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A prisão civil do depositário infiel proveniente da execução trabalhista

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26/02/2011 às 14:16
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6 CONCLUSÃO

A prisão civil do depositário infiel proveniente da execução trabalhista é um tema pouco discutido na doutrina e jurisprudência, seja em virtude da súmula vinculante nº 25, seja em razão do não despertar de doutrinadores e julgadores.

Ao adentrar nessa interessante questão, percebe-se a importância do tema que repercute seriamente na eficácia do processo trabalhista, e que não foi lembrada pelo Pretório Excelso.

Assim, diante dos estudos realizados no decorrer desta obra, conclui-se pela constitucionalidade da prisão civil do depositário judicial infiel na justiça do trabalho, tanto em aspectos técnicos quanto em aspectos materiais.

O Pacto de São José da Costa Rica, ao contrário do que entendem alguns Ministros do Supremo, é lei ordinária, posto que fora aprovado pelo quórum simples, e não pelo quórum previsto no § 3º do art. 5º da CRFB/88. Sendo assim, não derrogou normas infraconstitucionais que regulam a prisão civil do infiel depositário.

Ademais, o artigo 5º, LXVII da CRFB/88, que autoriza de prisão civil do infiel depositário, é norma de eficácia plena, de aplicação imediata e integral. A legislação infraconstitucional sobre a matéria não dispõe acerca de cabimento ou vedação, mas tão somente sobre aspectos procedimentais. O § 1º do mesmo artigo, também lhe confere aplicação imediata. Além disso, trata-se de cláusula pétrea, conforme preceitua o § 4º do artigo 60 da CRFB/88.

Por outro lado, a prisão aqui discutida, como se trata de processo executório, é a do depositário judicial infiel. Desse modo, apresenta-se como uma técnica processual de coerção e não como uma penalidade. Não se trata de prisão por dívidas, mas em virtude do descumprimento de um encargo público, do descumprimento de uma ordem judicial. Tem natureza bifronte, uma vez que também constitui medida de defesa da autoridade pública e dignidade do poder judiciário, o que não está vedado pelo Pacto de São José da Costa Rica.

A aprovação da súmula vinculante nº 25 representou uma derrogação oblíqua do artigo 114, IV da CRFB, posto que foi afastada a competência penal dos juízes das varas do trabalho e, com a vedação da prisão civil dos depositários judiciais infiéis não há mais hipóteses de constrangimento do ius libertatis por parte dos juízes do trabalho.

Não bastasse, os créditos trabalhistas tem natureza alimentar, o que reforça a tese da possibilidade jurídica e implica, entre outras coisas, na necessidade de celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. À falta desse crédito, resta prejudicado o trabalhador, pois, na ausência de fontes alternativas de renda, depende dele para a sua sobrevivência e da sua família, e para uma vida digna.

Inegavelmente, há nessa questão um conflito de direitos fundamentais: o direito à vida e o direito à liberdade. Nessa esteira, o direito à vida do trabalhador em busca da satisfação de seu crédito deve prevalecer em contraponto com o direito à liberdade conferido ao depositário de má-fé que não cumpre com sua obrigação. Ao contrário do que se pensa, o Pacto de São José da Costa Rica não visa proteger o depositário infiel, mas sim aquele cidadão de boa-fé.

Ainda que fosse correto o entendimento pela supralegalidade, atente-se que deve ser aplicada a norma mais favorável ao trabalhador, independentemente da hierarquia da norma.

A aceitação do Pacto de São José da Costa Rica como norma supralegal derrogando normas infraconstitucionais em relação à matéria aqui abordada, prejudicou a execução trabalhista na busca da satisfação do crédito do trabalhador. Trabalhador este que está protegido pela Constituição da OIT que seria, igualmente, uma norma supralegal, e que pelo critério da especialidade deve prevalecer para beneficiá-lo. Mesmo assim, não se deve olvidar do que dispõe o artigo 19, 8 daquela Constituição que afirma que o Estado-membro não poderá adotar qualquer convenção que afete qualquer lei, sentença, costumes ou acordos que assegurem aos trabalhadores condições mais favoráveis.

O objetivo da execução é a efetivação da prestação jurisdicional. A prisão servia como meio dissuatório de atos fraudulentos à execução. Sem esse instrumento, o depositário não se sente intimidado a realizar atos que dificultem a satisfação dos direitos do credor exequente.

Se não há meios eficazes de se garantir a restituição do bem, uma solução seria o seu recolhimento para um depósito judicial, porém essa medida prejudica o devedor de boa-fé e onera demasiadamente a execução. Destarte, qualquer outra solução para esse caso, que não a prisão, somente serviria como mais um meio protelatório do processo de execução trabalhista.

Por conseguinte, ao fim de todas as convicções até aqui expostas infere-se que a súmula vinculante nº 25 retirou do judiciário trabalhista o único recurso efetivo para satisfazer direitos sonegados por devedores e depositários de má-fé. Medida esta que vai de encontro à própria concepção de jurisdição, enfraquece a segurança e a autoridade dos julgados, revoga a competência penal da justiça do trabalho, além de comprometer a dignidade do credor.

Insta esclarecer que a inconstitucionalidade da prisão civil resume-se nas hipóteses decorrentes de obrigações contratuais. Entretanto, não permeia aquela que é um instrumento fundamental para a eficácia das sentenças judiciais maliciosamente resistidas, e, especialmente, das sentenças trabalhistas.


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Notas

  1. Comunicação pessoal em entrevista concedida por Luzinália de Souza Moraes ao programa Justiça e Cidadania em 14 de fevereiro de 2010. Disponível em: <http://www.trt14.jus.br/ascom/videos/justica ecidadania_2010.asp>.
  2. Comunicação pessoal da autora em entrevista concedida ao programa Justiça e Cidadania em 14 de fevereiro de 2010. Disponível em: <http://www.trt14.jus.br/ascom/videos/justicaecidadania_2010 .asp>.
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Sobre o autor
Vanessa Mendonça Vilanova

Advogada. Pós-graduanda em Direito do Estado (Constitucional, Administrativo e Tributário). Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VILANOVA, Vanessa Mendonça. A prisão civil do depositário infiel proveniente da execução trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2796, 26 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18570. Acesso em: 10 mai. 2024.

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