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A (in)constitucionalidade da lei que regula tempo máximo para espera em fila de banco.

Análise crítica da atual e crescente problemática

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12/04/2011 às 07:25
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4. A INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO AO ART. 48, INCISO XIII, CF/88 (COMPETÊNCIA DA UNIÃO/CONGRESSO NACIONAL)

Compreende-se que não apenas as legislações dos Municípios são inequivocamente inconstitucionais, mas também as leis estaduais jamais poderão vingar como dotada de perfeita consonância com a Constituição Federal, tendo em vista ser da competência da União (caso se pense na possibilidade fática de se regular a matéria) dispor sobre as instituições financeiras e a regulação do funcionamento destas:

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos artigos 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

[...]

XIII – matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações.

É importante dizer que pode haver entendimento de que o STF consolidou posição no sentido da competência dos entes municipais em regular o tempo de atendimento bancário, a partir da interpretação jurisprudencial formada na Corte Suprema e do teor de sua Súmula de nº 645.

Todavia, conforme dispõe o verbete da referida Súmula, "é competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial". Vale dizer, o ente municipal detém competência para fixar (a) horário de funcionamento de (b) estabelecimento comercial, o que nada tem a ver no que diz respeito à fixação de (a) tempo máximo de atendimento em (b) agências bancárias.

Não se pode, assim, querer equiparar pura e simplesmente estabelecimento comercial a agências bancárias, visto que são diferentes em diversos aspectos, sobretudo em sua forma de funcionamento. Nem que se diga que horário de funcionamento (por exemplo, horário para o comércio de alguma cidade fechar será às 19h) equivale o mesmo que estabelecer um tempo máximo de atendimento (por exemplo, 15 minutos para atender consumidor), pois também não o é.

Compreende-se que uma agência bancária, no atual sistema financeiro bancário, não pode ser isoladamente considerada, pois as agências possuem seu funcionamento como um todo global complexo, com reflexos em instituições financeiras muito além dessa ou daquela cidade. Por exemplo, os serviços de compensação de cheques, transferências eletrônicas (TED) e troca de malotes envolvem várias instituições financeiras de vários municípios de um mesmo estado, envolvendo, inclusive, relações interestaduais.

Imagine se na cidade de São Paulo, um dos maiores centros empresariais do mundo, tenha previsão em lei que o tempo máximo de espera na fila para atendimento é de apenas 15 (quinze) minutos. Claro que isto terá reflexos em várias agências de um banco que mantenha estabelecimentos não somente neste Município, mas também em diversas cidades do mesmo estado e de outros estados do país, os quais dependem de inúmeras transações financeiras de uma agência de São Paulo e, justamente por ter que dar maior primazia à lei paulista relativa ao atendimento bancário (por exemplo, direcionando a maioria dos funcionários para o setor de caixa), esta agência demorará a dar resposta às operações oriundas de outras agências (e também de outras instituições financeiras) do sistema financeiro.

Fica compreensível que quando se determina, mediante lei, que as agências bancárias de determinado Município devem respeitar o tempo para atendimento que foi estabelecido pelo legislador municipal, isto com certeza terá conseqüências diversas na forma de estruturação destas agências, como, por exemplo, o deslocamento de funcionários com funções gerenciais (que prestam importantes serviços, tais como: análise de concessão de empréstimos, financiamentos, conferência de documentação para abertura de conta corrente ou poupança, etc.) para o setor de caixa (que basicamente estão voltados para os serviços de recebimento de pagamentos – contas de água, luz e telefone, pagamento de tributos etc. –, saque e depósito de valores), além da própria contratação de mais servidores para este setor (caixa).

Claro que muito melhor seria ter justamente mais funcionários para atendimento quanto a análise, acompanhamento e concessão de empréstimos e financiamentos, serviços importantes para os consumidores, igualmente relevantes também para a instituição financeira e para todo o sistema financeiro, uma vez ser essencial a conferência da documentação apresentada pelo consumidor e o perfil do mesmo, sob pena de se conceder produtos e serviços que amargarão prejuízos futuros (dívidas) para a instituição, com inegáveis reflexos para o mercado a depender do tamanho do prejuízo.

Em outras palavras, por certo que as legislações sobre fila de banco interferem grandemente no funcionamento global das instituições financeiras, colocando em xeque, por via reflexa, a normatização do sistema financeiro nacional.

Mesmo não tendo essas leis disposições diretas sobre política de crédito, de câmbio ou de seguros, elas afetam a organização e estrutura desta ou daquela instituição bancária, afetando, com isso, a estruturação do sistema financeiro considerado como um todo.

Hoje, não mais se despreza que quando uma ou outra instituição financeira é afetada no mercado financeiro, mesmo que não seja diretamente relacionada a crises econômicas, os reflexos serão surtidos por várias instituições pertencentes a esse mesmo sistema, principalmente se forem impactos negativos. E é exatamente isso que ocorre quanto à questão da fila de banco.

Nessa linha, não há como sustentar o entendimento que vem tendo o Supremo Tribunal Federal no sentido de que a matéria regulamentada pelas leis aqui em análise não se confunde com a atinente às atividades-fim das instituições bancárias (5), como se pode observar no julgado de 2005 abaixo colacionado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. ATENDIMENTO AO PÚBLICO. FILA. TEMPO DE ESPERA. LEI MUNICIPAL. NORMA DE INTERESSE LOCAL. LEGITIMIDADE.

1. Lei Municipal nº 4.188/01. Banco. Atendimento ao público e tempo máximo de espera na fila. Matéria que não se confunde com a atinente às atividades-fim das instituições bancárias. Matéria de interesse local e de proteção ao consumidor. Competência legislativa do Município.

2. Recurso extraordinário conhecido e provido (STF, Recurso Extraordinário 432.789-9/SC, Primeira Turma, Relator Ministro Eros Grau, data do julgamento: 14/06/2005, data da publicação: 07/10/2005).

Sustentar entendimento de que as leis em discussão "não tratam de dinheiro, de movimentação de crédito, enfim, de nada que diga respeito a finanças, dizendo respeito à pessoa, da preservação da dignidade" é desvirtuar o real impacto desses diplomas normativos.

A decisão do STF não considerou o que foi explanado neste estudo, de que os reflexos de impor tempo máximo de atendimento em agências bancárias são de alcance muito maior do que o que poderia ter imaginado o legislador ordinário, alcançando o funcionamento global e a organização dessas instituições.

Ademais, é importante esclarecer que a questão relativa à fixação de tempo máximo para atendimento em agências bancárias não se trata efetivamente de assunto de interesse local, reservado a cada Município deste país regulá-la, conforme determina a regra constitucional insculpida no art. 30, inciso I, CF/88.

O que é de competência dos Municípios são questões como: obrigar as agências bancárias a colocar assentos em todas as filas de atendimento para pessoas com mais de 65 anos de idade, grávidas, deficientes físicos e mulheres com crianças de colo; orientar as agências a disporem de um telefone para contato direto com o PROCON Municipal; proibir o estabelecimento de agências bancárias em determinadas localidades do Município, de acordo com o Plano Diretor Urbano (PDU); obrigar os estabelecimentos bancários a fixar nas áreas internas e externas das agências, em local visível e de fácil leitura, tabela de preços e serviços oferecidos; dispor sobre a instalação de sanitários e bebedouros nas agências, entre outros assuntos.

Ou seja, questões como a regulação de tempo para espera em fila de banco não fazem parte propriamente da competência relativa aos Municípios, como erroneamente já entendeu o Excelso Supremo:

CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. LEI MUNICIPAL. INTERESSE LOCAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

O Município tem competência para legislar sobre o atendimento ao público nas agências bancárias (STF, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 427.373-2/RS, Primeira Turma, Relatora Ministra Carmén Lúcia, data do julgamento: 13/12/2006, data da publicação: 09/02/2007).

Há, desse modo, transgressão da competência reservada ao Congresso Nacional para dispor sobre a matéria, eis que o assunto envolve reflexamente o funcionamento e organização das instituições financeiras locais espalhadas pelo país, pertencentes a um conjunto que forma o sistema financeiro nacional.

Finalizando esse tópico, vale destacar o que José Afonso da Silva analisou acerca do tema em relevo, em parecer jurídico à consulta feita pela FEBRABAN na ação de Mandado de Segurança acima mencionada:

Se a definição do tempo máximo de espera nas filas dos bancos pode levar a mudanças como a exigência de que funcionários que exercem funções administrativas sejam deslocados, em regime de urgência, para funções de atendimento ao público, exigindo-se aí que, posteriormente, mais funcionários sejam contratados, ou que simplesmente mais funcionários sejam contratados diretamente para as funções de atendimento ao público, ou, em alguns casos, em vista de limitações físicas para a abertura de mais caixas, que novas agências tenham que ser abertas e que outras tenham que ser fechadas, ou que os bancos invistam mais nessa forma de atendimento (no caixa) do que nas formas que vêm sendo priorizadas nos últimos anos – atendimento por telefone, por meio de "caixas automáticos" ou por meio do chamado "internet banking" –, em todos esses casos parece-nos impossível que se possa sustentar que não há nenhuma relação entre a "simples" definição de tempo máximo de espera nas filas e o funcionamento das instituições financeiras. Se uma regra que provoca mudanças e cria exigências na divisão do trabalho nas agências, na contratação de funcionários e nos investimentos nesse ou naquele setor de atendimento ao público não é uma regra que afeta o funcionamento das instituições financeiras, difícil imaginar uma regra que afete. (destacou-se)


5. A INCONSTITUCIONALIDADE POR CONTRARIEDADE AO DISPOSTO NO ART. 192, CF/88 (LEI COMPLEMENTAR)

As legislações que tratam sobre tempo de espera em fila de banco, mesmo que não sejam emanadas dos entes municipais e estaduais, também serão de incontroversa inconstitucionalidade caso não sejam de natureza complementar, consoante a regra do art. 192 da Carta Magna:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.

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Desse modo, mesmo que o Congresso Nacional tenha poder de regular a matéria, esta não poderá ser positivada mediante processo legislativo referente às leis ordinárias (aspecto formal), diferente da tramitação relativa aos projetos de leis complementares, além da própria diferenciação da natureza (aspecto material) das leis.

O constitucionalista Alexandre de Moraes, fixando as diferenças existentes entre lei complementar e lei ordinária, aponta as seguintes:

A primeira é material, uma vez que somente poderá ser objeto de lei complementar a matéria taxativamente prevista na Constituição Federal, enquanto todas as demais matérias deverão ser objeto de lei ordinária. Assim, a Constituição Federal reserva determinadas matérias cuja regulamentação, obrigatoriamente, será realizada por meio de lei complementar. A segunda é formal e diz respeito ao processo legislativo, na fase de votação. Enquanto o quorum para aprovação da lei ordinária é de maioria simples (art. 47), o quorum para aprovação da lei complementar é de maioria absoluta (art. 69), ou seja, o primeiro número inteiro subsequente à divisão dos membros da Casa Legislativa por dois (MORAES, 2010, p. 676-677).

Quanto à usurpação de competência de matéria reservada à lei complementar, como está ocorrendo ultimamente, é mister destacar que é este o entendimento consolidado dos Tribunais Superiores, no sentido de incorrer em inconstitucionalidade a lei ordinária que dispõe a respeito de matéria reservada à lei complementar:

1. CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE LEI COMPLEMENTAR E LEI ORDINÁRIA. A lei ordinária que dispõe a respeito de matéria reservada à lei complementar usurpa competência fixada na Constituição Federal, incidindo no vício de inconstitucionalidade; o Código Tributário Nacional, na parte em que dispõe sobre normas gerais, embora lei ordinária, cumpre função de lei complementar, conforme iterativos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal. 2. TRIBUTÁRIO. DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS. CORREÇÃO MONETÁRIA. LEI Nº 7.799, DE 1989. Se o sujeito passivo da obrigação tributária ataca o índice estabelecido em lei para a correção monetária das demonstrações financeiras, ao fundamento de que, fixado em valores menores do que os da inflação, ele agravou artificialmente o fato gerador do imposto de renda descrito no artigo 43 do Código Tributário Nacional, a questão daí resultante é, evidentemente, de nível constitucional, não se expondo a recurso especial. Embargos de divergência acolhidos (STJ, Embargos de Divergência no Recurso Especial 129925/RS, Órgão julgador: Primeira Turma, Relator Ministro Ari Pargendler, data do julgamento: 07 de abril de 2000, data da publicação: 15 de maio de 2000) (6).

Assim sendo, jamais deverá se sustentar posição de que não diz respeito o tema sobre fila de banco ao que dispõe o art. 192 da Carta Magna, pois o funcionamento das instituições financeiras, consideradas como um todo global complexo, fazem parte desse sistema financeiro nacional. Isto é, essas legislações ordinárias que têm surgido dizem sim respeito à estruturação do sistema financeiro nacional, dispondo sobre o funcionamento das agências bancárias. Os reflexos surtidos com a definição de tempo máximo para que o usuário (cliente ou não cliente) aguarde atendimento nestes estabelecimentos são sentidos de maneira salutar em suas estruturas funcionais, consoante fundamentação elucidada no tópico anterior.

A matéria sobre funcionamento e organização do sistema financeiro nacional não foi por acaso reservada à lei complementar. O legislador constituinte pretendeu justamente evitar comportamentos de constante mudança no que se poderia ter através de processo legislativo ordinário, mais fácil de ser apreciado e votado por causa do quorum de maioria simples exigido (maioria dos membros presentes à sessão de votação).

Portanto, mesmo que seja possível a regulamentação da questão, a partir, ainda, de um entendimento sobre a constitucionalidade de leis municipais e estaduais, estas não poderão ser de natureza ordinária, mas sim complementar, sob pena de violação ao disposto no art. 192, CF/88.

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Sobre o autor
Vitor Gonçalves Machado

Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pós-graduado em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera/LFG. Pós-graduado em Direito do Estado pela Universidade Anhanguera/LFG. Bacharel em Direito pela UFES. Advogado do Banco do Estado do Espírito Santo. Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4463439U4.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Vitor Gonçalves. A (in)constitucionalidade da lei que regula tempo máximo para espera em fila de banco.: Análise crítica da atual e crescente problemática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2841, 12 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18881. Acesso em: 29 dez. 2024.

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