1. INTRODUÇÃO
Este trabalho analisa o direito de greve dos servidores públicos civis, tendo em vista o princípio da continuidade dos serviços públicos, bem como discute a razoabilidade da aplicação da Lei 7.783/89 – conhecida como lei geral de greve – a esses servidores.
A greve dos trabalhadores da iniciativa privada e dos servidores públicos civis é reconhecida como direito fundamental, respectivamente nos artigos 9º e 37, VII, da Constituição Federal – CF/88. No âmbito privado, a greve é regulada pela Lei 7.783/89. Já no serviço público, ela teve sua disciplina remetida para lei específica, que ainda não foi editada. Essa lacuna legislativa, a princípio, impossibilitava juridicamente o exercício da greve pelos servidores, tendo em vista que o referido art. 37, VII constitui norma constitucional de eficácia limitada.
Com o intuito de dar efetividade ao direito dos servidores civis, o Supremo Tribunal Federal determinou que, enquanto não sobrevier lei específica regulamentando a greve no serviço público, deve ser aplicada a Lei n° 7.783/89 também nesse setor.
Assim, a lei geral de greve - destinada a disciplinar a greve no âmbito privado - passou a regular uma realidade muito diversa daquela a que originariamente se propôs, encontrando obstáculo, sobretudo, na necessidade de permanência dos serviços públicos essenciais.
Nesse sentido, este estudo possui como principais objetivos: demonstrar a necessidade de compatibilização do direito de greve dos servidores civis com o princípio da continuidade dos serviços públicos essenciais; analisar a eficácia do preceito fundamental que assegura o direito de greve do servidor; definir os serviços considerados essenciais no setor público; e demonstrar a inadequação da Lei 7.783/89 para regular a greve no serviço público.
Trata-se de tema de extrema relevância, pois, embora boa parte da doutrina e da jurisprudência mostre-se favorável à aplicação da lei geral de greve aos servidores, a extensão dessa lei ao setor público encontra sérios entraves no plano prático, que merecem ser discutidos.
2. GREVE – NOÇÕES GERAIS
2.1 Conceito
O artigo 2º da Lei 7.783/89 conceitua a greve como sendo "a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços ao empregador".
Assim, para que reste configurada a greve, a suspensão da prestação de serviços deve ser coletiva - e não individual.
A paralisação coletiva, por sua vez, pode ser total ou parcial, abrangendo todos os trabalhadores de uma empresa ou apenas os de um ou mais setores desta.
Amauri Mascaro do Nascimento (2008, p. 85) assim esclarece:
O conceito jurídico de greve não oferece dificuldade, uma vez que é incontroverso que se configura como tal a paralisação combinada do trabalho para o fim de postular uma pretensão perante o empregador; não é greve, ensinam os juristas, a paralisação de um só trabalhador, de modo que sua caracterização pressupõe um grupo que tem um interesse comum.
No mesmo sentido é o entendimento de Alexandre de Moraes (2005, p.186):
A greve pode ser definida como um direito de autodefesa que consiste na abstenção coletiva e simultânea do trabalho, organizadamente, pelos trabalhadores de um ou vários departamentos ou estabelecimentos, com o fim de defender interesses determinados.
Para que haja greve a paralisação deve também ser temporária, já que a suspensão definitiva da prestação pessoal de serviços poderá caracterizar abandono de emprego, que é hipótese de justa causa do empregado (art. 482, i, da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT).
De acordo com a Lei 7.783/89, a greve deve ainda ser pacífica, sendo vedado o emprego de violência contra pessoas ou coisas durante a sua manifestação.
O movimento grevista pode ainda ser conceituado como um instrumento de pressão da classe trabalhadora sobre a classe patronal. Nas palavras de Maurício Godinho Delgado (2007, p. 1.407 – 1.408):
A greve é, de fato, mecanismo de autotutela de interesses; de certo modo, é exercício direto das próprias razões acolhido pela ordem jurídica. É, até mesmo, em certa medida, "direito de causar prejuízo". [...]
É que se trata de um dos principais mecanismos de pressão e convencimento possuído pelos obreiros, coletivamente considerados, em seu eventual enfrentamento à força empresarial, no contexto da negociação coletiva trabalhista.
A greve, portanto, é um meio eficaz de os trabalhadores pressionarem o empregador a entabular negociações, com vistas à satisfação de reivindicações no âmbito da relação de trabalho.
2.2 Natureza jurídica
De acordo com Maria Helena Diniz (2004, p.30), natureza jurídica pode ser conceituada como a "afinidade que um instituto tem em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser incluído o título de classificação". Assim, para determinar a natureza jurídica da greve, deve-se verificar com que categoria de direitos ela possui maior afinidade, a ponto de poder ser nela incluída.
Em que pesem algumas divergências doutrinárias, prevalece o entendimento de que a greve possui natureza jurídica de direito fundamental, uma vez que prevista expressamente como direito no Título II, da CF/88, que trata dos direitos e garantias fundamentais. Nesse sentido posiciona-se o Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho, o qual em sua ementa 64 afirma que "[...] o direito de greve é um dos direitos fundamentais dos trabalhadores e de suas organizações, unicamente na medida em que constitui meio de defesa de seus interesses".
Partilha do mesmo entendimento o professor Maurício Godinho Delgado (2007, p. 1436), segundo o qual "a natureza jurídica da greve, hoje, é de um direito fundamental de caráter coletivo, resultante da autonomia privada coletiva inerente às sociedades democráticas".
Desse modo, não resta dúvida de que a greve é um direito fundamental, assegurado no texto constitucional a trabalhadores da iniciativa privada e a servidores públicos civis.
2.3 A greve no ordenamento jurídico brasileiro
A greve, conforme visto, está prevista no instrumento normativo de mais alta hierarquia no ordenamento jurídico brasileiro - a CF/88. Trata-se de um direito fundamental, assegurado aos trabalhadores da iniciativa privada e aos servidores públicos civis. A greve dessas duas categorias de trabalhadores, contudo, é tratada de forma diferenciada no texto constitucional.
Em seu artigo 9º, a CF/88 assegura o direito de greve aos trabalhadores, deixando a critério destes decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. De acordo com o § 1º do mesmo dispositivo, "a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade". O § 2º desse artigo determina ainda que os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.
Note-se que o referido artigo 9ª da CF/88 aplica-se tão somente aos trabalhadores da iniciativa privada, não se estendendo aos servidores públicos civis. O direito de greve desses servidores está constitucionalmente assegurado no artigo 37, inciso VII, alterado pela Emenda Constitucional 19 de 1998 – EC 19/98. Aos militares, contudo, o direito de greve permanece vedado, por disposição expressa do artigo 142, IV, CF/88.
A Lei 7.783/89, atualmente conhecida como lei geral de greve, regulamenta o referido art. 9º da CF/88, que trata do direito de greve dos trabalhadores da iniciativa privada. Essa lei teve sua disciplina recentemente estendida aos servidores públicos civis, tendo em vista a mora do Poder Legislativo em editar a lei específica regulamentadora de que trata o artigo 37, VII, CF/88.
3. GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL
3.1 Conceito de serviço público
O serviço público pode ser conceituado como uma atividade exercida pelo Estado, sob regime de Direito Público, visando à satisfação de necessidades de toda a coletividade.
Nesse sentido é o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 650):
Serviço público é toda a atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público - portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais - instituído pelo Estado em favor de interesses que houver definido como públicos no sistema normativo.
Assim também considera Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2005, p. 99), para quem serviço público é:
[...] toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.
Desse modo, verifica-se que uma das principais características do serviço público, que o diferencia do serviço prestado pelo particular, é a sua finalidade precípua de satisfazer necessidades coletivas.
3.2 Princípio da continuidade dos serviços públicos
O princípio da continuidade dos serviços públicos preceitua que os serviços públicos não podem ser interrompidos, pois, como visto, eles destinam-se a atender a necessidades não de um ou alguns indivíduos, mas de toda a sociedade. Nas palavras de Diógenes Gasparini (2006, p.17), "os serviços públicos não podem parar porque não param os anseios da coletividade".
Esse princípio tem respaldo legal no art. 22 do Código de Defesa do Consumidor, que possui a seguinte redação: "Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos".(grifo nosso)
Dessa forma, verifica-se que o princípio da continuidade não se aplica a todo e qualquer serviço público, mas apenas àqueles considerados essenciais. Nesse sentido é o entendimento de Celso Ribeiro Bastos (2002, p. 117):
O serviço público deve ser prestado de maneira contínua, o que significa dizer que não é passível de interrupção. Isto ocorre pela própria importância de que o serviço público se reveste, o que implica ser colocado à disposição do usuário com qualidade e regularidade, assim como com eficiência e oportunidade "… " Essa continuidade afigura-se em alguns casos de maneira absoluta, quer dizer, sem qualquer abrandamento, como ocorre com serviços que atendem necessidades permanentes, como é o caso de fornecimento de água, gás, eletricidade. Diante, pois, da recusa de um serviço público, ou do seu fornecimento, ou mesmo da cessação indevida deste, pode o usuário utilizar-se das ações judiciais cabíveis, até as de rito mais célere, como o mandado de segurança e a própria ação cominatória
A impossibilidade de interrupção dos serviços públicos essenciais representa séria restrição ao exercício do direito de greve dos servidores públicos civis, o que será analisado mais adiante.
3.3 Previsão constitucional da greve no serviço público
O direito de greve no serviço público está previsto no artigo 37, VII, da CF/88, devendo ser exercido, segundo determina esse dispositivo, "nos termos e nos limites definidos em lei específica". Trata-se, como visto, de um direito fundamental.
Note-se que a lei deverá apenas regulamentar o direito de greve, e não cria-lo, pois ele já existe por expressa previsão constitucional.
A seguir, analisar-se-á a redação original do artigo constitucional em comento, bem como a consequência advinda de sua alteração pela EC 19/98.
3.3.1 Emenda Constitucional 19/98
Originariamente, o artigo 37, VII, da CF/88, que assegura o direito de greve ao servidor público civil, previa a regulamentação desse direito por lei complementar.
Com a edição da EC 19/98, a referida norma constitucional foi alterada, passando a exigir lei específica para disciplinar a greve do servidor, nos seguintes termos: "o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica".
Desse modo, embora garantido o direito de greve do servidor público civil pela CF/88, o exercício desse direito passou a depender da edição de uma lei específica.
É de se notar que a alteração trazida pela EC 19/98 veio facilitar a regulamentação da greve do servidor, já que esta passou a poder ser feita por lei ordinária, cujo processo de aprovação é mais simples do que o de uma lei complementar.
Ocorre que, ainda assim, o Poder Legislativo não editou a referida lei específica, de modo que os servidores públicos civis não possuem um diploma legal próprio a regular sua greve. Nesse sentido, não sendo mais exigida lei complementar, o STF determinou a aplicação da Lei 7.783/89 (lei ordinária) à greve dos servidores. A razoabilidade dessa decisão será discutida em momento oportuno.
3.3.2 Eficácia da norma constitucional
Considerando que todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia, José Afonso da Silva (2007, p. 82) asdiscrimina em três categorias: normas constitucionais de eficácia plena; normas constitucionais de eficácia contida; e normas constitucionais de eficácia limitada.
Normas constitucionais de eficácia plena, segundo ele, são aquelas dotadas de aplicabilidade direta, imediata e integral, ou seja, que são capazes de produzir todos os seus efeitos desde a entrada em vigor da CF/88.
São de eficácia contida as normas que, apesar de originariamente poderem produzir, por si só, todos os seus efeitos, são suscetíveis de sofrer restrições. Possuem, portanto, aplicabilidade direta, imediata, mas possivelmente não integral.
Por fim, as normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que não produzem imediatamente seus efeitos com a entrada em vigor da CF/88, dependendo, para tanto, de legislação posterior. Tais normas possuem aplicabilidade indireta, mediata e reduzida.
Há divergência doutrinária no que tange à eficácia do art. 37, VII, CF/88, que prevê o direito de greve do servidor público.
Para a corrente concretista, trata-se de norma de eficácia contida, e o direito nela consubstanciado pode ser exercido de imediato, não dependendo da edição da lei específica. Tal lei viria apenas regulamentar o direito já em exercício.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 272), defendendo essa corrente, apresenta a seguinte posição acerca do direito de greve:
Entendemos que tal direito existe desde a promulgação da Constituição. Deveras, mesmo à falta de lei, não se lhes pode subtrair um direito constitucionalmente previsto, sob pena de se admitir que o Legislativo ordinário tem o poder de, com sua inércia até o presente, paralisar a aplicação da Lei Maior, sendo, pois, mais forte do que ela.
Já a corrente doutrinária não concretista entende que o referido dispositivo constitucional abriga norma de eficácia limitada, de modo que o exercício do direito de greve pelo servidor público civil depende de regulamentação em lei específica. Alexandre de Moraes (2005, p. 7), adepto dessa corrente, possui o seguinte entendimento:
Por fim, normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que apresentam "aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade" (por exemplo: CF, art. 37, VII: o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica. Essa previsão condiciona o exercício do direito de greve, no serviço público, à regulamentação legal.
O STF também se posicionou de forma favorável à corrente não concretista no julgamento do Mandado de Injunção 20–4/DF, DJU: 22.11.1996, p. 45.690, Rel. Min. Celso de Mello:
MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO - DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL - EVOLUÇÃO DESSE DIREITO NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO - MODELOS NORMATIVOS NO DIREITO COMPARADO - PRERROGATIVA JURÍDICA ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO (ART. 37, VII) - IMPOSSIBILIDADE DE SEU EXERCÍCIO ANTES DA EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR - OMISSÃO LEGISLATIVA - HIPÓTESE DE SUA CONFIGURAÇÃO - RECONHECIMENTO DO ESTADO DE MORA DO CONGRESSO NACIONAL - IMPETRAÇÃO POR ENTIDADE DE CLASSE - ADMISSIBILIDADE - WRIT CONCEDIDO. DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de autoaplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta - ante a ausência de auto-aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição - para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida - que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público - constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, VII, do texto constitucional. Essa situação de lacuna técnica, precisamente por inviabilizar o exercício do direito de greve, justifica a utilização e o deferimento do mandado de injunção. A inércia estatal configura-se, objetivamente, quando o excessivo e irrazoável retardamento na efetivação da prestação legislativa - não obstante a ausência, na Constituição, de prazo pré-fixado para a edição da necessária norma regulamentadora - vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários. MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de admitir a utilização, pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe, do mandado de injunção coletivo, com a finalidade de viabilizar, em favor dos membros ou associados dessas instituições, o exercício de direitos assegurados pela Constituição. Precedentes e doutrina.
De fato, esse último entendimento mostra-se o mais adequado. Contudo, embora o artigo 37, VII, da CF/88 configure norma de eficácia limitada, o STF decidiu que, enquanto não for editada a lei regulamentadora do dispositivo, poderão os servidores públicos civis exercer seu direito de greve com fulcro na Lei 7.783/89.
4. APLICAÇÃO DA LEI 7.783/89
Como já exaustivamente salientado, a Lei 7.783/89 passou a ser aplicada à greve dos servidores públicos civis, até que sobrevenha lei específica para regular a matéria.
Analisar-se-á a seguir como se deu a extensão dessa lei aos servidores, bem como a razoabilidade de sua aplicação no serviço público.
4.1 Mandado de Injunção 712/PA
Conforme dispõe o inciso LXXI, do art. 5º, da CF/88, "conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania".
Tradicionalmente, os julgamentos dos mandados de injunção limitavam-se a declarar a mora legislativa, não satisfazendo, efetivamente, o direito pleiteado. Dessa forma, pouco benefício traziam àqueles que se viam privados de direitos, liberdades e prerrogativas previstas na CF/88.
Modificando seu entendimento acerca da eficácia das decisões tomadas em mandado de injunção, o STF passou a adotar a teoria concretista, dando a tais decisões efeitos mandamentais, e não meramente declaratórios da omissão normativa. Nesse contexto, a Suprema Corte julgou o MI 712/PA, em 25 de outubro de 2007, no qual determinou a aplicação da Lei 7.783/89 aos servidores públicos civis enquanto não editada lei para regulamentar sua greve.
Transcreve-se na íntegra a notícia veiculada na página virtual do STF acerca do MI 712/PA:
Supremo determina aplicação da lei de greve dos trabalhadores privados aos servidores públicos.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu hoje (25), por unanimidade, declarar a omissão legislativa quanto ao dever constitucional em editar lei que regulamente o exercício do direito de greve no setor público e, por maioria, aplicar ao setor, no que couber, a lei de greve vigente no setor privado (Lei nº 7.783/89). Da decisão divergiram parcialmente os ministros Ricardo Lewandowski (leia o voto), Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que estabeleciam condições para a utilização da lei de greve, considerando a especificidade do setor público, já que a norma foi feita visando o setor privado, e limitavam a decisão às categorias representadas pelos sindicatos requerentes.
A decisão foi tomada no julgamento dos Mandados de Injunção (MIs) 670, 708 e 712, ajuizados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep). Os sindicatos buscavam assegurar o direito de greve para seus filiados e reclamavam da omissão legislativa do Congresso Nacional em regulamentar a matéria, conforme determina o artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal.
No julgamento do MI 712, proposto pelo Sinjep, votaram com o relator, ministro Eros Grau, - que conheceu do mandado e propôs a aplicação da Lei 7.783 para solucionar, temporariamente, a omissão legislativa –, os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence (aposentado), Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Cezar Peluso e Ellen Gracie. Ficaram parcialmente vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que fizeram as mesmas ressalvas no julgamento dos três mandados de injunção.
Na votação do MI 670, de autoria do Sindpol, o relator originário, Maurício Corrêa (aposentado), foi vencido, porque conheceu do mandado apenas para cientificar a ausência da lei regulamentadora. Prevaleceu o voto-vista do ministro Gilmar Mendes, que foi acompanhado pelos ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence (aposentado), Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia, Cezar Peluso e Ellen Gracie. Novamente, os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio ficaram parcialmente vencidos.
Na votação do Mandado 708, do Sintem, o relator, ministro Gilmar Mendes, determinou também declarar a omissão do Legislativo e aplicar a Lei 7.783, no que couber, sendo acompanhado pelos ministros Cezar Peluso, Cármen Lúcia, Celso de Mello, Carlos Britto, Carlos Alberto Menezes Direito, Eros Grau e Ellen Gracie, vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio.
Ao resumir o tema, o ministro Celso de Mello salientou que "não mais se pode tolerar, sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e abusiva inércia do Congresso Nacional, cuja omissão, além de lesiva ao direito dos servidores públicos civis - a quem se vem negando, arbitrariamente, o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional -, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República".
Celso de Mello também destacou a importância da solução proposta pelos ministros Eros Grau e Gilmar Mendes. Segundo ele, a forma como esses ministros abordaram o tema "não só restitui ao mandado de injunção a sua real destinação constitucional, mas, em posição absolutamente coerente com essa visão, dá eficácia concretizadora ao direito de greve em favor dos servidores públicos civis".
Desse modo, a lei geral de greve aplica-se atualmente à greve dos servidores públicos civis. Será analisada a seguir a razoabilidade dessa aplicação.
4.2 Serviços públicos essenciais e a greve no serviço público
Conforme ressaltado alhures, uma das principais diferenças entre o serviço público e o serviço prestado pelo particular é a finalidade que tem o primeiro de satisfazer interesses coletivos. Embora a prestação de todos os serviços públicos seja importante – tendo em vista sua destinação pública – há aqueles, chamados essencias, cuja paralisação coloca em risco o próprio equilíbrio econômico e social. É exatamente para garantir a manutenção desses serviços imprescindíveis à sociedade que existe o princípio da continuidade dos serviços públicos, estudado na seção 3 deste trabalho.
Faz-se mister, assim, definir quais são serviços públicos essenciais que não podem ser interrompidos, representando um obstáculo à greve dos servidores públicos.
4.2.1 Análise do art. 10 da Lei 7.783/89
A Lei 7.783/89 traz sua definição de serviços essenciais no artigo 10:
Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:
I Tratamento e abastecimento de água; podução e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis.
II Assistência médica e hospitalar;
III Distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV Funerários;
V Transporte coletivo;
VI Captação e tratamento de esgoto e lixo
VII Telecomunicações;
VIII Guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX Processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X Controle da tráfico aéreo;
XI Compensação bancária.
Essa lei impõe, em seu art. 11, limitação à greve nos serviços que considera essenciais, impedindo que estes sejam totalmente paralisados:
Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
É certo que os serviços listados no referido art. 10 são essenciais ao bem estar da coletividade. Contudo, o rol de serviços públicos essenciais, protegidos pelo princípio da continuidade dos serviços públicos, é mais extenso do que o apresentado nesse dispositivo da lei geral de greve.
Os serviços públicos essenciais – em sua totalidade - não podem ser interrompidos, sob pena de grave prejuízo à ordem pública, de modo que a greve dos servidores públicos deve sofrer limitação mais rigorosa do que a dos trabalhadores do setor privado.
Assim sendo, a limitação à greve em serviços essenciais, apresentada no art. 11 da Lei 7.783/89, não é suficiente para resguardar a permanência dos serviços públicos essenciais. É o que passará a ser demonstrado.
4.2.2 Serviços essenciais no setor público
Não há consenso doutrinário nem jurisprudencial acerca da definição de serviços públicos essenciais.
Grande parte da doutrina entende que todos os serviços públicos são essenciais, tendo em vista sua finalidade de satisfação do interesse público. É esse o posicionamento de Luiz Antônio Rizzatto Nunes (2000, p. 306):
Em medida amplíssima, todo serviço público, exatamente pelo fato de sê-lo (público), somente pode ser essencial. Não poderia a sociedade funcionar sem um mínimo de segurança pública, sem a existência dos serviços do Poder Judiciário, sem algum serviço de saúde etc. Nesse sentido então é que se diz que todo serviço público é essencial.
Tal entendimento, contudo, não é o mais acertado, pois, ao considerar todos os serviços públicos como essenciais – e, portanto, não sujeitos a interrupção – aniquila o direito de greve dos servidores públicos civis.
Outros doutrinadores, por sua vez, consideram como serviços públicos essenciais apenas aqueles arrolados no art. 10 da lei geral de greve. Assim, consideram perfeitamente aplicável a Lei 7.783/89 à greve dos servidores públicos civis, já que esta impede a total paralisação dos serviços que julga essenciais. Esse posicionamento também não merece prosperar.
Embora nem todos os serviços públicos sejam essenciais, verifica-se que o rol desses serviços é mais extenso que o apresentado no referido dispositivo da lei geral de greve. Cabe, neste momento, analisar o que caracteriza um serviço público como essencial.
De acordo com Ronald Amorim Souza (2004, p. 174), "os serviços serão tidos como essenciais sempre que, quando interrompidos, venham a representar ameaça ou perigo à vida, à segurança ou à saúde de qualquer pessoa ou de parte da população". Assim, de uma forma geral, pode-se considerar como serviços públicos essenciais todos aqueles cuja interrupção seja capaz de comprometer gravemente o equilíbrio social.
Desse modo, resta nítido que a lei geral de greve não resguarda todos os serviços considerados essenciais no setor público. Como exemplos de serviços públicos essenciais não listados no art. 10 da Lei 7.783/89, pode-se citar os serviços prestados pelos agentes penitenciários, auditores fiscais, defensores públicos e procuradores. As atividades por eles exercidas têm papel fundamental no funcionamento da máquina administrativa e sua interrupção é capaz de gerar sérios danos à ordem pública.
Explícita é, portanto, a incapacidade da lei geral de greve de regular adequadamente a greve dos servidores públicos civis.
5. CONCLUSÃO
Diante dos argumentos apresentados, resta claro que o direito fundamental de greve do servidor público civil deve ser assegurado no plano prático através da edição da lei específica regulamentadora, prevista no art. 37, VII, CF/88.
Tendo em vista o princípio da continuidade dos serviços públicos, que assegura a permanência dos serviços públicos essenciais, é manifesta a incapacidade da Lei 7.783/89 de disciplinar adequadamente a greve do servidor. Essa lei, voltada para a realidade do setor privado, não prevê em seu art. 10 todos os serviços públicos essenciais e, assim, não restringe suficientemente a greve do servidor de modo a atender ao interesse público.
De fato, a realidade do campo privado é inteiramente diversa da do setor público. Regular a greve do trabalhador da iniciativa privada e do servidor público civil através de uma mesma lei – ainda que temporariamente – significa ferir o princípio da igualdade material, consagrado na Constituição Federal. De acordo com tal princípio, para se resguardar a isonomia no plano prático, é mister que se trate os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de sua desigualdade.
A greve dos servidores públicos, prevista no texto constitucional desde 1988, aguarda há mais de vinte anos por sua regulamentação. Nesse contexto, o que se espera das autoridades são esforços no sentido da rápida aprovação de lei específica a regular a greve no setor público, com todas as suas particularidades. A simples aplicação da lei geral de greve aos servidores, definitivamente, não é a melhor solução.
REFERÊNCIAS
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