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A aplicabilidade da principiologia contratual no âmbito civil-constitucional

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07/06/2011 às 17:59
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Capítulo 3: Os Novos Paradigmas Principiológicos Contratuais e sua Aplicação no Ordenamento Jurídico Brasileiro

3.1 Da Autonomia da Vontade à Autonomia Privada

A autonomia da vontade ou liberdade contratual já foi considerada a essência do Direito Contratual e, com base nesse princípio, o indivíduo tinha o poder de autodisciplinar suas relações privadas.

A autonomia da vontade é o poder de autodeterminação da pessoa, de autoregular seus interesses, e o negócio jurídico é o instrumento que torna possível concretizar tal poder de autodeterminação. O ordenamento jurídico confere às pessoas esse poder de provocar efeitos jurídicos por meio da prática dos negócios jurídicos em cujo universo inserem-se os contratos. Desse modo, por sua vontade, os contratantes criam relações jurídicas concretas, admitidas e reguladas, in abstrato, na lei, prevendo efeitos em função dos quais estabelecem voluntariamente cláusulas que subordinam o seu próprio comportamento. [14]

A liberdade contratual implica escolher entre contratar ou não contratar, com quem contratar e como contratar, na possibilidade de determinar o conteúdo e as cláusulas do contrato.

É que a lei exige o cumprimento da forma, impondo a descaracterização da autonomia da vontade, não inteiramente, é certo, como não poderia deixar de ser. De modo que o princípio que informa a autonomia da vontade já não mais é a regra, sendo agora exceção. [...] Pode afirmar-se que, nos denominados contratos de adesão, pouco vale a autonomia da vontade: um dos contratantes adere ao contrato-tipo, não discutindo as cláusulas, ficando privado dos benefícios do contrato. [15]

No entanto, essa liberdade, com a evolução dos tempos, foi sofrendo alterações de forma a não mais permitir, por exemplo, cláusulas contratuais que infringissem a moralidade pública, os bons costumes, as normas de ordem pública e atualmente a função social do contrato e os demais princípios norteadores da relação contratual no âmbito civil-constitucional.

O Princípio da Autonomia Privada, acompanhando essa evolução,consiste na liberdade que cada indivíduo tem de contratar ou deixar de contratar. Cada um é livre para declarar sua vontade de produzir efeitos jurídicos, através de um contrato. Além disso, as partes, de acordo com sua vontade, podem livremente escolher as cláusulas, condições e conteúdo do contrato da maneira que melhor lhes aprouver.

Neste diapasão, a despeito de opiniões contrárias, como a dos renomados autores, Caio Mário [16] e Orlando Gomes [17], que tratam a autonomia privada e o consensualismo como princípios distintos, o presente trabalho, por toda renovação da teoria contratual, coloca o consensualismo como resultado da convergência da manifestação da vontade dos partícipes do contrato, que representa a autonomia privada das relações contratuais.

Portanto, o consensualismo será aqui analisado como expressão e conseqüência da autonomia privada, ou até mesmo como sub-princípio, mas, não ensejando estudo em capítulo apartado.

Ademais, não se pode admitir o consensualismo do período clássico, decorrente da autonomia da vontade plena, em que não se cogitava as funções sociais originárias do contrato, época essa, em que prevalecia o indivíduo e todo o seu egoísmo perante a sociedade.

A visão moderna do consensualismo, hoje adotada, é muito diferente da empregada pelos romanos. O formalismo exacerbado deu lugar ao consentimento capaz de formar o contrato sem preencher requisitos formais como era no passado. Como foi dito anteriormente, embora existam contratos solenes, que exigem certas formalidades, o consensualismo prevalece sobre a forma.

Para que o contrato exista é preciso que as partes manifestem a declaração convergente de vontades, tanto em relação ao objeto da avença, quanto ao seu respectivo conteúdo.

Do mesmo modo, o contrato, em sua nova concepção social, deve observar não só o momento da declaração da vontade, que representa nada mais nada menos que o consenso, mas principalmente a repercussão jurídica do contrato na sociedade e, para isso, deve atentar para a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas.

Nessa seara, como as partes já não negociam mais o conteúdo do negócio jurídico na contratação massificada e, como conseqüência, há uma limitação à autonomia da vontade para atingir o equilíbrio da relação contratual e a igualdade real, imposta pelo Estado como prioridade, tem-se a concepção de autonomia privada.

Assim, é possível inferir que os contratos de adesão comprometem o princípio da autonomia privada, pois a declaração de vontade do aderente fica submetida à vontade do predisponente que elaborou o conteúdo do respectivo contrato, daí a importância da ingerência estatal a fim de restabelecer o equilíbrio contratual.

Cumpre ressaltar que a liberdade de contratar sofre limitações e, apesar da autonomia privada ser a regra, a lei impõe limites. O interesse social deve prevalecer com relação ao interesse individual sempre que não forem compatíveis.

O artigo 421 do Código Civil de 2002 enfatiza essa idéia de que a liberdade de contratar deve ocorrer em razão e nos limites da função social do contrato. Além disso, o Código de Defesa do Consumidor limitou o campo de atuação desse princípio em alguns aspectos de forma a equilibrar a relação contratual que tem no consumidor a parte mais fraca, até mesmo sobrepondo-se à vontade do contratante.

Há que se falar, ainda, que em um contrato, quando as partes deixam de manifestar a respeito de determinadas circunstâncias, a vontade que se presume é aquela estabelecida em lei, mesmo que a posteriori, uma das partes manifeste-se de forma diversa, já que mesmo não se tratando de normas cogentes, que podem ser livremente pactuadas pelas partes, até mesmo de forma diversa do dispositivo legal, a não manifestação dos contratantes importa absorção da expressão legal.

A aplicação do princípio da autonomia privada não pretende uma contraposição entre a autonomia do indivíduo e a vontade estatal, ao contrário, a tentativa é conciliar tais perspectivas, que dissociadas ou opostas acabam por comprometer a eficácia do contrato, que em última instância é a concretização da segurança jurídica almejada pelo Estado através do particular.

Observa, assim, Ricardo Luiz Lorenzetti:

O Estado requer um Direito Privado, não um direito dos particulares. Trata-se de evitar que a autonomia privada imponha suas valorações particulares à sociedade; impedir-lhe que invada territórios socialmente sensíveis. Particularmente, trata-se de evitar a imposição a um grupo, de valores individuais que lhe são alheios. Aqui faz seu ingresso a ordem pública de coordenação, e de direção. Por outra parte, os valores coletivos, que se traduzem juridicamente em obrigações, não devem enfraquecer, mas completar e ajustar a normativa individual. Trata-se de valores legais que concorrem com a autonomia privada para produzir um efeito jurídico determinado. Quando se diz que o contrato causa obrigações, faz-se referência a valores individuais; quando se alude a obrigações imperativas, implicam-se valorações coletivas. [18]

O dirigismo estatal, nesse sentido, coloca as necessidades sociais como prioridade, em nome da ordem pública, que estaria comprometida caso a liberdade contratual do indivíduo manifestasse-se de forma plena e absoluta sem sofrer qualquer tipo de limitação.

Dessa forma, a autonomia privada, que não afasta as normas de intervenção que visam à proteção do declarante da vontade, admite a mudança dessa vontade, que se dará pela intervenção processual, capaz de garantir igualdade de oportunidades em havendo diferenças socioeconômicas consideráveis.

3.2 Princípio da Obrigatoriedade

A obrigatoriedadese contrapõe ao princípio da autonomia privada,uma vez que, se há liberdade para contratar, havendo contrato, este deverá ser cumprido, para que não desapareça a segurança nas relações contratuais.

Observados os requisitos e pressupostos de validade do contrato o princípio da obrigatoriedade invoca o cumprimento avençado livremente pelas partes na celebração do contrato.

Esse princípio assegura o cumprimento do contrato vinculando as partes para essa finalidade, conforme nos ensina o saudoso mestre Caio Mário:

O contrato obriga os contratantes. Lícito não lhes é arrependerem-se; lícito não é revogá-lo senão por consentimento mútuo; lícito não é ao juiz alterá-lo ainda que a pretexto de tornar as condições mais humanas para os contratantes. Com a ressalva de uma amenização ou relatividade de regra [...], o princípio da força obrigatória do contrato significa, em essência, a irreversibilidade da palavra empenhada. A ordem jurídica oferece a cada um a possibilidade de contratar, e dá-lhe a liberdade de escolher os termos da avença, segundo as suas preferências. Concluída a convenção, recebe da ordem jurídica o condão de sujeitar, em definitivo, os agentes. Uma vez celebrado o contrato, com observância dos requisitos de validade, tem plena eficácia, no sentido de que se impõe a cada um dos participantes, que não têm mais liberdade de se forrarem às suas consequencias, a não ser com a cooperação anuente do outro. Foram as partes que escolheram os termos de sua vinculação, e assumiram todos os riscos, a elas não cabe reclamar, e ao juiz não é dado preocupar-se com a severidade das cláusulas aceitas, que não podem ser atacadas sob a invocaçao de princípios de equidade, salvo a intercorrência de causa adiante minudenciada. [19]

Ocorre que o princípio da obrigatoriedade não é absoluto, visto que uma das partes pode deixar de cumprir suas obrigações invocando, por exemplo, a exceção de contrato não cumprido, que consiste no inadimplemento de uma das partes, o que permite a outra parte escusar-se do adimplemento de obrigação posterior (exceptio non adimpleti contractus).

Ressalte-se que a aplicação dessa teoria restringe-se aos contratos bilaterais, pela própria natureza do instituto, no qual se estabelecem direitos e obrigações recíprocas.

Outra hipótese que caracteriza a relatividade desse princípio é a ingerência estatal e a possibilidade de revisão judicial dos contratos nos casos de desequilíbrio da relação negocial.

Mas, a relatividade dessa obrigatoriedade foi uma conquista da nova teoria contratual, posto que no período liberal a força obrigatória dos contratos era regra que não podia ser quebrada, independentemente da superveniência de fatos extraordinários ou imprevisíveis, que culminassem em onerosidade excessiva para uma das partes ou comprometessem o equilíbrio da relação contratual. Prevalecia o brocardo pacta sunt servanda.

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Não obstante, o princípio da obrigatoriedade continua a ser aplicado, com a relatividade conquistada ao longo da evolução da teoria contratual, tendo força vinculante pelo fato de ser estipulado livremente pelas partes que se predispuseram a impor restrições recíprocas à própria liberdade em consonância com seus respectivos interesses.

Nessa esteira, uma vez celebrado, o contrato deverá ser cumprido, desde que seus pressupostos e requisitos de validade tenham sido observados. Prevalecendo, portanto, ainda, nos dias atuais, o princípio da obrigatoriedade, com as ressalvas feitas à sua relatividade, para resguardar os interesses das partes que espontaneamente se vincularam, com o respaldo estatal que busca sempre a segurança jurídica como um dos alicerces do Estado Democrático de Direito.

3.3 Princípio da Boa-fé

Visualizado como basilar à nova realidade contratual, está o Princípio da Boa-fé, não só por limitar o princípio da autonomia privada, mas também por desempenhar função importante junto à criação de novos deveres contratuais.

A boa-fé, hoje positivada pelo Código Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor, torna imprescindível sua aplicação, graças ao reconhecimento do legislador, que acompanhando as tendências e valores da Carta Magna de 1988 reforçou o campo de atuação de tão importante princípio.

Antes, porém, é preciso analisar o princípio da boa-fé, em seus dois sentidos, boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva, não só para diferenciá-los, mas, principalmente para compreender melhor o princípio contratual da boa-fé.

3.3.1 Boa-fé Subjetiva

A boa-fé subjetiva refere-se a uma qualidade atribuída a uma pessoa, que representa o estado psicológico relativo ao conhecimento ou desconhecimento do injusto.

Nesse sentido a boa-fé subjetiva corresponde ao estado psicológico e de ânimo do agente, bem como à sua intenção e ao seu convencimento na realização de determinado ato ou fato sem consciência do vício ai existente.

Em geral, a boa-fé subjetiva representa o estado de ignorância de determinado agente, sendo invocada para resguardar seus direitos, como "prêmio" por ter agido com a crença de que estava em conformidade com a lei e que sua conduta não violava os direitos de outra pessoa.

A boa-fé subjetiva, assim, não pode ser confundida com a boa-fé objetiva, pois aquela tem incidência maior nas relações do tipo real, como usucapião, artigo 1.238 e seguintes do Código Civil, enquanto esta é princípio fundamental do Direito Contratual, prevista no artigo 422 do Código Civil.

3.3.2 Boa-fé Objetiva

O princípio da boa-fé objetiva deve ser entendido como o responsável pelo cumprimento, ou não, dos deveres decorrentes das obrigações principais assumidas pelas partes, de modo a identificar qual utilidade resultará para os contratantes com o seu cumprimento.

É, dessa forma, uma regra objetiva de conduta, um dever de prestação mais amplo que o convencionado, um modo de proceder, acarretando assim, uma série de deveres que se encontram implícitos ao negócio jurídico realizado.

Dentre esses deveres podemos destacar o dever de lealdade, de informação, assistência técnica, transparência etc, de tal modo que a boa-fé seja o ajuste capaz de diminuir a diferença sócio-econômica dos contratantes, ao tutelar a conduta do contratante mais forte em relação ao hipossuficiente.

O Código Civil atual incluiu o princípio da boa-fé objetiva em seu artigo 422, estabelecendo que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Lembrando que a interpretação aqui deve ser extensiva, de forma a abranger a fase pré e pós-contratual e incidir em todos os contratos.

Em consonância com esse sentido de boa-fé objetiva é que os contratos em geral devem observar referidos padrões de conduta, na constante preocupação com a função social dos contratos, que jamais se realizará se a boa-fé objetiva não estiver presente.

Caio Mário assim explana sobre o princípio da boa-fé:

O princípio da boa-fé, apesar de consagrado em norma infraconstitucional, incide sobre todas as relações jurídicas na sociedade. Configura cláusula geral de observância obrigatória, que contém um conceito jurídico indeterminado, carente de concretização segundo as peculiaridades de cada caso. A boa fé referida no art. 422 do Código é a boa-fé objetiva, que é característica das relações obrigacionais. Ela não se qualifica por um estado de consciência do agente de estar se comportando de acordo com o Direito, como ocorre com a boa-fé subjetiva. A boa-fé subjetiva não diz respeito ao estado mental subjetivo do agente, mas sim ao seu comportamento em determinada relação jurídica de cooperação. O seu conteúdo consiste em um padrão de conduta, variando as suas exigências de acordo com o tipo de relação existente entre as partes. A boa-fé objetiva serve como elemento interpretativo do contrato, como elemento de criação de deveres jurídicos( dever de correção , de cuidade, de segurança, de informação, de cooperação, de sigilo, de prestar contas) e até como elemento de limitação e ruptura de direitos. A positivação deste princípio certamente em mto contribuiu para o seu desenvolvimento na doutrina e jurisprudencia brasileiras. Na apuração da conduta contratual, em face da probidade e boa-fé, exigidos pelo artigo, o juiz não pode deixar de se informar dos usos, costumes e práticas que os contratantes normalmente seguem, no tocante ao tipo contratual que constitua objeto das cogitações no momento, ou em torno do qual surge o litígio. [20]

Em uma sociedade moderna, voltada para o indivíduo como partícipe de uma coletividade, não se pode admitir que as partes sobreponham sua vontade de tal maneira que ultrapassem os limites da boa-fé, agindo de maneira desleal ou desonesta, daí a importância desse princípio, que deverá ser visualizado sempre pelo julgador em havendo descumprimento por alguma das partes, antes, durante, ou após, a celebração do contrato.

3.4 Princípio da Justiça Contratual

O presente princípio pressupõe uma igualdade entre as partes, de modo a estabelecer direitos e obrigações correlatos, antes, durante e após a execução do contrato.

Mas essa igualdade não pode ser analisada simplesmente pela ótica formal, deve buscar a efetivação da igualdade real ou concreta das partes, na relação jurídica.

A incessante busca pela justiça contratual deve atentar para o fato de que, diante de um caso concreto, o julgador, em seu fundamental papel de aplicar a norma, deve utilizar-se do sistema principiológico para alcançar a igualdade real, já que a lei na maioria das vezes não é capaz de promover a justiça distributiva.

A promoção do nivelamento da situação econômico-financeira e do reequilíbrio da relação entre os contratantes no próprio contrato é de fundamental importância, pois possibilita que a parte menos favorecida, ou o hipossuficiente, possa obter, proporcionalmente, as mesmas vantagens e desvantagens que o outro partícipe obteve, na celebração do contrato.

A intervenção da nova ordem jurídica no domínio do contrato não visa abolir o princípio substancial da igualdade entre os contratantes; ao contrário, ao tutelar a parte débil e vetar ou alterar as cláusulas que lhe são perniciosas, o que realmente promove é o equilíbrio e, consequentemente, a igualdade efetiva dos contratantes. [21]

Assim, segurança jurídica e estabilidade devem ser entendidas como diferentes de imutabilidade, haja vista que o eixo contratual é a justiça, porque o injusto traz insegurança.

O contrato deve ser equilibrado, a idéia de justiça é a de equitatividade, paridade, idéia de justiça corretiva. Serve para corrigir qualquer injustiça contratual.

Desse modo, o contrato deverá observar a justiça formal e a justiça substancial, como resultado do respeito à igualdade formal e material das partes envolvidas, donde se presumirá a justiça contratual.

3.5 Princípio da Funcionalidade do Contrato

O Direito deve atender as necessidades sociais de forma a equilibrar as relações, permitindo que os contratos cumpram sua primordial função [22], qual seja, a função social, como fenômeno de socialização do contrato, que abrange, em sua concepção, as demais funções, traduzindo assim, a função econômica, pedagógica, normativa etc.

Significativamente, a funcionalidade do contrato deve ser compreendida como princípio informador de toda relação contratual, capaz de se sobrepor à vontade das partes a fim de preservar o interesse comum.

O legislador atentou aqui para a acepção mais moderna da função do contrato, que não é a de exclusivamente atender aos interesses das partes contratantes, como se ele tivesse existência autônoma, fora do mundo que o cerca. Hoje o contrato é visto como parte de uma realidade maior e como um dos fatores de alteração da realidade social. Essa constatação tem como consequência, por exemplo, possibilitar que terceiros que não são propriamente partes do contrato possam nele influir, em razão de serem direta ou indiretamente por ele atingidos. A função social do contrato, portanto, na acepção mais moderna, desafia a concepção clássica de que os contratantes tudo podem fazer, porque estao no exercício da autonomia da vontade. O reconhecimento da inserção do contrato no meio social e da sua função como instrumento de enorme influência na vida das pessoas, possibilita um maior controle da atividade das partes. Em nome do princípio da função social do contrato se pode, v.g., evitar a inserção de cláusulas que venham injustificadamente prejudicar terceiros ou mesmo proibir a contratação tendo por objeto determinado bem, em razão do interesse maior da coletividade. A função social do contrato é um princípio moderno que vem a se agregar aos princípios clássicos do contrato, que são os da autonomia da vontade, da força obrigatória, da intangibilidade de seu conteúdo e da relatividade dos seus efeitos. Como princípio novo ele não se limita a se justapor aos demais, antes pelo contrário vem desafiá-los e em certas situações impedir que prevaleçam, diante do interesse social maior. [23]

Nessa mesma linha, o contrato tem por escopo a realização dos interesses individuais, tendo no princípio da funcionalidade um limite, nos casos em que o interesse social for conflitante ao individual, de forma que deva prevalecer.

Esse compromisso não pode estar apenas na esfera teórica, muito antes pelo contrário, deve ser aplicado a cada caso concreto de modo a prevalecer a justiça e a equidade, presentes no equilíbrio de prestações recíprocas.

Pois, de nada adiantaria um contrato de valioso potencial econômico e financeiro se fosse negativa sua repercussão social, ou, se seus efeitos, pudessem comprometer a coletividade.

A funcionabilidade do contrato, ao decorrer do tempo, ampliou-se. Isso porque o contrato faz parte do cotidiano, presente no dia-a-dia de cada cidadão, independentemente de sua condição financeira.

Daí a preocupação do legislador, que preferiu estabelecer expressamente o princípio da função social dos contratos, na redação do art 421, do atual Código Civil: a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

A fim de cumprir a função social dos contratos é que o referido diploma legal consagra a resolução por onerosidade excessiva, anula o contrato celebrado em estado de perigo, admite a rescisão do contrato lesivo, desaprova o enriquecimento sem causa, pois descumprir tal princípio significa atentar contra direitos fundamentais e indisponíveis do contratante, atingindo também toda a coletividade, servindo como apanágio de abusos.

O princípio da funcionalidade dos contratos, dessa forma, só concretiza-se quando coaduna interesses individuais e coletivos.

Como visto, o princípio da função social dos contratos, assim como os demais princípios contratuais, deve ser encarado não só como parâmetro interpretativo, mas como norma de caráter imperativo, devendo ser observado sempre que se tratar de contrato.

Por fim, registre-se que a aplicação do princípio da funcionalidade dos contratos está intimamente relacionada a nova perspectiva civil-constitucional enfrentada pelo Direito Privado, tendo na Constituição da República as diretrizes que deverão informar todo o sistema principiológico contratual.

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Sobre a autora
Luciana Fernandes Berlini

Coordenadora dos Cursos de Pós Graduação da Faculdade Estácio de Sá. Professora de Direito de Cursos de Graduação e Pós-Graduação. Mestre e Doutora em Direito Privado pela PUC/Minas. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERLINI, Luciana Fernandes. A aplicabilidade da principiologia contratual no âmbito civil-constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2897, 7 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19286. Acesso em: 23 dez. 2024.

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