Artigo Destaque dos editores

Intimação pessoal da Fazenda Nacional mediante entrega dos autos (artigo 20 da Lei nº 11.033/2004) em face da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

Exibindo página 2 de 3
19/07/2011 às 07:28
Leia nesta página:

2.Análise crítica da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

Antes de adentrar, criticamente, no mérito da análise do Superior Tribunal de Justiça, é preciso esclarecer que a questão em análise é notadamente constitucional, já que o único fundamento jurídico para justificar a não aplicação, pelo Poder Judiciário, de uma norma legal válida e vigente é a sua inconstitucionalidade. Assim, a questão passa pela adequação da norma legal à Constituição Federal, o que, em última e conclusiva análise, depende da apreciação do Supremo Tribunal Federal. A repartição de competências, e de funções primordiais, entre o STJ e o STF é salutar. Nada obstante a possibilidade normativa de análise constitucional pelo STJ, o resultado desta competência, a conclusão em si, deve ser restrita ao próprio Tribunal. É caso, pois, de jurisprudência relativa, diversamente do que ocorreria no caso de questão exclusivamente (de legislação) federal, quando a decisão definitiva é do STJ.

Tratando-se de questão constitucional, a autoridade judicial para proferir a decisão definitiva é o Supremo Tribunal Federal. Portanto, antes da decisão do STF, analisando de forma conclusiva a questão, a jurisprudência do STJ, bem como de qualquer outro Tribunal, deve ser lida como mero indicativo, não como precedente a ser seguido. Após a ponderação acima, essencial, passa-se a análise da decisão do STJ no incidente de inconstitucionalidade, que foi pautada nos fundamentos já expostos.

2.1.Análise jurídica

A Constituição Federal enuncia a igualdade de todos perante a lei. O princípio da igualdade tem um conteúdo político e ideológico, evitando que a lei origine privilégios desarrazoados ou perseguições pessoais. Contudo, conforme lição de Aristóteles, o princípio da igualdade não confere tratamento completamente idêntico a todas as pessoas, devendo levar em consideração as diversidades e especificidades de cada um [06].

Vale dizer: o direito deve distinguir pessoas e situações distintas entre si, a fim de conferir tratamentos normativos diversos a pessoas e a situações que não sejam iguais. [...]

Por isso mesmo pode, a lei --- como qualquer outro texto normativo --- sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a um tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. [07]

A medida do tratamento desigual e a escolha do fator de distinção são questões que ensejariam um tratado. Como o presente trabalho não tem este objetivo, tentaremos expor o problema de forma sintética. Celso Antonio Bandeira de Mello propõe os seguintes questionamentos:

[...] qual o critério legitimamente manipulável, sem agravos à isonomia, que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados para fins de tratamentos jurídicos diversos? Afinal, que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de situações e de pessoas, sem quebra e agressão aos objetivos transfundidos no princípio constitucional da isonomia? [08]

Conforme voto do Ministro Eros Grau no precedente citado [09]:

Procurando dar resposta à indagação à respeito de quais situações e pessoas podem ser discriminadas sem quebra e agressão aos objetivos transfundidos no princípio constitucional da isonomia, a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão toma como fio condutor o seguinte: "a máxima da igualdade é violada quando para a diferenciação legal ou para o tratamento legal igual não seja possível encontrar uma razão razoável, que surja da natureza da coisa ou que, de alguma forma, seja compreensível, isto é, quando a disposição tenha de ser qualificada de arbitrária". [...]

E os seguintes fatores devem ser considerados: a) razoabilidade da discriminação, baseada em diferenças reais entre as pessoas ou objetos taxados; b) existência de objetivo que justifique a discriminação; c) nexo lógico entre o objetivo perseguido e a discriminação que permitirá alcançá-lo.

Celso Antonio Bandeira de Mello, em obra citada, conclui que a constitucionalidade das diferenciações legais depende, de início, da existência de justificativas razoáveis e objetivas. Alem disso, necessário que a distinção normativa seja razoável, proporcional e que os meios legalmente escolhidos sejam adequados à finalidade perseguida. Em conclusão semelhante, tem-se que:

A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, [...] devendo estar presente uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado. [10]

Deste modo, a análise da legitimidade da discriminação passa pela análise da proporcionalidade da medida adotada em relação à finalidade pretendida e aos demais valores sacrificados [11]. Neste ínterim, em razão do interesse público que tutela e de especificidades inerentes a sua organização burocrática, é forçoso concluir que a Fazenda Pública ocupa posição distinta daquela ocupada pelos particulares. Ao litigar em juízo, os presentantes da Fazenda Pública estão defendendo o erário:

Ora, no momento em que a Fazenda Pública é condenada, sofre um revés, contesta uma ação ou recorre de uma decisão, o que se estará protegendo, em última análise, é o erário. É exatamente essa massa de recurso que foi arrecadada e que evidentemente superar, aí sim, o interesse particular. [12]

Necessário destacar, ainda, a dificuldade dos Procuradores na obtenção de elementos de defesa para resguardar o interesse público dos entes que presentam [13].

[...] a Fazenda Pública e o Ministério Público, pela relevância, multiplicidade e complexidade de suas funções, necessitam, em bem da própria coletividade, em bem do interesse público, que se lhes dê mais tempo para a defesa dos seus interesses em juízo. Dependem elas de informações dos mais variados departamentos, divisões, seções, de pareceres de seus técnicos, de autorizações de seus dirigentes. [14]

A Fazenda Pública, e em especial a Fazenda Nacional, por sua importância na estrutura administrativa, tem prerrogativas que a diferenciam do particular litigante.

À Fazenda Pública e ao Ministério Público atribui o Código, aqui e ali, vantagens sobre o litigante particular: [...]. Trata -se de diretriz tradicional no direito brasileiro, criticada por alguns, mas justificada, ao menos em princípio, pelas próprias peculiaridades dos referidos entes. Até certo ponto, é razoável considerar que a desigualdade formal, aí, espelha uma desigualdade substancial e, por conseguinte, a rigor não se choca – mas, ao contrário, se harmoniza – com o postulado da igualdade. [15]

Em razão da burocracia inerente às atividades dos entes públicos, as prerrogativas legais criadas em seu favor são constitucionais, efetivando o princípio da igualdade, já que isonomia, conforme exposto, também é tratar desigualmente os desiguais [16].

Além de estar defendendo o interesse público, a Fazenda Pública mantém uma burocracia inerente à sua atividade, tendo dificuldade de ter acesso aos fatos, elementos e dados da causa. O volume de trabalho que cerca os advogados públicos impede, de igual modo, o desempenho de suas atividades nos prazos fixados para os particulares. [17]

Assim, "[...] o fundamento extralegal do benefício está na especial proteção que a lei dá, em várias passagens, à Fazenda Pública, em virtude dos interesses que defende e das dificuldades burocráticas de atuação [18]". Como decorrem da proteção ao interesse público e são fundamentadas nas especificidades da natureza, organização e finalidades do Estado, as prerrogativas diferenciam-se dos privilégios, instituídos para proteção de interesses pessoais, sendo exceção ao regime comum da igualdade, já que, por vezes, o interesse do indivíduo deve ceder ao interesse social [19].

De certo, as razões existentes para justificar as prerrogativas são fortes o suficiente para conferir que a desigualdade legal inserta do ordenamento jurídico teve por fundamento igualar, em tempo real, as partes no processo. E, evidentemente, não se precisa vivenciar o problema internamente para entender que a defesa da Fazenda Pública, em razão da complexa organização da máquina administrativa, sufocada, ainda, pelas sujeições legais e regulamentares, impõe tempo superior ao conferido ao particular. Se a lei não lhe conferisse prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer seria impossível reunir todos os elementos jurídicos necessários à fabricação da peça processual pelos representantes judiciais da União, Estados, Municípios, Distrito Federal, suas autarquias e fundações públicas, fato que somente viria prejudicar a sociedade, eis que reiteradas perdas judiciais, a nível orçamentário, podem representar sério risco fiscal [20].

Para José de Albuquerque Rocha [21], "o Estado apresenta uma estrutura sem paralelo no mundo das organizações, que se manifesta na grande intensidade de seu poder onipresente e na existência de um colossal aparato burocrático [...]":

Assim, os poderes processuais diferenciados dispensados ao Estado em juízo, longe de determinar um privilegio, realizam, ao contrário, uma situação de substancial paridade, já que, em tese, são instrumentos indispensáveis ao seu adequado aparelhamento para a defesa do interesse público, qualificado pela Constituição como prioritário, justamente, por exprimir interesses abrangentes da sociedade, ao contrário do privado que, de regra, só leva em conta conveniências particulares, segmentadas e dependentes.

Em outras palavras:

[...] os privilégios processuais [...] tornam evidente que a Fazenda Pública, em todos os momentos processuais alberga um interesse público, daí porque goza de um tratamento diverso dos particulares. Tal desigualdade, ao contrário do que pareça, resulta necessariamente do princípio constitucional da igualdade; a desigualdade não é repelida; o que se rechaça é a desigualdade injustificada, carente de conexão lógica para a realização do fim jurídico buscado, sobretudo quando este fim jurídico e estes privilégios têm lugar reservado no ordenamento processual vigente. [22]

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Assim, a realização efetiva do princípio da igualdade, com a distinção de tratamento diferenciado aos desiguais, aliada ao fato de ser a Fazenda Pública defensora do interesse público, justifica as prerrogativas das pessoas jurídicas de direito público, garantindo, pois, sua constitucionalidade [23]. Dentre estas prerrogativas, a Lei n° 6.830, de 22 de setembro de 1980, no "caput" do artigo 25, dispõe que: "Na execução fiscal, qualquer intimação ao representante judicial da Fazenda Pública será feita pessoalmente". A Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, determinou, no seu artigo 6º, que a intimação de qualquer membro da Advocacia-Geral da União deve ser feita pessoalmente. Ocorre que, quando se trata dos Procuradores da Fazenda Nacional, há disposição legal ainda mais específica, determinando o modo pelo qual deve ser realizada essa intimação pessoal: mediante entrega dos autos com vista, nos termos do art. 20 da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004.

O objetivo da intimação pessoal com vista dos autos é conceder aos Procuradores da Fazenda Nacional o máximo de segurança e certeza na atuação judicial, facultando-lhes o manuseio dos autos, o exame do processo em sua integralidade. Esse nível de proteção não se verifica na intimação pessoal mediante simples comunicação do Oficial de Justiça (muito menos na intimação por carta), quando, em regra, sabe-se apenas a decisão do Juízo ou, no máximo, alguns dados processuais. Com a intimação nos autos, o presentante da União consegue ter uma visão omnicompreensiva do processo, de todas as suas fases, o que, certamente, confere maior segurança a sua atuação judicial, principalmente quando se leva em consideração o altíssimo número de processos atribuídos a cada Procurador da Fazenda, tornando humanamente impossível uma eventual lembrança dos dados de cada caso em que atua.

A mera ciência de uma decisão judicial, ainda que efetivada por Oficial de Justiça, não concede a devida segurança à atuação judicial dos Procuradores da Fazenda Nacional. O artigo 20 da Lei nº 11.033/04 surge envolto nesta teleologia. Devem ser consideradas, assim, as peculiaridades da atuação da Fazenda Pública em relação às pessoas de direito privado, especialmente pelo interesse defendido na sua atuação; e as peculiaridades da Fazenda Nacional, notadamente o elevado número de processos em que atua. Portanto, o princípio da isonomia, materialmente, restou prestigiado pelo art. 20 da Lei nº 11.033/04, diferentemente do que concluiu o STJ.

Por outro lado, se a presente norma não for considerada constitucional, questiona-se porque seria constitucional a intimação pessoal simples, sem a entrega dos autos. Inexiste diferenciação substancial entre a intimação pessoal com e sem entrega dos autos. Se a intimação pessoal mediante entrega dos autos for considerada inconstitucional, não há como, juridicamente, sustentar a constitucionalidade da intimação pessoal em si. Contudo, a intimação pessoal do presentante do ente público, desde que não envolva remessa dos autos, é legalmente assegurada e aceita pela jurisprudência – ainda que única distinção, não substancial, entre as duas normas é que a segunda pode trazer, como consequência, um aumento do trabalho cartorário.

Também não há que se falar em inconstitucionalidade da norma porque cria distinções de tratamento entre as Fazendas. Primeiro, porque não tem o STJ – nem qualquer outro Tribunal, exceto o Supremo Tribunal Federal – a competência para declarar a inconstitucionalidade abstrata de uma regra legal, apenas podendo fazê-la no caso concreto. Além disso, em eventual análise da constitucionalidade, se fosse o caso, o Supremo poderia estender a prerrogativa a outras categorias, não suprimi-la. Caberia ao STJ analisar a inconstitucionalidade da norma no caso concreto, ou, sob a ótica da igualdade, analisar se a sua aplicação traria distinções desarrazoadas entre o particular e o ente público. Tal questão já foi analisada neste trabalho, restando claro que a intimação pessoal do ente público é prerrogativa justificada. Não cabendo ao STJ declarar a constitucionalidade abstrata da norma, não caberia analisar eventuais distinções entre as Fazendas Públicas – questão que só poderia ser suscitada no Supremo.

Em todo caso, dentre as prerrogativas outorgadas aos entes públicos, pela estrutura específica de cada um, suas peculiaridades, admite-se regras que se aplicam apenas a alguns dos seus presentantes. Ora, todas as normas que determinam prerrogativas da Advocacia-Geral da União, como a Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993, e a Lei nº 9.028/95, são específicas para uma Fazenda: a Fazenda Federal, o que é plenamente constitucional, primeiro, porque cabe à União dispor sobre normas processuais (art. 22, I, Constituição Federal); depois, porque se trata de prerrogativas justificáveis, conforme já analisado neste trabalho.

Além disso, a Lei n° 6.830/80, no "caput" do artigo 25, prescreve uma forma de intimação, a pessoal, exclusiva para determinados Procuradores, aqueles que atuam nas execuções fiscais, não atingindo os demais Procuradores públicos. Trata-se de mais uma de prerrogativa legal que atinge apenas parcela dos Procuradores. Tal norma, na verdade, concretiza valores insculpidos na Constituição Federal, a qual determina a prioridade da Administração Tributária, conforme exemplifica a norma contida no artigo 37, inciso XXII. A prioridade da Administração Tributária, que, certamente, envolve os Procuradores da Fazenda, é verdadeiro princípio constitucional.

É plenamente constitucional a previsão de prerrogativas legais específicas, pelas distinções entre as Fazendas e o âmbito de atuação dos seus presentantes. A atuação territorial da Fazenda Nacional, disseminada em Juízos federais e estaduais em todo o país, exigindo um aparelho burocrático específico e altamente complexo, e o interesse público que defende, relevante para toda nação, justificam o tratamento peculiar. O próprio Superior Tribunal de Justiça reconhece o tratamento diferenciado entre as Fazendas Públicas:

No Direito Processual Civil, não gozam as Fazenda Públicas Estadual e Municipal do direito de serem intimadas pessoalmente, na pessoa de seus procuradores, prerrogativa esta somente decorrente de Lei especial, notadamente na Lei de Execução Fiscal. Fora da exceção da lei, a intimação da Fazenda Pública se dá pelo meio processual ordinário, ou seja, pela publicação do ato no órgão oficial (Diário da Justiça). Nem se cogita de invocar o preceito contido nos arts. 36 a 38 da Lei 11.033, de 21.12.2004, porquanto estes tem como destinatários os Procuradores da Fazenda Nacional, norma específica com destinatário certo. [24]

Por fim, o STJ comete um equívoco jurídico emblemático. Utilizando analogia, o STJ asseverou que nem o Ministério Público teria tal prerrogativa - da intimação mediante entrega dos autos - e, por conseguinte, os Procuradores da Fazenda Nacional também não poderiam tê-la. Literalmente, concluiu o Superior Tribunal de Justiça:

O dispositivo acaba com a intimação pessoal, já tradicional e utilizada em favor do Ministério Público e de todos os demais órgãos públicos, para instituir unicamente em favor da FAZENDA NACIONAL uma nova espécie de intimação, ou seja, a intimação pela entrega dos autos, pessoalmente, aos Procuradores da Fazenda.

Ora, o artigo 18, inciso II, alínea h, da Lei Complementar 75, de 20 de maio de 2003, determina que é prerrogativa processual dos membros do Ministério Público Federal: "h) receber intimação pessoalmente nos autos em qualquer processo e grau de jurisdição nos feitos em que tiver que oficiar". Na verdade, a prerrogativa é outorgada a todos os membros do Ministério Público, independentemente da esfera em que atuem, como se lê do inciso IV do art. 47 da Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público):

Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica: [...]

IV - receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, através da entrega dos autos com vista;

Portanto, utilizando a analogia, como o fez o STJ, mas tendo-se como base o parâmetro correto, chega-se à conclusão oposta. A Lei nº 11.033/2004 apenas estende, legalmente, aos Procuradores da Fazenda Nacional uma prerrogativa que já vigorava para outros agentes públicos federais, os membros do Ministério Público. Tal prerrogativa, portanto, sequer é novidade, pois já existia para os Procuradores da República (MPF), sendo legítimo estendê-la, legalmente, aos Procuradores da Fazenda Nacional. Aliás, com o devido acatamento à nomenclatura usual e normativa, os únicos Procuradores da coisa pública, da "res publica", são, de fato e de direito, os Procuradores da Fazenda Nacional. A conclusão, pois, é pela plena constitucionalidade da norma legal.

2.2.Análise política

Os argumentos ideológicos, políticos, operacionais, enfim, não necessariamente jurídicos contra a norma também devem ser afastados. Neste tópico, o primeiro ponto a ser analisado é a suposta dificuldade na contagem do prazo, legal ou judicial, que surgiria com aplicação da norma. Este argumento não é jurídico, já que, apesar de conseqüências jurídicas, no prazo, trata-se de dificuldade operacional do serviço cartorário. Recapitulando, o Superior Tribunal de Justiça explicou que, com a intimação mediante entrega dos autos, o prazo seria iniciado quando os autos fossem recebidos, pelo Procurador, da Secretaria do Juízo. Contudo, ponderou o STJ, quando se tratasse de prazo comum, para ambas as partes, os autos não poderiam ser entregues ao Procurador, tendo que permanecer na própria Secretaria. Deste modo, como os autos não poderiam ser entregues quando o prazo fosse comum, este prazo ficaria aberto, e a Secretaria estaria impedida de certificar o seu decurso.

Em primeiro lugar, uma dificuldade operacional, facilmente superável, não pode ser utilizada como justificativa para o descumprimento de uma regra legal. Além disso, a questão há muito está resolvida. A intimação pessoal diretamente nos autos, conforme exposto, já vigorava para os membros do Ministério Público. Portanto, basta repetir, para os Procuradores da Fazenda Nacional, a mesma sistemática que o Judiciário utiliza nas intimações de membros do Ministério Público.

Por outro lado, a Justiça Federal planicial, ao menos na área de atuação do subscritor (Subseções Judiciárias de Passo Fundo, Erechim e Carazinho, todas na Seção Judiciária do Rio Grande do Sul), cumpre, de ordinário, a regra legal com uma sistemática operacional simples e eficaz que, certamente, não "desorganiza e dificulta a atividade cartorária".

A sistemática, regra geral, é a publicação da decisão no Diário Oficial, momento em que é intimado o particular e, posteriormente, depois de expirado o prazo para ele, contado da publicação, a Secretaria determina a intimação da Fazenda Nacional, com a entrega dos autos. Portanto, até a expiração do prazo para o particular, os autos permanecem em Secretaria, garantindo o seu direito de, querendo, manuseá-los. Só depois de expirado o prazo concedido ao particular, os autos são enviados ao Procurador da Fazenda Nacional. A contagem do prazo, para o ente público, inicia-se da entrada dos autos na Secretaria da repartição. O Supremo Tribunal Federal, inclusive, já definiu, neste tipo de intimação, que o prazo se inicial no momento da entrada dos autos no serviço administrativo do órgão alcançado pela prerrogativa legal. A dificuldade, portanto, é apenas aparente.

Além disso, tratando-se de prazo comum, sempre haverá uma especificidade quando uma das partes litigantes for ente público cujo presentante tenha a prerrogativa de intimação pessoal, com ou sem autos. É que o particular, em regra, será intimado pela imprensa oficial, contando-se o prazo da publicação, enquanto o Procurador do ente público, por Oficial de Justiça ou por carta, será intimado pessoalmente, contando-se o prazo da juntada da carta ou do mandado devidamente cumpridos. Portanto, em qualquer caso, apesar do "prazo comum", o marco inicial geralmente é distinto, começando, primeiro, para o particular, com a publicação, e, posteriormente, para o ente público, depois da intimação pessoal. No final, além de inícios distintos, os prazos em si também costumam ser diferentes, já que a Fazenda Pública tem prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar.

Em qualquer caso, a sistemática exposta, adotada, em regra, pela Justiça Federal planicial, respeita a regra do artigo 40, 2º, do Código de Processo Civil, o qual determina, sendo o prazo comum às partes, que os autos somente poderão ser retirados da Secretaria em conjunto ou mediante prévio ajuste das partes. Ora, a intimação do ente público só ocorre depois de intimado particular, e o prazo, apesar de comum, inicia-se em momentos distintos – o que, conforme explicado, aconteceria de qualquer forma, já que a intimação do particular ocorre com a publicação do ato enquanto a da União será sempre pessoal. Por fim, como a norma do artigo 20 da Lei nº 11033, de 21 de dezembro de 2004, é posterior e específica, poderia revogar - ou melhor, excepcionar, neste ponto - o artigo 40, 2º, do Código de Processo Civil. A conclusão a que se chega, por um ou outro argumento, é a de que inexiste a dificuldade apontada. A regra legal deve ser cumprida.

Em outro trecho da decisão, o Superior Tribunal de Justiça informa que 80% dos processos em tramitação no Tribunal ostentam "a Fazenda Nacional como parte". Essa situação foi apontada como um dos argumentos contra a norma, na medida em que o seu cumprimento, em processos tão numerosos, acabaria tumultuando o trabalho cartorário. O alto número de processos que tem a União (Fazenda Nacional) como parte, no STJ, nos Tribunais Regionais Federais e nos Juízos planiciais, estaduais e federais, não pode ser utilizado como fundamento para afastar a norma - pelo contrário: esta situação é uma das legitimadoras da regra legal. O altíssimo número de processos que tem a União (Fazenda Nacional) como parte, conforme expôs o próprio Superior Tribunal de Justiça, é situação fática que demonstra a necessidade de tratamento diferenciado ao ente público. Inexiste parte ou escritório de advocacia que tenha uma quantidade de processos aproximada (não há sequer parâmetro de comparação) ou uma estrutura burocrática tão complexa, inerente ao aparato administrativo.

É possível que apenas um Procurador da Fazenda Nacional acompanhe milhares de processos, principalmente execuções fiscais. É impossível ser cônscio dos meandros processuais de cada um deles, e a simples leitura de cópia da decisão não trará esta consciência. É essencial a análise dos autos em cada caso. Trata-se, sempre é bom reiterar, do interesse público. Em uma interpretação teleológica, uma das razões da norma é exatamente a enorme quantidade de processos nos quais litiga a Fazenda Nacional, sendo totalmente desarrazoado que tal situação seja apontada como óbice para impedir sua aplicação. Deve ser ressaltada, ainda, a peculiaridade vivida por algumas Procuradorias específicas – muitas, aliás -, como a Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional em Passo Fundo, que engloba mais de cem Municípios em sua vasta área de atuação, incluindo Juízos federais, judiciais e trabalhistas: são três subseções judiciárias, com cinco varas federais cíveis e seis varas do juizado (adjuntas); nove varas do trabalho; e vinte e oito comarcas, onde existem quarenta e três varas judiciais. Há apenas sete Procuradores da Fazenda Nacional para atender todos estes Juízos. Em casos como esses, as prerrogativas processuais são ainda mais importantes, tornando-se literalmente essenciais, posto que a sua ausência inviabilizaria a continuidade do serviço público.

O afastamento da intimação pessoal com entrega dos autos tornaria a defesa da União meramente formal, aparente, causando, de forma clara e efetiva, um grave desequilíbrio entre as partes, uma ofensa literal ao devido processo legal. Portanto, algumas Procuradorias simplesmente não têm condições, nem humanas nem materiais, de trabalhar sem a colaboração do Poder Judiciário (no caso, simplesmente cumprindo uma regra legal válida e vigente). O magistrado é terceiro imparcial, mas não espacial, pois há de ter a sensibilidade necessária para perceber as nuanças e peculiaridades que se apresentam. Não é possível afastar a prerrogativa que a lei outorga aos Procuradores da Fazenda Nacional. Esta prerrogativa legal é essencial para o funcionamento da Procuradoria e, por consequência, para a defesa concreta do interesse público. É uma exigência fática, além de uma determinação normativa.

Pelos mesmos motivos, deve ser afastada a tese de que, nas comarcas onde não existe sede de Procuradoria, é válida a intimação por carta, postal ou precatória [25]. É absurdo afastar o cumprimento de uma norma legal simplesmente porque não há sede da Procuradoria em uma determinada Comarca. O fundamento, longe de ser jurídico, é apenas operacional – e ilegítimo. A dificuldade operacional pode ser resolvida com um simples convênio com os Correios, desde que a comarca não tenha sistema de distribuição próprio. Em todo caso, a intimação por carta, se disseminada, simplesmente impede a defesa da União. Reitere-se: a defesa não fica apenas prejudicada, fica inviabilizada. A ampla defesa, nestes casos, é ceifada, não sendo observada sequer de forma perfunctória. Portanto, ao analisar a teleologia, a axiologia, enfim, a legitimidade da norma, é forçoso concluir pela sua adequação social; e o alegado problema cartorário, que nunca poderia ser óbice para o cumprimento de uma regra legal, é dificuldade apenas aparente, de simples solução.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
João Aurino de Melo Filho

Procurador da Fazenda Nacional, Especialista em Direito Público e Mestre em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO FILHO, João Aurino. Intimação pessoal da Fazenda Nacional mediante entrega dos autos (artigo 20 da Lei nº 11.033/2004) em face da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2939, 19 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19519. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos