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A deserdação ante a ausência de afetividade na relação parental

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10/08/2011 às 11:47

Resumo:


  • O Direito de Família passou a priorizar a proteção da entidade familiar e dos seus membros, em vez de focar apenas no patrimônio.

  • A afetividade entre os membros familiares é considerada um princípio essencial nas relações familiares, sendo fundamental para a constituição e manutenção da família.

  • A ausência de afetividade na relação parental pode acarretar consequências jurídicas, como a exclusão do herdeiro da sucessão, demonstrando a importância desse princípio no Direito de Família.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. A EXCLUSÃO DO HERDEIRO DA SUCESSÃO

O tema em questão traz a hipótese de tornar legal a proibição que um herdeiro concorra à herança deixada pelo de cujus, por ser imoral que se aproveite financeiramente de seus atos praticados anteriormente, em prejuízo do autor da herança.

4.1. A exclusão de herdeiro na atualidade

No direito sucessório brasileiro, atualmente existem apenas duas hipóteses de exclusão de herdeiro da sucessão: por indignidade e por deserdação.

4.1.1. Indignidade

A indignidade é a privação do herdeiro de participar da herança por ter praticado atos que a lei reprova, como está previsto no artigo 1.814 do Código Civil:

Art. 1.814, CC. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, cuja pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge ou companheiro, ascendente ou descendente;

II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

Como se pode ver, incorre em indignidade o herdeiro que praticar crime como o homicídio ou tentativa contra o de cujus ou um de seus descendentes, ascendentes, cônjuge ou companheiro.

Outra hipótese de indignidade é o herdeiro praticar qualquer tipo de crime apenas em Juízo contra a honra do de cujus ou mesmo de seu companheiro ou cônjuge, não cabendo o fato de tê-lo feito na intimidade da família ou mesmo publicamente.

A última hipótese legal de indignidade verifica-se quando o herdeiro tenta impedir, através de fraude ou violência, que a herança seja disposta conforme o desejo do de cujus, caso em que havia testamento determinando a disposição dos bens.

Entretanto, para que o herdeiro seja declarado indigno é necessário que haja uma ação demandada por algum interessado (herdeiro ou credor da herança), com sentença declarando-o indigno, excluindo-o, por consequência, da herança.

Não obstante, a legislação não autoriza outras hipóteses de exclusão de herdeiro da herança a não ser as estabelecidas no Código Civil, a ver o Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INDIGNIDADE DE HERDEIRO. As hipóteses legais de indignidade são taxativas e não comportam ampliação ou interpretação extensiva. Os fatos narrados na inicial não se enquadram em nenhuma das hipóteses legais. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO.

Sobre a indignidade, a jurisprudência infra do STJ se refere a ação ajuizada pela sobrinha do de cujus contra esposa do falecido, em razão de maus tratos:

Trata-se de ação ordinária para exclusão de mulher da sucessão de tio, que apresentava problemas mentais por esclerose acentuada, anterior ao consórcio. O casamento restou anulado por vício da vontade do nubente, que também foi interditado a requerimento de uma das recorridas, bem como anulada a doação de apartamento à recorrente. Apesar de o recurso não ser conhecido pela Turma, o Tribunal a quo entendeu que, embora o efeito da coisa julgada em relação às três prestações jurisdicionais citadas reste adstrito ao art. 468. do CPC, os fundamentos contidos naquelas decisões, trazidos como prova documental, comprovam as ações e omissões da prática de maus tratos ao falecido enquanto durou o casamento, daí a previsibilidade do resultado morte. Ressaltou, ainda, que, apesar de o instituto da indignidade, não comportar interpretação extensiva, o desamparo à pessoa alienada mentalmente ou com grave enfermidade comprovados (arts. 1.744, V, e 1.745, IV, ambos do CC) redunda em atentado à vida a evidenciar flagrante indignidade, o que leva à exclusão da mulher da sucessão testamentária. (grifei)

A indignidade também alcança o genro, mesmo no que tange a sua meação, em caso de possível divórcio, entendimento corroborado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

MEAÇÃO. DIVÓRCIO. INDIGNIDADE. Quem matou o autor da herança fica excluído da sucessão. Este é o princípio consagrado no inc. I do art. 1595. do CC, que revela a repulsa do legislador em contemplar com direito sucessório quem atenta contra a vida de alguém, rejeitando a possibilidade de que, quem assim age, venha a ser beneficiado com seu ato. Esta norma jurídica de elevado teor moral deve ser respeitada ainda que o autor do delito não seja herdeiro legítimo. Tendo o genro assassinado o sogro, não faz jus ao acervo patrimonial decorrente da abertura da sucessão. Mesmo quando do divórcio, e ainda que o regime do casamento seja o da comunhão de bens, não pode o varão receber a meação constituída dos bens percebidos por herança. Apelo provido por maioria, vencido o relator. (grifei)

Sobre a indignidade, destaca-se a sentença proferida pelo MM Juízo da 1ª Vara de Família e Sucessões de São Paulo, sobre, talvez, o caso mais conhecido nacionalmente, onde Suzane Von Richthofen, por ter figurado como co-autora da morte de seus pais, foi excluída da herança de seus genitores.

ANDREAS ALBERT VON RICHTHOFEN moveu AÇÃO DE EXCLUSÃO DE HERANÇA em face de sua irmã SUZANE LOUISE VON RICHTHOFEN, por manifesta indignidade desta, pois teria ela, aos 31 de outubro de 2002, em companhia do seu namorado, Daniel Cravinhos de Paula e Silva, e do irmão dele, Cristian Cravinhos de Paula e Silva, barbaramente executado seus pais, Manfred Albert Von Richthofen e Marísia Von Richthofen, vez que golpearam as vítimas até a morte. Com a inicial (fls. 02/07) vieram os documentos de fls. 08/59. Houve um pedido de desistência formulado pelo autor por motivo de foro íntimo (fls. 71). Sobre este pedido o Ministério Público se manifestou pelo indeferimento (fls. 76), pois cabia ao tutor do então menor Andreas zelar pelos interesses do menor, que são indisponíveis. O pedido foi indeferido (fls. 78) e prosseguiu-se a demanda. Por seu turno, a requerida interpôs recurso contra a decisão de fls. 78. e, posteriormente, interpôs recurso pela, exceção de incompetência, tendo o Tribunal de Justiça negado provimento a ambos os pedidos (fls. 213/216 e 231/233). A requerida apresentou contestação às fls. 145/174 alegando, em síntese, que o real interesse do Autor, e de seus familiares, não é o externado quando da propositura da ação e para tanto invocou o reconhecimento de contradições, que restaram materializadas no mencionado pedido de desistência da ação. Requereu, caso não venha prevalecer o pedido de desistência, a improcedência da ação. A réplica, apresentada pelo autor às fls. 190/192, veio acompanhada com os documentos de fls. 193/216. Às fls. 257. dos autos, o requerente, ao atingir a maioridade, reiterou todos os pedidos e requereu o prosseguimento da lide com julgamento antecipado. A decisão de fls. 294. suspendeu o processo até o julgamento final da ação penal movida contra a requerida. O autor interpôs agravo de instrumento (fls. 322/327), tendo o Tribunal de Justiça mantido a decisão atacada (fls. 352/354), permanecendo os autos no arquivo. Por fim, o autor manifestou-se às fls. 337/338 e 361/363 pelo julgamento da ação, visto que a requerida já foi condenada irrecorrivelmente pela morte de seus pais, requisito para que seja excluída, pois apesar de ter interposto recursos na esfera criminal, todos os pedidos foram negados, comprovando-se o trânsito em julgado da ação penal condenatória. Juntou aos autos os documentos de fls. 339/345 e 364/399. É o relatório. Fundamento e decido. O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do disposto no artigo 330, I, do Código de Processo Civil, e a procedência da ação é medida que se impõe. Conheço desde logo do pedido, pois se trata de matéria exclusiva de direito, estando a lide definida com a condenação penal, transitada em julgado, da herdeira Suzane Louise Von Richthofen pela morte de seus pais, pela qual foi condenada a 39 anos de reclusão e seis meses de detenção. A indignidade é uma sanção civil que causa a perda do direito sucessório, privando da fruição dos bens o herdeiro que se tornou indigno por se conduzir de forma injusta, como fez Suzane, contra quem lhe iria transmitir a herança. A prova da indignidade juntada aos autos (fls. 339/345) comprovou a co-autoria da requerida no homicídio doloso praticado contra seus genitores. Assim, restou demonstrada sua indignidade, merecendo ser excluída da sucessão, sendo aplicável ao caso o inciso I, do artigo 1.814, do Código Civil que estabelece que são excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente. Conforme bem ensina Sílvio de Salvo Venosa: "É moral e lógico que quem pratica atos de desdouro contra quem lhe vai transmitir uma herança torna-se indigno de recebê-la." (Direito Civil, 4ª edição, 2004, página n° 78). Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a presente Ação de Exclusão de Herança que Andreas Albert Von Richthofen moveu em face de Suzane Louise Von Richthofen e, em conseqüência, declaro a indignidade da requerida em relação à herança deixada por seus pais, Manfred Albert Von Richthofen e Marísia Von Richthofen, em razão do trânsito em julgado da ação penal que a condenou criminalmente pela morte de ambos os seus genitores, nos exatos termos do disposto no artigo 1.814, I, do Código Civil. Condeno também a requerida a restituir os frutos e rendimentos dos bens da herança que porventura anteriormente percebeu, desde a abertura da sucessão, nos termos do § único, artigo 1.817, também do Código Civil. Condeno a requerida ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, que, diante dos critérios do art. 20, do Código de Processo Civil, fixo em 15 % sobre o valor corrigido da causa, ressalvando que tal verba será cobrada, se o caso, nos termos dos artigos 11, § 2º e 12, da Lei nº 1.060/50. Junte-se cópia deste decisório nos autos principais de inventário dos genitores do autor. P.R.I. (grifei)

Embora o herdeiro pratique atos que o habilitem para responder por indignidade, ele pode ser perdoado pelo autor da herança, capacitando-o para concorrer na sucessão, senão vejamos o que diz Cateb (2004, p. 86/87):

O perdão é um ato jurídico, uma declaração de vontade do autor da herança, unilateral, direcionada a evitar a exclusão do herdeiro ou legatário do processo sucessório. A este ato de perdão a doutrina chama de reabilitação, e produz seus efeitos a partir da emancipação do ato, independentemente da vontade dos outros herdeiros.

E ainda:

Da mesma forma, conhecendo o ofendido a causa da indignidade, cometida por certa pessoa, e, ainda assim, institui a esta como herdeiro ou legatário, deve-se entender que não se quer que tal causa se tome em conta para proceder-se à exclusão do herdeiro. Convém, também, esclarecer que o perdão nada tem a ver com o julgamento da ação penal que esteja em curso. São duas esferas distintas e a ação penal é de ordem pública, não permitindo transação. Por conseqüência, pode haver a reabilitação e a ação penal ao mesmo tempo, e, mais, com o falecimento do ofendido, o ofensor pode ser punido na área criminal e receber um legado, estabelecido pelo testador em ato de última vontade.

Observa-se que mesmo que o indigno incorra em crime disposto como excludente de sucessão, se o de cujus perdoá-lo conscientemente, o herdeiro não será proibido de receber o seu quinhão hereditário.

4.1.2. Deserdação

Outra forma de se excluir um herdeiro da sucessão é a deserdação, que "é uma cláusula testamentária, a qual, descrevendo a existência de uma causa autorizada pela lei, priva um ou mais herdeiros de sua legítima, excluindo-os, desse modo, da sucessão", nas palavras de Venosa (2008, p. 298). Observa-se as situações estabelecidas pelos artigos 1.962 e 1.963 do Código Civil:

Art. 1.962, CC. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes pelos ascendentes:

I – Ofensa física;

II – Injúria grave;

III – relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;

IV – desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

Art. 1.963, CC. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:

I – Ofensa física;

II – Injúria grave;

III – relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;

IV – desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.

Ora, infere-se do texto legal que ofensa física traz a ideia de que qualquer ato que traga algum dano físico a outrem, neste caso, do herdeiro contra o autor da herança, recai-se em deserdação.

Já a injúria grave ocorre quando o herdeiro a pratica nos termos tipificados pelo Código Penal, contra o autor da herança, entretanto, o legislador sugere que sejam declarações graves. Estas manifestações serão analisadas pelo Juiz, que levará em conta o calor da emoção dos envolvidos e a personalidade do de cujus. Outrossim, é razoável observar que não há a necessidade de a injúria ser praticada em meio a uma discussão, pois muitas vezes o herdeiro pode manifestar o seu pensamento injurioso sem a presença do autor da herança, acusando-o em meio à sociedade.

Quando a lei apresenta o inciso terceiro, do artigo em tela, descrevendo a expressão relações ilícitas, sugere a aproximação físico-emocional entre os citados na lei (herdeiros), como é o caso de adultério ou até mesmo incesto, que também figura como excludente de sucessão.

O último caso de deserdação trazido pelo Código Civil é o desamparo do herdeiro quando o autor da herança foi acometido de doença grave. O legislador tentou de certa forma castigar o herdeiro que não participou, não acompanhou o de cujus em momentos difíceis, neste caso doença mental ou enfermidade grave. Foi a forma encontrada para não prestigiar o herdeiro que agiu sem moral para com o testador.

Nota-se que, diferentemente da indignidade, na deserdação não necessariamente existe a previsão de crime tipificado pelo código penal, mas crimes cometidos pelo herdeiro contra o autor da herança na esfera moral, que obrigatoriamente ocorrem anteriormente à cláusula testamentária de exclusão da herança, pois figurará como requisito desta.

Observe a explanação dada no Acórdão abaixo sobre o conceito de deserdação.

APELAÇAO CÍVEL - AÇAO DE DESERDAÇAO - EFEITOS PESSOAIS - DESCENDENTES DO DESERDADO - HERDAM POR REPRESENTAÇAO - ART. 1816 DO CÓDIGO CIVIL -RECURSO IMPROVIDO.

A deserdação é ato do testador que visa a afastar herdeiro necessário que se revelou ingrato. Na forma do art. 1816 do código civil, os efeitos da referida exclusão são pessoais, logo, os descendentes do herdeiro excluído sucedem. Decisão unânime.

Desta sorte, veja-se a jurisprudência do STJ trazida sobre o assunto, onde os sobrinhos e herdeiros testamentários ingressaram com ação de deserdação contra o filho da autora da herança, que o deserdava em seu testamento, alegando sofrer agressões físicas, entretanto, não deixando provas de que essas agressões ocorreram antes da cláusula testamentária de deserdação:

AÇÃO DE DESERDAÇÃO EM CUMPRIMENTO A DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA.

1. Exceto em relação aos arts. 1.742. e 1.744 do Código Civil de 1916, os demais dispositivos legais invocados no Recurso Especial não foram prequestionados, incidindo os verbetes sumulares 282 e 356, do STF.

2. Acertada a interpretação do Tribunal de origem quanto ao mencionado art. 1744, do CC/1916, ao estabelecer que a causa invocada para justificar a deserdação constante de testamento deve preexistir ao momento de sua celebração, não podendo contemplar situações futuras e incertas.

3. é vedada a reapreciação do conjunto probatório quanto ao momento da suposta prática dos atos que ensejaram a deserdação, nos termos da súmula 07, do STJ.

Recurso não conhecido. (grifei)

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Vale ressaltar que a falta de afetividade torna vulnerável qualquer relação humana, tornando suscetível de se incidir em algumas das hipóteses excludentes de sucessão.

Sobre o assunto, Cateb (2004, p. 101/102) expõe seu entendimento sobre o que vem a ser a deserdação:

Deserdação de herdeiro necessário pressupõe ausência absoluta dos sentimentos primários e fundamentais, indispensáveis à relação familiar. Amor, afeto, carinho, gratidão, não são somente substantivos abstratos, mas elementos intrínsecos e imprescindíveis à sustentação da família como célula fundamental e protegida pela Constituição Federal.

Demais disso, o perdão também se aplica na deserdação, para tanto, o de cujus deve ter deixado tal desejo expresso em testamento posterior, para que determinada cláusula testamentária seja desconsiderada.

Não obstante, como na indignidade, a deserdação deverá ser ajuizada, com o objetivo de afastar da herança o herdeiro, através de sentença, não bastando o mero desejo do de cujus, mas, também, a comprovação da existência de um dos casos do artigo 1.962 do código Civil, para que produza os efeitos que estes institutos pregam. Neste sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

DESERDAÇÃO - ARTIGO 1962 CC - MOTIVOS AUTORIZADORES - NÃO CONFIGURAÇÃO. A deserdação só pode realizar-se através de testamento, mas não basta a exclusão expressa prevista na disposição de última vontade, é necessário que o herdeiro instituído no lugar do deserdado, ou o beneficiário da deserdação, promova ação judicial e prove a existência das causas autorizadoras da deserdação, nos termos do artigo 1965 do Código Civil. Sem a comprovação dos motivos alegados pelo testador para deserdação, esta é ineficaz, não ficando prejudicada a legítima do deserdado.

Ademais, cumpre destacar que com a exclusão do herdeiro da herança, este acaba sendo considerado, para o direito sucessório, como falecido, passando a seus herdeiros o direito de participarem da sucessão legítima, por meio de representação.

CIVIL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CAUSAS DE DESERDAÇÃO - CAUSAS APONTADAS NO TESTAMENTO E COMPROVADAS PELA PROVA TESTEMUNHAL - PEDIDO IMPROCEDENTE - SENTENÇA REFORMADA. EXCLUSÃO DOS HERDEIROS DOS DESERDADOS DO TESTAMENTO - IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO.

1- Tendo o falecido exarado em testamento a firme disposição de deserdar os filhos, apontando as causas da deserdação, e havendo comprovação desses fatos, deve ser mantida a disposição de última vontade do testador.

2- É incabível a discussão afeta à exclusão dos filhos dos deserdados do testamento, porque ausente legitimação dos autores para tal pleito, nos termos do art. 6º do CPC.

E:

EXCLUSÃO E DESERDAÇÃO. São pessoais os efeitos de uma e de outra, os quais, assim, não se estendem aos descendentes do excluído ou do deserdado. Prevalece o direito de representação, e os descendentes do herdeiro excluído ou do deserdado sucedem, como se ele morto fosse. A acusação caluniosa que faz perder o direito hereditário e a que se formula em juízo criminal. Ao herdeiro a quem aproveita a deserdação incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador. O proveito só pode ser o econômico, não havendo lugar para o interesse puramente moral.

Observa-se que, normalmente, para que ocorra a deserdação, há a falta de elementos constitutivos da família, essencialmente a afetividade, já vista neste artigo.

Assim, não é prudente que a tipificação da deserdação seja tão restrita como é apresentada pela legislação brasileira, em função de existir diversas e mais "modernas" situações em que envolvem a ausência de afetividade em uma família, mais precisamente entre um herdeiro e o autor da herança.

4.2. A deserdação por falta de afetividade e o PLS 118/2010

A afetividade é um dos temas mais vistos no direito de família atualmente. Desta forma, torna-se extremamente importante estudar as consequências de sua abdicação não só na família, mas em sua sucessão.

Cumpre enaltecer que o desamparo afetivo é infinitamente mais grave e violento do que o desamparo em um único momento da vida de uma pessoa, como é a previsão atual do Direito Sucessório. O Código Civil de 2002 foi antiquado ao restringir "desamparo" apenas nas hipóteses de doença mental ou enfermidade grave.

Quantas pessoas são privadas do convívio com o pai, muitas vezes nem tendo a oportunidade de conhecê-lo no decorrer da vida, e correm o risco de, ao falecerem, passarem seus bens a um desconhecido, pela simples razão de ser biologicamente descendentes daquele genitor?

Ou contrariamente, quantos pais são privados do convívio com seus filhos, por diversas razões, e deixam sua herança a quem sempre foram obrigados a ficarem distantes?

Ou mesmo a hipótese dos filhos deixarem de visitar e até de buscarem notícias dos pais, especialmente em sua velhice, demonstrando despreocupação, não só financeira, mas, principalmente, emocional com a idade avançada e os limites que ela impõe a suas vítimas?

Nestes casos não há a existência de afetividade entre herdeiro e autor da herança e, ainda assim, nem a legislação e nem a doutrina trazem soluções para tal caso: ausência de afetividade na sucessão.

Ora, a afetividade tinha que ser prevista, ou ao menos discutida, na sucessão.

Destarte, foi apresentado pela Senadora Maria do Carmo Alves o Projeto de Lei do Senado nº 118 de 2010, que altera os capítulos V e X do Livro V do Título I do Código Civil, quanto às regras de exclusão da herança, no que se refere a indignidade e a deserdação.

Como este trabalho diz respeito a deserdação, importa destacar o texto do projeto acima indicado:

Art. 1.962. O autor da herança também pode, em testamento, com expressa declaração de causa, privar o herdeiro necessário da sua quota legitimaria quando este:

I – culposamente, em relação ao próprio testador ou à pessoa com este intimamente ligada, tenha se omitido no cumprimento das obrigações do direito de família que lhe incumbiam legalmente;

II – tenha sido destituído do poder familiar;

III – não tenha reconhecido voluntariamente a paternidade ou maternidade do filho durante sua menoridade civil.

Em uma rápida leitura do artigo acima, registra-se o fato dos atuais artigos do Código Civil (1.962 e 1.963) estarem inclusos no parágrafo primeiro do artigo 1.962 do PLS, embora, as obrigações do direito de família serem muito mais abrangentes do que as situações indicadas na atual legislação vigente.

Além do cumprimento das obrigações legais, o Direito deve prever a afetividade como hipótese nas sucessões, ou seja, a ausência de afetividade deve ser requisito para se deserdar.

A justificação do Projeto de Lei dada pela Senadora para a modificação do artigo 1.962 traz:

As 03 (três) causas específicas de privação legitimaria, além daquelas previstas na indignidade sucessória, contemplam toda espécie de inadimplemento familiar, desde a prestação de alimentos até o abandono moral, como também facilita o afastamento hereditário do pai ou da mãe que tenha perdido o poder familiar ou que não tenham reconhecido voluntariamente a filiação da prole.

Projeto de Lei ainda está em tramitação no Senado, tendo sido aprovado pelo Relator Senador Demóstenes Torres, tendo realizado com seis emendas, nenhuma quanto a matéria de deserdação, proferindo o seguinte trecho no seu parecer:

No mérito, considero a matéria conveniente e oportuna, na medida em que atualiza o regime de privação da herança do direito brasileiro, pondo-o em sintonia com os mais recentes avanços da legislação estrangeira.

Atualmente, o referido projeto foi submetido à votação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, na sessão do dia 16 de março de 2011, tendo sido aprovado em caráter terminativo.

Neste diapasão, nota-se que, caso haja a aprovação do PLS 118/2010 pelo Congresso Nacional, mesmo não havendo mudança nos comportamentos paterno-filiais, pelo menos o Direito não legitimará o benefício do recebimento de herança por quem não respeitava e amava o autor da herança.

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Sobre a autora
Bruna Pessoa Guerra

Empregada pública e Advogada pós graduada em Direito civil e processo civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUERRA, Bruna Pessoa. A deserdação ante a ausência de afetividade na relação parental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2961, 10 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19722. Acesso em: 23 dez. 2024.

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