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A responsabilidade civil decorrente das compras coletivas

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As chamadas compras coletivas nunca estiveram tão em voga. Em síntese, trata-se de um elaborado sistema de compras cooperadas realizadas por consumidores de bens e serviços, que são beneficiados através da concessão de descontos extremamente atrativos, fazendo com que o preço final das mercadorias seja muito abaixo daquele praticado no mercado.

O início desta política de concessão de descontos remonta aos Estados Unidos da América, cujo povo, mesmo antes do surgimento do comércio eletrônico, sempre nutriu um apreço muito grande por ofertas e promoções. Ainda hoje nos EUA é bastante comum que grandes redes atacadistas disponibilizem aos seus consumidores cupons de descontos em meio físico, geralmente encartados em listas telefônicas ou folders promocionais.

O mundo digital, por sua vez, absorveu tal prática há alguns anos. Inicialmente, de forma tímida, através do envio pontual de e-mails contendo cupons promocionais, que poderiam ser usados quase que exclusivamente em lojas virtuais.

Em seguida, no entanto, foram criados sites especializados unicamente na divulgação e venda de produtos e serviços em preços promocionais, tendo como marco deste segmento o surgimento do "Groupon", nos EUA em 2008, sendo esta a empresa online com o crescimento mais rápido de toda a história, detendo, ainda hoje, o título de maior site de compras coletivas do mundo. Para que se tenha uma idéia do tamanho deste mercado, estima-se que o Groupon deva faturar no ano de 2011 cerca de US$ 1 bilhão de dólares.

No Brasil, empresas com este propósito começaram a surgir apenas na metade do ano de 2010, capitaneados por uma filial do já citado Groupon, seguido por uma série de sites que hoje são os maiores do setor como o "Peixe Urbano", "Imperdível", "Qpechincha", "Clickon", dentre outros.

O fato é que a atividade se tornou um negócio extremamente lucrativo havendo estimativas que dão conta da existência de mais de 1000 sites de compras coletivas apenas no Brasil.

Embora engenhoso, o mecanismo de venda destes sites é bastante simples. O anúncio proveniente de diversos fornecedores é publicado no domínio do site e este simplesmente faz a ligação entre os compradores e o fornecedor em questão.

Para efetuar a compra, é necessário que o consumidor realize um cadastro prévio junto ao site. Havendo interesse pela oferta, basta ao usuário dar alguns poucos cliques e pagar sua nova aquisição através de cartão de crédito ou boleto bancário. Após o pagamento, o consumidor tem apenas que imprimir e apresentar ao fornecedor final um cupom contendo um código de segurança que é disponibilizado pelo site. Assim, poderá de imediato ser efetivada a fruição do produto ou serviço adquirido.

O sistema apresenta vantagens para todas as partes evolvidas. Os sites ganham comissões por cada venda realizada. Para os fornecedores o maior ganho talvez seja a publicidade gerada, capaz de atrair uma leva de novos clientes, além de também lucrarem, obviamente, com a venda dos produtos. Para os consumidores a vantagem reside na possibilidade de compra de produtos e serviços a preços indiscutivelmente promocionais, visivelmente abaixo dos preços praticados no mercado.

O consumidor, entretanto, tem de estar ciente de seus direitos caso surja algum problema durante o processo de aquisição ou fruição de bens e serviços adquiridos nos sites de compras coletivas. Com certa freqüência ouvem-se relatos da existência de serviços mal prestados e produtos defeituosos oriundos desta modalidade de negociação. É neste instante que o Código de Defesa do Consumidor (CDC, Lei n. 8.078/90) entra em cena, regulando direitos e obrigações das partes.

Analisando a hipótese acima aventada, estar-se-ia diante de um clássico caso de responsabilidade civil decorrente de um dano causado ao consumidor. Cabe-nos, pois, delimitarmos os parâmetros desta responsabilidade tendo em vista a participação de cada um dos sujeitos existentes no negócio. 

Quanto ao fornecedor "final", ou seja, aquele que expõe sua oferta nos sites de compras coletivas e que possui contato direto com o consumidor, não parece haver maiores dificuldades; sua responsabilidade é objetiva, conforme delimitam os artigos 12 e 14 do CDC.  

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos

Questão interessante se coloca, no entanto, quando da delimitação da responsabilidade das empresas proprietárias dos sites. Nos "termos de uso" de aludidos sites é comum depararmos com cláusulas prevendo que a empresa não poderá ser responsabilizada por qualquer dano proveniente da negociação. Estariam estas empresas, desta forma, eximidas de toda e qualquer responsabilidade pelas compras realizadas em seus domínios? Evidentemente que não! Estas abusivas cláusulas não possuem a menor validade jurídica.

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É que a responsabilidade dos sites também é objetiva, na medida em que eles, aos olhos do CDC, são considerados fornecedores para todos os fins. Válido observar que em seu artigo 3º o CDC conceitua o fornecedor como sendo toda pessoa física ou jurídica, que desenvolva atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Ora, estas empresas não fazem outra coisa a não ser comercializarem produtos e serviços, aferindo, inclusive, altos percentuais sobre cada venda realizada. São, portanto, fornecedores como qualquer outro.

Desta forma, poderá o consumidor demandar judicialmente tanto o fornecedor direto dos produtos e serviços como os sites de compras coletivas, havendo, inclusive, responsabilidade solidária entre os dois. É exatamente o que estabelece o artigo 25 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

§ 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.

§ 2° Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação.

A compra coletiva é um valioso instrumento posto à disposição do consumidor, devendo este apenas ter ciência de seus direitos e agir com a cautela devida, evitando comprar apenas por impulso, sob pena de comprometer o orçamento.

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Sobre o autor
Denis Eduardo Pontes Santos Lima

Advogado. Escritório Carlos Henrique Cruz Advocacia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Denis Eduardo Pontes Santos. A responsabilidade civil decorrente das compras coletivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2866, 7 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19053. Acesso em: 28 mar. 2024.

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