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Tutela especial do trabalho da criança e do adolescente no Brasil.

Uma análise a partir da encíclica Rerum Novarum

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01/07/2011 às 09:13
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3 O TRABALHO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL

3.1.Notícias Históricas

Discorrer acerca das primeiras informações sobre o trabalho de crianças e adolescentes no Brasil é voltar ao início da colonização do país, em anos que se aproximam de 1500. Pestana, na obra de Minharro [20], aduz que crianças e adolescentes embarcavam em naus portuguesas rumo às terras brasileiras, trabalhando como pajens ou grumetes, submetendo-se a toda sorte de abusos, suportando desde a exploração exaustiva de suas forças físicas na realização dos piores trabalhos, privação de suas alimentações, chegando a sevícias sexuais. Conclui-se que os pequenos eram considerados pouco mais que animais.

Ao lado da exploração dos filhos dos portugueses já nas embarcações, é possível afirmar, sem qualquer medo de errar, que os pequenos nativos também sofreram tais abusos.

À época da escravidão, os filhos dos escravos recebiam o mesmo tratamento de seus pais, não lhes sendo permitido, na maioria das ocasiões, nem o amparo materno em sua infância.

Com a abolição da escravatura, já no século XX, deu-se início ao emprego da mão-de-obra de crianças e adolescentes nas fábricas, seguindo um pouco mais tardiamente, a ausência total de direitos, nos moldes daquilo que a Europa já havia presenciado com a sua Revolução Industrial.

Somente com a chegada da República, em 1889, a preocupação com a regulamentação do trabalho envolvendo os menores tomou algum corpo, desaguando nos diplomas legais que serão alinhados a seguir.

3.2.Evolução dos Instrumentos de Proteção ao Trabalho Infantil na Legislação Pátria

O primeiro instrumento legislativo com vistas à regulamentar o labor de menores no Brasil foi o Decreto n.º 1313 de 1891, que em seu bojo trazia medidas tendentes à disciplinar a atividade de crianças e adolescentes nas fábricas, proibindo o trabalho infantil na maquinação e em faxinas, e vetando a admissão dos menores de doze anos, ressalvando a aprendizagem para aqueles que fossem maiores de oito anos. Porém, embora com dispositivos dotados de um teor protetivo elevado, jamais foi regulamentado, e suas diretrizes não foram colocadas em prática. [21]

A notícia da primeira tentativa parlamentar de proteção ao labor de crianças e adolescentes chega com o Projeto n.º 4-A, de 1912, que deveria regular o trabalho destes sujeitos, proibindo o ingresso dos menores de dez anos, assim como limitando o tempo de atividade, para pessoas entre os dez e quinze anos, a seis horas diárias, condicionando, ainda, a admissão destes a apresentação de exame médico e certificado de frequência anterior em escola primária. [22]

Durante os primeiros anos da República, a tutela do trabalho das crianças e adolescentes encontrou resistência de muitos parlamentares que se escondiam atrás de um argumento que transferia a responsabilidade estatal sobre a matéria para os pais, detentores do pátrio poder, o que acabou por gerar inúmeros diplomas legais sem nenhuma efetividade.

Em 1927, foi aprovado, com o Decreto n.º 17.943-A, o chamado Código de Menores Brasileiro, o qual em seu capítulo IX tratava do labor infanto-juvenil, apregoando, dentre outras proibições, o trabalho para menores de doze anos de idade e a labuta noturna para os menores de dezoito anos. Tal diploma perdurou até o ano de 1979, quando foi revogado pelo Novo Código de Menores, que em suas linhas gerais manteve o mesmo equívoco de seu antecessor, qual seja, tratar, na realidade, apenas da criança em situação irregular (os órfãos ou os chamados "pequenos delinquentes"), considerando que a situação de dependência não ocorria por fatores estruturais, mas sim da orfandade (acidente) e da incompetência das famílias ao não conseguir criá-la.

Merece destaque, no período de vigência do Código de Menores, a sistematização, no ano de 1943, de toda a legislação trabalhista que existia até então, entrando em vigor a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), prevendo, dentre outras disposições, que a idade mínima para o labor era catorze anos.

Aportando no momento hodierno, é possível arrazoar que o país evoluiu em temas de tutela ao labor infantil, possuindo, indubitavelmente, uma doutrina normatizada de proteção integral e prioridade absoluta à criança e ao adolescente, pautada na defesa da dignidade desses sujeitos.

3.2.1 A Doutrina da Proteção Integral

A origem da doutrina de proteção integral à criança e ao adolescente encontra guarida em princípios norteadores desta especial tutela.

Nesse sentido, esses desempenham, pois, uma tríplice função: a) fundamentadora, à medida que inspiram o legislador e servem de alicerce às normas positivas por ele adotadas; b) normativa, porque atuam de forma supletiva, suprindo as lacunas do ordenamento; c) interpretadora, pois se constituem como instrumento de orientação do aplicador da norma, que deles não pode prescindir na descoberta do seu verdadeiro sentido. [23]

Analisando o rol de princípios especificamente reservados ao Direito do Trabalho, pode-se apontar como ápice, o nomeado Princípio da Proteção Integral ao trabalhador, correlacionado ao Princípio da Igualdade e também encontrando lastro no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

No contexto determinado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, a par de outras legislações anteriores, foi adotada pela Organização das Nações Unidas, ONU, em 1989, a Convenção sobre os Direitos da Criança, visando oferecer à criança e ao adolescente o respeito a seus direitos humanos, exteriorizando os Princípios da Prioridade Absoluta e da Proteção Integral ao trabalhador infanto-juvenil e, neste sentido, o respeito absoluto à sua dignidade de ser humano especial, por estar ainda em franco desenvolvimento físico, mental e social.

São exemplos inequívocos da aplicação desta doutrina no Brasil, o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, a CLT, que em seu capítulo IV, dedica-se exclusivamente ao trabalho do menor, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069 de 13 de julho de 1990), notadamente no disposto em seus artigos 3º e 4º, bem como as convenções e recomendações da OIT sobre o trabalho pueril ratificadas pelo país, dentre as quais, se destacam a Convenção n.º 138 [24], complementada pela recomendação n.º 146 [25], regulamentando a idade mínima para o trabalho, e a Convenção n.º 182 [26], complementada pela recomendação n.º 190 [27], versando sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil e a ação imediata para a sua eliminação.

Ante ao exposto, pode-se balizar o quão diferenciado é, nos dias atuais, o tratamento oferecido pela legislação à criança e ao adolescente nas mais diversas searas, não o sendo diferente, no campo dos direitos laborais.


4 DA TUTELA ESPECIAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NA ESFERA TRABALHISTA

No que tange à tutela especial dos direitos da criança e do adolescente no ambiente laboral, pode-se afirmar que o processo de conquista destes direitos foi árdua e penosa, atravessando etapas onde a ausência total de direitos, fazia parte do quadro percebido nas relações de trabalho envolvendo os menores, suprimindo, desta feita, qualquer possibilidade de dignidade.

Assim, a grande questão que pode ser suscitada neste ponto gira em torno de se compreender o fenômeno da atribuição de direitos especiais a determinados indivíduos ou grupos sociais, compreendendo a multiplicidade de direitos, a partir do reconhecimento da diversidade de sujeitos, levando à compreensão dos fundamentos do direito à (des)igualdade.

4.1 Direito Fundamental à (Des)Igualdade

Neste momento cabe o esclarecimento de que o processo de multiplicação dos direitos acontece a partir de uma alteração do conceito sobre o homem, que deixa de ser genérico partindo para suas especificidades relacionadas à idade, ao gênero, e às suas condições físicas e psicológicas. Com fulcro nestas especificidades há diferenças em termos de direitos, fazendo com que se proceda a um tratamento e uma proteção desigual. Acompanhando esse raciocínio, "a mulher é diferente do homem; a criança do adulto; o adulto, do velho; o sadio, do doente; o doente temporário, do doente crônico; o doente mental, dos outros doentes; os fisicamente normais, dos deficientes etc." [28]

A tutela da diferença não é utópica, habitando as sociedades de forma rotineira, uma vez que todas as culturas tendem a fazer a distribuição de pessoas e grupos sociais entre dois princípios competitivos de vinculação hierárquica, a igualdade e a diferença – cabendo a uma política emancipatória de direitos humanos, o dever de distinguir entre a luta pela igualdade e a luta pelo reconhecimento igualitário das diferenças. [29]

Na seara jurídica, acompanhando o ideário acima, ocorreu a transição do Estado de Direito, balizado pelo Princípio da Legalidade, para o Estado Democrático de Direito ou Estado Constitucionalista, pautado no Princípio da Constitucionalidade, passando a igualdade a ser vista não somente sob o ponto de vista formal, mas sim, sendo observada sob o prisma material, indo ao encontro do direito de prestação positiva do Estado, que precisa, indubitavelmente, tratar de forma desigual os desiguais em busca de um maior equilíbrio nas esferas econômica e social, proporcionando aos mais diversos sujeitos de direitos, uma existência digna, valorizando seus direitos fundamentais.

Dentre os direitos fundamentais, recebe inegável destaque a cláusula da isonomia, na medida em que é tida como "signo fundamental da democracia". [30]

A isonomia, indubitavelmente, acaba por ser o centro do Estado Social e de todos os direitos advindos de sua ordem jurídica. De todos os direitos fundamentais a igualdade é o que mais tem se elevado em relevância no Direito Constitucional atual, sendo, como não poderia deixar de ser, o direito-guardião do Estado Social. [31]

4.1.1 Índoles Formal e Material do Direito Fundamental à (Des)Igualdade

A compreensão acerca do direito fundamental à igualdade deve observar suas dimensões formalematerial. Os textos constitucionais originados após e com fundamento nas revoluções estadunidense e francesa recepcionavam o Princípio da Isonomia apenas em sua dimensão formal, significando a igualdade da lei para todos, sem a admissão de privilégios, percebendo o mesmo valor a todos perante os textos legais, com a proibição de qualquer espécie de discriminação.

Trata-se, pois, a igualdade, em sua vertente puramente formal, de corolário de dimensão negativa, na medida em que afasta o tratamento desigualitário do ordenamento jurídico, não propondo qualquer ação que possa mitigar as desigualdades no plano fático. E, diante desta visão negativista, o princípio da igualdade não oferta espaço senão para a aplicação categoricamente igual da norma jurídica, sejam quais forem as diferenças e semelhanças passíveis de verificação entre os sujeitos e as situações em análise. [32]

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A compreensão do atual artigo 5º, caput, da Constituição brasileira de 1988, que expressa a igualdade em seu aspecto formal, não pode ser restritiva, devendo, pois, ser realizada em conjunto com outras normas constitucionais, especialmente com as chamadas exigências de justiça social. [33]Do que se infere que a dimensão essencialmente formal da igualdade é insuficiente, não encontrando guarida na atual concepção de Estado Democrático de Direito. Daí porque o texto constitucional pátrio quis aproximar as dimensões formal ematerial da isonomia, uma vez que não se limitou ao mero enunciado da igualdade perante a lei, trazendo vedações a distinção de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação. [34]

Em outra via, a concepção material do direito fundamental à igualdade encontra pilares no conhecido pensamento filosófico de Aristóteles, segundo o qual, deve-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Pensamento que, incorporado ao discurso jurídico, oferece subsídios para que se possa apreender o significado da cláusula geral da igualdade, com a vinculação do ideal de igualdade à noção de justiça. Embora secular, o enunciado aristotélico acerca da igualdade ainda é, para muitos, insuficiente para solucionar a questão da igualdade, uma vez que, passa a gerar questionamentos acerca de se saber ao certo quem são os iguais e os desiguais perante o ordenamento jurídico.

Ao contrário de sua espécie formal, a índole materialousubstancial da cláusula da igualdade, além da não discriminação diante da lei, pugna por uma atitude positiva por parte do Estado, na direção de que sejam promovidas oportunidades a todos, via de suas normas e políticas públicas, objetivando a redução das desigualdades.

Nesta torre de idéias, mulheres, crianças, afro-descendentes, migrantes, portadores de alguma deficiência, dentre outras categorias vulneráveis, devem ser vistas nas especificações e peculiaridades de sua condição social, surgindo, ao lado do direito à igualdade, o nomeado direito à diferença, assegurando-lhes trato especial. [35]

Baseando-se, pois, na subdivisão da isonomia (formal e material), orientada a certo modo pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, é que mecanismos de proteção ao menor trabalhador foram criados, de forma oportuna, no intuito de minimizar a desigualdade verificada quando da relação laboral envolvendo esses especiais atores.

Destarte, é dever da sociedade promover a integração à sociedade daqueles que se encontram em situação de real desigualdade, fomentando a igualdade de fato, cabendo, sob outra via, ao Estado, a incumbência de se comprometer com ações que garantam às crianças e adolescentes o acesso a seus direitos em todos os níveis sociais, reconhecendo-os como sujeitos dotados de prioridade absoluta.


5 DA EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Ante ao exposto até este momento, percebe-se que, ao menos na teoria e no corpo legislativo, os avanços concernentes à especial proteção da criança e do adolescente foram muitos. A questão que merece ser colocada neste estudo se refere aos mecanismos ou instrumentos que, na prática, conferirão aos menores infantes a garantia de seus fundamentais direitos já previstos no vasto arcabouço jurídico existente sobre o tema. Acerca dos direitos fundamentais, é elucidativa a lição de Sarlet [36], para quem, os mesmos são todos os previstos no ordenamento jurídico nacional, dotados de suficiência, relevância e essencialidade.

Destarte, é preciso questionar a eficácia dos direitos fundamentais. E, sabendo da amplitude desta missão, a pesquisa realizará, nas linhas subsequentes, um corte epistemológico, abordando por hora, a questão da eficácia social dos direitos fundamentais, no âmbito das relações privadas (horizontais), no contexto brasileiro.

5.1 A Eficácia Social dos Direitos Fundamentais das Crianças e Adolescentes nas Relações Trabalhistas

Explica-se o recorte proposto, uma vez que a relação entre o Estado e o particular não demanda maiores divergências. "Essa dimensão dos direitos fundamentais não é objeto de controvérsia, uma vez que é ampla a aceitação de que o estado deve respeitar e assegurar, de forma eficaz, esses direitos" [37]. Cabe, pois, maior atenção ao campo das relações entre empregado e empregador, in casu, os particulares envolvidos.

Antes de prosseguir, faz-se indispensável anotar o esclarecimento de que o trabalhador pueril, antes da tutela especial que recebe pela sua condição peculiar, é considerado na relação empregatícia como um particular, razão pela qual este tópico merece atenção ímpar.

Os direitos fundamentais originam-se da necessidade de se garantir os interesses do cidadão em face do Estado, perante a disparidade de poder verificável entre ambos.

Todavia, de acordo com a lição de Virgílio Afonso da Silva [38], esta visão limitada provou-se rapidamente insuficiente, pois se percebeu que, sobretudo em países democráticos, nem sempre é o Estado que significa a maior ameaça aos particulares, mas sim outros particulares, sobretudo aqueles dotados de algum poder social ou econômico.

Em seu magistério sobre o tema, o autor [39] aduz que o maior complicador nesta nova situação reside na constatação de que é impossível simplesmente transportar a racionalidade e a forma de aplicação dos direitos fundamentais da relação Estado-particulares para a relação particulares-particulares, especialmente porque, no primeiro caso, apenas uma das partes envolvidas é titular de direitos fundamentais, enquanto que, no segundo caso, ambas o são, o que naturalmente vai resultar numa intensificação da complexidade da questão suscitada.

A Carta Constitucional Brasileira de 1988 incluiu em seu artigo 7º um extenso rol de direitos trabalhistas como fundamentais, e, apesar de seu próprio texto afirmar que os direitos fundamentais têm aplicação imediata (artigo 5º, parágrafo 1º), a amplitude deste comando gera debates doutrinários e jurisprudenciais, notadamente, se consideradas as diversas posições do direito comparado.

Sobre o tema, leciona Sarmento [40], com absoluta propriedade, que os princípios fundamentais incidem, inclusive, na hipótese de relações jurídicas em que não se observa a desigualdade entre as partes, tendo em vista a aplicabilidade universal do princípio da dignidade da pessoa humana.

As relações privadas, notadamente aquelas que envolvem o trabalho humano, podem ensejar diversas situações em que há possibilidade de violação aos direitos fundamentais, onde existe desigualdade entre as partes. Empregado e empregador pactuam um contrato individual de trabalho, mas devido ao maior poder econômico do qual usufrui o empregador o empregado acaba por aderir às clausulas contratuais, sempre limitadas pelos direitos constitucionais dos trabalhadores. O trabalhador goza da titularidade de seus direitos fundamentais, dentre os quais, ganham destaque o direito à segurança, à saúde, à informação e à intimidade no ambiente laboral.

Também merece destaque o pensamento de Steinmetz [41], contribuindo com o estabelecimento de um critério para sopesar os direitos no caso concreto, utilizando o Princípio da Proporcionalidade ofertando prevalência em "prima face" ao direito fundamental quando há inequívoca desigualdade entre as partes.

Ainda nesta esteira, acompanhando a desigualdade, surgem as situações de abuso do direito. Não raras vezes, o empregador exacerba seu poder de direção da prestação dos serviços, impondo condições de trabalho que acabam por representar uma violação aos direitos fundamentais do trabalhador, e, nas relações de emprego envolvendo as crianças e adolescentes, isto pode ocorrer, quando, v.g., a proibição da jornada de trabalho dos menores de dezoito anos não é respeitada, ou, em situações de descumprimento dos preceitos legais da aprendizagem, e, ainda ferindo as previsões de não discriminação do emprego da mão-obra-infantil em relação aos seus vencimentos.

No recorte requerido pelo estudo em tela, a relação de desigualdade é ainda mais acentuada, devido à peculiaridade das crianças e adolescentes trabalhadoras, o que poderia ensejar maior facilidade na compreensão do tema, dada a existência de uma doutrina que confere proteção integral e absoluta a esses sujeitos, conforme o demonstrado em linhas pregressas.

Do exposto, é preciso firmar o entendimento de que abaliza normativa só terá eficácia na sociedade com a garantia dos direitos fundamentais também nas relações firmadas entre particulares, conservando, com isto, os níveis que se fizerem necessários para que seja resguardada a pessoa daquele que trabalha, in casu, a criança e o adolescente.

Não havendo, pois, dúvida a respeito da existência de uma doutrina de efetivação imediata dos direitos fundamentais do trabalhador nas relações privadas no Brasil, nomeadamente, dos trabalhadores pueris, torna-se imprescindível, a busca por caminhos que salvaguardem tais direitos no cotidiano destes jovens cidadãos.

O cenário hodierno envolve novos problemas e a procura por novas soluções. Assim, a humanidade que adentra o século XXI cercada por inúmeras transformações e progressos nas áreas da ciência, tecnologia e indústria não pode guiar-se pelo mesmo pensamento arcaico difundido nos séculos passados, segundo o qual, o trabalho infantil significava maiores lucros, e, sua erradicação era algo tardio e dificultoso em virtude das demandas de um sistema capitalista.

Os desafios postos passam pela compreensão do problema sob o viés da utilização de mecanismos que fomentem a concretização dos preceitos já normatizados, tornando-se urgente o aprofundamento dos debates sobre a implementação de políticas públicas [42] que, de fato, alterem o quadro atual, realizando, neste sentido, o que preceituam as Convenções da OIT sobre o tema, ou seja, erradicando o trabalho infantil em suas modalidades degradantes e prejudiciais.

Não se afirma aqui que a situação é a mesma dos tempos da Revolução Industrial, pois, se assim o fosse, esta análise, cerca de dois séculos após sua eclosão, não teria nenhuma razão de ser. Porém, se num contexto histórico como o vivido contemporaneamente não forem dados os passos decisivos em direção à plena valorização da dignidade da pessoa humana, um estudo acerca do papel da Encíclica Rerum Novarum para a proteção especial do labor infantil, dentro de alguns anos, poderá se transformar em algo absolutamente inócuo.

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Sobre o autor
Rodrigo Cogo

Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU)<br>Professor dos Cursos de Graduação em Direito e Pós Graduação em Direitos Humanos da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COGO, Rodrigo. Tutela especial do trabalho da criança e do adolescente no Brasil.: Uma análise a partir da encíclica Rerum Novarum. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2921, 1 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19443. Acesso em: 16 abr. 2024.

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