A previsão do crime de peculato por equiparação representa uma das maiores curiosidades que envolvem o estudo da CLT. Tal modalidade de peculato encontra-se prevista no art. 552, que estabelece que "os atos que importem em malversação ou dilapidação do patrimônio das associações ou entidades sindicais ficam equiparados ao crime de peculato julgado e punido na conformidade da legislação penal" (grifei). [01]
Cumpre apontar, inicialmente, que as demais modalidades de peculato encontram-se previstas nos arts. 312 e 313 do Código Penal. Dessa forma, o peculato-apropriação está disciplinado na primeira parte do art. 312 do Código Penal. Já o peculato-desvio encontra-se previsto na segunda parte do art. 312 do Código Penal. Também há outra modalidade de peculato chamada de peculato-furto, que está disposta no art. 312, §1º, do Código Penal. Além disso, não se pode esquecer o peculato culposo previsto no art. 312, §2º, e o peculato mediante erro de outrem, que se encontra no art. 313, §3º, do Código Penal. Por fim, também é interessante destacar a existência do peculato eletrônico ou peculato hacker [02], previsto nos arts. 313-A e 313-B do Código Penal. Eis o disposto na legislação penal em análise, in verbis: [03]
"Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
Peculato culposo
§ 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
§ 3º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.
Peculato mediante erro de outrem
Art. 313 - Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Inserção de dados falsos em sistema de informações (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações
(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Questão interessante sobre o presente tema refere-se à competência para o julgamento de ações que envolvam a prática do crime de peculato por equiparação previsto no art. 552 da CLT. Uma primeira possibilidade seria imaginar que a competência seria da Justiça do Trabalho, pelo fato do crime estar previsto na CLT e pela ampliação da competência da Justiça do Trabalho conferida pela EC 45/2004. No entanto, no que se refere à competência da Justiça do Trabalho para o processamento e o julgamento de ações penais, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3684-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 1º/02/2007, Plenário, DJE de 03/08/2007, firmou o seguinte entendimento, in verbis: [04]
"Competência criminal. Justiça do Trabalho. Ações penais. Processo e julgamento. Jurisdição penal genérica. Inexistência. Interpretação conforme dada ao art. 114, I, IV e IX, da CF, acrescidos pela EC 45/2004. Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar deferida, com efeito, ex tunc. O disposto no art. 114, I, IV e IX, da CF, acrescidos pela EC 45, não atribui à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar ações penais." ADI 3.684-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 1º-2-2007, Plenário, DJE de 3-8-2007. (grifei)
Dessa forma, afastada a possibilidade de competência da Justiça do Trabalho para o julgamento de ações penais, é importante analisar se a competência para o julgamento do crime de peculato por equiparação seria da Justiça comum estadual ou da Justiça Federal. Cabe, inicialmente, salientar que a competência da Justiça Federal encontra-se prevista no art. 109 da CF/1988 e não prevê, a princípio, qualquer hipótese de competência federal para o julgamento de crimes praticados contra sindicatos, pois essas entidades possuem natureza privada [05], [06], [07], [08] e [09] e as infrações penais praticadas contra sindicatos não causariam lesão a bens, serviços e interesses da União. Para melhor compreensão do tema, é oportuna a leitura da competência da Justiça Federal prevista no art. 109 da CF/1988, que assim dispõe: [10]
"Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;
III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional;
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
V-A - as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;
VII - os "habeas-corpus", em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição;
VIII - os mandados de segurança e os "habeas-data" contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;
IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;
X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o "exequatur", e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;
XI - a disputa sobre direitos indígenas" (grifei).
Por outro lado, poder-se-ia alegar que o legislador, ao equiparar a malversação ou dilapidação do patrimônio das entidades sindicais ao crime de peculato, buscou inserir o crime previsto no art. 552 da CLT no capítulo que trata sobre os crimes cometidos contra a administração pública e, por essa razão, teria a intenção de atrair a competência da Justiça Federal, principalmente em relação às entidades de classe de âmbito nacional. Além disso, poder-se-ia sustentar que o registro obrigatório de todos os sindicatos no Ministério do Trabalho e Emprego atrairia o interesse da União e, conseqüentemente, a competência da Justiça Federal.
No entanto, para resolver à questão relativa à competência para o processamento e julgamento do crime de peculato por equiparação previsto no art. 552 da CLT, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do CC 31.354/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2004, DJ 01/02/2005, firmou o seguinte posicionamento: [11]
"PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PECULATO POR EQUIPARAÇÃO. ART. 552 DA CLT. ENTIDADE SINDICAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. Os atos que importem em malversação ou dilapidação do patrimônio das associações ou entidades sindicais ficam equiparados ao crime de peculato julgado e punido na conformidade da legislação penal.
2. Não é pelo fato de encontrar-se a tipificação do crime de peculato inserida no Título dos Crimes Contra a Administração da Justiça, no Código Penal, que haverá a incidência da regra constitucional que define a competência da Justiça Federal.
3. O simples fato da necessidade de registro dos sindicatos no Ministério do Trabalho não aponta o mínimo interesse da União na ação penal para o processo e o julgamento dos crimes contra eles praticados.
4. Inexiste ofensa a bens, serviços ou interesse da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, restando afastada a competência da Justiça Federal.
5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Ituverava/SP, suscitado. (grifei).
Por todo o exposto; sem a menor pretensão de se esgotar o tema relacionado ao peculato por equiparação previsto no art. 552 da CLT, cumpre registrar que a competência para seu julgamento é da Justiça comum Estadual, restando afastada a competência da Justiça do Trabalho, mesmo após a edição da EC 45/2004 e da Justiça Federal, tendo em vista que a questão restou decidida no Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o CC 31.354/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, em 13/12/2004, DJ 01/02/2005. [12]
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- BRASIL. Código Penal. "TÍTULO XI - DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CAPÍTULO I - DOS CRIMES PRATICADOSPOR FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL. Peculato. Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa. § 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.Peculato culposo § 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. § 3º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta. Peculato mediante erro de outrem Art. 313 - Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. Inserção de dados falsos em sistema de informações (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). Pena - detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)." Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 11 mar. 2011.
- BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT. Art. 552: "Os atos que importem em malversação ou dilapidação do patrimônio das associações ou entidades sindicais ficam equiparados ao crime de peculato julgado e punido na conformidade da legislação penal". (Redação dada pelo Decreto-lei nº 925, de 10.10.1969); Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 10 mar. 2011.
- BRASIL. Constituição Federal de 1988. "Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País; III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional; IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira; VII - os "habeas-corpus", em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição; VIII - os mandados de segurança e os "habeas-data" contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais; IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar; X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o "exequatur", e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização; XI - a disputa sobre direitos indígenas". Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htmn>. Acesso em: 22 mar. 2011.
- BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência 31.354/SP. Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2004, DJ 01/02/2005. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=31354&processo=31354&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=3>. Acesso em: 17 mar. 2011.
- BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3684-MC. Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 1º/02/2007, Plenário, DJE de 03/08/2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%24%2ESCLA%2E+E+3684%2ENUME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+ADJ2+3684%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos>. Acesso em: 17 mar. 2011.
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