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Apontamentos sobre a decadência como causa de extinção do Imposto de Transmissão Causa Mortis

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09/05/2011 às 17:44
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3. Decadência e imposto Causa Mortis à luz das regras positivadas no CTN

O ordenamento jurídico brasileiro prescreve, quanto ao exercício do direito de exigir o crédito tributário pelo sujeito ativo da correlata obrigação tributária, dupla forma de punição à inércia fiscal, a culminar com a extinção do crédito tributário (art. 156, V, CTN): a decadência do direito de lançar e constituir o crédito tributário e a prescrição do direito de pleitear em juízo o crédito lançado. "Se, por inércia ou por qualquer outro motivo a autoridade administrativa não exercer o dever de lançar, nos prazos estipulados, constituindo o crédito tributário, ou se, uma vez lançado, deixar de executá-lo judicialmente, também nos prazos definidos pelo Código Tributário Nacional, terá lugar a punição pela inércia, constituída pelas vedações provocadas pelos institutos da decadência e da prescrição. Tais institutos têm por objetivo, exclusivamente, ofertar segurança maior ao direito, não permitindo que a espada de Dâmocles paire, indefinidamente, sobre a cabeça do sujeito passivo da obrigação tributária. Seu escopo é, pois, com clareza, ofertar, de um lado, um prazo temporal suficiente para o exercício do poder fiscalizatório, para o exercício do dever impositivo e, de outro, não permitir que esse prazo ultrapasse o razoável, que não se prolongue ao infinito. Decadência e prescrição punem a desídia, a imperícia, a negligência, a omissão da Administração Pública e garantem a segurança jurídica, dando estabilidade às relações entre Fisco e contribuinte, impedindo que, após determinado prazo, possam ser alteradas [17]".

Efetivamente, o Código Tributário Nacional diferenciou decadência e prescrição, estando aquela disciplinada no art. 173 enquanto esta vem tratada no art. 174 do referido Codex. A propósito, não revela excrescência anotar que "no direito tributário a decadência é a perda do direito de constituir o crédito tributário pelo lançamento, enquanto a prescrição é a perda do direito à ação para a cobrança do crédito. As duas formas de extinção do crédito tributário se estremam pelas seguintes notas: enquanto a decadência impede o exercício do poder de tributar, a prescrição prejudica a cobrança do crédito já constituído; na decadência perece o direito, e na prescrição, a ação; a decadência não se suspende nem se interrompe, ao contrário da prescrição, que tem as causas interruptivas previstas no próprio Código Tributário Nacional [18]".

Pois bem. Fixadas tais premissas, importa verificar a possibilidade de extinção do crédito tributário referente ao imposto causa mortis pela decadência do direito de constituir o respectivo crédito tributário, via lançamento,uma vez verificada no mundo dos fatos a ocorrência da hipótese de incidência do tributo, é dizer, o evento morte do autor da herança com transmissão de bens aos herdeiros.

A decadência, vimos de ver, enquanto causa extintiva do crédito tributário, impede o lançamento da exação, ou seja, afeta o próprio direito à constituição do crédito; conforme bem pontua LUCIANO AMARO: "a decadência é prevista como causa extintiva do crédito tributário no art. 156, V, e tem seu conceito delineado no art. 173 (embora este não empregue a palavra "decadência"): decadência á a perda do direito de "constituir" o crédito tributário (ou seja, lançar) pelo decurso de certo prazo. Se o lançamento é condição de exigibilidade do crédito tributário, a falta desse ato implica a impossibilidade de o sujeito ativo cobrar o seu crédito [19]".

A propósito, cumpre trazer à sirga a disposição contida no art. 173, do Código tributário Nacional, in verbis:

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.

Um breve parêntese se entremostra de rigor, antes de enfrentada a questão posta acima, para rememorar que o procedimento de inventário vem descrito em todos os seus momentos no Código de Processo Civil (capítulo IX, do Livro IV, artigos 982 a 1.045); cabendo assinalar, por oportuno ao objeto do presente estudo, que o inventário deve ser aberto dentro de sessenta dias da abertura da sucessão (art. 983, CPC [20]); efetuando-se o cálculo do imposto após manifestações das partes e da Fazenda acerca das últimas declarações (art. 1.012, CPC [21]); decidindo o juiz sobre o cálculo do imposto (art. 1.013, CPC [22]); julgando-se ao final a partilha, após a comprovação nos autos do pagamento do imposto de transmissão a título e morte (art. 1.026, CPC [23]); não se descurando que nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem a correlata prova de quitação dos tributos relativos aos bens do espólio (art. 192 do CTN [24]). De mais a mais, não constitui demasia relembrar que a competência para legislar sobre processo civil é privativa da União (art. 22, I, CF [25]).

Pois bem. Ocorrido o evento morte do autor da herança, que se coloca como hipótese de incidência do imposto causa mortis, e tendo o fisco o prazo de cinco anos para constituição do crédito tributário, pena de consumada a decadência do direito de lançar, e, portanto, constituir o crédito tributário, importa indagar: qual o termo a quo do prazo decadencial para a fazenda formalizar a exigência do tributo? (a) A data do óbito; (b) do ajuizamento do processo de inventário; (c) da ciência ao Fisco acerca do falecimento do autor da herança; (d) da homologação do cálculo do imposto pelo juízo do inventário; ou, ainda, (e) da sentença que homologa a partilha e atribui os respectivos quinhões aos herdeiros.

Ora, tendo por certo que o fato imponível [ou fato gerador, hipótese de incidência tributária, como queira] do imposto causa mortis coincide com o evento morte do autor da herança, tem-se que ai reside, indiscutivelmente, o marco inicial para contagem do prazo decadencial para o fisco lançar o tributo respectivo.

Não constitui demasia enfatizar, a propósito, que nenhuma dúvida subsiste no ordenamento jurídico acerca do momento de ocorrência do fato gerador do "imposto causa mortis"; anotando-se que as legislações estaduais são pródigas em disciplinar a sistemática de incidência do tributo, e, não raro, também identificam o momento de ocorrência do fato gerador da exação, como se vê, por exemplo, na legislação do Estado de São Paulo, onde o Legislador Bandeirante foi expresso em definir a abertura da sucessão como hipótese de incidência do tributo, como bem se denota pela reles leitura, dentre outras, das normas inseridas nos artigos 15 e 17, parágrafo único da Lei Estadual n.º 10.705/00 [26].

Daí porque, ocorrendo o óbito do autor da herança, por exemplo, no dia 10 de março de 2005, o prazo fatal de decadência começaria a ser contado no dia 1º de janeiro de 2006 (intelecção da regra contida no inciso I, do art. 173 do CTN), tendo seu termo final no dia 31 de dezembro de 2010. No dia 1º de janeiro de 2011, a obrigação tributária correspondente estará irremediavelmente fulminada pela decadência.

O tema, entrementes, está assaz longe da unanimidade.

Com efeito, tanto em doutrina quanto em jurisprudência subsiste forte objeção ao argumento acima declinado, no sentido de que o termo inicial do prazo decadencial coincide com o momento de ocorrência do fato gerador do tributo, ou seja, o evento morte do autor da herança. As principais objeções a esta tese podem ser assim resenhados: (a) o lançamento do imposto causa mortis revela exceção à regra geral de que o lançamento constitui atividade privativa da autoridade fiscal, porquanto o juiz do processo de inventário é que detém o poder de constituir o crédito respectivo; (b) somente no processo de inventário é que se apuram os elementos da hipótese de incidência tributária, de maneira que a fazenda pública fica vinculada aos elementos do processo para ulterior lançamento do tributo; (c) somente após a sentença de homologação do cálculo do imposto é que a exação se torna devida, tendo todos os seus elementos quantificados e identificados, passando a fluir daí o prazo decadencial para efetiva constituição do tributo; e (d) a fazenda pública não pode ser penalizada pela inércia dos herdeiros que, de má-fé, não deflagram o procedimento de inventário, deixando transcorrer in albis o prazo decadencial de cinco anos. Nesse sentido, veja-se a eloqüente argumentação desenvolvida por MILTON DELGADO SOARES [27], ipsis litteris:

A primeira questão que temos que estabelecer é a fixação do inicio da contagem do prazo decadencial. O inciso I do artigo 173, do CTN, estabelece que o início do prazo decadencial ocorre "no primeiro dia de exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado".

Tal regra é aplicada ao imposto causa mortis com o devido grão de sal, por dois motivos, que sejam, em primeiro lugar porque se trata de exceção ao principio de que o lançamento é um ato privativo da autoridade administrativa; e, em segundo lugar, por ser a competência para a sua efetivação do poder Judiciário, não pode, de forma alguma, a fazenda Publica ficar prejudicada pela morosidade da justiça na entrega da prestação jurisdicional.

Para a efetivação do lançamento – entenda-se este como o procedimento para a elaboração do cálculo do imposto – é necessário que as declarações tenham sido prestadas adequadamente, pois, só assim, o juiz poderá proceder ao lançamento. Com efeito, se um herdeiro apenas procede a abertura do inventario e o deixa arquivar sem a apresentação das primeiras declarações, temos que não há inicio da contagem do prazo decadencial, uma vez que com os elementos constantes dos autos, ou seja, apenas a noticia do óbito e o pedido da abertura do inventario, o Juízo não tem como efetivar o lançamento.

Em conseqüência, o Juízo só pode efetivar o lançamento no momento em que as declarações forem prestadas nos termos do artigo 993, do CPC. Neste diapasão, entendemos que a correta interpretação do inicio da contagem do prazo decadencial esta relacionada à ciência das primeiras declarações, que contenha, corretamente, todos os elementos exigíveis, por parte do representante da Fazenda Publica Estadual.

Assim sendo o inicio do prazo decadencial dá-se no primeiro dia do exercício seguinte à esta ciência, sendo certo, ainda, conforme destacado, que é de suma importância que todos os elementos necessários para a realização do lançamento estejam presentes nos autos para que se inicie a contagem do prazo decadencial, pois, do contrário, o prazo decadencial sequer será iniciado.

(....)

Ademais, nunca é demais frisar que a competência para proceder ao lançamento tributário no procedimento de inventario é do juiz, após a vinda das declarações efetivadas pelos herdeiros, e não da autoridade fazendária que apenas participa do feito como fiscal da correta aplicação legal (consistente na correta aplicação na legislação tributaria) e como fiscal da atividade judicial no desempenho de sua atividade administrativa de lançamento.

(...)

O caso em questão aponta para um confronto entre o principio da supremacia do interesse publico sobre o privado e o principio da segurança jurídica, consubstanciado pela regra geral do prazo decadencial.

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Algumas colocações, entre outras não menos relevantes, devem ser feitas pra a resolução do impasse e ruptura com o paradigma tradicional: 1ª) O imposto causa mortis, até a presente data, não tem recebido a devida atenção dos legisladores e juristas pátrios; 2ª) O lançamento do imposto e exceção à regra de ato privativo da autoridade fazendária; 3ª) Há, atualmente, uma enorme demora na entrega da prestação jurisdicional, não atribuída à Fazenda Publica, devido ao acúmulo de serviço no Poder Judiciário; 4ª) A matéria envolve grande interesse público, já que a receita auferida pelos tributos é utilizada para a manutenção da máquina estatal, que, por sua vez, é indispensável para a vida em sociedade; e 5ª) A Fazenda Pública não poderia, de forma alguma, ser prejudicada pela inércia do Judiciário.

Diante de tais colocações, entendemos que, em tais casos excepcionais, o principio da supremacia do interesse público deve prevalecer sobre a segurança jurídica consagrada na aplicação do prazo decadencial, possibilitando a cobrança do imposto causa mortis mesmo que o cálculo seja efetuado após o decurso do prazo decadencial, por ser esta a medida de justiça fiscal in casu, até mesmo diante do fato de que, desde o ajuizamento do inventario, os herdeiros tinham ciência de que teriam que efetuar o pagamento do citado tributo, razão pela qual não seria justificável a aplicação de tal penalidade à Fazenda Publica devido à inércia e morosidade, ainda que justificável, do Poder Judiciário para a prática de atos de sua competência. Com efeito, o instituto da decadência serve para punir o credor inerte, ou seja, aquele que não dá início à atividade de cobrança e, no caso em questão, não se pode falar em inércia do verdadeiro credor, ou seja, a Fazenda Pública, mas sim do Poder Judiciário.

E o referido doutrinador não está isolado em seus argumentos. Pelo contrário, o Poder Judiciário, especialmente na figura dos Tribunais de Justiça, quase que em uníssono tem referendado tais entendimentos, como se vê dos seguintes julgados, in verbis:

AGRAVO. IMPOSTO CAUSA MORTIS. DECADÊNCIA. INADMISSIBILIDADE. O PRAZO PARA POR FIM À EXIGÊNCIA TRIBUTÁRIA NASCE COM O LANÇAMENTO, OU NO MOMENTO EM QUE ESTE DEVERIA ACONTECER.

O lançamento se opera com a homologação do imposto pago, ou pela constituição do crédito pela diferença reputada devida. Sem prévio pagamento inexiste ciência do fisco para operar a decadência ou a prescrição. Decisão mantida. Recurso improvido. (TJSP; AI 657.712.4/0; Ac. 4060104; Ourinhos; Terceira Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Beretta da Silveira; Julg. 15/09/2009; DJESP 28/09/2009)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. IMPOSTO CAUSA MORTIS. DECADÊNCIA. Termo para recolhimento do imposto causa mortis que se inicia da data da intimação da homologação do cálculo ou do despacho que determinar o seu pagamento. Art. 25, Lei nº 9 591/66. Homologação do cálculo mocorrente. Agravo não provido. (TJSP; AI 610.607.4/8; Ac. 3507706; Ourinhos; Primeira Câmara de Direito Privado; Rel. Des. De Santi Ribeiro; Julg. 10/03/2009; DJESP 08/04/2009)

CRÉDITO TRIBUTÁRIO.IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS (CAUSA MORTIS). DECADÊNCIA. LANÇAMENTO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTOS DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. LANÇAMENTO. A sentença homologatória do cálculo não caracteriza o lançamento, mas ato preparatório e indispensável para o lançamento administrativo que se efetiva com a inscrição do cálculo. Decisão homologatória do cálculo transitada em julgado em novembro de 1986. Prazo de decadência que se iniciou em 1. De janeiro de 1987 e terminou em 1. De janeiro de 1992 (CTN, artigo 173, I e parágrafo único). Decadência caracterizada. Extinção do crédito tributário. (TJRJ; AI 1738/1992; Rio de Janeiro; Primeira Câmara Cível; Rel. Des. Martinho Campos; Julg. 04/05/1993) 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIMINAR CONCEDIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS. ARGUIÇÃO DE DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. PRECEDÊNCIA DA HOMOLOGAÇÃO DO CÁLCULO DO IMPOSTO. SÚMULA Nº 114 DO STF. RECURSO IMPROVIDO. 1. Nos casos em que o ato questionado pelo contribuinte - lançamento do ITCD - for objeto de recurso administrativo, a contagem do prazo decadencial para a impetração da ação mandamental só tem início com a decisão final na via administrativa. 2. A r. decisão impugnada acertadamente lastreou-se nos artigos 1012, 1013 e 1026 do CPC, interpretados pelo Col. STF por meio da Súmula nº 114. "O imposto de Transmissão Causa Mortis não é exigível antes da homologação do cálculo". (TJDF; Rec. 2008.00.2.006703-6; Ac. 322.366; Quinta Turma Cível; Rel. Des. Lecir Manoel da Luz; DJDFTE 25/09/2008; Pág. 82) 

IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS (ITCD). CONTAGEM DO PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL. Primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido realizado, e não do exercício seguinte à ocorrência do fato gerador. Lançamento por homologação, que se opera a partir do fornecimento das informações e do pagamento realizado pelo contribuinte. Decadência inexistente. Isenção, contudo, reconhecida pela própria fpe. Agravo provido. (TJMG; AG 1.0079.00.003317-9/001; Contagem; Segunda Câmara Cível; Rel. Des. José Altivo Brandão Teixeira; Julg. 14/09/2004; DJMG 01/10/2004)

Curial observar que a ratio juris subjacente em todos esses julgados remete ao raciocínio de que somente após a homologação do cálculo do imposto pelo juiz do processo de inventário é que se tem por iniciado o prazo decadencial para o lançamento do imposto causa mortis.

Nesse cenário, possível verificar, de chofre, que o argumento remete a indesculpáveis equívocos, uma vez contextualizado o imposto causa mortis no Sistema Tributário Nacional.

Primeiro. Não se reconhece o efeito jurídico da materialização do fato imponível do tributo, plasmado no evento morte do autor da herança. Efetivamente, como vimos de ver acima, o evento morte constitui o fato jurídico tributário do imposto causa mortis, tratando-se, pois, de fato gerador instantâneo, ou seja, "sua realização se dá num momento do tempo, sendo configurado por ato ou negócio jurídico singular que, a cada vez que se põe no mundo, implica a realização de um fato gerador e, por conseqüência, o nascimento de uma obrigação de pagar tributo" [28]. Lembre-se que o legislador civil brasileiro adotou o princípio da saisine segundo o qual é no momento da morte do autor da herança que se transmite seu patrimônio, intelecção da regra vertida no artigo 1.784 do Código Civil [29]. Portanto, ocorrido o evento morte, típica situação de fato [30], tem-se por verificado o fato gerador do imposto causa mortis, advindo daí a correlata obrigação de pagar o tributo, nos moldes do disposto nos artigos 114 e 116 do CTN, in verbis:

Art. 114. O fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.

...

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I- tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II- tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável.

(...)

Por outro lado, está a ressumbrar na argumentação declinada nos julgados transcritos, que negam o evento morte como termo inicial do prazo decadencial para constituição do imposto causa mortis, visceral contradição ao disposto no inciso I, do art. 173 do CTN, cuja norma é taxativa ao declinar o termo inicial da fluência do prazo decadencial, em contrariedade ao referido entendimento que sustenta estar na sentença homologatória do cálculo do imposto o termo inicial da decadência. De ver-se, pois, nesse particular, a indesculpável contradição do argumento, de vez que se o Código Tributário Nacional define expressamente o momento em que se considera por ocorrido o fato gerador do tributo (art. 116, I) e o termo inicial do prazo decadencial (art. 173, I), como admitir-se primeiro, que se tenha por ocorrido o fato gerador da exação no momento da homologação do cálculo do imposto pelo juízo do inventário e, segundo, que somente a partir desse momento tenha início o decurso do prazo de decadência?

Finalmente, esse argumento remete a um cenário de completa subversão de elementares preceitos positivados no ordenamento jurídico, em especial no que concerne à instituição, ao largo da lei, de causa suspensiva do prazo decadencial. Tendo o legislador subconstitucional reputado por ocorrido o fato gerador in concreto do imposto causa mortis no momento da morte do autor da herança (art. 114, CTN e art. 1784, do CC), emergindo daí os efeitos desse fato gerador (art. 116, I, CTN), em especial a obrigação de pagar o correlato tributo, inaceitável admitir-se a suspensão do prazo decadencial, que punirá eventual inação do fisco quanto à exigência desse imposto, que deverá ser exercitada em cinco anos a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (art. 173, I, CTN), até que o juízo do inventário promova a homologação, por sentença, do cálculo do imposto causa mortis devido.

A propósito, cumpre verificar que o e. Colendo Superior Tribunal de Justiçatem enfrentado a questão em deslinde em julgamentos esporádicos, certo que conquanto não se possa cogitar de posição unificada naquele e. Tribunal, alguns julgados recentes sinalizam a provável unificação da jurisprudência do torno da matéria, in verbis:

REsp n.º 1142872/RS, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS – 2ª Turma, Julgado em 20/10/2009.

EMENTA: TRIBUTARIO – ITCD – FATO GERADOR – PRINCIPIO DA SAISINE – SUMULA 112/STF.

1.Cinge-se a controvérsia em saber o fato gerador do ITCD – Imposto de Transmissão Causa Mortis.

2. Pelo principio da saisine, a lei considera que no momento da morte o autor da herança transmite sue patrimônio, de forma integra, a seus herdeiros. Esse principio confere à sentença de partilha no inventario caráter meramente declaratório, haja vista que a transmissão dos bens herdeiros e legatários ocorre no momento do óbito do autor da herança.

3.Forçoso concluir que as regras a serem observadas no calculo do ITCD serão aquelas em vigor ao tempo do óbito do de cujus.

4.Incidência da Sumula 112/STF.

Recurso especial provido.

AgRG no RECURSO ESPECIAL Nº 577.899 – PR (2003/0157152-8)

RELATOR: MINISTRO CASTRO MEIRA

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE AFASTADA. TRUBUTARIO. ITCMD. DECADENCIA. DECRETAÇÃO. APELO PROVIDO.

1.(...)

2.Independentemente da forma do lançamento a qual o tributo esteja submetido, transcorridos quatorze anos desde o fato gerador sem que tenha havido sua constituição, é de se reconhecer a decadência do direito da Fazenda Publica.

3.A circunstancia de o fato gerador ser ou não do conhecimento da Administração Tributaria não foi erigida como marco inicial do prazo decadencial, nos termos do que preceitua o Código Tributário Nacional, não cabendo ao interprete assim estabelecer.

4.O fato de o Juiz do inventario haver procedido a partilha dos bens sem exigir a previa comprovação do pagamento do imposto não pode alterar o prazo decadencial, que não se suspende nem se interrompe.

5.(...)

6.Agravo regimental provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 923.603 – RS (2007-0027594-8)

RELATOR : MINISTRO JOSE DELGADO

EMENTA

...

3. Sendo fato incontroverso nos autos que o fato gerador do tributo cobrado, ITCD (Imposto por Transmissão Causa Mortis Doação), ocorreu em 26/09/1997, o prazo para constituição do credito tributário é de cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte aquele que o lançamento poderia ter sido efetuado nos termos do artigo 173, I do CTN. No particular, o recorrente procedeu, inicialmente, á notificação dos recorridos por via postal em três tentativas (14,16 e 17/12/2002). Frustrada a intimação via postal, o recorrente fez publicar editais de notificação no Diário Oficial do Estado em 24/12/202 dando prazo de 30 dias, a partir do 5º dia da publicação para pagamento ou apresentação de impugnação.

4. Se o fato gerador do tributo foi em 26/09/1997, o inicio do prazo de constituição do credito tributário ocorreu em 1º de janeiro de 1998 e findou em 1º de janeiro de 2003. Tendo sido efetivada a notificação do contribuinte em 29 de dezembro de 2002 – uma vez que a publicação do edital se deu em 24/12/202 mais cinco dias para perfectibilização da notificação – não há que se falar em decadência.

5. Recurso especial provido para, reformando o acórdão de fls. 421/425 que proveu os embargos de declaração dos recorridos em efeitos infringentes, afastar a decadência e declarar validos os lançamentos efetuados relativos a cobrança do ITCD.

De ver-se, pois, que no julgamento do Recurso Especial n.º 923.603, cuja ementa acima segue, há uma situação bastante emblemática, posto que conquanto no caso em concreto não se tenha reconhecido a decadência em favor do contribuinte [isso porque entre o fato gerador e a publicação do edital de intimação não havia transcorrido o prazo de cinco (5) anos], o Tribunal assinalou quais os critérios a serem levados em conta para verificação da decadência [não ocorrida no caso específico], a fulminar o direito de lançamento, revelando-se bastante oportuna a transcrição das seguintes passagens do voto do e. Relator MINISTRO JOSÉ DELGADO, in verbis:

"... É fato incontroverso que o fato gerador do tributo cobrado, ITCD (imposto por Transmissão Causa Mortis Doação), ocorreu em 26/09/1997 [morte autor da herança], portanto, nos termos do artigo 173, I, do CTN, o prazo para constituição do crédito tributário é de cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.

No particular, o recorrente procedeu, inicialmente, à notificação dos recorridos por via postal em três tentativas (14, 16 e 17/12/2002). Frustrada a intimação via postal, o recorrente fez publicar editais de notificação no Diário Oficial do Estado em 24/12/2002 dando prazo de 30 dias, a partir do 5º dia da publicação para pagamento ou apresentação de impugnação.

Se o fato gerador do tributo foi em 26/09/1997, o início do prazo de constituição do crédito tributário ocorreu em 1º de janeiro de 1998 e findou-se em 1º de janeiro de 2003. Tendo sido efetivada a notificação do contribuinte em 29 de dezembro de 2002 – uma vez que a publicação do edital se deu em 24/12/2002 mais cinco dias para perfectibilização da notificação – não há que se falar em decadência.

Como visto, o e. Ministro considerou como fato gerador do imposto a morte do autor da herança, passando a fluir o prazo decadencial de cinco anos para constituição do crédito tributário a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao do óbito, ou seja, primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, na dicção da regra contida no inciso I, do art. 173 do CTN.

Absolutamente desinfluente à verificação do termo a quo do prazo decadencial de lançamento do imposto causa mortis, portanto, tenha ou não o fisco ciência da existência procedimento de inventário. Pouco importa, por igual, tenha havido ou não sentença homologatória do cálculo do imposto ou mesmo da partilha. Ocorrido o fato gerador do tributo, no primeiro dia do exercício seguinte ao óbito tem início a fluência do prazo decadencial. A sentença que homologa partilha ou caçulo do imposto é meramente declaratória e não constitutiva.

Daí a ressumbrar o inusitado da tese que sustenta ser a decisão homologatória do cálculo do imposto o marco inicial que deflagra o transcurso do prazo decadencial, colocando o juiz do processo como verdadeira autoridade responsável pelo lançamento. A extravagância jurídica desse argumento vem a lume quando se vê que, hodiernamente, não há sequer necessidade de processamento judicial do procedimento de inventário, de vez que o mesmo pode ser efetivado extrajudicialmente, em cartório, sendo os herdeiros maiores e capazes e havendo acordo entre os mesmos, tudo conforme disposição contida no artigo 982 do CPC [31], redação dada pela Lei n.º 11.441, de 04.01.07.

Pois bem. Se o procedimento de inventário agora pode ser processado extrajudicialmente, como conceber a idéia de que o lançamento do imposto causa mortis somente se pode ultimar após a sentença homologatória do cálculo do imposto no processo de inventário? Como sustentar que o juiz faz as vezes de autoridade lançadora do tributo, se nem mesmo haverá a participação do Poder Judiciário na formalização da partilha e transmissão dos bens mercê do evento morte?

De igual sorte, inaceitável a alegação de que somente quando o fisco toma conhecimento do evento morte, ou da deflagração do procedimento de inventário é que se pode ter por iniciada a fluência do prazo decadencial para constituição do imposto causa mortis, tese essa francamente rejeitada pelo e. Superior Tribunal de Justiça. Em primeiro lugar, mister observar que o legislador não aduziu o conhecimento do fisco acerca da morte do autor da herança como pressuposto à fluência do prazo decadencial. De mais a mais, imperativo verificar que o óbito é objeto do registro civil, nos moldes do que prescreve a Lei de Registros Públicos [32] (Lei n.º 6.015, de 31.12.73).

Ora, o fisco detém amplos poderes de fiscalização, em especial para verificação de fatos geradores de tributos, razão qual cabe às fazendas estaduais, na defesa de seus interesses, implementar medidas no sentido de descortinar a ocorrência de registros de óbitos, notificando assim herdeiros, cartórios de registros de imóveis, Receita Federal do Brasil, etc. para verificação de possível ocorrência de fato gerador do imposto causa mortis, sempre que registrado algum óbito.

Finalmente, cabe um derradeiro argumento contra aqueles que sustentam ser impossível ao fisco estadual a exigência do imposto causa mortis antes da homologação do cálculo do imposto, mercê da disposição contida na verbete da Súmula n.º 114 do e. STF, que prescreve: "o imposto de transmissão causa mortis não é exigível antes da homologação do cálculo". Pois bem. Em primeiro lugar esta súmula tem que ser analisada no contexto do ordenamento jurídico atual, onde se sabe que sequer é exigível procedimento judicial para formalização da sucessão causa mortis. Portanto, é possível que na grande maioria dos casos sequer haverá processual judicial de inventário, muito menos decisão homologatória de cálculos. Em segundo lugar, e finalmente, é imperativo que se faça a distinção entre lançamento e exigibilidade do tributo.

Deveras, a súmula 114 do STF, contextualizada no momento presente, preconiza que é inexigível o imposto causa morte antes da decisão homologatória do cálculo. Não diz, porém, que esse imposto não pode ser lançado, e formalmente constituído o crédito tributário, antes dessa decisão homologatória. Com efeito, nem mesmo a suspensão do crédito tributário por liminar em ação judicial, nos moldes do art. 151 do CTN [33], impede o seu regular lançamento, especialmente para fins de se evitar a decadência [34]. Portanto, se a fluência do prazo decadencial do direito de lançar o imposto causa mortis não se interrompe e tampouco suspende, cumpre ao fisco ser diligente na defesa de seus interesses, e, verificando a proximidade do termo de cinco anos sem que se tenha por formalmente constituído o crédito tributário, formalizar o seu lançamento, impedindo assim seja o crédito tributário fulminado pela decadência.

Em compêndio do exposto, o que se vê é que, seja qual for o ângulo em que analisada a controvérsia posta, o fato é que apenas uma certeza emerge do debate: o fato gerador do imposto causa mortis corresponde ao evento morte do autor da herança, donde exsurge a correlata obrigação de pagar o tributo, razão pela qual a decadência do direito de lançar tem seu termo inicial no primeiro dia do exercício subseqüente à ocorrência do fato jurídico tributário.

Daí porque, se a decadência é uma sanção que se impõe ao titular de um direito pelo seu não uso, levando à inarredável perda desse direito material, e "no âmbito tributário, a decadência refere-se à extinção do direito da Fazenda Pública – traduzido em poder-dever – de efetuar o lançamento, em razão de sua inércia pelo decurso do prazo de cinco anos [35]"; resta evidente que, por medidas de praticabilidade tributária e por reles conveniência arrecadatória, não se pode subverter texto expresso de lei, solapando princípios basilares do ordenamento jurídico para instituir novel modalidade de suspensão de prazo decadencial em favor do fisco, em manifesto e inaceitável sacrifício da segurança jurídica, mercê dos riscos que tal postura representa aos baldrames do Estado Democrático de Direito.

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Sobre o autor
Paulo César Braga

Advogado em Ribeirão Preto-SP.Pós graduado em Direito da Empresa e da Economia pela FGV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Paulo César. Apontamentos sobre a decadência como causa de extinção do Imposto de Transmissão Causa Mortis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2868, 9 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19085. Acesso em: 19 abr. 2024.

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