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Análise crítica das Regras de Roterdã: pela não adesão do Brasil

15/03/2011 às 12:33
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Desde setembro de 2010, a Convenção de Roterdã está à disposição dos países para assinaturas.

Até o presente momento, poucos foram os aderentes.

Pode-se dizer que a Convenção tem por objetivo revogar outras, como as da Antuérpia, Haia-Visby, Hamburgo, etc., uniformizando toda a matéria maritimista em único conjunto de normas, aplicável aos países signatários e em detrimento da legislação interna de cada país.

Com efeito, se o Brasil assinar e ratificar a Convenção de Roterdã praticamente sepultará a possibilidade de um dono de carga pleitear, em caso de vício de transporte, a reparação do dano perante o Poder Judiciário brasileiro e com uso do Direito brasileiro, o que configurará ofensa ao sistema legal do país, especialmente a ordem constitucional.

As normas convencionais que tratam da não aplicação do Direito brasileiro são manifestamente inconstitucionais, na medida em que Convenção alguma pode colidir frontalmente com os direitos e garantias fundamentais que informam o sistema legal brasileiro.

Nenhuma norma, mesmo convencional e supranacional, pode por a pique a significativa e emblemática garantia constitucional do acesso à jurisdição, sob pena de violência de direitos e mitigação da própria soberania nacional. E, convém repetir, por acesso à jurisdição nacional, entenda-se também o uso das regras legais pátrias.

Embora o artigo 66 da Convenção contemple a possibilidade de utilização do foro brasileiro, praticamente aos moldes do artigo 88 do Código de Processo Civil, há de se ter em mente que tal possibilidade somente será reconhecida se não houve no contrato de transporte acordo de escolha de foro. Aparentemente, uma norma equilibrada e que permite um leque poliédrico de opções. Todavia, nunca é demais lembrar que todo contrato de transporte é de adesão, com cláusulas impressas e dispostas conforme o livre-arbítrio do transportador. Logo, em termos práticos, haverá o dever convencional de se observar o que disposto no contrato, vinculando a parte aderente ao foro disposto unilateralmente pelo emissor do instrumento contratual e, mesmo, o regime de arbitragem.

Daí a afirmada possibilidade concreta de ofensa aos conceitos de acesso à jurisdição nacional e de uso do sistema legal pátrio.

A situação se revela ainda mais significativa quando o interessado em reclamar algo contra o transportador for o segurador da carga, pessoa completamente estranha aos termos e as condições do contrato de transporte.

Também não se pode deixar de registrar criticamente um fato muito significativo: a Convenção, embora aparentemente moderada e também aparentemente equilibrada quanto à defesa dos múltiplos interesses envolvidos na matéria-chave, tem por escopo proteger a figura do transportador marítimo, do armador, em detrimento do embarcador e/ou consignatário de carga.

Compreensível em certa medida a proteção dos transportadores em razão dos enormes riscos assumidos numa viagem marítima, todavia tais riscos não devem ser indiretamente transmitidos aos donos de cargas, muito menos normatizados em Convenção.

O Brasil é um país mais voltado à carga do que ao transportador. Se isso é ou não uma política inteligente e correta não convém aqui debater. O fato é que no transporte marítimo internacional, os interesses brasileiros configurar-se-ão não na pessoa do transportador, mas, sim, nas pessoas do embarcador (exportador) ou do consignatário da carga (importador), ambos tutelados pelos seguradores dos transportes e das cargas.

Assim, a visão do Brasil tem que ser necessariamente uma "cargo" e não uma visão armador ou, em sentido mais amplo, transportador, a despeito da importância ímpar destes.

Feitas estas considerações preliminares, antecipamos nosso posicionamento sobre a adesão ou não do Brasil à convenção: somos francamente contrários!

O Brasil possui um rico acervo legal disciplinando a responsabilidade civil do transportador, o contrato de transporte e elementos afins. Além do Código Civil, regras extravagantes que defendem bem os verdadeiros interesses a serem preservados no aludido cenário.

Logo, a assinatura e a adesão aos termos da Convenção são itens dispensáveis e pouco producentes. Não negamos que a Convenção contém figuras interessantes, tais como: prazo prescricional para o exercício da pretensão indenizatória em face do transportador marítimo de dois anos e o enxugamento das causas legais excludentes de responsabilidades previstas nas convenções anteriores (das quais o Brasil corretamente não foi signatário), além do protesto do recebedor em até sete dias, sendo que a ausência deste não implicará prejuízo ao interessado, desde que o substitua por outro meio de prova, mas enfatizamos que nem mesmo estas e outras normas interessantes são capazes de afastar as previsões perigosas e negativas contidas nas Regras de Roterdã.

Falamos do reconhecimento expresso da absurda limitação de responsabilidade em favor do transportador. Para que a limitação não seja aplicada, o embarcador e/ou consignatário da carga terá que optar pela contratação do frete "ad valorem", o que custará cerca de seis vezes mais do que o frete normal, já extremamente elevado.

Não se justifica a declaração do valor da carga, como exige a modalidade de frete "ad valorem", porque o transportador sabe de antemão qual é o valor da carga disponibilizada a bordo do seu navio por conta de todos os demais documentos que instruem o embarque e transporte de uma carga, notadamente a fatura comercial.
Assim, o frete "ad valorem" é um expediente pouco operoso e que não é aplicado, até mesmo sob pena de engessar a dinâmica das relações comerciais internacionais e dilatar, sem necessidade, os custos de uma operação.

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Há muito que o ordenamento jurídico se posicionou contrário ao conceito de limitação de responsabilidade, estampando regras, comentários doutrinários e majoritária jurisprudência, inclusive com enunciado de Súmula por parte do STF – Supremo Tribunal Federal, observando-se que limitar a responsabilidade é o mesmo que excluir, zerar a responsabilidade de evento danoso. Embora o enunciado de Súmula em questão trate da exclusão de responsabilidade, a analogia é saudável e necessária porque a limitação, dependendo do valor em questão, pode representar uma exclusão às avessas, dado o retorno economicamente insignificante à parte que sofreu prejuízo.

Alguns poucos julgados reconhecem a validade e a eficácia das cláusulas limitativas de responsabilidade, mas, de uma forma geral, elas não são aplicáveis à luz do Direito praticado no Brasil, o que poderá mudar drasticamente com a adesão à Convenção.

Por isso nós nos opomos veementemente à adesão do Brasil.

E o que vale para o Brasil vale igualmente para todos os países latino-americanos, donde se infere uma plêiade poliédrica de interesses.

Nesse sentido, elogiável a postura daqueles que, após os necessários estudos e debates, elaboraram a DECLARAÇÃO DE MONTEVIDEO é um marco e merece ser difundida e levada em consideração pelas autoridades competentes. Foi encaminhada a quem de direito para assinaturas e merece nossa máxima atenção.

A conclusão da DECLARAÇÃO DE MONTEVIDEO é taxativa ao dispor, analisada a Convenção de Roterdã e feita a exposição de razões fundamentais, que todos os governos dos países latino-americanos não devem ser signatários das chamadas regras de Roterdã e, se porventura alguns o forem, que os respectivos parlamentos, observadas as regras que disciplinam a teoria do freios e contrapesos, não ratifiquem as assinaturas, tornando inaplicável a Convenção à luz de cada ordenamento jurídico nacional.

Por isso nosso contundente "não" às regras de Roterdã, as quais contemplam figuras legais interessantes, como a da prescrição e a da carta-protesto, com redações melhores e mais equilibradas que as regras legais nacionais a respeito, mas, em termos gerais, ainda é uma Convenção prejudicial aos legítimos direitos e interesses dos donos de cargas e seus seguradores. A Convenção de Roterdã é melhor do que as anteriores, mas ainda assim negativa aos olhos de quem faz uso regular dos serviços de transportes marítimos internacionais.

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Sobre o autor
Paulo Henrique Cremoneze

Sócio fundador de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados, mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), acadêmico da ANSP – Academia Nacional de Seguros e Previdência, autor de livros jurídicos, membro efetivo do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro, diretor jurídico do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte, membro da “Ius Civile Salmanticense” (Espanha e América Latina), associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos, laureado pela OAB Santos pelo exercício ético e exemplar da advocacia, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros e colunista do Caderno Porto & Mar do Jornal A Tribuna (de Santos).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CREMONEZE, Paulo Henrique. Análise crítica das Regras de Roterdã: pela não adesão do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2813, 15 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18691. Acesso em: 18 nov. 2024.

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