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A formação da fundada suspeita na atividade policial e os desafios da segurança pública no Estado Democrático de Direito

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28/03/2011 às 17:37

Resumo:


  • A busca pessoal e a "fundada suspeita" são pontos de divergência e debate entre juristas e profissionais da segurança, pois a subjetividade da expressão legal permite interpretações variadas e, muitas vezes, preconceituosas ou discriminatórias.

  • As abordagens policiais frequentemente refletem estereótipos sociais e raciais, com indivíduos negros e de classes desfavorecidas sendo desproporcionalmente alvo de suspeitas e revistas, o que revela um racismo institucional que precisa ser enfrentado e mudado.

  • Para conciliar o dever de manter a ordem pública com a observância do Estado Democrático de Direito, é necessário um estudo aprofundado sobre estigmas e discriminações que influenciam as práticas de busca pessoal, buscando estabelecer parâmetros mais objetivos e justos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2.ATIVIDADE POLICIAL E A FUNDADA SUSPEITA

2.1.CONFIANÇA NA POLÍCIA

O que se verifica na população brasileira é que não confia no trabalho da Polícia, especialmente na Polícia Militar. Isso se verifica em diversas regiões do país e se confirma com a pesquisa realizada pelo IBOPE no ano de 2008, que constata que a maioria, 56%, desaprova as ações do governo em relação à segurança pública e a grande maioria dos entrevistados, 60%, considera a segurança pública regular ou péssima. Isso mostra a derrota que existe nesse campo. Ainda se acredita que a tendência é piorar cada vez mais. No entanto, a população confia em sua grande parte nas demais instituições que não estabelecem uma relação direta com a população, ou seja, a Polícia Federal (que é aprovada por 70% dos entrevistados), enquanto a Polícia Militar (que tem atuação direta e estabelece um contato mais próximo da população), não é confiável para 51% dos entrevistados. [23]

Ou seja, a confiança na Polícia Militar cai cada vez mais, enquanto a população não acredita na Instituição e não espera melhora para o cenário da segurança pública no país, tendo um resultado temeroso como se vê na mesma pesquisa pois acredita-se que a pena de morte é uma solução para 46% das pessoas entrevistadas ao mesmo tempo em que quase 40% dos entrevistados não confia no poder judiciário. Acredita-se que a pena de morte é uma solução, e quando se fala em prisão perpétua então, a aprovação é gritante, 64% dos cidadãos entrevistados aprovam tal pena. [24]

Verifica-se, portanto, uma forte onda de descrença nas instituições de segurança pública e nas atitudes tomadas pelo governo em relação a ela. Além de tornar desacreditada a instituição policial ainda tem um diferencial: a população está sentindo medo da polícia. Em pesquisa realizada entre a população carioca, RAMOS e MUSUMECI apontam que grande parte da população sente algum medo da polícia:

Em relação ao temor, a freqüência mais alta de respostas é dos que afirmam não ter nenhum medo da polícia, mas numa proporção quase idêntica à soma dos que dizem ter muito (14,5%) ou médio (27,4%) medo. Como a pergunta – vale insistir – se referia à polícia em geral e como é possível que muitos tenham respondido "nenhum" informados pela máxima "quem não deve não teme", torna-se ainda mais expressivo o fato de a maioria da população carioca (58,8%) admitir que sente algum medo da polícia (pouco, médio ou muito). [25]

Como forma de avaliação do trabalho da polícia as pesquisas mostram extrema reprovação pela população, que se diz insatisfeita e até mesmo com medo dos profissionais de segurança pública. Como se deve mudar essa realidade? Não basta apenas uma mudança salarial, não basta uma mudança comportamental. A alteração da forma de tratamento dispensado à população é uma necessidade urgente. Nada mais justo com os responsáveis pelo pagamento de impostos que sustentam toda a estrutura da grande máquina estatal seria o trato cordial e respeitoso, o que normalmente não acontece, pois o cidadão é visto como "inimigo" em muitos casos. Em pesquisa realizada no ano de 2007 no Estado do Rio de Janeiro pelo Instituto de Segurança Pública, fica evidente o descontentamento da população pelo tratamento dispensado para com eles por policiais militares, desde a apresentação pessoal do policial, forma de se vestir e se expressar , reprovada em sua maioria, até a esmagadora insatisfação com referência a distribuição do efetivo policial nos bairros:

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Fonte: Pesquisa de Condições de Vida e Vitimização/ISP (2007)

O que se vê é uma reprovação geral de todas as formas possíveis. O que então se verifica é a necessidade de mudar esse quadro de desconfiança, como se vê no trabalho de Tânia Maria PINC:

Neste sentido, confiar na instituição polícia requer que os cidadãos conheçam a função que ela desempenha, em outras palavras: para o que a polícia serve; a fim de que ele possa demandar seus serviços de acordo com o objetivo pelo qual ela foi criada; bem como, que todos os policiais conheçam a missão institucional, a fim de que possam atender o cidadão nas suas necessidades específicas. [26]

Por isso, se faz necessário um conhecimento do cidadão pela polícia e vice e versa, contando assim com uma quebra de tabus. Lembre-se, por exemplo, das chamadas recebidas através do telefone de emergência 190, que vão desde uma mulher prestes a dar a luz, até mesmo a um desentendimento entre pessoas. De certa forma essas ocorrências não são criminais, mas geram um grande volume de trabalho para a polícia que necessariamente desloca uma viatura para atender cada uma delas, muitas vezes deixando de atender uma ocorrência realmente criminal. Sendo assim, os policiais desempenham funções atípicas a sua atribuição, que seria de enfermeiro, conselheiro amoroso, psicólogo, agindo diferentemente da especialidade para o qual foi treinado e deveria atuar, ou seja, diante da ocorrência de um crime. [27]

Portanto, ou o cidadão confia em demasiado na polícia, que liga para a emergência em qualquer situação, ou ele não tem outra opção gratuita e que atenda 24 horas por dia de outro serviço público oferecido pelo Estado, que tenha um atendente sempre pronto a escutá-lo. Ou então ele não conhece o trabalho da instituição e por isso não sabe quais as suas atribuições legais, qual a verdadeira função da polícia, e se não conhece não confia, pois confiança se gera com o conhecimento por parte do usuário em saber qual atribuição de cada ente e o que ele deve e pode fazer em cada situação. [28]

Há de se falar também na desconfiança que a polícia tem da população, de que trata o presente trabalho. Se há uma desconfiança na polícia, também há uma desconfiança da polícia em relação ao cidadão, como comenta PINC:

Há ainda que se analisar a ação policial proativa exemplificada anteriormente com a abordagem policial. Neste caso a iniciativa da ação é do policial, mas ela ocorre na razão da desconfiança do agente contra a pessoa abordada, pois o policial, quando em patrulhamento, suspeita de alguém, ou seja, desconfia que essa pessoa possa representar alguma ameaça para a segurança dos outros em razão de sua atitude e interfere no direito individual de ir e vir, a fim de investigar o fundamento dessa suspeita. Por mais que tentem, as instituições não conseguiram traduzir em seu conjunto de normas um significado de atitude suspeita que possa ser universalizado, pois trata de comportamento humano. Entretanto o procedimento da abordagem policial é legal, ou seja, está previsto na legislação e, além disso, no estado de São Paulo, foi desenvolvido pela polícia militar um Procedimento Operacional Padrão – POP, que orienta e padroniza as ações do policial militar nas abordagens, a fim de evitar excessos e conseqüentemente, abuso de poder. [29]

Essa situação só poderia mesmo mudar com o conhecimento que a população poderia ter do trabalho policial, quais as suas prerrogativas e atribuições. Isso se dá por meio de leis mais claras e acessíveis ao público e que explicitem as atribuições de cada ente com a devida especificidade e que atinja todas as classes sociais. Que não sejam legisladas apenas para a elite dominante. Que não tenham cunho transitório, ou seja, se fixem por período de tempo coerente ao ponto de alcançarem o conhecimento do cidadão e que façam parte de sua cultura. Ainda tendo como objetivos a estabilidade da ordem social, dando enfoque ao controle que as autoridades têm da ordem social e a população tem que acreditar nesse controle. [30]

Com referência à abordagem policial, se ressalta a legalidade do ato, pois advém da manutenção da ordem social, mas esse exercício de direito realizado pelo policial não é nem um pouco agradável ao cidadão, e isso se torna uma forma de opressão e demonstração de força do Estado impondo seu poder coercitivo para com seu administrado. Contudo, a opinião de quem passa por uma abordagem ou de quem observa o ato ser efetuado, é influenciada diretamente, enquanto a mídia tem a função de exercer a influência indireta na opinião de quem não passou por nenhuma das experiências apontadas. Essas experiências ruins são contagiantes e geram uma desconfiança geral no trabalho da polícia, desconfiança essa que dificilmente se consegue quebrar. Ainda se atribui a experiência com a polícia como ruim pois foi ela quem participou dos piores momentos da vida de um cidadão, como o dano, a violência o desrespeito, mesmo que a instituição não tenha causado tal mal ao indivíduo, ela quem esteve presente em todos eles, causando uma ligação direta a pontos negativos vividos por uma pessoa. [31]

A instituição está o tempo todo enfrentando dilemas, ou tem uma relação melhor com a população, não cerceando direitos, e tratando o cidadão com mais liberdade ou mantém a ordem social e relativiza os direitos individuais das pessoas para a manutenção dessa ordem social, como ressalta PINC:

Ainda no que se refere à abordagem policial, em que pese estar amparada pela legislação e objetivar manter a estabilidade da ordem social, variáveis estas que representam a estrutura de oportunidade para aplicação de políticas que constroem a cultura de confiança, paradoxalmente, à medida que esta ação é implementada pelos policiais é provável que tenha um efeito negativo na confiança, em razão de gerar no cidadão uma referência negativa da instituição, pois não agrada a ninguém ter direitos individuais cerceados, mesmo que seja momentaneamente. No entanto, se esta ação deixa de ser implementada, a ordem social pode correr riscos. [32]

Portanto, se faz necessária a manutenção da abordagem policial. Contudo, a manutenção da ordem social deve ser atualizada. Mesmo tendo legislação que garante tal procedimento, essa deve ser atualizada para o Estado Democrático de Direito, tornando assim cidadão como sujeito de direitos que ele é, o centro das atenções. Ele deve ter seus direitos e garantias respeitados, seguindo o ritmo de uma leitura constitucional das leis que garantem a abordagem. Essa renovação deve ser respeitada por todos os membros da corporação, o que muitas vezes não se consegue, como explana muito bem PINC. Os que atuam nas linhas de frente recebem a mensagem correta, mas não a interpretam e descartam como se fossem algo inoportuno e impróprio para a realidade:

Isto posto, a hipótese que proponho, no que diz respeito à abordagem policial, é a de que os policiais militares conhecem a legislação e os procedimentos, mas não os reconhecem, pois a dinâmica de mudanças da estrutura organizacional ocorre num ritmo em que a mudança da cultura organizacional não consegue acompanhar. Em outras palavras, existe um problema na difusão das reformulações, é como os membros de um corpo que não conseguem decifrar a mensagem do cérebro e respondem de alguma forma, que não a esperada. [33]

Portanto, a falta de aceitação dos que atuam diretamente com a população faz com que a confiança na instituição diminua. Com isso se verifica que algumas atitudes devem ser tomadas, como a transparência da instituição, demonstrando suas ações com respaldo as que devem ser preservadas pelo sigilo, com a aplicação das políticas públicas de respeito aos cidadãos e aos direitos humanos respeitadas por todos os membros da corporação. Principalmente por quem está atuando diretamente com a população, um elevado sentimento de controle da ordem social da população em relação às autoridades envolvidas com a segurança pública, uma efetiva ação preventiva, que ocorre antes do crime. Como as atividades de polícia comunitária, que atua no contato direto da população com o policial estreitando a distância entre eles e ainda um controle externo da atividade policial possibilitando assim uma responsabilização dos que ainda teimarem em remar contra a correnteza do respeito aos cidadãos e das garantias fundamentais e a aplicação dos direitos humanos. [34]

2.2.PRECONCEITO

Mesmo tendo um alto índice de membros negros, sejam eles oficiais ou praças, as polícias militares, normalmente, contrariando as opiniões populares, se dizem não racistas. O acesso e a ascensão nas carreiras militares, tornam-se um atrativo para os negros e mestiços pois, como são firmadas em hierarquia e disciplina torna a vida profissional menos preconceituosa do que a vida civil, trabalhando em uma empresa qualquer por exemplo. No entanto, a grande participação de negros nos quadros das corporações não muda a visão racista que se tem no momento da escolha de um suspeito. [35]

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Em entrevistas com os mais experientes de uma corporação policial militar se nota a esquiva de certos assuntos sobre raça e preconceito. Todavia, muitos assumem de certa forma a parcela de preconceito em um primeiro momento para a escolha de um abordado, em que a cor da pele é motivo sim de suspeição. Essa negativa contraria a maioria das pesquisas em que se verifica que a maioria dos escolhidos como suspeitos serão os negros. A PMRJ se orgulha de ter sido comandada três vezes por coronéis negros, muito embora a sua visão preconceituosa não tenha mudado. Em entrevista realizada com policiais militares do Rio de Janeiro, RAMOS e MUSUMECI obtiveram muitas respostas evasivas, mas que tinham um cunho racista na motivação da escolha do elemento suspeito a ser submetido à abordagem policial No cotidiano policial as respostas tendem a ser iguais, que a atitude é que configura a suspeição e não a cor da pele, mas quando se pergunta de quais atitudes se está falando, as respostas recaem sobre alguma característica física que fatalmente será relacionada à cor da pele . [36]

Uma hipótese em que não se fale em racismo dentro da própria policia é a de que o policial não tem cor, tem farda, frase esta formulada em um grupo focal no estudo de RAMOS e MUSUMECI na cidade do Rio de Janeiro, o que se resumiria em uma guerra que acontece predominante entre os policiais e os civis, entre policiais e bandidos, por isso de um lado todos são iguais, todos tem farda, de outro, todos são inimigos. O que resultaria no policial militar negro se sentir diferente dos civis negros, ele não usará de empatia para com o abordado em uma situação de suspeição pois ele, o policial, naquele momento não é negro e sim um PM, o que afasta a possibilidade de tratamento diferenciado dispensado a um negro em uma abordagem policial, sendo o PM negro ou branco, por esse pensamento de igualdade de farda dentro da caserna. Por isso, um jovem negro não ficará menos receoso de ser abordado por um policial negro pois terá o mesmo tratamento. Se o jovem negro não tem uma farda, então ele é parte inimiga e não será considerado como igual pelo policial no memento da abordagem. [37]

Em uma situação de suspeição não são todos os abordados que são submetidos à busca pessoal. O que levaria a esse critério discricionário seria a fundada suspeita no momento da abordagem, no entanto foram aqui expostos vários motivos em que se pode chegar a essa fundada suspeita. Entretanto, o que se percebe no cotidiano seria uma distorção entre os critérios de um cidadão ser considerado suspeito e sua real suspeição fundada em fatos concretos. Como se vê em pesquisa realizada por RAMOS e MUSUMECI, nota-se uma tendência em submeter mais os negros e os pardos à busca pessoal do que os brancos, pois os negros estão em quantidade inferior no total da sociedade e representam uma quantidade expressiva no total de abordados submetidos à busca pessoal:

Fonte: RAMOS; MUSUMECI, Elemento Suspeito..., p. 114

O que se percebe com o gráfico apresentado por RAMOS e MUSUMECI é que em proporção relativamente superior, 55%, os negros são revistados quando abordados, diferentemente dos brancos que em proporção muito inferior, 32,6%, são revistados no momento da abordagem. Logicamente pode-se notar que a população branca por estar em situação mais favorável e como a maioria das abordagens são realizadas em blitzes, ou seja, quando os veículos são abordados aleatoriamente, e pelo motivo da população negra ainda se encontrar em sua maioria nas classes menos favorecida, que não se deslocam de carro, os negros são minoria na população, não sendo motivo fundamentado a sua sobre-representação no gráfico dos revistados pela polícia. [38]

Segundo Paul AMAR, o termo filtragem racial significa a seleção feita pela polícia no momento da abordagem, usando o critério da cor da pele:

Para fins do presente capítulo, o filtramento racial será descrito em relação a maneira como hoje é utilizado na esfera pública nos Estados Unidos: assim, "filtramento racial" refere-se a praticas de racismo institucional no setor de polícia e segurança que provieram da histórica tolerância americana em relação à impunidade e a "discricionariedade" policiais em questões relacionadas ao controle das hierarquias raciais; consiste em práticas racialmente tendenciosas de identificação de suspeitos usadas em específico no contexto dos motoristas que são parados nas rodovias. [39]

No presente contexto, apesar de disfarçado, há uma filtragem racial nas instituições policiais. Com isso nota-se um racismo institucional que AMAR salienta bem, em várias instituições, e são mascaradas por pareceres técnicos e científicos que respaldam a discriminação racial:

Ao contrário do racismo estatal formalmente codificado, o racismo institucional gera hierarquias através de práticas profissionais tecnocientíficas ou rotineiras "neutras" dentro de instituições públicas ou privadas (tais como a mídia, shoppings ou firmas de segurança privadas) que controlam espaços públicos, serviços ou imagens.

Há racismo institucional quando uma organização ou estrutura social cria um fato social racial hierárquico – um estigma visível, identidades incorporadas e geografias sociais – mas desloca as implicações raciais deste processo. Em vez de reconhecer raça e racismo, referem-se ao reino das práticas profissionais cotidianas, "técnicas", que só estão ligadas à raça por "coincidência". Por exemplo: a publicidade pode vender produtos cominando imagens positivas de brancos de classe média e imagens aviltantes, sexualizadas ou criminalizadas de negros. No entanto, a mídia alega que esta prática não passa de uma feliz coincidência do funcionamento técnico da economia do marketing, não do racismo. Outro exemplo: um governo municipal pode não fornecer transporte público a bairros cuja população é de maioria negra. Mas essa prefeitura afirmará que se trata de um problema fiscal ou de infra-estrutura, não de uma forma racial de privação de direitos civis. Ou um sistema escolar pode educar apenas alunos brancos, alegando ser este o resultado técnico das notas que obtiveram em um exame de seleção. Não enfrentam o fato de que o sistema educacional subsidia sistematicamente o desempenho dos alunos brancos, ao passo que o sistema não oferece estrutura adequada e degrada alunos negros a vida toda. As desculpas tecnocratas do racismo institucional permitem que essas organizações continuem a esquivar-se de assumir a responsabilidade pelo racismo e a bloquear a toada de consciência do papel que cumprem na perpetuação e intensificação do racismo. Entre as formas mais preocupantes de preconceito institucional talvez estejam as formas globais e locais de racismo que foram redesdobradas no contexto das "guerras urbanas contra o crime", recentemente articuladas às "guerras de segurança" transnacionais e com elas reidentificadas [40]

AMAR ressalta a importância que se tem de trabalhar com o racismo institucional para amenizar a separação existente nessas instituições e assim trazer à tona o tema para que se discuta em seus cursos de formação e instrução, trabalhando de forma direta esses temas que são normalmente evitados.

Segundo BARROS, a abordagem policial é extremamente preconceituosa. Ele comenta a pesquisa que realizou na região metropolitana de Recife/PE, entre policiais experientes e iniciantes, oficiais e praças da Policia Militar de Pernambuco e trouxe a baila o capcioso assunto de racismo em uma instituição policial militar, como ele é trabalhado e quais as suas faces, quando os suspeitos são escolhidos e se a cor influi ou não no momento de escolher as pessoas que serão abordadas. Se as atitudes é que são suspeitas ou a aparência da pessoa, como se vê no gráfico a cor da pele é de grande influência no momento da decisão da abordagem. [41]

Fonte: BARROS, Geová da Silva. Racismo institucional: a cor da pele como principal fator de suspeição. Dissertação (Mestrado em Ciência Política). Recife, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, 2006. p. 112.

Como se vê no gráfico, o negro é o elemento suspeito padrão dos policiais pesquisados. Isso demonstra filtragem racial que existe na abordagem policial, mesmo que ela seja de forma velada, se busca sempre maquiar o racismo com diversos subterfúgios como ressalta BARROS:

O racismo sofre adaptações, muda de estratégia, conforme as circunstâncias, dando a entender que está ultrapassado e moribundo. Entretanto, continua tão vivo quanto antes e muito mais perigoso, pois essa aparente invisibilidade permite que se instalem e produzam seus efeitos sem serem percebidos. Esse racismo mimético, que se confunde com o meio, assumindo discursos politicamente corretos, que caminha ombro a ombro com suas vítimas, deve ser erradicado das práticas institucionais. [42]

Com a pesquisa, se verifica que os policias dão a entender outro tipo de suspeição, a de que quem está nas favelas e o modo de se vestir, essa é mais uma forma de disfarçar o racismo institucional presente na instituição castrense. A abordagem é a forma mais simples de atuação policial. Por isso deve ser pautada pelos direitos humanos, pois a sociedade em geral exige uma forma mais democrática e respeitosa da atividade policial, com isso o estudo sobre o racismo na aplicação dessa prática se torna tão importante. [43]

O que se percebe é uma falta de aceitação do racismo incutido nas instituições que atuam diretamente com a população, a repulsa em aceitar que ele existe e a recusa de trabalhá-lo internamente; Não podem ser justificativa para que as conseqüências causadas pelo racismo sejam afastadas de sua motivação inicial, como ressalta BARROS:

Nesse sentido, apoiar-se na falta de intencionalidade de uma prática racista como justificativa para desqualificá-la como tal não é mais pertinente, pois o racismo deve ser considerado em virtude das conseqüências negativas da ação. Assim, mesmo que os atores de uma instituição não sejam racistas ou que não tenham intenções de cometer práticas racistas, a conseqüência das ações é o que contará na caracterização. [44]

Mesmo para os membros de uma instituição, que não se considerem racistas, repetir uma prática usual da instituição, que tenham conseqüências racistas, de nada adiantará os princípios desses membros se suas ações perpetuem resultados de cunho preconceituoso. Estarão repetindo gestos e comportamentos de gerações passadas que preconizavam a segregação racial.

BARROS, em pesquisa realizada no Estado de Pernambuco, faz aflorar o grande preconceito existente na instituição policial militar daquele estado. Verifica que nos momentos de escolha dos suspeitos o negro sempre é priorizado, seja pelo policial no inicio de carreira ou pelos mais experientes. No entanto, verifica-se, na pesquisa, que o policial, quando é colocado de forma externa, ou seja, quando ele é colocado como espectador, na maioria das vezes identifica o comportamento racista dos outros policiais, mas quando é colocado como parte da equipe, tende a maquiar a filtragem racial que existe na corporação, demonstrando assim que esse comportamento não é aceitável mas que normalmente acontece. [45]

Na atividade policial, mesmo sem querer o agente explicita o racismo que está em seu interior. Em entrevistas realizadas por BARROS, essas opiniões afloram de forma natural, explicitamente menosprezando um indivíduo de cor da pele negra, o colocando como uma pessoa inferior ao de cor da pele branca. Frases como "ele é pretinho, mas tem uma alma de branco" são claramente racistas. Têm como fundamento um elogio ao companheiro de farda negro, dizendo que ele não é tão ruim assim, que apesar de negro é uma boa pessoa. Essas opiniões, de dentro da polícia, não há de se esperar um comportamento diferente nas ruas, em um contato direto com a população. [46]

Considerando o racismo institucional no organismo policial, se preconiza a esquiva dos agentes em assumir tal preconceito. Prefere-se o preconceito social ao invés do racial, porém as opiniões se contradizem quando os agentes falam dos demais policiais. Quando se fala na instituição em geral, se admite um racismo institucional, se admite que os policiais priorizem o negro ao branco na hora da abordagem e, o que é mais importante, admite-se certa normalidade nisso, se escudando do racismo institucional, alegando que a própria sociedade é racista e com isso a instituição apenas repete o que a população em geral faz. Contudo, uma sociedade pautada pelos direitos humanos, que preconiza o Estado Democrático de Direito, não pode permitir que uma instituição que faça parte de seu aparato, tenha como base alegações de tal estirpe. [47]

BARROS conclui que o preconceito racial se encontra nos policiais mais antigos e também nos novos em uma proporção muito parecida, isso significa que as práticas apresentadas continuarão se repetindo. Não se verifica uma melhora no tratamento do tema pelas instituições. A proposta apresentada é a seguinte:

Elaborar cartilha sobre o racismo institucional. Essa cartilha iniciará uma ampla discussão sobre a temática, o que facilitará o trabalho de conscientização dos operadores do sistema. É essencial lembrar que ainda existem gestores que desconhecem a própria definição de racismo institucional.

Constituir comissão multidisciplinar para formatar padrões de identificação do suspeito policial. Esses padrões serão estabelecidos a partir dos olhares das múltiplas ciências que lidam com a criminalidade. Dessa forma, os policiais terão um padrão de identificação do suspeito mais profissional. Em conseqüência, reduzir-se-á a reprodução do "padrão" do senso comum.

Tornar "racismo institucional" conteúdo programático nas disciplinas de Ética e Cidadania e Direitos Humanos nos cursos de formação das instituições policiais. Com efeito, aumentar-se-ão os momentos de discussão sobre a temática, o que permitirá reforçar o cuidado em trabalhar de forma profissional. [48]

Com tal proposta, BARROS aponta algumas formas de se discutir mais no âmbito policial militar o tema racial, tentando evitar que se perpetuem as práticas que ocorrem simplesmente por repetir os atos que outros agentes fazem sem se questionar sobre tal assunto. Somente com a conscientização de suas ações, se conseguirá uma polícia cidadã, que respeita os direitos humanos e promove uma igualdade entre todos os cidadãos, para assim conseguir chegar a uma liberdade. [49]

2.3.TEM UM ELEMENTO SUSPEITO EM FRENTE A MINHA CASA

A população constrói um tipo ideal de pessoa suspeita e com isso também contribui para a formação do suspeito para o policial, como se depara com um tipo de suspeito que ele, o cidadão, entende como tal, em frente a sua casa. Por exemplo, fatalmente o cidadão procurará a emergência, descrevendo o sujeito estranho que ronda sua casa e exigirá dos agentes públicos que seja tomada alguma atitude, que de uma forma ou de outra, será a abordagem policial com possível busca pessoal. Esse tipo de comportamento é encontrado em diversas regiões do país, pois é indicado por experientes agentes de segurança pública, profissionais que dão dicas para se viver nos dias atuais como se pode averiguar na página da internet da Polícia do Senado:

Com o crescimento desordenado das populações nas grandes cidades nos últimos anos, especialmente nas capitais e nos principais municípios do interior, a segurança pública tornou-se um dos setores mais exigidos pela sociedade, tendo em vista que, como era de se esperar, os índices de criminalidade também aumentaram na mesma proporção. É claro que, muitas vezes, o crime pode ser evitado com pequenas precauções. Afinal, como diz o antigo ditado, "a ocasião faz o ladrão". Vale salientar, que o melhor parceiro das forças de segurança é você, cidadão. Somente com a colaboração da sociedade, podemos fazer um trabalho efetivo e assim aumentar a segurança e a tranqüilidade em nosso Estado. Nas Ruas

Previna-se contra a ação dos marginais não ostentando objetos de valor como relógios, pulseiras, colares e outras jóias de valor. Evite passar em ruas ou praças mal iluminadas. Se sentir que está sendo seguido, entre em algum estabelecimento comercial ou atravesse a rua. Não saia com grandes quantias de dinheiro ou cartões de crédito se não houver necessidade. Não abra a carteira ou a bolsa na frente de estranhos. Separe pequenas quantias de dinheiro para pagar passagem, café, cigarros etc. Ao sair sozinho, procure sempre ficar no centro da calçada e na direção contrária ao trânsito. Fica mais fácil perceber a aproximação de um veículo suspeito. Não deixe de comunicar a presença de elementos suspeitos nas proximidades de sua casa. Ao retornar, notando algum sinal estranho (porta aberta, luzes acesas, etc.), não entre em casa, chame a polícia... [50] [sem grifo no original]

Nas dicas de segurança fica explícita a estereotipagem de indivíduos, um atavismo generalizado que se espalha pela população que taxa tais tipos de sujeitos como sendo predeterminados a cometerem crimes Não há um trabalho com a sociedade, com educação social, preconceitos e racismo. Não se verifica no ensino fundamental e médio qualquer tipo de estudo em relação ao preconceito racial com os jovens.

Do latim atavu, quarto avô, atavi, antepassados.

Reaparecimento de determinado indivíduo, de tendências peculiares a ascendentes remotos. Pode, também, ser definido como a tendência de um homem ou animal apresentar características inerentes ao seu tipo primitivo, progressivamente alterado. O famoso médico criminologista Cesare Lombroso (1836-1909) publicou, em 1875, uma obra intitulada O homem delinqüente, na qual professou a original opinião de que o crie não resulta, exclusivamente, do livre-arbítrio, mas de várias causas, principalmente a biologia, representada pelo atavismo ou regressão ao homem primitivo. [51]

RAMOS e MUSUMECI, ao questionarem a população carioca sobre os preconceitos existentes na Polícia Militar daquele Estado, se depararam com a resposta de que a polícia nada mais é do que um espelho da sociedade:

Acha que a polícia é mais, menos, ou igualmente racista que o resto da sociedade?

A maioria (59,9%) acha que policia e sociedade são igualmente racistas, vindo em seguida os que acham que a primeira é mais racista que a segunda (29,7%). Não há variações significativas por gênero ou raça em nenhuma das respostas a essa pergunta. Os mais velhos (50 a 65 anos) e os de alta escolaridade (mais de 12 anos de estudo) ficam acima da média na avaliação de que a polícia e a sociedade são igualmente racistas: respectivamente, 66 e 65%. Quanto à renda, as maiores distâncias da média, para a resposta "igualmente", estão nos dois extremos: mais de zero a um salário mínimo (65,9%) e mais de cinco salários mínimos (63,8%). A distribuição racial, dentro de cada resposta ("mais", "menos" ou "igualmente") é muito próxima da distribuição racial da população como um todo. [52]

A própria sociedade estabelece parâmetros de suspeição de indivíduos, mas a polícia deve ter parâmetros técnicos para especificar tal tipo de suspeição, diferenciando-se do senso comum. Se faz necessária uma melhor formação acadêmica, um trabalho direto dos aspectos raciais e de estereótipos criados pela sociedade em geral. Que estes aspectos preconceituosos sejam minimizados do cotidiano policial. Com isso, se busca o afastamento de "tinos policiais", de esperteza, de adivinhação de quem é ou não é bandido, apenas por suas características físicas, ou seus trajes, taxando o pobre como bandido, o negro, o mal vestido. Essa visão de filtragem racial deve ser banida, senão ao menos reduzida a ponto de não taxar a polícia como a protetora dos ricos brancos em detrimento dos pobres negros e mal vestidos. RAMOS e MUSUMECI apontam algumas sugestões de parâmetros que podem ser utilizados para definir a fundada suspeita nas atividades policiais:

Adiando um pouco a questão específica do racismo, as sugestões abaixo vão no sentido de institucionalizar na PM a noção de fundada suspeita e de estabelecer parâmetros nítidos para a abordagem de transeuntes. Seria fundamental que:

Em documentos escritos, e em cursos de formação e de reciclagem, fossem definidos clara e detalhadamente os critérios norteadores da fundada suspeita e as justificativas técnicas para a abordagem e revista corporal de transeuntes, levando em conta diferentes situações-tipo enfrentadas no trabalho cotidiano dos policiais;

Fossem estudadas formas adequadas de monitoramento e controle das abordagens e revistas corporais efetuadas em modalidades ordinárias de policiamento ostensivo, capazes de identificar e corrigir a incidência de estereótipos e preconceitos nos critérios de suspeição;

Se estabelecesse como uma das metas do treinamento policial banir o recurso à revista corporal como mecanismo de humilhação, subjugação ou intimidação;

Tal como nos caso das blitzes em veículos, fossem instituídos mecanismos de avaliação de resultados e análise de custo-benefício das abordagens de pessoas nas ruas, em transporte coletivo e em outras situações. [53]

Se faz necessária uma melhor formação policial no sentido de escolha do cidadão que será submetido à busca pessoal, com critérios técnicos que não sejam maquiagem para estereótipos de criminosos predefinidos.

Ainda se faz importante salientar que o comportamento do cidadão perante a abordagem policial é de suma importância, com o conhecimento de seus direitos e deveres. Torna muito mais fácil o serviço da polícia e ainda poderá ser exigido um melhor atendimento desta para com a sociedade, pois sabendo os mecanismos de cobrança que o cidadão pode recorrer quando tem seus direitos violados, a atividade policial, paulatinamente, tomará uma qualidade maior.

Nesse contexto se ressalta a importância de trabalhos educativos para com a sociedade, divulgando normas relacionadas à abordagem policial, destacando cada tipo de comportamento que deverá ser tomado pelos atores que participarão da abordagem. Ressalte-se, aqui, o trabalho da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, com sua campanha de conscientização, A polícia me parou. E agora?, criada em apoio às Ouvidorias de Polícia e Policiamento Comunitário em parceria com a União Européia. A publicação ensina os direitos e deveres do cidadão no momento da abordagem policial. Vejamos algumas de suas orientações:

O QUE FAZER QUANDO FOR ABORDADO PELA POLÍCIA

A polícia pode abordar as pessoas e revistá-las sempre que presenciar alguma atitude suspeita. Se você for parado pela polícia, alguns comportamentos podem ajudar a impedir que a situação se transforme em conflito:

Fique calmo e não corra; Deixe suas mãos visíveis e não faça nenhum movimento brusco; Não discuta com o policial nem toque nele. Não faça ameaças ou use palavras ofensivas. Não é crime andar sem documentos, mas recusar-se a se identificar é contravenção penal. Se estiver sem documento, forneça ao policial dados que auxiliem a sua identificação.

SE FOR ABORDADO, VOCÊ TEM DIREITO

De saber a identificação do policial; De ser revistado apenas por policiais do mesmo sexo que você; De acompanhar a revista de seu carro e pedir que uma pessoa que não seja policial a testemunhe; De ser preso apenas por ordem do juiz ou em flagrante; Em caso de prisão: de não falar nada além de sua identificação, e de avisar sua família e seu advogado;

De não ser algemado se não estiver sendo violento ou tentando fugir da abordagem. Se algum policial desrespeitar os seus direitos, tente se lembrar e anotar o nome, a identificação e a aparência dele, o número da viatura em que ele estava e o nome das testemunhas que presenciaram os fatos. [54]

Trabalhos como este são se suma importância para a atividade policial, pois com o cidadão sabendo o seu comportamento ideal no momento da abordagem, propiciará ao policial uma maior segurança em seu trabalho e ainda, o mais importante, prevenirá o embate que tende a ocorrer com o comportamento, considerado pelo policial, desrespeitoso do cidadão quando é submetido à abordagem, com questionamentos inoportunos que tornam uma simples abordagem policial uma grande ocorrência. Com encaminhamento à delegacia de polícia por desacato, desobediência e até mesmo resistência à prisão. Cabe ainda crítica ao trabalho que poderia ser ainda melhor, pois quanto mais informação a população adquirir em relação ao trabalho policial, mais fácil se tornará essa convivência cidadão / policial. Ao mesmo tempo que entra em choque por falta de conhecimento de alguns assuntos pela população, é ocasionado o problema também pela falta de sensatez de alguns policiais que tratam o cidadão como um ser sem direitos, sem mesmo explicar o motivo pelo qual foi abordado.

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Sobre o autor
Daniel Nazareno de Andrade

Bacharel em Direito - 2009 das Faculdade Integradas do Brasil - UniBrasil. Especialista em Gestão Pública - 2013 - UFPR Especialista em Direito Penal Militar Contemporâneo - 2014 - Universidade Tuiuti do Paraná. Especialista em Direito Penal e Criminologia - 2017 - Uninter.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Daniel Nazareno. A formação da fundada suspeita na atividade policial e os desafios da segurança pública no Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2826, 28 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18772. Acesso em: 23 dez. 2024.

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