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Proteção constitucional do direito social ao trabalho das pessoas com deficiência e multiculturalismo

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06/03/2011 às 23:56
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CONCLUSÃO

A sociedade ocidental contemporânea, marcada pelo pluralismo e pela onda de reivindicações de direitos sociais, econômicos e culturais, percebeu a impossibilidade de ignorar as diferenças existentes em determinados grupos minoritários, ávidos pelo reconhecimento de direitos coletivos demandados por sua especificidade, para que possam sair do estado de exclusão em que se encontram. Busca-se no Multiculturalismo as condições para convivência das minorias nesse mundo plural, a partir do reconhecimento e do respeito às diferenças detectadas nas pessoas e nos grupos, permitindo-lhes a fruição de direitos humanos individuais e coletivos.

Entre essas minorias identifica-se o grupo das pessoas com deficiência, discriminadas ou simplesmente eliminadas ao longo da história humana, mas, a partir da Segunda Grande Guerra, reconhecidas como sujeitos de direito passíveis de integração e inclusão social e econômica através de ações afirmativas.

As ações afirmativas, em particular as voltadas para a inclusão, no trabalho, das pessoas com deficiência, fazem parte das medidas que visam à neutralização da discriminação imposta a essa coletividade de pessoas. O princípio da igualdade substancial, no sentido de tratar desigualmente os desiguais e dar aos que estão em situação inferior condições de competir com os demais membros da sociedade, aliado ao princípio da dignidade do homem, fundamentam tal desequiparação.

A Constituição brasileira de 1988 - para quem o valor social do trabalho constitui um dos fundamentos da República - contempla os dois referidos princípios e consagra, como objetivo, assegurar, também, a justiça social, o não-preconceito, a solidariedade e o pluralismo na sociedade. Tal Carta contém disposições que determinam a proteção especial coletiva para as pessoas com deficiência, visando a resgatá-las da situação de discriminação e a dar-lhes oportunidades para que se insiram nessa sociedade no mesmo patamar da maioria sem deficiência. Consequentemente, a legislação ordinária regulamentar alinhada no presente artigo é compatível com o texto constitucional, particularmente as normas que prevêem ações afirmativas exemplificadas pelas cotas nos empregos e no serviço público civil destinadas às pessoas com deficiência, apanhadas que foram pela vigência, no País, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com força de Emenda Constitucional.

As disposições da Carta de 1988, reforçadas, em agosto de 2008, pela Emenda Constitucional que abriga a citada Convenção, precisam, no entanto, de incremento normativo e prático, que atinja a própria mudança de mentalidade do povo e, efetivamente, venha a incluir, na sociedade brasileira, a minoria de pessoas com deficiência, revertendo o quadro discriminatório retratado nos próprios dados estatísticos governamentais, que apontam a situação de inferioridade social e econômica, a partir da pouca participação no trabalho. Tais medidas, além das cotas, devem abranger outras reconhecidas na referida Convenção, notadamente a inclusão no ensino, a profissionalização, a acessibilidade física à escola e aos demais bens da vida necessários à eliminação do estado de inferioridade, a habilitação e a reabilitação para o trabalho.


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Notas

  1. Era essa (excepcionais) a designação dada, à época, à pessoas com deficiência.
  2. No seu texto a Convenção sob comento contempla também os princípios gerais que a orientam (artigo 3), os compromissos ou obrigações gerais dos Estados-partes (artigo 4) e focaliza, de modo especial, os aspectos em que serão adotadas as medidas necessárias à implementação dos direitos contemplados às pessoas com deficiência, consistentes de: igualdade e não-discriminação (artigo 5), meninas e mulheres com deficiência (art. 6), crianças com deficiência (artigo 7), conscientização social (artigo 8), acessibilidade (artigo 9), direito à vida (artigo 10), situações de risco e emergência humanitárias (artigo 11), reconhecimento de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas (artigo 12), acesso à justiça (artigo 13), liberdade e segurança da pessoa (artigo 14), prevenção contra tortura ou tratamento ou penas cruéis, desumanas ou degradantes (artigo 15), prevenção contra a exploração, a violência e o abuso (artigo 16), proteção da integridade física e mental (artigo 17), liberdade de movimentação e nacionalidade (artigo 18), vida independente e inclusão na comunidade (artigo 19), mobilidade pessoal com a máxima independência possível (artigo 20), liberdade de expressão e opinião e acesso à informação (artigo 21), respeito à privacidade (artigo 22), respeito pelo lar e pela família (artigo 23), educação em sistema inclusivo em todos os níveis (artigo 24), saúde (artigo 25), habilitação e reabilitação (artigo 26), trabalho e emprego (artigo 27), padrão de vida e proteção social adequados (artigo 28), participação na vida política e pública (artigo 29), participação na vida cultural e em recreação, lazer e esporte (artigo 30), elaboração de estatísticas e coleta de dados (artigo 31), cooperação internacional (artigo 32) e implementação e monitoramento nacionais (artigo 33).

    Juntamente com a aprovação da Convenção, o Decreto Legislativo n. 186/2008 aprovou seu Protocolo Facultativo, que rege, entre outros, as denúncias e investigações contra os Estados Partes, relativamente ao descumprimento da Convenção.

  3. Esse artigo 27 prevê dez medidas mínimas, inclusive legislativas, que devem ser adotadas pelos Estados partes, visando a incluir as pessoas com deficiência no trabalho, respeitada sua livre escolha, bem como a mantê-las no mercado de trabalho, assim resumidas: a) proibição de discriminação, baseada na deficiência, para admissão e demais direitos trabalhistas; b) proteção dos direitos, nas mesmas bases das demais pessoas, e das condições seguras e salubres de trabalho, reparação de injustiças e proteção contra o assédio; c) exercício de direitos trabalhistas e sindicais; d) acesso à profissionalização e treinamento; e) oportunidades de emprego e ascensão profissional; f) estímulo ao trabalho autônomo, empreendedorismo, cooperativas e negócio próprio; g) emprego no setor público; h) emprego no setor privado, com adoção de políticas e medidas adequadas, inclusive ação afirmativa; i) adaptações no local de trabalho; j) experiência de trabalho; e k) reabilitação profissional e retorno ao trabalho. Contempla, também, medidas de proteção contra a escravidão ou servidão, trabalho forçado ou compulsório.
  4. Importante ressaltar, ao contrário do que pensam as pessoas menos esclarecidas sobre o tema, que não se cogita da contratação de pessoas "doentes" ou "incapacitadas", mas, sim, de trabalhadores aptos (habilitados ou reabilitados) para o trabalho e para as funções, que necessitam, apenas, de algum apoio material ou pessoal para desempenharem seu mister. Registre-se, também, que não são os trabalhadores especiais que devem adaptar-se às empresas, e, sim, as empregadoras que precisam preparar-se, inclusive arquitetonicamente, para recebê-los.
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Sobre a autora
Evanna Soares

Procuradora Regional do Ministério Público do Trabalho na 7ª Região (CE). Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA, Buenos Aires). Mestra em Direito Constitucional (Unifor, Fortaleza). Pós-graduada (Especialização) em Direito Processual (UFPI, Teresina).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Evanna. Proteção constitucional do direito social ao trabalho das pessoas com deficiência e multiculturalismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2804, 6 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18618. Acesso em: 25 abr. 2024.

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