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A responsabilidade civil das instituições financeiras

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16/06/2011 às 10:15
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RESUMO: O presente trabalho baseia-se na grande divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da responsabilidade civil das instituições financeiras e de seus administradores. As conclusões aqui obtidas têm como fonte quase que exclusiva a interpretação das decisões dos tribunais superiores brasileiros, notadamente Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, acerca do tema. Neste artigo são abordados aspectos conceituais relativo às instituições financeiras, a legislação a elas aplicável, bem como regras de competência e a modalidade de responsabilidade destes entes e de seus administradores, partindo das tendências doutrinárias sobre a questão para avaliar a evolução do entendimento jurisprudencial.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade civil – Instituições financeiras – Administradores – Entendimento jurisprudencial


1. INTRODUÇÃO

Muito se discute na doutrina e na jurisprudência acerca da responsabilidade das instituições financeiras pela prática de atos ilícitos, já existindo, todavia, alguns entendimentos consolidados, mas em outros aspectos paira grande divergência. Tal tema é extremamente importante em função da alta relevância das atividades desenvolvidas por estes entes, consistindo em uma atuação essencial ao perfeito funcionamento da estrutura econômico-financeira do país.

Note que é quase impossível vislumbrar o exercício de uma atividade comercial sem a participação de uma instituição financeira, seja no fornecimento de capital inicial para a criação de empreendimentos ou intermediação de pagamento de fornecedores e o recebimento de valores dos clientes. Praticamente todas as pessoas possuem contas bancárias e muitas aplicam suas disponibilidades financeiras em fundos de investimento junto a estas instituições ou requerem financiamentos para aquisições de bens desejados, como automóveis e residências.

Percebe-se, assim, que os bancos, no seu relacionamento com o público, estabelecem incontáveis relações jurídicas das mais diversas espécies. Ocorre que constantemente alguns atos praticados por estes entes acabam por enquadrar-se no campo da ilicitude, por desrespeito à legislação vigente, o que enseja a necessidade de reparar eventuais danos.

Em função disso surgem diversos questionamentos acerca da legislação aplicável, da competência para aplicar penalidades, da modalidade de responsabilidade, dentre outros aspectos, os quais serão devidamente explorados a seguir, com foco quase que exclusivo no posicionamento dos tribunais superiores sobre o tema.


2. CONCEITO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

A Lei 4.595/64 traz a definição de instituição financeira em seu art. 17, in verbis:

Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.

Como visto, a norma de regência estabelece como elemento essencial à caracterização de uma instituição financeira a realização de coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros.

O parágrafo único do art. 17 deve ser interpretado conjuntamente com o §1º do art. 18 da mesma lei para que se possa ter a perfeita noção das entidades equiparadas às instituições financeiras:

Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.

§ 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.

Assim, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam, de forma permanente ou eventual, a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, bem como as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.

Além disso, segundo a Súmula 283 do STJ, as empresas administradoras de cartão de crédito também são consideradas instituições financeiras.


3. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Feita uma breve análise do conceito das instituições financeiras, ingressa-se agora na discussão sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90 – CDC) aos contratos por elas firmados. Parece já estar pacificado na jurisprudência que se submetem a legislação de proteção ao consumidor, conforme o entendimento consolidado na Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Com efeito, o CDC inclui expressamente os serviços bancários no conceito de "serviço" para fins de caracterização do fornecedor, conforme art. 3º, §2º, in verbis:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Alguns doutrinadores [01] chegaram a defender a inaplicabilidade do CDC às instituições financeiras por reputarem que o cliente desta relação jurídica não se enquadraria no conceito de consumidor, pois não poderia ser considerado usuário final de dinheiro, já que este sempre seria utilizado para aquisição de algum bem ou serviço. Para esta corrente, o cliente seria mero intermediário na cadeia de consumo do bem fornecido pela instituição financeira, qual seja, o capital.

É evidente que analisando esta relação jurídica sob o prisma do fornecimento de dinheiro, ninguém nunca seria consumidor final deste bem, pois a moeda foi feita para circular e garantir sua troca por bens e serviços passíveis de valoração pecuniária. Ora, o cliente que recebe um empréstimo bancário poderá utilizar este valor para adquirir um veículo novo, por exemplo. O proprietário da revenda, por sua vez, irá utilizar este valor para pagar seus funcionários e demais despesas, bem como realizar seu lucro. Estes funcionários, por fim, utilizam tais valores como bem entenderem, criando uma cadeia infinita de repasses, o que obviamente impossibilita a existência de um usuário final.

O cerne da questão, portanto, está em alterar o prisma sob o qual é analisada a relação entre cliente e instituição financeira, para que seja vislumbrada em função do fornecimento do serviço de crédito e não do dinheiro em si. Assim, temos que nitidamente o cliente é o usuário final deste serviço bancário de concessão de crédito, até porque tal atividade é privativa de entes autorizados.

Desta feita, percebe-se que prevaleceu na jurisprudência o entendimento da outra parcela da doutrina [02], segundo a qual o cliente bancário é consumidor para os efeitos da lei, sendo perfeitamente aplicável a Lei 8.078/90 às relações contratuais firmadas juntos às instituições financeiras. Ressalve-se apenas que, para o STJ, "é pacífico, no âmbito da Segunda Seção desta Corte, o entendimento de que a aquisição de bens ou a utilização de serviços por pessoa natural ou jurídica com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo, mas como uma atividade de consumo intermediária, motivo por que resta afastada, in casu, a incidência do CDC." [03]

Note, todavia, que tal incidência normativa não é indiscriminada, sofrendo algumas mitigações diante das especificidades do regime jurídico destes entes do sistema financeiro nacional. Com efeito, sobre os limites da incidência do CDC, o Supremo Tribunal Federal possui entendimento consolidado, conforme exposto no julgamento da ADI 2591 transcrito abaixo:

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência. 4. Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro. 5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia. 6. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros.

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Do pensamento apresentado acima, extrai-se que apenas está excluída da incidência do CDC a fixação da taxa de juros aplicável as operações financeiras realizadas por estas instituições. O limite desta taxa deve ser fixado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), no exercício de sua capacidade normativa de conjuntura, segundo as atribuições fixadas na Lei 4.595/64, notadamente no art. 4º, incisos VIII e IX.

Ainda sobre a fixação da taxa de juros nas operações bancárias é digno de nota o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a não aplicação da Lei de Usura às instituições financeiras, conforme recentíssimo acórdão abaixo que confirma a reiterada jurisprudência da corte:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. APRECIAÇÃO DE OFÍCIO. VEDAÇÃO. JUROS REMUNERATÓRIOS. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR CONDICIONADA À COMPROVAÇÃO DO ABUSO. APURAÇÃO QUE DEVE SER FEITA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, À VISTA DAS PROVAS PRODUZIDAS. APLICAÇÃO DA TAXA PREVISTA NO CONTRATO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO, COM APLICAÇÃO DE MULTA.

1. Impossibilidade de apreciação da alegada violação de dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.

2. Resta firmada no STJ a vedação a declaração, de ofício, de nulidade de cláusulas abusivas pelo Tribunal de origem, implicando julgamento além do que foi pedido. Impossibilidade, tratando-se de questões exclusivamente patrimoniais. Ressalva quanto ao meu entendimento pessoal.

3. A limitação dos juros remuneratórios pela incidência do Código de Defesa do Consumidor depende da comprovação do abuso.

4. Nos termos da pacífica jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras não sofrem a limitação imposta pelo Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura), a teor do disposto na Súmula 596/STF, de forma que a abusividade da pactuação dos juros remuneratórios deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos, sendo insuficiente o só fato de a estipulação ultrapassar 12% ao ano ou de haver estabilidade inflacionária no período.

5. A não-realização do necessário cotejo analítico, bem como a não-apresentação adequada do dissídio jurisprudencial, não obstante a transcrição de ementas, impedem a demonstração das circunstâncias identificadoras da divergência entre o caso confrontado e o aresto paradigma, como é o caso dos autos.

6. A interposição de agravo manifestamente infundado enseja aplicação da multa prevista no artigo 557, § 2º do Código de Processo Civil.

7. Agravo regimental improvido. [04]

Nesse contexto, surgiu um debate acerca da constitucionalidade da normatização realizada pelo Conselho Monetário Nacional, um órgão do Poder Executivo Federal, em face da previsão do art. 192 da Constituição Federal que determina a regulamentação do sistema financeiro nacional por meio de leis complementares. Quanto a este tema, na mesma Ação Direta de Inconstitucionalidade citada acima, o STF pacificou seu entendimento da seguinte forma:

ART. 192, DA CB/88. NORMA-OBJETIVO. EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR EXCLUSIVAMENTE PARA A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO. 7. O preceito veiculado pelo art. 192 da Constituição do Brasil consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade. 8. A exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema financeiro. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. ART. 4º, VIII, DA LEI N. 4.595/64. CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE À CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ILEGALIDADE DE RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA MATÉRIA. 9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa --- a chamada capacidade normativa de conjuntura --- no exercício da qual lhe incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. 10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional. 11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade.

Através desta decisão, a Corte Suprema determinou que a normatização editada pelo CMN é constitucional e goza de juridicidade, ou seja, está adequada aos princípios constitucionais e demais regras aplicáveis a sua atuação, desde que sua produção normativa esteja limitada à criação de regras sobre constituição, fiscalização e funcionamento das instituições financeiras.

Para o Pretório Excelso, a exigência constitucional de lei complementar para regulamentação do Sistema Financeiro Nacional (SFN) limita-se a uma reformulação geral do sistema, ou seja, refere-se a alterações em sua estrutura, em sua essência, nos elementos básicos da ordem financeira.

Assim, o CMN pode editar normas para regulamentação da taxa de juros e criação de exigências para o desempenho das atividades das instituições financeiras, com base na competência atribuída pelos arts. 3º e 4º da Lei 4.595/64, pois tais atos normativos são pontuais e específicos, não rendendo ensejo a alterações profundas do Sistema Financeiro Nacional. Por outro lado, o CMN nunca poderá expedir uma resolução na qual irá alterar as diretrizes aplicáveis àqueles que compõem o SFN, pois tal ato esbarraria na exigência de lei complementar.

Por fim, sobre a incidência do CDC aos contratos bancários, ainda cabe uma breve observação. É certo que em nosso ordenamento jurídico vige o princípio da especialidade ou especificidade, segundo o qual a legislação que trata especificamente e de forma detalhada sobre determinado instituto jurídico deve prevalecer sobre aquele texto normativo que abrange o instituto apenas de forma genérica (art. 2º, §2º, da Lei de Introdução ao Código Civil). No que concerne à aplicabilidade do CDC aos contratos bancários que possuem legislação própria, o STJ já se manifestou nos seguintes termos:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO

Constatada a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, foi instaurado o incidente de processo repetitivo referente aos contratos bancários subordinados ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos da ADI n.º 2.591-1. Exceto: cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial; contratos celebrados por cooperativas de crédito; contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado.

(...) [05]

As cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial, os contratos celebrados por cooperativas de crédito, os contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado foram excluídos do julgamento deste recurso repetitivo exatamente porque o STJ buscou fixar uma tese acerca dos contratos bancários sobre os quais incide o Código de Defesa do Consumidor.

Para melhor elucidar a questão, cabe transcrever abaixo trechos do voto da Ministra Relatora Nancy Andrighi, nos quais se delimita a matéria que será submetida ao procedimento de julgamento de recurso repetitivo previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil:

Apesar da aparente abrangência do termo "contratos bancários" do despacho supratranscrito, constata-se que a característica da multiplicidade de recursos especiais, exigida pelo art. 543-C do CPC, evidencia-se nos contratos bancários que se submetem à legislação consumerista. Portanto, este julgamento abordará, em quaisquer de suas modalidades, apenas os contratos de mútuo bancário em que a relação de consumo esteja caracterizada, nos termos do alcance da ADI 2.591-1, relator para acórdão o Min. Eros Grau.

(...)

Registre-se que não se encontram abrangidas por esta decisão as Cédulas de Crédito Rural, Industrial, Bancária e Comercial; os contratos celebrados por cooperativas de crédito, os que se incluem sob a égide do Sistema Financeiro da Habitação, bem como os que digam respeito a crédito consignado.

Em função do entendimento exposto acima, resta claro que os contratos que gozam de regramento próprio estão excluídos da incidência da Lei 8.078/90. Apenas para exemplificar, as cédulas de crédito rural, industrial e comercial encontram-se regidas pela Lei nº 6.840/80 e pelo Decreto-Lei 413/69.

Ademais, a título de curiosidade, pois esta conclusão foge aos propósitos deste trabalho, tal regra não se limita aos contratos bancários, conforme se infere do julgado abaixo em que o STJ entendeu incabível a aplicação do CDC aos contratos locatícios regidos pela Lei 8.245/91:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL QUE NÃO SE CONFIGURA DEMONSTRADO, NO CASO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ. LOCAÇÃO. CONTRATO DE FIANÇA. NÃO APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DECISÃO AGRAVADA QUE MERECE SER MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

1. A divergência jurisprudencial invocada deve ser demonstrada nos moldes da orientação preconizada pelo art. 266, § 1º, em harmonia com o art. 255, e §§, todos do RISTJ, visto que estes exigem o cotejo analítico das teses dissidentes, não se aperfeiçoando pela simples transcrição de ementas semelhantes à hipótese dos autos.

2. Não há que se falar, na espécie, em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que inexiste omissão qualquer a ser suprida em sede de embargos de declaração. Embora opostos os embargos de declaração, o Tribunal a quo não se manifestou sobre as questões arguidas pelo recorrente porque não estava obrigado a tanto. Incidência da Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça.

3. O Superior Tribunal de Justiça entende ser incabível a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor às relações locatícias regidas pela Lei nº 8.245/91, porque se tratam de microssistemas distintos, pertencentes ao âmbito normativo do direito.

4. Manutenção do decisum por seus próprios fundamentos.

5. Agravo regimental a que se nega provimento. [06]

Tal entendimento foi reiterado no Resp 605.295/MG, julgado em 20/10/2009, constante do informativo de jurisprudência nº 412 do STJ, no qual restou explicado que "segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal, o CDC não é aplicável aos contratos locatícios, os quais são regulados por legislação própria."

Assim, os julgados poderiam ser interpretados como uma regra geral acerca da inaplicabilidade do CDC aos contratos que possuam legislação específica.

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Sobre o autor
Eduardo Barbosa de Araújo

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Eduardo Barbosa. A responsabilidade civil das instituições financeiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2906, 16 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19296. Acesso em: 26 abr. 2024.

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