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O ônus da prova no processo civil moderno

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04/08/2011 às 10:31
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6. O momento de distribuição do ônus da prova

O fato de ser possível a inversão do ônus probatório, parcial ou total, traz uma nova problemática. Qual é o momento para que o juiz aplique essa distribuição diversa?

Há duas correntes, que dividem a doutrina e a jurisprudência.

A primeira corrente entende que o ônus da prova é regra de julgamento (segundo o aspecto objetivo do ônus da prova). E, por isso, o juiz deve inverter o ônus probatório na sentença, oportunidade que terá para analisar a valoração das provas, o que seria essencial para formar sua convicção quanto à necessidade da inversão. Por essa visão, as partes têm a obrigação de produzir todas as provas necessárias à formação de convicção do juiz, independentemente de carregarem ou não o ônus probatório. Esse é o entendimento atual da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

A segunda corrente, por sua vez, tem o entendimento de que o ônus da prova é regra de procedimento e deve ser invertido em momento anterior à abertura da instrução probatória ou na própria fase de instrução, pois, dessa forma, se evita surpresas às partes, e se prestigia os princípios do contraditório e do devido processo legal. Esse é o entendimento consolidado da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

O entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça começou a se consolidar por ocasião do julgamento do Recurso Especial 422.778/SP (rel. Min. Castro Filho, rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, j. 19/06/2007).

No referido julgamento, os Ministros Castro Filho, Carlos Alberto Menezes Direito e Humberto Gomes de Barros entenderam que o ônus deveria ser invertido antes da abertura da instrução probatória.

São as palavras do Ministro Castro Filho:

"Assim, a meu sentir, a inversão do ônus da prova deve ser decretada pelo juiz antes da sentença, pois se configura regra de procedimento, cuja finalidade é de possibilitar que as partes passam melhor se conduzir no processo, especialmente para que saibam a qual delas toca o ônus de produzir a prova.

Na verdade, o que não pode ser admitido é que o magistrado, presentes os requisitos do dispositivo de regência, não defira a inversão no momento da dilação probatória, para fazê-lo em outro, após passada a fase probatória, haja vista caracterizar violação ao princípio do contraditório".

Em seu voto, o Ministro também invocou ensinamentos de Humberto Theodoro Junior (in Direitos do Consumidor, 2ª ed., Ed. Forense, 2001, pg. 140-141).

Contudo, a Ministra Nancy Andrighi e o Ministro Ari Pargendler divergiram, no sentido de que o ônus da prova deve ser invertido no momento do julgamento.

Em seu voto, a Ministra Nancy Andrighi trouxe vasta jurisprudência no mesmo sentido, com ensinamentos de Kazuo Watanabe, Nelson Nery Jr., José Carlos Barbosa Moreira, João Batista Lopes, entre outros, para fundamentar seu entendimento de que a inversão do ônus da prova "é regra de julgamento" e de que "a inversão do ônus da prova no momento do julgamento da causa não ofende as garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa".

A partir de então, a 3ª Turma consolidou seu entendimento, proferindo diversos acórdãos neste mesmo sentido (REsp 949.000/ES, rel. Min Humberto Gomes de Barros, DJ 23/05/2008; AgRg nos EDcl 977.795/PR, rel. Min Sidnei Beneti, DJ 13/10/2008; AgRg no Ag 1.028.085/SP, rel Min. Vasco Della Giustina, DJ 16/04/2010; REsp 1.125621/MG, rel Min. Nancy Andrighi, J. 19/08/2010).

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, começou a firmar entendimento em sentido contrário, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 662.608/SP (rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 12/12/2006). São as palavras do relator:

"Mesmo que controverso o tema, dúvida não há quanto ao cabimento da inversão do ônus da prova ainda na fase instrutória - momento, aliás, logicamente mais adequado do que na sentença, na medida em que não impõe qualquer surpresa às partes litigantes -, posicionamento que vem sendo adotado por este Superior Tribunal, conforme precedentes".

A partir daí, outros acórdãos da 4ª Turma foram proferidos no mesmo sentido (REsp 881.651/BA, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 21/05/2007; AgRg no REsp 1.095.663/RJ, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 17/08/2009; REsp 720.930/RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 09/11/2009).

Para a Ministra Nancy Andrighi, (conforme seu voto no REsp 1.125621/MG), cumpre às partes produzir todos os meios de prova que estiverem ao seu alcance para a elucidação dos fatos, facilitando o trabalho do magistrado na realização da justiça, com base no dever de lealdade processual. Diante dessa ótica sob o aspecto objetivo do ônus da prova, a Ministra conclui não ser necessário que as partes sejam comunicadas previamente de que terão a incumbência de provar, já que têm o dever de colaboração de produzir todas as provas possíveis de qualquer forma. Ademais, entende ser prudente que o juiz decida de quem será o ônus da prova apenas quando tiver condições de valorá-las, ou seja, no julgamento.

Apesar de concordar com a posição de que as partes devem agir com base em uma conduta de lealdade processual, produzindo todas as provas necessárias para a busca da verdade real, bem como com a importância do aspecto objetivo do ônus da prova, entendo, assim como Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina [17], que a distribuição do ônus da prova no momento do julgamento não é a melhor opção.

É verdade que a decisão do magistrado apenas com base no ônus da prova, sem que tenha formado convicção quanto às questões de fato, não é o melhor julgamento, e deve ocorrer apenas excepcionalmente.

No entanto, há situações em que, mesmo o juiz aplicando todos os seus poderes instrutórios, não consegue desvendar os fatos, e permanece com a chamada dúvida insanável. E, nessas situações, aplicará a regra do ônus probatório, impondo julgamento desfavorável a quem o detiver. Quando isso ocorrer, a parte não pode ser surpreendida. Deve saber antes do julgamento que não se convencendo o juiz da veracidade dos fatos, terá ela o ônus. Mais do que isso, deve ter a oportunidade de demonstrar, ainda na fase instrutória, se for o caso, que a parte contrária é a que detém melhores condições de produzir a prova e deverá carregar o ônus.

Dessa forma, o magistrado distribui o ônus probatório por meio de decisão interlocutória, permitindo à parte que produza a prova ou tente impugnar a decisão por meio de agravo, inclusive com a possibilidade de retratação do juiz. Não se trata da questão de valorar a prova em si, mas sim de verificar quem tem as melhores condições de produzi-la.


7. Ônus da prova e custeio da prova

O ônus da prova, que é a incumbência de produzir a prova, não se confunde com o ônus de custear as provas. O Código de Processo Civil prevê regra específica para o custeio das provas, especificamente no artigo 33.

Basicamente, cada parte deve custear as provas que requerer. E o autor, deverá adiantar as provas requeridas por ambas as partes ou pelo juiz.

Em regra, por consequência lógica, a parte que detém o ônus probatório arcará com os custos da prova requerida. Entretanto, há situações em que a parte que não possui ônus de provar é quem requer a produção da prova. Neste caso, mesmo não tendo o ônus de provar, se requereu a produção da prova, deverá arcar com as suas despesas, pois a regra do artigo 33 do Código de Processo Civil se aplica de forma independente.

Nesse sentido, ementa de recente julgado do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.063.639/MS, rel. Min. Castro Meira, 2ª T, DJ 04/11/2009):

"PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. HONORÁRIOS DO PERITO. RESPONSABILIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA.

1. A simples inversão do ônus da prova, no sistema do Código de Defesa do Consumidor, não gera a obrigação de custear as despesas com a perícia, embora sofra a parte ré as conseqüências decorrentes de sua não-produção. (REsp 639.534/MT, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 13.02.6). Precedentes.

2. Recurso especial provido".

Nesse mesmo sentido, REsp 1.073.688/MT, 1ª T, rel Min. Teori Albino Zavascki, DJ 20/05/2009, REsp 661.149/SP, 3ª T, rel Min. Nancy Andrighi, DJ 04/09/2006, entre outros.

O Tribunal Paulista possui decisões no mesmo sentido, como por exemplo, Agravo de Instrumento nº 0386242-40.2010.8.26.0000, 1ª Câm. Dir. Púb., rel. Des. Castilho Barbosa, j. 24/05/2011 e Agravo de Instrumento n° 0003517-33.2011.8.26.0000, 24ª Câm. Dir. Priv., rel. Des. Salles Vieira, j. 12/05/2011.


8. A redação do anteprojeto do Código de Processo Civil.

O anteprojeto do novo Código de Processo Civil, finalizado em junho de 2010 pela comissão de juristas instituída pelo ato do Presidente do Senado Federal nº 379/2009, prevê as mesmas regras gerais a respeito do ônus da prova, incluindo ainda, a possibilidade de aplicação da teoria da distribuição dinâmica.

O texto do artigo 333 do atual Código de Processo Civil foi reproduzido, incluindo-se o termo "ressalvados os poderes do juiz", no artigo 261:

"Art. 261. O ônus da prova, ressalvados os poderes do juiz, incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor".

O parágrafo único do atual artigo 333 foi transportado para outro artigo, o de nº 263, com a ressalva de que o juiz também não poderá inverter o ônus naquelas hipóteses.

E, finalmente, o artigo 262 do anteprojeto traz a possibilidade de aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, prestigiando o entendimento de que a decisão que inverte o ônus probatório é de procedimento e não de julgamento, pois determina que o juiz observe o contraditório e dê oportunidade para que a parte, a quem foi atribuído o ônus, produza a prova. Dessa forma, com a vigência do novo Código, se essa ocorrer, o momento para a distribuição da prova diversamente da regra geral, ocorrerá na fase de instrução. Vejamos:

"Art. 262. Considerando as circunstâncias da causa e as peculiaridades do fato a ser provado, o juiz poderá, em decisão fundamentada, observado o contraditório, distribuir de modo diverso o ônus da prova, impondo-o à parte que estiver em melhores condições de produzi-la.

§ 1º Sempre que o juiz distribuir o ônus da prova de modo diverso do disposto no art. 261, deverá dar à parte oportunidade para o desempenho adequado do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2º A inversão do ônus da prova, determinada expressamente por decisão judicial, não implica alteração das regras referentes aos encargos da respectiva produção".

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9. Conclusão.

Conclui-se que numa visão processual moderna as regras gerais de atribuição do ônus da prova devem ser relativizadas, permitindo a constante busca pela verdade real.

Para tanto, permite-se que o ônus probatório seja distribuído para a parte que melhor tenha condições de produzir a prova, mesmo que esta não tenha alegado os fatos que se pretende provar. Isso pode se dar com a inversão do ônus da prova, por meio consensual, legal ou judicial, bem como com a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, também chamada de teoria das cargas probatórias dinâmicas. Tal teoria, hoje, ainda é aplicada com base na doutrina e na jurisprudência, mas contará com previsão expressa caso o anteprojeto do novo Código de Processo Civil seja convertido em lei.

O principio dispositivo não impede que o magistrado busque as provas, investigando ativamente os fatos, com a força de seu poder instrutório. Aliás, o juiz tem o dever de investigar e determinar as provas necessárias para que todas as questões de fato sejam solucionadas, e o direito objetivo possa ser satisfatoriamente aplicado ao caso concreto.

As partes, por sua vez, têm o dever de agir com lealdade processual, cooperando com a atividade da justiça, produzindo todas as provas necessárias para o deslinde da questão, sob pena de sofrerem com a atribuição do ônus da prova, e consequente perda da demanda, caso as questões de fato não sejam elucidadas. Situação esta, que deve ocorrer excepcionalmente.

Não obstante haja divergência na doutrina e na jurisprudência, parece ser mais correto o entendimento, hoje consolidado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, de que a decisão de se atribuir diversamente o ônus da prova é de procedimento e não de julgamento, e, portanto, deve ocorrer na fase de instrução, momento em que será possível à parte produzir a prova que até então não achava necessária, ou até mesmo impugnar a decisão por meio de agravo. Esse entendimento deve prevalecer com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, se o texto do anteprojeto não for modificado e for aprovado no Congresso Nacional.

A inversão do ônus não interfere nas regras de custeio das provas, que sempre obedecerão às normas do artigo 33 do Código de Processo Civil, ou seja, deve arcar com as despesas da prova a parte que a requereu, ou o autor, se for requerida por ambas as partes ou pelo juiz.

Diante de tais considerações, percebe-se que o direito processual civil brasileiro caminha na busca da garantia de uma prestação jurisdicional efetiva à sociedade, com decisões seguras, pautadas na realidade dos fatos, e não mais em presunções criadas por normas apegadas ao excesso de formalismo. E, incumbe aos operadores do direito o ônus de levar adiante e fazer prevalecer essa tendência moderna e positiva.


10. Referências bibliográficas.

[1] Teoria Geral do Processo, São Paulo: Malheiros, 2011, p. 377.

[2] Flávio Tartuce, Direito Civil – Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, São Paulo: Método, 2010, p. 62.

[3] Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo Curso de Direito Processual Civil, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 413.

[4] Ibidem, p. 414.

[5] Ibidem, mesma página.

[6] Cândido Rangel Dinamarco; Ada Pellegrini Grinover; Antonio Carlos de Araujo Cintra, op. cit., p. 70.

[7] op. cit., p.415.

[8] Código de Processo Civil Interpretado, coordenação de Antonio Carlos Marcato, São Paulo: Atlas, 2008.

[9] Ibidem, mesma página.

[10] Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 362.

[11] Teresa Arruda Alvim Wambier; José Miguel Garcia Medina, Processo Civil Moderno – Parte Geral e Processo de Conhecimento, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 248.

[12] Ibidem, mesma página.

[13] Marcus Vinicius Rios Gonçalves, op. cit., p. 419.

[14] Teresa Arruda Alvim Wambier; José Miguel Garcia Medina, op. cit., p. 251.

[15] Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni apud Ibidem, p. 250.

[16] Ibidem, p. 249.

[17] op. cit., p. 252.

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Sobre o autor
Alex Ravache

Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP; Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAVACHE, Alex. O ônus da prova no processo civil moderno. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2955, 4 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19694. Acesso em: 8 nov. 2024.

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