3. RELAÇÃO DE TRABALHO RELIGIOSO NA FORMA DE SERVIÇO VOLUNTÁRIO
Além das atividades religiosas remuneradas, tanto as isentas de vínculo empregatício, como as enquadradas nos artigos 2.º e 3.º da CLT, existe a possibilidade de realização das referidas atividades na forma de "trabalho voluntário", nos moldes da Lei n.º 9.608/98, cujo artigo 1.º diz o seguinte:
"Art. 1.º. Considera-se serviço voluntário, para fins desta Lei, a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade.
Importante ressaltar que, para caracterização do trabalho voluntário, nos termos da Lei n.º 9.608/98, as atividades "não podem ser remuneradas", requisito este que as diferenciam das atividades exercidas nas relações jurídicas de trabalho onerosas, sendo que o parágrafo único, do artigo 1.º, da aludida Lei n.º 9.608/98, prevê o seguinte:
"O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim".
A jurisprudência brasileira tem reiteradamente reconhecido, em muitos casos específicos, a voluntariedade na execução de atividades religiosas, nos termos da já mencionada Lei n.º 9.608/98, conforme arestos abaixo:
"PASTOR. TRABALHO VOLUNTÁRIO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DEFINIDORES DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. O alegado desvirtuamento da finalidade da igreja e o enriquecimento de seus líderes com recursos advindos dos fiéis, embora constitua argumento relevante do ponto de vista da crítica social, não afasta a possibilidade de haver, no âmbito da congregação, a prestação de trabalho voluntário, motivado pela fé, voltado à caridade e desvinculado de pretensões financeiras. Assim, estando satisfatoriamente provada a ausência dos requisitos definidores do vínculo empregatício, deve ser afastada a tese da existência de relação de emprego com a entidade religiosa". (BRASIL. TRT da 12.ª Região. RO 7024/2005. Relatora: Juíza Gisele P. Alexandrino. Publicado no DJSC em 20.06.2005).
"TRABALHO RELIGIOSO. RELAÇÃO DE EMPREGO. Pastor evangélico não é empregado. Presta serviços em decorrência dos compromissos assumidos com o ministério de sua fé. Trata-se na verdade de trabalho voluntário nos moldes da Lei 9.608/98, excluindo a incidência do direito do trabalho. Presença de pacto de prestação de serviços, de caráter benevolente, em razão da fé, inexistindo vínculo empregatício. Recurso Ordinário do reclamante a que se nega provimento" (BRASIL. TRT/SP.Processo n.º 01084200801802001. Acórdão n.º 20100408057. Relator: Desembargador Davi Furtado Meirelles. 14.ª Turma. Data da publicação 14.05.2010).
Muitas atividades religiosas são exercidas por pessoas totalmente desinteressadas por qualquer contraprestação financeira, quer pelo fato de não necessitarem de fonte de renda própria, quer por possuírem fonte de renda e também tempo extra para exercer trabalho religioso em suas diversas formas. Tais atividades podem ser enquadradas como trabalho voluntário, desde que exercidas na forma determinada pela Lei n.º 9.608/98, cujos requisitos essenciais são os seguintes: prestado por pessoa física, destinado a entidades públicas de qualquer natureza ou a instituições privadas sem fins econômicos, executado mediante assinatura de termo de adesão e sem remuneração.
Embora o tabalho voluntário tenha suas peculiaridades, é importante que seja salientado que qualquer eventual litígio que envolva as atividades amparadas pela Lei n.º 9.608/98, deve ser conduzido à apreciação da Justiça do Trabalho, pois tais atividades também são "relações jurídicas de trabalho".
CONCLUSÃO
O trabalho religioso originalmente decorre de vocação religiosa e deve ser exercido com o único interesse pela propagação da fé, manutenção das instituições religiosas, conforme suas particularidades, e zelo por seus adeptos.
Por formar uma "relação jurídica" entre o religioso e sua instituição religiosa, deve ser exercido sob o amparo do ordenamento jurídico vigente.
Por outro lado, por se tratar de um a "relação de trabalho" e estar amparado pela lei, toda e qualquer discussão a seu respeito deve passar pelo crivo da Justiça do Trabalho, cuja competência foi consagrada pela Emenda Constitucional n.º 45/2004.
Quando realizadas fora da esfera vocacional ou desvirtuadas pela ambição mercadológica, desde que presentes os requisitos do artigo 3.º da CLT, as atividades religiosas podem ser reconhecidas como relação de trabalho com "vínculo empregatício".
Ainda, por ser possível a sua realização isenta de qualquer contraprestação, as atividades religiosas também podem ser exercidas na forma de "trabalho voluntário", nos moldes da Lei n.º 9.608/98.
REFERÊNCIAS
1 CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. 8.ª Edição. São Paulo, SP: Editora Hagnos, 2006, p. 710.
2 BÍBLIA SAGRADA. Traduzida da Vulgata e anotada pelo Padre Matos Soares. 15.ª Edição. São Paulo, SP: Edições Paulinas, 1962, p. 1410.
3 BÍBLIA SAGRADA. Op. cit.: Nota2, p. 1259.
4 BÍBLIA SAGRADA. Op. cit.: Nota 2, p. 1431.
5 UNGER, Merrill Frederick. Manual Bíblico. 1.ª Edição Reimpressa. São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 2008, p. 584.
6 BARROS, Alice Monteiro de. Trabalho Voluntário e Trabalho Religioso. São Paulo, SP: Síntese Trabalhista n.º 130, Abril de 2000, p. 10.
7 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 14.ª Edição. São Paulo, SP: Editora Saraiva, 1987, pp. 209 e 210.
8 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 7.ª Edição. São Paulo, SP: Editora Saraiva, 1995, p. 459.
9 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 6.ª Edição. Curitiba, PR: Editora Juruá, 1997, p. 52.
10 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7.ª Edição. São Paulo, SP: Editora LTr, 2008, pp. 285 e 286.
11 MARANHÃO, Délio. Instituições de Direito do Trabalho. 22.ª Edição. São Paulo, SP: Editora LTR, 2005, p. 232.
12 BRASIL. Constituição da República Federariva do Brasil de 1988. Promulgada em 05 de outubro de 1988.
13 OLEA, Manuel Alonso. Introdução do Direito do Trabalho. 2.ª Edição. Porto Alegre, RS: Editora Sulina, 1969, p. 150.
14 FRAGALE FILHO, Roberto. Missionários, Mercadores ou Empregados da Fé?. São Paulo, SP: Revista Ltr. 63-08, 1999, pp. 1057/1058.
15 BRASIL. Decreto-Lei n.º 5.452 de 1.º de Maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. 01 de maio de 1943.
16 DELGADO, Maurício Godinho. Op. Cit.: Nota 10, p.290.
17 GOMES, Orlando, GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 17.ª Edição. Atualizada até 31/07/2005. Rio de Janeiro, RJ: Editora Forense, 2005, p. 81.
18 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho, 9.ª Edição. Revista e Atualizada. Curitiba, PR: Editora Juruá, 2003, pp. 77 e 78.
19 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5.ª Edição. Revista e Ampliada. São Paulo, SP: Editora LTr, 2009, p. 266.
20 DELGADO, Maurício Godinho. Op. Cit.: Nota 10, pp. 299 e 300.
21 DELGADO, Maurício Godinho. Op. Cit.: Nota 10, p. 301.
22 BARROS, Alice Monteiro de. Op. Cit.: Nota 18, p. 268.
23 MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 6.ª Edição. São Paulo, SP: Editora Atlas, 2003, p. 32.