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O litisconsórcio necessário nas ações eleitorais impugnativas

03/06/2011 às 16:03
Leia nesta página:

Por muito tempo, o TSE entendeu desnecessária a citação do vice-candidato a cargo majoritário para a composição do pólo passivo das ações impugnativas, mas isso mudou com o RCD 703/SC.

1.Introdução

Denominam-se impugnativas as ações eleitorais em que se pleiteia impedir o acesso de candidatos aos cargos públicos pretendidos. Atacam, a depender da espécie, o registro de candidatura, o diploma ou ambos, podendo cumular, ainda, pedidos de sanções pecuniárias ou políticas (inelegibilidade).

Durante muito tempo, o Tribunal Superior Eleitoral entendeu ser desnecessária a citação do vice-candidato a cargo majoritário para a composição do pólo passivo de tais ações, de maneira que, quando não incluído na inicial, soía sua sorte acompanhar a do candidato principal.

A mudança de posicionamento deu-se com o julgamento do RCD 703/SC, no qual a Corte Superior reconheceu a existência de litisconsórcio necessário entre os candidatos componentes da chapa majoritária, acordando, no caso, por maioria de votos, em chamar o processo à ordem para determinar a citação do Vice-Governador, declarando insubsistentes atos praticados naquele processo à sua revelia.

O presente trabalho pretende demonstrar o acerto do Tribunal Superior Eleitoral na lavratura do acórdão paradigmático, bem como a possibilidade de aplicação do entendimento às demais ações eleitorais impugnativas. Presta-se, ainda, ao estudo das consequências do defeito na composição do pólo passivo, que varia, como se verá, conforme a existência ou não de pedidos cominatórios cumulativos.


1.Litisconsórcio necessário

Litisconsórcio necessário é aquele cuja formação - que independe da vontade das partes – constitui pressuposto de desenvolvimento regular do processo. Nesse passo,

Há litisconsórcio necessário quando a presença de todos os litisconsortes é essencial para que o processo se desenvolva em direção ao provimento final de mérito. Nesta hipótese, pois, impõe-se a presença de todos os litisconsortes, e a ausência de algum deles implica ausência de legitimidade dos que estiverem presentes, devendo o feito ser extinto sem resolução do mérito (Câmara: 2004).

O instituto é regulamentado pelo Código de Processo Civil que, em seu art. 47, o faz da seguinte maneira:

Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.

Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.

Sintetizando o conteúdo do artigo mencionado, pode-se afirmar que o litisconsórcio será necessário: a) quando for unitário; ou b) quando simples, seja necessário por força de lei.

Como se sabe, não existe norma expressa a exigir a citação de vice-candidatos nas ações eleitorais impugnativas movidas contra os candidatos principais. Sendo assim, o reconhecimento de litisconsórcio necessário entre os componentes da chapa somente se justifica sob o argumento da unitariedade.

O litisconsórcio será unitário se o resultado da demanda tiver de ser igual para todos os litisconsortes, o que ocorre quando o processo versa sobre relação jurídica única e indivisível. Desse modo,

Para que assim [como litisconsórcio unitário] se caracterize o litisconsórcio, dependerá ele da natureza da relação jurídica controvertida no processo: haverá unitariedade quando o mérito do processo envolver uma relação jurídica incindível. É imprescindível perceber que são dois os pressupostos para a caracterização da unitariedade, que devem ser investigados neste ordem: a) os litisconsortes discutem uma relação jurídica una; b) essa relação jurídica é indivisível (Didier Jr.: 2007).

Não há negar que a relação jurídica que une candidatos a cargos majoritários e respectivos vices é única. Aliás, o mesmo se aplica aos candidatos suplentes à vaga de Senador. A respeito do tema, já se pronunciou eminente eleitoralista:

Chamo de candidaturas plurissubjetivas aquelas candidaturas registradas em chapa una e indivisível, de maneira que uma candidatura apenas será juridicamente possível com a outra ou as demais, dependendo da exigência legal. Ou seja, por determinação legal, não se admite que apenas um nacional proponha o registro para candidatura que, juridicamente, foi concebida para ser dúplice ou plúrima. Enquanto para os cargos proporcionais a candidatura é unissubjetiva (embora em listas indicadas pela convenção), para os cargos majoritários há exigência de suplência constituída quando do pedido de registro, sem a qual não poderá ele ser deferido, vez que o voto dado pelo eleitor não será, sob a óptica jurídica, apenas para o candidato principal, mas também para os que completam a chapa (art. 178 do C.E.). (Costa: 2000).

Como visto, a relação jurídica que une candidatos e vices (ou suplentes) é única. Entretanto, para que se conclua pela unitariedade do litisconsórcio, há que se indagar, ainda, sobre a indivisibilidade do objeto sobre o qual versa aquela relação. Não se pode dissociar essa análise do estudo do objeto das ações eleitorais impugnativas. O pedido principal, que as qualifica como impugnativas – impedimento ou cassação de registro ou diploma, a depender do caso – revela-se, invariavelmente, indivisível. Isso porque, sendo a chapa majoritária indissociável, não se pode cogitar de cassação de registro ou de diploma que não a atinja como um todo. Diferente será eventual pedido cumulativo, consistente em multa ou inelegibilidade. Aqui, ao contrário, será o objeto divisível, atingindo apenas o responsável pela conduta ensejadora de tais sanções. Para melhor compreensão, faz-se oportuno um breve estudo do objeto das ações eleitorais impugnativas.


2.Causa de pedir e objeto nas ações eleitorais impugnativas

Existem pelo menos sete meios processuais pelos quais se pode pretender impugnar ou impedir um registro de candidatura ou um diploma. São eles: a) ação de impugnação ao registro de candidatura; b) ação de investigação judicial eleitoral por abuso de poder; c) ação por captação ou gasto ilícito de recursos; d) ação por captação ilícita de sufrágio; e) ação de impugnação de mandato eletivo; f) recurso contra a diplomação; e g) representação por condutas vedadas a agentes públicos.

Consideradas entre si, as ações impugnativas possuem diferenças básicas, como as de rito procedimental, prazos, competência para julgamento, partes, causa de pedir e pedido. Para o estudo em tela, avulta de importância a última. Procuramos sistematizar suas linhas gerais no quadro abaixo:

 

Base legal

Causa de pedir

Pedido

(objeto)

Ação de impugnação de registro de candidatura

Arts. 3º e ss. da Lei Complementar 64/90.

Falta de condição de elegibilidade; causa de inelegibilidade ou descumprimento de formalidade legal.

Indeferimento do registro de candidatura.

Ação de investigação judicial eleitoral por abuso de poder

Arts. 1º, I, "d", e 19 da Lei Complementar 64/90.

Abuso de poder econômico, político ou dos meios de comunicação social.

Suspensão do ato (cautelar), cassação do registro ou do diploma e/ou decretação de inelegibilidade.

Ação por captação ou gasto ilícito de recursos

Art. 30-A, da Lei 9.504/97.

Realização de conduta ilícita relativa a arrecadação e gasto de recursos.

Negativa ou cassação do diploma (quando já outorgado).

Ação por captação ilícita de sufrágio

Art. 41-A da Lei 9.504/97.

Realização de condutas que revelem abuso de poder apto a interferir na vontade livre do eleitor.

Cassação do registro ou do diploma, bem como multa de 1.000 a 50.000 UFIRs.

Ação de impugnação de mandato eletivo

Art. 14, §§ 10 e 11 da Constituição Federal.

Abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

Desconstituição do diploma ou cassação do mandato.

Recurso contra a diplomação

Art. 262 do Código Eleitoral.

Inelegibilidade ou incompatibilidade de candidato, errônea interpretação da lei quanto ao sistema de representação proporcional, erro na apuração ou concessão ou denegação do diploma em manifesta contradição com a prova dos autos.

Desconstituição do diploma.

Representação por condutas vedadas a agentes públicos

Arts. 73 a 78 da Lei 9.504/97.

Abuso de poder político (uso da máquina administrativa)

Suspensão da medida, cassação do registro ou do diploma e multa de 5.000 a 100.000 UFIRs.

As ações eleitorais cujo objeto se restringe à impugnação de registro de candidatura ou diploma não oferecem maiores dificuldades: apresentam pedido indivisível, a ensejar o reconhecimento de litisconsórcio necessário. Nega-se registro ou diploma à chapa como um todo, não se podendo cogitar de concedê-los a apenas um de seus componentes. A única exceção refere-se à ação de impugnação de registro de candidatura. Isso porque, no momento em que é proposta, ainda não existe, ipso jure, a indivisibilidade da relação jurídica, que só ocorre com o deferimento do registro da chapa. Nessa linha é a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

Registro de candidatura. Impugnação. Rejeição de contas. Convênio.

1.Este Tribunal já assentou que, na fase do registro de candidatura, não há falar em litisconsórcio passivo necessário entre candidatos a prefeito e vice-prefeito.

2. A ratificação do recurso especial após o julgamento de embargos de declaração é desnecessária quando esses embargos forem opostos por parte diversa, ainda que figure no mesmo pólo da relação processual.

3.A aplicação de verbas federais repassadas ao município em desacordo com o convênio configura irregularidade insanável.

4.Mesmo constatada eventual impossibilidade de cumprimento do objeto do convênio, cabe ao administrador público proceder à devolução dos recursos, e não efetuar a sua aplicação em objeto diverso.

Recursos especiais providos. (Respe 36974/SP. Rel. min. Arnaldo Versiani, publicado no DJE em 06.08.2010, p. 51).

Hipótese diversa, entretanto, ocorre com as ações impugnativas em que se cumula pedido sancionatório, seja de cominação de multa, seja de decretação de inelegibilidade. Isso porque tais pedidos possuem, inegavelmente, natureza pessoal e, portanto, cindível, podendo-se tencionar a prescrição de pena apenas ao candidato responsável pelo ilícito. É dizer: embora um vice-candidato seja fatalmente prejudicado pela cassação de registro decorrente de captação ilícita de sufrágio realizada pelo candidato principal, nada obsta – e até se recomenda – que eventual multa aplicada seja-o apenas contra o agente responsável pelo ilícito. O mesmo raciocínio aplica-se à hipótese de ação de investigação judicial eleitoral por abuso de poder, em que, a despeito submeter-se à cassação do diploma, não será tornado inelegível o candidato que não seja responsável pela conduta abusiva.

A diferenciação importa quando do reconhecimento da não-formação do litisconsórcio necessário, tema estudado no próximo capítulo.

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4. Consequências da não-formação de litisconsórcio necessário nas ações eleitorais

O art. 47, parágrafo único, do Código de Processo Civil informa que, se o litisconsórcio necessário não tiver sido formado, o juiz ordenará ao autor que o promova, em prazo que assinalar, sob pena de extinção do processo. O dispositivo - que, para alguns processualistas, trata da chamada intervenção iussu iudicis – é irretocavelmente explicado por Fredie Didier Jr.:

[...] o CPC-73 foi evidente ao definir que o juiz, mesmo ex officio, deve provocar o autor para que promova a integração (citação) de terceiro ao processo, em todas as hipóteses de litisconsórcio necessário, seja simples ou unitário. Não se trata de litisconsórcio necessário por obra do juiz, mas de determinação, pelo juiz, de citação de um litisconsorte necessário, de acordo com os critérios legais que imponham a necessariedade. Se o autor não promover a citação [...] o magistrado extinguirá o processo sem exame de mérito. Há quem afirme que essa é a intervenção iussu iudicis regulada pelo direito brasileiro. (op. cit., p. 293).

Nada obsta que o Juiz Eleitoral, ao verificar o defeito na composição do pólo passivo de uma ação eleitoral impugnativa, maneje o parágrafo único do art. 47 do CPC para determinar sua correção. Como se sabe, a legislação adjetiva é aplicada de forma subsidiária na seara eleitoral. Além do mais, revela-se plenamente aplicável nos feitos eleitorais o princípio processual da cooperação. Entretanto, não se olvide que algumas ações eleitorais estão submetidas a prazos decadenciais, o que implica, na prática, na extinção sem julgamento de mérito de um sem-número de feitos. Isso porque o Tribunal Superior Eleitoral já pacificou o entendimento de que a integração do litisconsórcio necessário é válida, desde que realizada dentro do prazo decadencial. Em abono do afirmado emblemáticas decisões:

[...] Declara-se a decadência do direito de propor as ações eleitorais que versem sobre cassação do registro, diploma ou mandato, na hipótese de, até o momento em que se consuma o decurso do prazo decadencial para o ajuizamento de tais demandas, o vice não constar no pólo passivo ou de não ter havido requerimento para que fosse citado para tanto. Precedentes. [...]. (AgR-Respe 3970232/MA, rel. min. Aldir Passarinho, publicado no DJE em 7.10.2010, p. 24-25).

[...] A inclusão de litisconsorte necessário no pólo passivo da demanda pode ser feita até o fim do prazo para o ajuizamento da ação [...]. (Pet 3019/DF, rel. min. Aldir Passarinho, publicado no DJE em 13.09.10, p. 62).

Assim é que, por exemplo, ação de impugnação de mandato eletivo proposta exclusivamente em desfavor de candidato majoritário permitiria a integração do pólo passivo, mediante a citação de vice (ou suplentes), desde que realizada no prazo de 15 dias a contar da diplomação.

Finalmente,não se deixe de anotar que, nas ações eleitorais em que sejam cumulados pedidos sancionatórios, a solução, diante da não-formação de litisconsórcio passivo necessário, será diferente. É que os pedidos sancionatórios, repise-se, ao contrário dos impugnativos, não se revestem de incindibilidade. Muito pelo contrário: a reprimenda pela prática de ilícitos é notadamente pessoal, devendo ser aplicada única e exclusivamente a seus responsáveis. Dessarte, a solução que se revela mais consentânea com o Direito é a de que, nessas hipóteses, se reduza o objeto da lide, julgando improcedente o pedido impugnativo, sem prejuízo, entretanto, da análise do pleito sancionatório. Basta pensar em uma representação por conduta vedada a agente público movida exclusivamente contra candidato a Prefeito. O Tribunal, em grau de recurso, percebendo defeito processual consistente na não-formação de litisconsórcio passivo, antes de julgar o processo extinto sem julgamento de mérito, deverá analisar a possibilidade de, rejeitando o pedido de cassação do registro ou do diploma, aplicar multa ao candidato representado, único responsável pela prática do ilícito eleitoral. Nessa direção tem-se guiado a jurisprudência do TSE:

Representação. Captação ilícita de sufrágio. Decadência.

1.A jurisprudência está consolidada no sentido de que, nas ações eleitorais em que se cogita de cassação de registro, de diploma ou de mandato, há litisconsórcio necessário entre os integrantes da chapa majoritária, considerada a possibilidade de o vice ser afetado pela eficácia da decisão.

2.No caso de representação por captação ilícita de sufrágio em que não figurou o vice, mesmo que inviabilizada a pena de cassação, há a possibilidade de exame das condutas narradas na inicial a fim de, ao menos, impor a sanção pecuniária cabível, de caráter pessoal, devida eventualmente em relação ao titular da chapa que figurou no processo. (AgR-Respe 35762/SP, rel. min. Arnaldo Versiani, publicado no DJE em 25.05.2010, p. 59-60).

Do mesmo modo tratar-se-á ação de investigação judicial eleitoral em que, a despeito de restar prejudicado pedido de cassação do registro ou do diploma, ainda se puder perquirir acerca da inelegibilidade.


5. Conclusão

De todo o exposto, conclui-se que o atual posicionamento adotado pelo TSE, segundo o qual as chapas majoritárias, porquanto unas e indivisíveis, ensejam a existência de litisconsórcio passivo necessário nas ações eleitorais impugnativas, prima pelas boas técnicas processual e principiológica. Reconhece-se a inegável estreiteza do elo que liga seus integrantes sem, contudo, ignorar suas invididualidades, quando da observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Outrossim, conclui-se acertada a diretriz da Corte Eleitoral que, homenageando a efetividade do processo e resguardando, na medida do possível, a lisura do pleito, deixa de extinguir ações impugnativas em que, a despeito de falhas na formação do pólo passivo, ainda se mostre possível aplicação de multa pecuniária ou decretação de inelegibilidade.

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Sobre o autor
Frederico Franco Alvim

Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás. Especialista em Direito Eleitoral e Direito Processual Eleitoral pela Universidade Federal de Goiás.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVIM, Frederico Franco. O litisconsórcio necessário nas ações eleitorais impugnativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2893, 3 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19249. Acesso em: 2 nov. 2024.

Mais informações

Artigo publicado na edição de dezembro de 2010 na revista "Estudos Eleitorais" do Tribunal Superior Eleitoral.

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