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A aplicabilidade da principiologia contratual no âmbito civil-constitucional

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07/06/2011 às 17:59
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Capítulo 4: Novas Perspectivas e Atenuações Modernas do Contrato

4.1 A Contribuição do Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor promulgado em 1990, em atendimento ao disposto pelo Poder Constituinte de 1988, no artigo 48, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, apresenta-se como um complexo de normas imperativas, protetivas e eqüitativas, como reflexo da intervenção estatal na esfera privada.

Nessa linha, é possível dizer que foi, atendendo às diretrizes ditadas pelo constituinte de 1988, que o legislador do Código de Defesa do Consumidor, em momento de extrema felicidade, no tocante à observância dos princípios constitucionais fundamentais – da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da igualdade substancial, integrantes do Estado Social de Direito, optou por prestigiar incisivamente os princípios da boa-fé e do equilíbrio das prestações, que, inequivocamente, restringem a importância antes conferida à vontade individual. [24]

As relações de consumo, principalmente as decorrentes de contratos de adesão, que atualmente são as mais freqüentes, embora sejam quase sempre celebradas entre particulares, não mitigam o interesse público, haja vista a repercussão social ocasionada, tanto pela fragilidade de uma das partes, no caso o consumidor, tanto pela dimensão dos interesses envolvidos, como também pela segurança jurídica que tanto interessa ao Estado.

Em matéria de contratos, hoje avulta a importância do Código de Defesa do consumidor. Entretanto a unidade do ordenamento não está confiada nem à continuidade dos valores do vetusto Código Civil, nem aos valores emergentes na forma da legislação extravagante, freqüentemente contraditórios e conflituais, mas aos valores e princípios constitucionais. [25]

Dentre as contribuições do Código de Defesa do Consumidor destaca-se a limitação à liberdade de contratar, a relatividade da obrigatoriedade contratual e a promoção da confiança, transparência e lealdade dos contratantes, já explicadas detalhadamente no Capítulo anterior.

O Código de Defesa do Consumidor tem a função primordial de equilibrar a situação de desigualdade estabelecida entre os partícipes do negócio jurídico, no exato momento em que intervém na esfera contratual e restaura o equilíbrio que estava prejudicado pela desigualdade substancial dos contratantes.

O CDC não instituiu somente um novo controle formal dos contratos de consumo, controle da manifestação da vontade livre e refletida, mas institui também um controle do conteúdo dos contratos de consumo, controle da eqüidade de suas cláusulas de suas prestações e contraprestações, dos direitos e deveres dele resultantes, controle que será exercido pelo Poder Judiciário, com a ajuda do Ministério Público e das Entidades de Proteção ao Consumidor, e que tem se mostrado eficaz nestes mais de dez anos em vigor. [26]

Cabe, desse modo, ao Ministério Público a legitimidade para tutelar os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, como pressuposto de sua finalidade institucional de defesa dos interesses sociais, devendo atuar judicialmente ou extrajudicialmente, de forma a assegurar e proteger os interesses dos consumidores, direitos esses previstos no Código de Defesa do Consumidor e na Constituição da República de 1988.

A tutela processual aos titulares desses interesses (individuais e coletivos) se dá de acordo com os instrumentos fornecidos pela legislação própria, destacando-se, para os interesses transindividuais (individuais homogêneos, coletivos e difusos), a proteção a título preventivo ou repressivo de dano, por meio da ação civil pública e da ação popular. [27]

São, portanto, de ordem pública, as normas que regulam as relações consumeristas, tendo o Estado dever de promover a igualdade substancial dos consumidores, principalmente nas contratações em massa.

4.2 Inovações do Código Civil de 2002

As inovações trazidas pelo Código Civil de 2002, em matéria contratual, perpassam pela liberdade de contratar de cada indivíduo que só poderá ser exercida em consonância com os fins sociais do contrato, implicando os valores fundamentais da boa-fé e da justiça contratual.

Esse diploma legal recepcionou a nova concepção social do contrato reconhecida expressamente em seus artigos 421 [28] e 422 [29], ressalvando que tais dispositivos aplicam-se aos contratos em geral e, não apenas, aos contratos de adesão.

Para os contratos de adesão o codificador civilista trouxe no artigo 423 que a interpretação das cláusulas contratuais é feita sempre contra aquele que redigiu o instrumento, adotando a interpretação mais favorável ao aderente sempre que as cláusulas forem ambíguas ou contraditórias.

O Novo Código Civil também inovou em matéria contratual ao abordar matérias que não eram abordadas no Código anterior, como o contrato preliminar, contrato com pessoa a declarar, a resolução por onerosidade excessiva, venda com reserva de domínio, venda sobre documentos, contrato estimatório, comissão, agência, distribuição, corretagem e contrato de transporte.

Destaca-se, portanto, como inovação trazida pelo referido diploma legal, o contrato como instituto moderno do Direito, orientado pela nova teoria contratual, atento aos anseios sociais, nos exatos termos da função social, probidade, justiça contratual e boa-fé.

4.3 Interesse Público na Esfera Privada do Direito Contratual e o Âmbito civil-constitucional do Contrato

No direito atual o indivíduo ganha papel de destaque, com a preponderância da segurança jurídica, da proteção da vida e da garantia da dignidade da pessoa humana, seja através do reconhecimento da vulnerabilidade e hipossuficiência, seja pela solidariedade social ou funcionalidade dos institutos jurídicos.

Hodiernamente, foram editadas normas jurídicas de ordem pública e claro interesse social, reguladoras das cláusulas contratuais, que limitam a vontade das partes e afastam a possibilidade do contratante, hipossuficiente, dispor de seus direitos ao contratar.

In facto, o dirigismo deita efeitos tanto sobre os princípios gerais que governam obrigações e contratos edificados à época do liberalismo puro – como sobre a própria contratação, compreendendo a própria formação e a execução dos contratos. [30]

Adotar os preceitos constitucionais, na resolução de conflitos da esfera privada foi a saída encontrada pelo ordenamento jurídico, ao reconhecer a função social de institutos jurídicos como o contrato e a propriedade.

A função social do contrato, estabelecida a partir dos postulados, da boa-fé objetiva e da lealdade entre os contratantes não pode ser entendida, obviamente, como algo incompatível com a segurança jurídica. Sem esta segurança é claro que não se viabiliza a realização concreta dos fundamentos e objetivos permanentes do Estado Democrático de Direito, onde a preservação do ato jurídico perfeito e do direito adquirido se apresenta como condição sine qua non da estabilidade das relações sociais. [31]

Perlingieri, nesse sentido, entende o ordenamento jurídico como um conjunto unitário de normas, tendo a Constituição da República como a norma fundamental do ordenamento jurídico e, haja vista a possibilidade de ela ser aplicada nas relações interprivadas é possível inferir que a aplicação do princípio da boa-fé a todas as relações contratuais, não apenas as de consumo, é uma decorrência do reconhecimento da normatividade dos princípios constitucionais. [32]

A renovação do direito civil brasileiro tem no chamado "direito civil constitucional" o seu mais firme ponto de apoio. O reconhecimento da incidência dos valores e princípios constitucionais no direito civil reflete não apenas uma tendência metodológica, mas a preocupação com a construção de uma ordem jurídica mais sensível aos problemas e desafios da sociedade contemporânea, entre os quais está o de dispor de um direito contratual que, além de estampar operações econômicas, seja primordialmente voltado à promoção da dignidade da pessoa humana. [33]

A previsão constitucional do princípio da boa-fé corrobora a importância da segurança jurídica nas relações contratuais, priorizando a lealdade entre as partes em detrimento do formalismo.

A nova teoria contratual conta também com o princípio da tutela do hipossuficiente, que deriva do princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 5º, da Constituição da República, segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Com esse propósito foi editado o Código de Defesa do Consumidor, a fim de garantir a tutela ao hipossuficiente ao se estabelecer a igualdade substancial, das partes, com a proteção aos direitos do consumidor.

Nesse aspecto as partes são consideradas iguais, mas tal igualdade deve ser material, pois de nada adiantaria a igualdade formal se no caso concreto os sujeitos da relação não dispõem de iguais condições de contratar ou falta-lhes oportunidades, a ingerência estatal é de grande importância no estabelecimento dessa igualdade.

Assim, o economicamente debilitado ou aquele que se encontra em posição de fragilidade, deve ser privilegiado por normas capazes de conferir a igualdade real a esses partícipes, na busca pelo equilíbrio das relações contratuais, no combate a desproporção que gera injustiças e insegurança jurídica.

A perspectiva que privilegia as situações subjetivas existenciais do ser humano, preconizada pelo direito civil constitucional, revela-se, logo, ainda mais interessante, na medida em que, decorrendo da cláusula geral de tutela da personalidade humana, prevista na Constituição, coloca-se em nível superior no ordenamento, vocacionada a proteger a pessoa, qualquer que seja a participação em uma relação contratual. [34]

Além disso, o contrato para que produza seus efeitos e tenha repercussão jurídica e social deverá atender não só aos princípios contratuais, mas também atender aos princípios constitucionais fundamentais, sem os quais o contrato careceria de seus efeitos essenciais, representados pela funcionalidade, equidade e segurança jurídica e dignidade da pessoa humana. O contrato só pode ter força vinculante se observar esses princípios, estabelecendo o equilíbrio entre os interesses individuais e coletivos.

O destaque dos elementos sociais impregnará o direito privado de conotações próprias, eliminando os resquícios ainda existentes do individualismo e do formalismo jurídico, para submeter o Estado brasileiro a uma ordem baseada em valores reais e atuais, em que a justiça social é fim último da norma, equilibrando-se mais os diferentes interesses por ela regidos, à luz de uma ação estatal efetiva, inclusive como a instituição de prestações positivas e concretas por parte do Poder Público para a fruição pela sociedade dos direitos assegurados. [35]

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É difícil imaginar no direito atual um interesse particular que se desvincule em absoluto do interesse público, ou ao contrário, um interesse público, que em última instância não pretenda resguardar interesses individuais e promover a dignidade da pessoa humana.

De ordem pública são os temas respeitantes ao bem público, em que se impõe a vedação de ajustes contrários à moral ou aos bons costumes. Nesse campo subordina-se a vontade individual ao interesse coletivo, por meio de normas cogentes. Mas o conceito flutua ao sabor da consciência popular, em determinado momento e em cada Estado, alargando-se à medida que este vem assumindo posições na esfera privada (por exemplo, em matéria de locação, de seguros, de transportes, de direitos autorais, tradicionalmente inseridos do âmbito privado, normas de ordem pública têm se insinuado com freqüência, alterando substancialmente a visão privatista). [36]

Com isso, a dicotomia Direito Público e Direito Privado está mitigada, uma vez que a clássica divisão entre interesse individual e coletivo fundem-se para proteger o cidadão como partícipe da sociedade. O que se percebe, em alguns aspectos, é a preponderância de interesses privados, outras vezes, a preponderância dos interesses públicos, mas nunca estão dissociados.

O conteúdo civil das normas constitucionais deve ser delimitado em função do caráter material, estando constituído por aquelas regulamentações relativas à pessoa, a sua dimensão familiar e patrimonial, às relações jurídicas privadas gerais. A este critério material, deve ser adicionado outro de índole formal, derivado do caráter de norma fundamental que tem a Carta Magna, e, por isto, trata-se de normas destinadas a fixar as bases mais comuns e abstratas das relações civis. [37]

Enfim, o que se evidencia com a nova perspectiva civil-constitucional é o fim da demarcação rígida entre a esfera pública e privada, na adoção dos fundamentos constitucionais, mantenedores da segurança jurídica e da função social dos contratos, como base de toda interpretação infraconstitucional.


3 CONCLUSÃO

Através da análise comparativa entre as diversas fontes da pesquisa e de sua interpretação crítica, na busca da contextualização de suas relações com o direito contratual, direito do consumidor e direito constitucional é possível compreender e aplicar a principiologia contratual de maneira adequada e compatível com as necessidades trazidas pela modernidade, tanto no âmbito jurídico, quanto econômico e social.

O longo caminho percorrido pelo contrato, conforme foi analisado, caracteriza toda a socialização do instituto, com a inserção de princípios como a funcionalidade do contrato e a releitura de princípios clássicos que ganharam conteúdo e preocupações coletivas.

Os princípios trazidos pela nova teoria contratual são muito importantes, mais importantes até que os artigos de lei e, por isso, a necessidade de políticas públicas capazes de fomentar a aplicabilidade dessa nova realidade contratual.

Nessa finalidade o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor devem voltar-se para a implementação dessas políticas públicas, haja vista que o essencial não é saber como reparar o dano (lei), mas como evitar o dano (princípio), mesmo porque alguns danos são irreparáveis.

O Estado continua com a visão paternalista de que o consumidor não sabe defender-se, como ocorria no paradigma do Estado Social, mas por trás dessa proteção excessiva o Estado tenta mascarar suas falhas em não conseguir garantir os direitos fundamentais, intervindo em demasia na autonomia individual, que traduz a publicização do Direito Civil, caracterizada principalmente pela desmedida ingerência estatal no âmbito privado.

A proteção ao consumidor deve existir, porque ele realmente encontra-se em posição inferior, mas precisa existir, com maior razão de ser, a garantia dos direitos fundamentais, como a educação, para que o consumidor atinja uma posição de igualdade real, sem que esta precise ser feita pelo Estado.

O que ora defende-se é a constitucionalização do Direito Civil, como fenômeno moderno, que assegura que as normas de direito positivo estarão sujeitas ao crivo dos preceitos fundamentais do direito constitucional, como pretendeu o legislador ao elaborar o Código de Defesa do Consumidor e como devem ser efetuadas a interpretação e aplicação das normas civis, sempre em conformidade com a orientação trazida pela Constituição da República.

Observa-se, na atualidade, uma grande produção legislativa, oscilação na jurisprudência, mas os princípios são perenes, embora não sejam estáticos, daí a importância que exercem nas relações contratuais, devendo ser observados em todo o ordenamento jurídico.

Cumpre ressaltar, que a evolução dos princípios contratuais, apesar do implemento ocasionado pelo advento do Código de Defesa do Consumidor e pelo atual Código Civil, é muito mais um fenômeno social do que propriamente jurídico. Demonstrando mais uma vez que a realidade antecipou-se ao legislador, que apenas, mas não menos importante, adequou a legislação aos fatos.

Assim, a Constituição deve ser compreendida, em relação ao direito civil, como o centro de interpretação, a partir do qual as demais fontes normativas buscam sua essência, em prol da concepção moderna do indivíduo e sua dignidade e, a partir daí, a função social exercida pelo contrato.

As normas infraconstitucionais deverão ser apreciadas a luz da Constituição, sob pena de serem consideradas nulas de pleno direito, já que os princípios contratuais têm o respaldo constitucional para sua aplicabilidade e validade.

Isso ocorre porque a Constituição da República é norma fundamental e pode ser aplicada nas relações interprivadas, possibilitando dessa forma entender a aplicabilidade da nova principiologia a todas as relações contratuais, em decorrência do reconhecimento da normatividade dos princípios constitucionais.

Com o anseio de atingir o tão almejado equilíbrio contratual, na sociedade atual, os princípios serão fundamentais para limitar os abusos freqüentes e ajustar a discrepância existente entre os contratantes, através da legitimação da autonomia privada, da proteção dos direitos e garantias fundamentais, da valorização dos princípios informadores do direito contratual, em seu âmbito civil-constitucional.

Além disso, o contrato para que produza seus efeitos e tenha repercussão jurídica e social deverá atender não só aos princípios contratuais, mas também atender aos princípios constitucionais fundamentais, sem os quais o contrato careceria de seus efeitos essenciais, representados pela funcionalidade, equidade, segurança jurídica e dignidade da pessoa humana. O contrato só pode ter força vinculante se cumprir sua função social, estabelecendo o equilíbrio entre os interesses individuais e coletivos.

Cabe, dessa forma, ao intérprete do Direito, na aplicação da norma, atender aos preceitos constitucionais juridicamente possíveis consolidando o interesse social na busca do resultado útil.

Acompanhar essas mudanças não só é dever do jurista como é também uma necessidade capaz de mudar o rumo das relações contratuais.

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Sobre a autora
Luciana Fernandes Berlini

Coordenadora dos Cursos de Pós Graduação da Faculdade Estácio de Sá. Professora de Direito de Cursos de Graduação e Pós-Graduação. Mestre e Doutora em Direito Privado pela PUC/Minas. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERLINI, Luciana Fernandes. A aplicabilidade da principiologia contratual no âmbito civil-constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2897, 7 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19286. Acesso em: 23 nov. 2024.

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