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Guarda do sábado e concursos públicos

14/04/2011 às 11:36
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É recorrente a polêmica sobre a constitucionalidade da realização de provas de concursos públicos e/ou exames vestibulares em dia de sábado.

A controvérsia existe porque certas pessoas, por princípio religioso, não realizam atividades seculares entre o pôr-do-sol de sexta-feira e o pôr-do-sol de sábado. Para estes, o art. 5º, VIII da CF garante a não realização de provas nesse dia.

Por outro lado, há quem entenda que oferecer condições especiais de prova aos sabatistas feriria a isonomia, porque colocaria esse grupo em vantagem frente aos demais concorrentes. Nessa linha, argumenta-se que o Estado seria laico e, portanto, indiferente a qualquer opção religiosa.

Traçaremos a seguir aquela que nos parece ser a melhor solução jurídica para a questão.

Inicialmente, cumpre apontar que a Administração Pública tem discricionariedade para escolher o modo como realizar as provas de concurso público e os exames vestibulares (no caso de instituições de ensino públicas).

A tarefa do Administrador Público, como sabemos, consiste em prover as necessidades públicas previstas no ordenamento jurídico, utilizando-se, para tanto, dos recursos públicos, humanos e instrumentos jurídicos de que dispõe.

Na atividade específica de selecionar os mais aptos ao exercício de empregos ou cargos públicos, ou ainda, os estudantes mais preparados a ingressar no ensino superior (o que não deixa de ser uma necessidade pública), pode ser que razões de interesse público exijam a aplicação de prova no dia de sábado.

Assim pode ocorrer, por exemplo, porque nesse dia o aluguel do local de prova seja mais barato (ou até mesmo gratuito, se pensarmos no caso do uso de um imóvel público).

Também está dentro do âmbito de livre escolha do Administrador Público definir se são necessários um ou mais dias para a realização de provas. Se forem realizados dois dias de prova, por exemplo, pode ser considerado conveniente que os exames sejam aplicados em dias consecutivos, como num sábado e domingo.

Enfim: ao se desincumbir da tarefa de selecionar por mérito (concurso público ou exame vestibular), pode ser que haja conveniência na realização de prova em sábado.

Acaso isso ocorra, o art. 5º, inciso VIII da CF não garante aos sabatistas o direito à realização de uma nova prova em dia distinto, pois tal conduta frustraria a razão de ser do concurso público, cujo sucesso depende da aplicação a todos os candidatos das mesmas perguntas. 

Além disso, nenhum direito fundamental, de que serve de exemplo o direito de crença, é de caráter absoluto. Pelo contrário, os direitos fundamentais convivem entre si e com outros interesses igualmente previstos na Constituição, como se dá, no último caso, com a realização de processo seletivo meritório.

Uma ressalva deve ser posta, no entanto, para os casos em que haja lei proibindo a realização de concurso público aos sábados. 

Explica-se: em diversas unidades da federação, existem leis com esse conteúdo. E casos tais, como o Administrador Público está submetido à lei, o dia de sábado deixa de ser uma opção para a aplicação de testes. Cito, como exemplos, a Lei 11.225/99 de Santa Catarina; Lei nº. 12.142/05 de São Paulo; e Lei n. 1631/06 de Rondônia.

Observe-se, no entanto, que essas leis aplicam-se apenas ao ente federativo que as editou. Ou seja, a lei do Estado de São Paulo aplica-se apenas aos concursos públicos aí realizados. Nem mesmo um município paulista é obrigado pela lei estadual; para tanto, é necessária uma lei municipal.

Assim, a lei estadual vale para os concursos do Estado correspondente; a municipal para concursos do Município; e a lei federal para os concursos da União (quanto à União, especificamente, não tenho conhecimento de lei desse teor editada pelo Congresso Nacional).

Feito esse panorama, cumpre avançar para outra possibilidade, muito comum, aliás.

Não raramente concursos públicos são designados para o dia de sábado, em apenas um período. Por exemplo, o último concurso de Advogado da União, cuja segunda fase ocorreu num sábado à tarde, e prosseguiu no domingo, pela manhã e tarde; ou ainda a última prova do ENEM, que seguiu o mesmo regime de aplicação.

Para situações como essa, mostra-se cabível oferecer regime de prova diferenciado para os sabatistas. Em que consiste esse horário alternativo? No mesmo horário em que os demais candidatos se apresentam para as provas, os sabatistas entram em sala fiscalizada, aí permanecendo até o pôr-do-sol, a partir de quando iniciam a mesma prova, com o mesmo tempo de resposta.

Essa medida conciliadora, ainda que não preserve totalmente o interesse dos religiosos, tampouco pode ser condenada por deixá-los sem qualquer proteção. O horário alternativo permite que o sabatista realize a prova sem agredir sua convicção religiosa, garantindo-lhe a participação na competição.

Por outro lado, trata-se de alternativa que compõe adequadamente os interesses em conflito, pois com a aplicação da mesma prova, com idêntico tempo de aplicação, garante-se a realização de concurso público com tratamento igualitário aos candidatos.

Ainda há, infelizmente, julgadores que entendem que o Estado não é obrigado a oferecer horário alternativo, pois é laico e nada tem com opções religiosas de quem quer que seja. 

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Para esses, no entanto, fica a advertência de que o Estado, a despeito de laico, é juridicamente obrigado a garantir os direitos fundamentais previstos na Constituição, dentre os quais está o direito de crença e convicção filosófica. Assim, sempre que possível, está juridicamente obrigado a adotar as providências administrativas e legais necessárias para resguardar os direitos fundamentais, sendo-lhe vedado protegê-los de forma insuficiente.

Trata-se, assim, de obrigação de natureza jurídica, com fundamento constitucional, e não um mero favor. Assinalo, neste ponto, que a adoção de horário alternativo conta com o respaldo da jurisprudência do STF, conforme se vê do Informativo n. 570, de onde extraio o seguinte:

"Observou-se, no ponto, que o Ministério da Educação oferta aos candidatos que, em virtude de opções religiosas não podem fazer as provas durante o dia de sábado, a possibilidade de fazê-las após o pôr-do-sol, medida que já vem sendo aplicada, há algum tempo, em relação aos adventistas do sétimo dia, grupo religioso que também possui como "dia de guarda" o sábado. Não obstante, salientando não se estar insensível ao argumento de que medida adotada pelo MEC poderia prejudicar os candidatos praticantes da citada profissão religiosa — os quais teriam de ser confinados, para apenas ao fim do dia iniciar as suas provas —, considerou-se que tal medida revelar-se-ia, diante dos problemas decorrentes da designação de dia alternativo, mais condizente com o dever do Estado de neutralidade em face do fenômeno religioso e com a necessidade de se tratar todas as denominações religiosas de forma isonômica".

Uma última observação. 

No último exame do ENEM, como amplamente noticiado pelos meios de comunicação, fez-se necessário aplicar nova prova a alunos prejudicados por razões diversas. Seguindo o raciocínio tradicional, não sendo possível aplicar provas diversas sem quebrar a igualdade, ter-se-ia que anular o exame.

Naquela oportunidade, no entanto, a União sustentou que o ENEM, por suas próprias características, seria um exame em que as provas diferentes teriam o mesmo condão de avaliação sobre o aluno. Vale dizer, segundo a União, se um aluno realizasse diversas provas de ENEM, obteria o mesmo resultado.

A prevalecer esse raciocínio sobre a natureza do ENEM, não haveria nenhum impedimento jurídico para a realização de prova à parte para os sabatistas, pois deixaria de ser impossível a aplicação de provas distintas. Deixo o registro no sentido de que esse argumento pode vir a ser utilizado em futuros exames.

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Sobre o autor
Jáder Miranda de Almeida

Procurador do Estado de Goiás. Graduado pela Faculdade de Direito da UFMT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Jáder Miranda. Guarda do sábado e concursos públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2843, 14 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18899. Acesso em: 17 nov. 2024.

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