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A suposta permissão do Código Civil para emissão eletrônica dos títulos de crédito à luz do princípio cambiário da cartularidade

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01/04/2011 às 13:39
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4 A circulação e a executividade dos títulos de crédito emitidos eletronicamente

Além de tudo que já foi explicitado acerca da timidez do art. 889, §3º código Civil de 2002, cabe, ainda, dizer sobre o seu silêncio no que reporta à circulação e à executividade dos títulos de crédito emitidos eletronicamente. Não é necessária nenhuma ginástica intelectual para se concluir que a circulação é da essência dos títulos de crédito. O legislador, portanto, cometeu um pecado ao deixar o tema de lado. Porém, a infelicidade do poder legiferante do Código Civil de 2002, em matéria de títulos de créditos emitidos eletronicamente, foi tão grande que o silêncio sobre a circulação e a executividade é apenas mais um ponto negativo daquela empreitada legislativa. No entanto, cabe trazer à baila e analisar o que a doutrina pensante tem dito sobre aquilo que foi mais um ponto perdido do legislador Brasileiro.

A existência dos títulos de créditos emitidos eletronicamente poderá se manifestar, segundo o nosso entendimento, de duas formas: em meio exclusivamente eletrônico ou: em meio eletrônico e real. Entendamos. Na hipótese de o título nascer e circular eletronicamente, ele poderá continuar em meio magnético até sua efetiva liquidação ou, em caso de inadimplemento, ser passível de execução, o que veremos mais adiante. Caso o título se mantenha em meio eletrônico até a sua efetiva quitação, essa, poderá se dar também em meio eletrônico, por uma questão de forma. O professor Carlos Alberto Rohrmann (2007, P. 59), afirmou, nesse mesmo sentido, em modelo de emenda à L.U.G. para Notas Promissórias em meio eletrônico: "Artigo 4 - Aquele que paga uma nota promissória eletrônica deve receber a nota promissória eletrônica digitalmente assinada pelo último possuidor da nota, que valerá como prova do pagamento."Assim, o começo e o fim da existência do referido título estaria, invariavelmente em meio magnético.

A outra forma de existência dos títulos de créditos emitidos eletronicamente que cogitamos é, de certa forma, mista, pois, iniciar-se-ia em meio magnético e passaria, posteriormente, ao meio impresso, ou seja, surgiria no meio virtual e passaria para o mundo real.

O já citado professor Carlos Alberto Rohrmann (2007, p. 59), desta vez, porém, em sentido contrário, assim ponderou no modelo de emenda à L.U.G. para Notas Promissórias em meio eletrônico: "Artigo 3 - A nota promissória eletrônica não pode ser convertida em nota promissória não-eletrônica para efeitos de circulação. Tal conversão é nula de pleno direito."

A proposta do professor admite, porém, que para a execução seja impressa a Nota Promissória existente em meio eletrônico. (2007, p. 59) Em outras palavras, o posicionamento do professor admite uma exceção para a existência do citado título em meio material, ou real, quando da execução, mas apenas para esse fim, sendo nulas as demais impressões.

Cumpre dizer que a circulação da Nota se daria por meio de endosso e enquanto ela estivesse em meio eletrônico, posto que a sua transposição para o mundo real, material só se daria em virtude de uma necessária execução. Nesse sentido, pontua Carlos Alberto Rohrmann:

Como as notas promissórias eletrônicas foram criadas para o ciberespaço, tais documentos deveriam poder circular no ciberespaço, simplesmente porque uma nota promissória assinada digitalmente pode ser usada como data input para gerar outra assinatura digital. O risco de fraude existiria se a nota promissória eletrônica circulasse no ciberespaço e no mundo real. Aí haveria um sério risco de duplicação numa operação fraudulenta. As notas promissórias eletrônicas somente podem circular no ciberespaço e, conseqüentemente, somente podem "viver" no ciberespaço. Uma nota promissória somente é retirada do ciberespaço, para ser executada, uma vez que os tribunais não aceitam "ações judiciais eletrônicas". (ROHRMANN, 2007, p. 54)

Ressalta-se, todavia, que a Lei nº 11.419, de 19 de Dezembro de 2006, data posterior à publicação do artigo pelo citado professor, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, admite em seu artigo 1º, o uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais. Eis o art. 1º da Lei nº 11.419, no Capítulo I, que trata da informatização do processo judicial:

Art. 1º O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei.

§ 1º Aplica-se o disposto nesta Lei, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição.

§ 2º Para o disposto nesta Lei, considera-se:

I - meio eletrônico qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais;

II - transmissão eletrônica toda forma de comunicação a distância com a utilização de redes de comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores;

III - assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:

a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica;

b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos. (BRASIL. Lei 11.419 de 19 de dezembro de 2006. DOU: 20/12/2006)

A lei permite também, se não o exige, o uso de assinatura digital quando do envio de petições ou peças processuais, conforme o artigo 2º que assim dispõe:

Art. 2º O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1o desta Lei, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.

§ 1º O credenciamento no Poder Judiciário será realizado mediante procedimento no qual esteja assegurada a adequada identificação presencial do interessado.

§ 2º Ao credenciado será atribuído registro e meio de acesso ao sistema, de modo a preservar o sigilo, a identificação e a autenticidade de suas comunicações.

§ 3º Os órgãos do Poder Judiciário poderão criar um cadastro único para o credenciamento previsto neste artigo.

Art. 3º Consideram-se realizados os atos processuais por meio eletrônico no dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário, do que deverá ser fornecido protocolo eletrônico.

Parágrafo único. Quando a petição eletrônica for enviada para atender prazo processual, serão consideradas tempestivas as transmitidas até as 24 (vinte e quatro) horas do seu último dia. (BRASIL. Lei 11.419 de 19 de dezembro de 2006. DOU: 20/12/2006)

Em que pese a Lei nº 11.419 ser, ao nosso ver, uma das leis mais importantes dos últimos anos no Brasil no que se refere ao Judiciário, tal diploma sozinho é insuficiente para alcançarmos a plenitude da executividade dos títulos emitidos eletronicamente. Vale lembrar que são apenas proposições do professor Carlos Alberto Rohrmann as citações de emenda à L.U.G. transcritas acima.

Há quem entenda que a impossibilidade de se executar um título emitido eletronicamente, nos termos do art. 889, §3º, do Código Civil, está na lei processual, que não o admite como título executivo extrajudicial, como é o caso de Adriana Valéria Pugliesi Gardino, que assim asseverou:

Bem se vê, portanto, que o verdadeiro foco do problema atual que enfrenta o título de crédito eletrônico não tem origem na disciplina do direito material (agora suprida com a inserção do parágrafo 3º do artigo 889 do Código Civil), mas na ausência de previsão da sistemática processual, cuja informatização do sistema é embrionária, ainda. (PENTEADO et al, 2005, p. 21)

Há de se ressaltar que quando a professora de São Paulo apresentou tal assertiva, em 2004, ainda não havia sido sancionada a Lei nº 11.419, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, o que se deu em 2006. No entanto, em que pese o posicionamento da professora ter sido publicado antes da referida lei, não podemos concordar que o problema dos títulos de créditos emitidos em meio magnético é a lei processual, tendo em vista que o Código de Processo Civil já admite como título executivo aquele título cuja lei atribuir força executiva, senão vejamos:

Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:

(...)

VIII - todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006). (BRASIL. Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973. DOU: 17/01/1973)

Conclui-se, portanto, que não é o Código de Processo Civil o problema dos títulos emitidos eletronicamente, mas sim a lei que deve, ou deveria, tratar de cada título, atribuindo-lhe força executiva. Contudo, como já se sabe, o legislador do Código Civil de 2002 que abordou o tema, não tratou da execução dos títulos eletrônicos.

A legislação atinente à execução de título executivo extrajudicial, em especial o Código de Processo Civil, possibilita a execução dos títulos de créditos emitidos eletronicamente, conforme o seu art. 585, VIII, contudo, existe a necessidade de que a lei de regência do título lhe confira validade e forma no que tange à execução, que ao teor da Lei de informatização do processo judicial, pode se dar em meio eletrônico, ou seja, a petição eletrônica instruída com o referido título de crédito emitido eletronicamente.

Porém, ainda que se admitisse a plena validade e efetividade do art. 889, §3º do Código Civil quanto aos títulos de créditos, não há, com a legislação atual, como executar os títulos de créditos emitidos eletronicamente, porquanto, o próprio Código Civil não atribuiu força executiva ao título emitido dessa maneira, para a satisfação do art. 585, VIII do Código de Processo Civil. Assim, sem força executiva expressa, o título de crédito emitido em meio magnético não pode servir à execução.

Se imaginarmos que um título de crédito, uma Nota Promissória, por exemplo, goza de força executiva expressa (art. 585, I, Código de Processo Civil), e, atualmente o Código Civil inovou, possibilitando a emissão de uma Nota Promissória [03] a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente, ainda assim não estaríamos diante de uma hipótese de execução de título de crédito emitido eletronicamente, posto que, o Dec. 2.044/08 trata a Nota Promissória de forma diversa que o Código Civil no que reporta à assinatura e emissão da mesma, afastando a aplicabilidade do Código Civil quanto à matéria, por força do art. 903, do próprio Código Civil que preconiza: "Art. 903. Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código."

O afastamento da aplicabilidade do Código Civil, imposta por ele mesmo, conforme art. 903, quanto aos títulos de créditos que são tratados de forma diversa por sua lei de regência, constitui óbice à aplicação do que dispõe o art. 889, §3º, tendo em vista que, de forma geral, todas as leis especiais tratam do respectivo título como algo corpóreo, material, ou seja, tratam o título de forma diversa do Código Civil.

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Assim, executar um título de crédito emitido eletronicamente, por força do 889, §3º, em que pese a admissão de sua aplicabilidade, é algo ainda inviável.

O professor Orival Grahl em Dissertação de Mestrado sob o tema título de crédito eletrônico apresentou as seguintes ponderações sobre a execução dos títulos eletrônicos:

A execução de um título de crédito eletrônico, por tudo o que já manifestamos até o momento, dependeria de mudanças na legislação, não só na regulamentação material do título, mas também processual. Não obstante, valemos-nos mais uma vez da opinião de Adrianna Alecar Setúbal sobre a questão, in verbis: "Diante disso, perguntamos, o que fazer ou como fazer para executar um título de crédito eletrônico? São duas as soluções que vislumbramos. A primeira delas é usar do mesmo artifício utilizado no protesto por indicação, no qual se tem a determinação do título a ser protestado identificado eletronicamente. A segunda alternativa é materializar o título, com o uso de periféricos de saída como impressoras. Impresso o título, este seria juntado à petição inicial, sem qualquer inovação quanto ao que hoje temos." Alternativamente à utilização do protesto por indicação, que já tratamos no capítulo anterior, preferimos a regulamentação do título de crédito eletrônico. Regulando o ato de criação do título, com a segurança jurídica necessária, inclusive com a certificação da assinatura, a materialização do título, como sugere a autora citada, não seria problema. (GRAHL, 2003, p. 122)

De fato, a conclusão de Orival Grahl é um consenso e é o que se espera: uma legislação condizente com a demanda social. O professor chegou a dizer que teve acesso a um trabalho não publicado do Ex-Ministro do STJ e Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual, professor Athos Gusmão Cerneiro, no qual sugeria uma nova sistemática para a execução. Segundo Orival Grahl (2003, p.123), a redação sugerida para o artigo 566 do Código de Processo Civil é a seguinte "Art. 566. Pode promover a execução forçada o credor por obrigação expressa em documento por lei considerado título executivo extrajudicial, redigido por escrito ou constante registro eletrônico autorizado.’ Grifamos."

Ocorre que sobrevindo alterações no Código de Processo Civil, após a apresentação do trabalho do professor Orival Grahl, no qual cita as proposições do ex-ministro Athos Gusmão Cerneiro, não houve alteração no sentido proposto quanto ao art. 566 do Código de Processo Civil, que permanece inalterado. [04]

Confiamos, por outro lado, na boa doutrina, como a do professor Carlos Alberto Rohrmann, capaz de demonstrar os melhores caminhos que devam ser trilhados pelas futuras legislaturas no intento de aperfeiçoar o título de crédito, um instrumento que é de suma importância para a sociedade. Ademais, pesa sobre tal instituto o princípio da cartularidade, que não tem sido bem tratado pela legislação civilista de 2002.

4.1 A questão das duplicatas

O fato de o Código Civil de 2002 trazer uma norma atinente à emissão eletrônica dos títulos de crédito reflete, como dito alhures, a preocupação com a desmaterialização que, no caso das duplicatas, ocorre de forma ainda mais intensa. Por isso, tornam-se de suma importância algumas reflexões acerca da desmaterialização desse título de crédito.

A supressão documental da duplicata enseja os mais calorosos debates doutrinários e jurisprudenciais. De fato, o tema é controvertido. Todavia, a emissão eletrônica em contraponto à cartularidade é um problema que atinge frontalmente esse título de crédito, sendo que o entendimento desse evento possibilita uma boa compreensão da norma do art. 889, §3º, do Código Civil. A esse respeito o professor Mauro Rodrigues Penteado destacou:

(...) é de todo recomendável que a lei geral de regência dos títulos de crédito não perca a oportunidade de contemplar o fenômeno verificado mais recentemente na praxe negocial, de propagação inevitável em virtude da informática e das modernas técnicas de administração, relativo à chamada "descartularização", mais freqüente no campo de utilização das duplicatas, embora já reconhecido, limitadamente, em lei (Lei 6.404/76, art. 34)". (PENTEADO, 1995, p. 39-41)

Depreende-se que a questão da duplicata está intimamente ligada ao art. 889, §3º, do Código Civil.

O fato de a Lei de Duplicatas permitir a constituição de um título executivo sem que haja um título de crédito faz reinar na prática empresarial a supressão documental da duplicata. A esse respeito esclareceu Celso Barbi Filho:

A vigente Lei de Duplicatas criou um mecanismo que permite exatamente isso. É possível, no seu sistema, que se opere com o regime creditício das duplicatas entre vendedor e comprador, no plano comercial e judicial, sem que as cártulas sejam emitidas, inexistindo título de crédito, mas havendo título executivo, por meio do suprimento do aceite, como já visto. (FILHO, 2005, p. 34)

E prossegue na explicação dessa possibilidade:

De acordo com o art. 6º, da referida lei, a duplicata deve ser remetida ao comprador para pagamento no prazo de 30 (trinta) dias de sua emissão, sendo que dita remessa pode se dar por intermédio de instituição financeira. E, como se sabe, a grande massa das duplicatas sacadas são entregues à cobrança bancária, ou ali descontadas por endosso translatício. Pelo art. 13 e seu § 1º da Lei nº 5.474/68, a duplicata é protestável por falta de aceite, devolução e pagamento. (...) Já o art. 14, da citada lei, determina que o instrumento de protesto conterá os requisitos do art. 29 do Decreto nº 2.044/08, hoje previstos pelo art. 22, da Lei nº 9.492/97. (...) Assim, no caso de protesto por indicação do apresentante, a transcrição da duplicata pode ser substituída pelas informações que aquele fornecer ao cartório sobre o título e o sacado que o reteve. (FILHO, 2005, p.35-36)

Dessa forma, a lei torna dispensável a duplicata para que seja lavrado o protesto. Não há, também, a necessidade de cártula para se instruir a execução, pois o art. 15, inciso II, da Lei de Duplicatas, permite a execução da duplicata não aceita desde que haja sido simultaneamente protestada, esteja acompanhada do comprovante de entrega da mercadoria e o sacado não tenha, comprovadamente, recusado o aceite na forma dos arts. 7º e 8º da mesma lei. No mesmo sentido, o § 2º, do art. 15, possibilita o processamento da mesma forma quanto a duplicata não aceita e não devolvida, mas protestada mediante indicação do título.

Verifica-se que não há nenhuma ofensa ao princípio da cartularidade, posto que, tanto o protesto quanto a execução são relativos a um título existente e que, por uma razão ou outra, previstas em lei, não pôde ser apontado ao protesto e, nem mesmo executado.

Ocorre, entretanto, que os empresários, ansiosos por agilidade e economia e, diante da abertura da Lei de Duplicatas, costumam utilizar o sistema bancário para cobrar por seus serviços ou produtos. Destarte, enviam ao banco um borderô, ou uma fita magnética com todos os dados do cliente e do negócio jurídico celebrado para que a instituição financeira emita boletos de cobrança e os remeta para os sacados, para pagamento, sem que haja sido emitida a duplicata respectiva.

Caso determinado boleto não seja pago, o que ocorre na prática é que os bancos utilizam sua primeira via como instrumento que contém as informações necessárias para se apontar o título a protesto por indicações. Este protesto juntamente com o comprovante de entrega da mercadoria ou da prestação de serviço permite a execução na forma do art.15, inciso II e § 2º, da Lei nº 5.474/68.

Em que pese a ilegalidade desse procedimento, esse serve perfeitamente para demonstrar o conflito existente entre a cartularidade e a magnetização de dados que o Código Civil abordou.

Alguns doutrinadores cogitam a aplicabilidade do art. 889, §3º, do Código Civil, que possibilitaria a emissão eletrônica da duplicata. Sobre esse assunto anotou José Virgilho Lopes Enei:

Nesse sentido, podemos ver no art. 889, §3º do novo Código Civil – o qual autoriza a emissão de títulos de crédito por via eletrônica ou outros suportes tecnológicos disponíveis – norma (e talvez única) que aproveitará amplamente todos os títulos de crédito, inclusive os títulos típicos preexistentes ao Código. (PENTEADO et al, 2004, p.153)

E também Marcos Paulo Feliz da Silva:

Por outro lado, se aceita a tese pela qual sobre os títulos de crédito típicos, isto é, aqueles disciplinados em lei especial, incidem supletivamente as normas do Código Civil, regulamentada estaria a emissão eletrônica das duplicatas e juridicamente respaldada a sua utilização no meio empresarial, por força do §3º, do art. 889, em consonância com o previsto no art. 903, da nova lei civil, ambos combinados com as disposições da Lei .5474/68, com as quais nesse ponto não colidem. (SILVA, 2006, p.144)

Entretanto, a norma do artigo 903 do Código Civil preceitua que salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto no Código. De fato, se a lei de regência dos títulos de crédito típicos atuais os tratam como títulos de papel, fazendo, inclusive, menção ao verso e dorso da cártula, conforme art. 8º do Dec. Nº 2.044, à aposição de assinaturas próximas umas das outras, conforme art. 14 do mesmo decreto, não há como imaginar que se possam emitir tais títulos eletronicamente, posto que é patente o tratamento diverso que as leis especiais dos títulos de crédito já existentes dão aos mesmos, afastando assim a aplicabilidade do Código Civil nesse aparte.

O professor Wille Duarte assevera:

Mas, nos termos do art. 903 as disposições da lei especial sobrepõe às normas do Código Civil. Havendo lei especial sobre determinado título de crédito, como ocorre com as duplicatas, são inaplicáveis as disposições do Código, como na hipótese. Se pela letra do art. 903 as disposições do Código só se aplicarão não havendo disposição em contrário em lei especial, seria contraditório pensar que determinado artigo do Código Civil permitisse a criação de um título de crédito eletrônico chamado duplicata escritural, eletrônica ou virtual, por exemplo. Assim, a duplicata é título de crédito, regulado por lei especial e não pode ser regulado pelo Código Civil. (COSTA, 2007, p. 3)

Pelo entendimento ponderoso de Wille Duarte, o princípio da cartularidade resiste aos arroubos da prática empresarial. Para o professor, a duplicata ainda deve ser emitida nos moldes da sua lei de regência, ou seja, na forma cartular. Certo é que a discussão está bem longe de ter um fim.

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Sobre o autor
Gustavo Henrique de Almeida

Mestre em Direito Empresarial. Professor universitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALEMEIDA, Gustavo Henrique Almeida. A suposta permissão do Código Civil para emissão eletrônica dos títulos de crédito à luz do princípio cambiário da cartularidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2830, 1 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18797. Acesso em: 25 abr. 2024.

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