5. MECANISMOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS COMO AMPLIADORES DO CAMINHO AO ACESSO À JUSTIÇA
Inegável a existência de conflitos sociais diários, inegável também é que tais conflitos devem ser resolvidos.
Neste sentido, repudia-se o fato de se ter presente fatores que perfazem entraves a busca pelo apaziguamento, como o fator econômico em relação à procura pelo Poder Judiciário.
Parte-se, então, da premissa que a superação das desavenças é algo que se apresenta imprescindível, sendo que sua efetivação deve ocorrer seja via Poder Judiciário, seja via métodos alternativos.
CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (2003, p. 25 e 26) revelam a aludida necessidade de pacificação, assim como a constatação que o Estado tem falhado nesta sua atribuição também em razão das exigências monetárias:
"Abrem-se os olhos agora, todavia, para todas essas modalidades de soluções não-jurisdicionais dos conflitos, tratadas como meios alternativos de pacificação social. Vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes. Por outro lado, cresce também a percepção de que o Estado tem falhado muito na sua missão pacificadora, que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição e através das formas do processo civil, penal ou trabalhista.(...) Ao lado da duração do processo (que compromete tanto o penal como o civil ou trabalhista), o seu custo constitui outro óbice à plenitude do cumprimento da função pacificadora através dele. O processo civil tem-se mostrado um instrumento caro, seja pela necessidade de antecipar custas ao Estado (os preparos), seja pelos honorários advocatícios, seja pelo custo às vezes bastante elevado das perícias. Tudo isso, como é perceptível à primeira vista, concorre para estreitar o canal de acesso à justiça através do processo".
Estes autores revelam a tendência dos processualistas modernos em direcionarem sua atenção e estudo a outros meios de solução de conflitos, especialmente a conciliação e o arbitramento. Aduzem que além de haver quebra ao excessivo formalismo processual e a aplicação de juízos de eqüidade, há uma maior preocupação com o social, vez que a gratuidade, ou ainda, o menor custo, abre caminho ao acesso de todos que necessitam dissolver situações conflituosas.
CAPPELLETTI e GARTH (1988, p. 87 e 88) também visualizaram na conciliação uma alternativa para as partes penderem a evitar litígios judiciais, já que assim haveria um desvio dos riscos advindos de um julgamento:
"Outro método geral para evitar litígio judicial consiste em encorajar acordos pelo uso seletivo de incentivos econômicos. É claro que fatores econômicos tais como os custos do julgamento, os métodos pelos quais esses custos são alocados (incluindo os honorários antecipados), a taxa de inflação e a demora, influenciam a disposição das partes para com a conciliação, mesmo que esses fatores possam afetar diferentemente os diversos tipos de litigante. A demora e os altos índices de inflação tornam um demandante em busca de numerário, especialmente quando se trata de um indivíduo isolado, mais ansioso por uma composição, de modo a poder receber alguma quantia desde logo. O valor elevado das custas, de modo especial (mas não exclusivo), na medida em que elas são impostas apenas ao sucumbente, também aumenta os riscos de um julgamento. Litigantes individuais são especialmente suscetíveis a essas pressões, porque não podem distribuir seus riscos entre diversas causas".
A respeito da conciliação, a Constituição Imperial brasileira, assim como o Regulamento 737 de 1850, já haviam feito referência à sua adoção. O Código de Processo Civil de 1939 omitiu-se de dispor sobre ela, entretanto, o CPC de 1973 vislumbra na conciliação uma forma de se atingir a pacificação.
SABACK (2009) conceitua conciliação, assim como elucida no que constituem suas atividades:
"A conciliação constitui forma de heterocomposição, com intervenção de um terceiro conciliador, junto aos litigantes, com o intuito de levá-los à autocomposição.(...) As atividades conciliatórias constituem um inteligente trabalho de negociação em que o conciliador se põe na condição de intermediador das propostas visando à obtenção de consenso entre os litigantes, através de mútuas deliberações acerca do direito material que entendem possuir" [03].
Observa-se hodiernamente que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão do Poder Judiciário, em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil e com outros entes, organizam e divulgam o movimento "Conciliar é Legal", chamando a atenção para a ocorrência de negociações que potencialmente trarão soluções amigáveis.
Relata-se que a atuação do referido movimento perfaz-se por meio de mutirões de conciliação nas justiças de primeiro grau, especialmente em sede de Juizados Especiais, sendo que se toma o cuidado para organizar as reuniões de acordo com os réus mais habituais, como, por exemplo, as concessionárias prestadoras de serviço público e instituições financeiras.
Verifica-se que a organização dos movimentos conciliatórios em mutirões acarreta simplificação das formalidades, quando comparadas àquelas estabelecidas pelo Judiciário ao trâmite de processo. Desta feita, a conseqüência advinda dessa atuação é a aplacação de contendas de forma mais econômica, incentivando que aqueles que por causa dos custos evitavam formular suas queixas, assim o façam e potencialmente verifiquem suas pretensões satisfeitas sem aguçados gastos.
Ao lado da conciliação, examina-se a mediação, sendo que ambas têm como fito resolver pendências, todavia, diferenciam-se (ALMEIDA, 2009, p. 95):
"A mediação propõe uma mudança paradigmática no contexto da resolução de conflitos: sentar-se à mesa de negociações para trabalhar arduamente no atendimento das demandas de todos os envolvidos no desacordo. Na conciliação, as partes sentam-se à mesa em busca, exclusivamente, do atendimento de suas demandas pessoais (...) As pessoas envolvidas nas mesas de mediação são convidadas, antes mesmo do início do processo (pré-mediação), a trabalharem em busca de satisfação e benefício mútuo".
No contexto deste estudo, mister observar como a mediação pode ser um veículo auxiliador dos economicamente mais frágeis, que por não terem condições financeiras deixam de acessar a justiça, conformando-se com as eventuais mazelas impostas.
Divulga-se, então, experiência vivenciada pela Defensoria Pública do Estado do Ceará, que ao constatar que desacordos entre médicos e órgãos públicos ocasionaram a morte de um paciente e estavam na iminência de ocasionar um número maior de óbitos, providenciou que audiência pública fosse realizada e um acordo fosse celebrado (VILLAÇA, 2009, p. 253 e 254):
A Defensoria Pública do Estado do Ceará, a fim de solucionar conflitos coletivos, passou a aplicar o instituto da mediação, com seus princípios e procedimentos a tais questões, de forma a promover com efetividade e celeridade o pleno acesso à Justiça.(...).
O primeiro caso decorreu de notícia televisiva no qual se deu conta da morte de um paciente na fila de espera para transplante de coração, em hospital na capital cearense. Afirmou-se que tal fato decorreu da não renovação do contrato com a Cooperativa dos Cirurgiões Cardiovasculares do Estado (COOPICARDIO) com as Secretarias de Saúde do Estado e do Município, em razão da política púbica implementada pelos entes públicos envolvidos, não havendo consenso quanto o valor a ser pago a título de honorários médicos.
Sem ser provocada por nenhum dos envolvidos citados, nem mesmo qualquer interessado, mas percebendo que os prejudicados pela controvérsia eram os hipossuficientes economicamente, a Defensoria Pública determinou a realização de Audiência Pública para discutir o caso, convocando-se todos os possíveis interessados, quais sejam: Poder Executivo Municipal, Poder Executivo Estadual e suas respectivas Procuradorias, Conselho Regional de Medicina, Cooperativa dos Médicos envolvidos e Diretoria dos Hospitais em que se realizavam as cirurgias cardiovasculares. Neste ato, tomou-se conhecimento de que os pólos estavam discutindo resolução para o problema há vários meses, sem, contudo, chegar a um acordo.
Facilitando o diálogo entre os mesmos, a Defensoria Pública ressaltou o grave problema de saúde pública que a falta de acerto entre os interessados estava provocando, inclusive com o fato gravíssimo do falecimento de paciente, e, possivelmente, de tantos outros que não haviam se pronunciado na mídia local.
Neste sentido, os presentes, percebendo a necessidade de se resolver o problema, fixaram o acordo numa proposta que ficava a meio termo daquelas formuladas durante as tratativas até então frustradas. Este fato promoveu a retomada imediata das cirurgias cardiovasculares no hospital, que é referência nacional neste tipo de procedimento".
Intui-se que a atuação da Defensoria Pública do Estado do Ceará, ao se utilizar da mediação, favoreceu centenas de jurisdicionados, pois ao que tudo indica os desacordos entre os médicos e o poder público tardariam a cessar, situação que forçaria o ingresso com demandas no Poder Judiciário de quem não detém condições financeiras para tanto. Atuou esta função essencial à justiça no sentido de precaver maiores violações à dignidade humana, atou no sentido de precaver que não houvesse debilidades na possibilidade de se acessar a justiça.
Tal caso narrado apenas exemplifica uma possibilidade de utilização da mediação, sendo que em outras circunstâncias este método pode ser aprimorado e utilizado, como, por exemplo, nas relações de consumo, e também no âmbito do que se firmou a denominar de Balcão de Direitos.
O Balcão de Direitos traduz-se na efetivação de projetos cujo intuito é conceder assistência jurídica às favelas e periferias. BATISTA (2010, p. 99 e 101) concede elogios a este instituto viabilizador de acesso à justiça, informando as suas finalidades:
"Desse modo, o Balcão de Direitos visa a auxiliar juridicamente os habitantes das favelas e das periferias pobres por meio da mediação de conflitos que possam ser resolvidos pacificamente, sem o subsídio das instituições formais de Justiça, como também visa ensinar noções de direitos e deveres, ou seja, o fortalecimento da noção de Justiça. (...) Sem ambiguidade, é imperiosa a performance do Balcão de Direitos de prover orientação aos acolhidos sobre os problemas jurídicos a que todos os inclusos socialmente estão sujeitos. O amplo mérito da instituição é exatamente buscar legitimar-se como via aberta de diálogo, resolvendo por meio da mediação, os conflitos pertinentes às favelas e às periferias pobres".
Reitera-se, assim, ser a mediação um método condutor do acesso à justiça, dando azo àqueles que barrados pelas custas judiciais restariam frustrados em suas pretensões.
Outro método de resolução de controvérsias que requer análise é a arbitragem, cujas diretrizes estão expostas na Lei n° 9.307/1996.
BACELLAR (2001, p. 149) ao caracterizar a arbitragem apresenta que: "pode ser definida como a convenção que defere a um terceiro, não integrante dos quadros da magistratura oficial do Estado, a decisão a respeito de questão conflituosa envolvendo duas ou mais pessoas".
No que tange aos elementos diferenciadores do processo jurisdicional e o processo arbitral, verifica-se que (REISDORFER, 2010, p. 301 e 302):
"O processo jurisdicional estatal, paradigma de solução de litígios, é marcado pela prevalência de normas de ordem pública, em face das quais em princípio não há margem para a opção entre uma o outra via procedimental. As hipóteses em que se reconhece a fungibilidade das vias perante o Poder Judiciário são casos-limite, que dependem de previsão legal, ou ainda da demonstração de dúvida objetiva ou de divergência sobre a alternativa cabível em determinada situação. Prevalece a diretriz segundo a qual a condução dos processos estatais não pode ficar à mercê da vontade dos envolvidos.
Já no processo arbitral, à exceção de determinados referenciais legislativos e constitucionais cogentes (alguns evidentes, outros implícitos no sistema), a arbitragem caracteriza-se pela flexibilidade e pela autonomia das partes em fixar os parâmetros materiais e processuais para a solução de um litígio. Assim, o processo arbitral apresenta uma ratio de funcionamento completamente distinta. De acordo com os artigos 5° e 21 da Lei de Arbitragem, n. 9.307/96, compete às próprias partes disciplinar ou relegar a disciplina da arbitragem à instituição arbitral ou ao árbitro que dirigirá a arbitragem. Trata-se de uma das mais relevantes vantagens da arbitragem em relação ao processo estatal, já que é possível modular o rito procedimental de acordo com as especificidades da situação material litigiosa. Com a flexibilidade, ganha-se em eficiência e tempo – realiza-se, em outras palavras, o devido processo legal".
Ocorre que no Brasil a arbitragem vem ganhando relevo na seara empresarial, até porque em muitos casos o cidadão que vier a optar por ela poderá despender maiores custos que o ingresso no Poder Judiciário, vez que despesas, como os honorários dos árbitros, devem ser suportadas (FERNANDES JÚNIOR, 2008, p. 69 e 70)
"A arbitragem, por sua natureza, é um procedimento oneroso, pois além das custas com advogados às quais as partes normalmente incorrem, existem também as custas processuais, honorários dos árbitros e o valor inicial para entrar com uma demanda arbitral, sem mencionar que, por ainda não estar totalmente difundido, por tratar-se de um instituto desconhecido para a massa social, torna-se inaplicável para algumas matérias e, principalmente, para algumas classes de litigantes".
Coloca-se, então, que no contexto dessa abordagem, viável é tecer apreciação sobre a arbitragem endoprocessual prevista na Lei 9.099/1995, a arbitragem inserta nos Juizados Especiais Cíveis.
Ressalva-se que embora a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) seja mais recente, nada obstaculiza sua convivência com a Lei que regulamenta os Juizados Especiais.
Preconiza o artigo 24 da Lei 9.099/95 que acaso não obtida a conciliação, as partes poderão optar pelo juízo arbitral, sendo que o §2° do mesmo artigo pontua que o árbitro será selecionado dentre os juízes leigos.
TOURINHO NETO e FIGUEIRA JÚNIOR (2007, p.24) denunciam, entretanto, que a arbitragem em sede dos Juizados Especiais está fadada ao esquecimento, em razão da não aplicabilidade diante da ausência de objetividade e maior efetividade. Ante a esse cenário, posicionam-se contrários a escolha dos árbitros, vez que estes somente podem recair sobre os juízes leigos:
"Em outros estudos da nossa lavra não deixamos de registrar a crítica da instituição da arbitragem para os Juizados Especiais, sobretudo pela forma inadequada de ‘escolha’ dos árbitros, a qual somente poderá recair, absurdamente, sobre os impropriamente denominados ‘juízes leigos’(os quais preferimos nominar de juízes instrutores), além do requisito indispensável da homologação judicial do ‘laudo’ (art. 26)".
Em que pese as críticas tecidas sobre a seleção dos árbitros, já que há o cerceamento de escolha, reconhece-se que esta arbitragem instaurada no imo dos Juizados é realizada de forma gratuita (TOURINHO NETO e FIGUEIRA JÚNIOR, 2007, p.236):
"O legislador, percebendo que os honorários do árbitro inviabilizariam o desenvolvimento da arbitragem nos Juizados Especiais, estabeleceu indiretamente a gratuidade dos serviços dos juízes privados, determinando que somente estes poderão serão árbitros . Resolveu-se um problema, criou-se outro: de um lado, acabaram sendo gratuitas tanto a atividade estatal quanto a arbitral; de outro, limita-se drasticamente a possibilidade de os litigantes escolherem seus juízes".
Analisa-se, porém, que a gratuidade da arbitragem instituída nos Juizados Especiais vem para estimular a utilização desse mecanismo alternativo de resolução de conflitos; percebe-se com o seu emprego que ocorrerá a escolha do árbitro dentre os profissionais do Direito com mais de 5 anos de prática (art. 7° da Lei 9.099/95) e que este profissional irá instaurar o juízo arbitral, que o permitirá conhecer a fundo da pendência levada, sem para tanto ter o apego a solenidades.
Visualiza-se que a escolha do árbitro restrita aos quadros dos juízes leigos não é algo de todo prejudicial, sendo que eventual desconforto pode ser resolvido através da atividade estatal no sentido de aprimorar a preparação de tais instrutores na condução do certame. Acredita-se que a possibilidade de se ter acesso ao procedimento arbitral sem ter expensas econômicas acaba sendo algo de extrema viabilidade, já que permitirá um maior conhecimento e debate da causa, atingindo finalidade primordial: o acesso à justiça.
Por fim, cabe evidenciar o que prega o Documento Técnico n° 319 do Banco Mundial ao aduzir que:
"O acesso à justiça pode ser reforçado através de mecanismos alternativos de resolução de conflitos (MARC). (...) MARC podem proporcionar as partes métodos alternativos de resolução amigável de conflitos, distante da morosidade do sistema formal. Ao mesmo tempo, os MARC ampliam o acesso a grande parcela da população".
Diante das orientações trazidas, não há receio em se afirmar que também o fator econômico ligado aos custos das demandas judiciais representa óbice a procura pela pacificação social, contudo, chama-se atenção a adoção dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos, que por muitas vezes, ao se apresentarem gratuitos ou de baixo custo, permitem que as restrições que ligam os indivíduos ao efetivo acesso à justiça sejam minoradas.