12/08 e publicado no Diário de Justiça Eletrônico de 12/12/08, para conceder a ordem, calcado no Pacto de São José da Costa Rica.

Recurso ordinário provido para conceder a ordem de habeas corpus.

(ROHC - 1339200-64.2008.5.02.0000, Relatora: Min. Maria Doralice Novaes, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, julgado em 15/09/2009, publicado em 25/09/2009, grifo meu).

Tanto a Ministra Maria Doralice Novaes quanto o Ministro Ives Gandra Martins Filho entendem que o crédito trabalhista garantido por depósito enquadra-se na hipótese de obrigação alimentar, e, assim sendo, não há proibição da prisão nem pelo Pacto de São José da Costa Rica e nem pela Constituição Federal de 1988.

Os Ministros Alberto Bresciani e Renato Paiva também concordam com esse entendimento. Todavia os Ministros Barros Levenhagem, Emmanoel Pereira, José Simpliciano, Pedro Manus e Moura França, preferiram não contrariar a tese que estava sendo perfilhada pelo STF (ANAMATRA, 2009).

Com a entrada em vigor da súmula vinculante nº 25, o TST passou a decidir conforme a mesma, tal como se verifica no seguinte julgado:

-HABEAS CORPUS- PREVENTIVO SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DEPOSITÁRIO INFIEL. Não obstante o anterior entendimento desta Corte acerca da legalidade da prisão do depósitário fiel, não há como não se curvar à decisão do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que devem ser observadas as convenções e os tratados internacionais sobre direitos humanos dos quais o Brasil é signatário - e por ele ratificado -, como é a hipótese do Pacto de São José da Costa Rica. Nesse pacto, está previsto que, apenas na hipótese de devedor de alimentos, pode ser considerada legal a prisão civil. -Habeas corpus- concedido.

(HC - 3331-19.2010.5.00.0000, Relator: Min. Pedro Paulo Manus, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, julgado em 27/04/2010, publicado em 07/05/2010, grifo meu)

E assim, seguem-se os julgados do TST sempre em conformidade com a referida súmula vinculante, embora existam ministros que discordam dessa decisão.

5.7. Posicionamento da ANAMATRA

O presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (ANAMATRA) à época da decisão do Supremo, Cláudio José Montesso (cujo mandato se deu entre os anos de 2007 e 2009), apesar de posicionar-se de acordo com o decidido pelo STF, reconhece que foi retirada uma "arma" do poder dos magistrados (MONTESSO apud CRISTO, 2008).

Para o ex-presidente, a proibição da prisão gera um círculo vicioso, uma vez que "Terão de ser abertos processos de execução contra os depositários, paralelos aos processos de execução das dívidas trabalhistas" (MONTESSO apud CRISTO, 2008).

Apesar desses empecilhos, Cláudio José Montesso ressalta que há quem entenda que a prisão persiste em relação aos empregadores devedores dos salários de empregador, em razão da natureza alimentícia, embora não concorde com esse entendimento (MONTESSO apud CRISTO, 2008).

O magistrado acrescenta ainda que "Em muitos casos, o oficial de Justiça não encontra ninguém no local e nomeia um dos funcionários como depositário. Se o bem é vendido, ele pode ser preso injustamente" (MONTESSO apud CRISTO, 2008).

É certo que esse seria a priori um ponto negativo da prisão. No entanto, o magistrado não decreta a prisão arbitrariamente, no processo é garantido ao depositário o contraditório e a ampla defesa, a fim de que sejam evitados abusos. Como já mencionado no início deste capítulo, não cabe ao juiz decretar a prisão do depositário sem antes ensejar-lhe o direito de defesa e o esclarecimento sobre o desaparecimento dos objetos penhorados.

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Sobre o autor
Vanessa Mendonça Vilanova

Advogada. Pós-graduanda em Direito do Estado (Constitucional, Administrativo e Tributário). Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VILANOVA, Vanessa Mendonça. A prisão civil do depositário infiel proveniente da execução trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2796, 26 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18570. Acesso em: 22 nov. 2024.

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