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Responsabilidade civil e vício de produtos

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10/08/2011 às 16:26
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Sumário

: 1. Introdução; 2. Responsabilidade Civil; 2.1 Breves histórico sobre responsabilidade civil; 2.2 Conceito de responsabilidade civil; 2.3 Responsabilidade objetiva e subjetiva; 2.4 Responsabilidade Subjetiva; 2.4.1 Dano; 2.4.2 Nexo de causalidade; 2.4.2.1 Exclusão do Nexo de Causal.; 2.4.3 Culpa; 2.5 Responsabilidade Objetiva; 2.5.3 Responsabilidade Civil Objetiva no Código Civil; 2.5.4 Responsabilidade Civil Objetiva no Código de Defesa do Consumidor; 3. Vícios; 3.1 Conceito de vício; 3.2 Vício e defeito – distinção; 3.3 Vício e vício redibitório – distinção; 3.4 Vício como cumprimento imperfeito do contrato; 3.5 Mecanismos reparatórios; 3.6 Excludentes de Responsabilidade; 3.6.1 Excludentes de responsabilidade de vícios; 3.6.2 Caso Fortuito e Força Maior; 4. Conclusão; 5. Referências Bibliográficas

Resumo: O Presente trabalho tem o objetivo de analisar o regime dos vícios de produtos instituído pelo Código de Defesa do Consumidor. O presente estudo ainda busca analisar os caracteres e requisitos para a configuração dos vícios, a distinção do seu regime dos vícios redibitórios do Código Civil e dos fatos de produtos. Além disso, analisará os mecanismos reparatórios trazidos pelo Código para os casos de vícios de produtos e serviços, suas formas e possibilidades. Por fim, serão analisadas as situações de excludente de responsabilidade dos fornecedores e a discussão da doutrina em relação aos casos fortuitos e força maior.

Abstract: This report aims to analyze the liability over products as defined in the code of consumer defense and protection, Law No. 8.078 of September 11th, 1990. This study also analyzes the characteristics and requirements for the configuration of the defects, the difference between the system of the consumer Law and the one in the Civil Code and the difference between defects and facts of products or services. Also, this report will examine the remedies to the consumer due to damages in cases of defects in products and services, its forms and possibilities. Finally, it will consider the situations supplier’s exclusion of liability and discussion of the doctrine in relation to acts of God or force majeure.

Palavras chaves: Código de Defesa do Consumidor, responsabilidade civil, vícios de produtos e serviços.

Key words: code of consumer defense and protection, liability, liability over products or service deffect.


1. Introdução

A Revolução Industrial foi um grande marco na história do desenvolvimento humano, sendo ela responsável pela nova forma de organização da sociedade e da cultura ocidental.

Como conseqüência mais notória, a Revolução Industrial gerou a massificação da produção (produção em série) aumentando enormemente a quantidade de produtos colocados em circulação e concebendo desta forma a "Sociedade de Consumo" conforme define Grant McCracken, isto é, a Revolução Industrial e a Sociedade de Consumo seriam os dois lados de uma mesma moeda, a primeira seria o lado da produção e a segundo o lado da demanda.

Nesta nova organização social, as relações comerciais deixam de ser feita entre pessoas em mesma condição, e passam a ser travadas entre grandes fornecedores e consumidores, aqueles preocupados em produzir mais, vender cada vez mais e lucrar ao máximo com esta operação.

Esta massificação da produção acompanhada com a intensificação do consumo multiplicaram as oportunidades de dano e o dano efetivo desta nova forma de organização da sociedade.

Além disso, o desenvolvimento econômico e tecnológico dos fornecedores associados com sua capacidade de organizacional e poder econômico permitiram a criação de um grande abismo entre a posição no mercado entre os fornecedores e os consumidores.

Nesse cenário, houve uma preocupação geral em equilibrar a posição dos fornecedores em relação aos consumidores, bem como reduzir a possibilidade de ocorrência de danos decorrentes de relações de consumos e, por fim, como permitir melhores meios de reparação dos prejuízos sofridos pelas vítimas.

O Brasil regeu a matéria no Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078/90 de 11 de setembro de 1990. Esta nova lei trouxe tratamento jurídico bastante atual às relações de consumo e principalmente preocupada com os novos desafios da proteção dos consumidores na nova sociedade capitalista industrial.

O novo diploma trouxe aos fornecedores novas obrigações a colocarem produtos e serviços no mercado, tais como o dever de informação, dever de qualidade, dever de segurança, entre outros.

A partir da vigência do CDC e desenvolvimento do micro-sistema de proteção e defesa do consumidor, ocorreu um grande avanço na proteção dos consumidores e defesa de seus interesses ante aos fornecedores.

Neste micro-sistema, novos instrumentos jurídicos foram criados para a defesa e proteção do consumidor, principalmente no que se refere a facilitação da identificação do vício, prazos para a sua solução e finalmente a reparação dos danos decorrentes.

O Vício de serviços e de produto nas relações de consumo passaram a ter uma regulamentação preocupada na defesa do consumidor, tratando como uma questão de responsabilidade objetiva e limitando as possibilidades de exclusão de responsabilidade do fornecedor.


2. Responsabilidade Civil

2.1 Breves histórico sobre responsabilidade civil

O modelo clássico da responsabilidade civil fundado na culpa, nexo de causalidade e no dano serviu de base para diversas áreas do Direito durante vários anos, e ainda hoje possui importância.

Ele deriva do conceito de Sant Tiago Dantas que é proteger a sociedade e reprimir o ilícito, mas ele vai mais além, a responsabilidade civil determina que aquele que causa um dano responde por ele.

A Responsabilidade Civil não é novidade no Direito, é um conceito que já vem se aperfeiçoando por vários séculos.

No Império Romano, não havia uma distinção clara entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal, sendo lhe imputado pena da mesma forma. Contudo a maior evolução do instituto no Direito Romano ocorreu com a ‘Lex Aquilia’, que deu origem à denominação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual.

Para os Romanos a partir da ‘Lex Aquilia’, o dano era entendido como destruição ou deterioração de uma coisa sendo aplicado uma "multa" para a compensação daquele que tinha seu patrimônio afetado, sendo tal multa calculada com o valor da coisa no mês ou no ano anterior.

Na Idade Media, a responsabilidade coletiva e a vingança privada dominavam a Europa Ocidental. Contudo foi no Direito Penal que o conceito de responsabilidade individual e culpa começam a aflorar.

Após a Revolução Francesa, como os novos ideais de liberdade individual e a edição do Código Civil Francês (Código de Napoleão) de 1.804 é que se consolida a responsabilidade civil fundada na culpa, nexo e dano conforme se depreende dos artigos:

"Art. 1.134. As convenções legalmente constituídas têm o mesmo valor que a lei relativamente às partes que a fizeram. Só podem elas, ser revogadas pelo seu consentimento mútuo, ou pelas causas que a lei admite. Devem ser executadas de boa-fé".

"Art. 1.135. As convenções obrigam não somente ao que está nelas expresso, mas ainda a todas as conseqüências que a eqüidade, o uso ou a lei derem à obrigação de acordo com a sua natureza".

A influência do código de Napoleão pode ser claramente percebida no art. 159 do CC1916: "Art.159. - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano". Do artigo depreende-se que o Responsável é aquele que por culpa (ato volitivo) causou o dano, ou seja, incorre em culpa aquele cujo ato ilícito, imoral ou descuido aparece como antecedente do dano.

O ilícito não ocorre apenas pela ação do agente, ou seja, pode ocorre mesmo na ausência dela, na omissão, na negligência, ocorre uma abstenção culposa, isto é, o agente que tinha a obrigação de agir, se omitiu frente ao ato, permitindo a ocorrência do delito.

A Revolução Industrial, entretanto, mudou esse cenário, pois dela decorreu a produção em série permitindo que uma maior quantidade de produtos fossem colocados no mercado de consumo. Este fato fez com que se aumentasse enormemente a quantidade de relações de consumos, causando a multiplicação das oportunidades e das causas de danos.

O desenvolvimento econômico e tecnológico dos fornecedores e o aumento constante da complexidade dos produtos e serviços colocados no mercado de consumo fez com que a prova da culpa se tornasse um fardo muito pesado aos consumidores que dificilmente conseguiam realizar tal prova.

Tudo isso evidenciou que a responsabilidade subjetiva mostrou-se inadequada para cobrir todos os casos de reparação, pois nem sempre o lesado consegue comprovar a conduta antijurídica do agente.

Diante deste novo cenário, uma nova teoria de responsabilidade foi-se moldando, que é a teoria da responsabilidade objetiva. Por ela, prescindi-se a necessidade de comprovar a culpa do agente, basta-se demonstrar a relação causal entre o dano e a autoria desse evento.

Nas palavras de Sanseverino: "a responsabilidade civil do fabricante por danos causados ao consumidor por produtos defeituosos passou a receber um tratamento especial por parte da doutrina a partir da segunda metade do século XX. Embora prejuízos causados por produtos ou serviços defeituosos sempre tenham ocorrido, foi no início do século XX, quando aumentou substancialmente o volume de danos ocasionados por defeitos de produtos e serviços, que a jurisprudência passou a desenvolver novas normas para responsabilidade civil por acidentes de consumo" [01].

Atualmente, no Direito brasileiro, convivemos com a responsabilidade civil subjetiva e objetiva de acordo com a situação a ser tutelada. O CDC, na tutela do consumidor, adotou o regime da responsabilidade objetiva do fornecedor e ainda restringiu as causas de exclusão de responsabilidade do fornecedor acolhendo o princípio da reparação integral dos dados.

2.2 Conceito de responsabilidade civil

Para a devida análise do tema, faz-se necessários discorrermos brevemente sobre o conceito de responsabilidade civil.

Neste sentido, segundo Cavalieri Filho [02]: "a violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja o de reparar o dano. Há assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo".

Ainda segundo Cavalieri Filho [03]: "Em seu sentido etimológico, a responsabilidade civil exprime a idéia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa idéia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é o dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico ordinário".

A Professora Maria Helena Diniz coloca que: "poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva) [04]".

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Para Nelson Nery Jr. [05], "A responsabilidade civil é a conseqüência da imputação civil do dano a pessoa que lhe deu causa ou que responda pela indenização correspondente, nos termos da lei ou do contrato. A indenização devida pelo responsável pode ter natureza compensatória e/ou reparatória do dano causado."

Nesse sentido, vale destacar o Art. 389 do C.C.: "Não cumprindo a obrigação sofrerá perdas e danos".

Isto posto, é importante diferenciar a Responsabilidade Civil Direta da Indireta. A responsabilidade direta decorre do próprio ato, ou seja, o agente descumpre e responde por tal fato.

A Indireta é aquela que decorre de ato ou fato alheio à sua vontade, mas de algum modo sob sua proteção e vigilância, ou seja, outrem descumpre mas o responsável por ele responde pelo ato.

Dessa forma, temos que a responsabilidade civil é a obrigação de compor o prejuízo, podendo ela ser originado por ato do próprio agente (direta) ou ato ou fato sob o qual tutelava (indireta).

Portanto, podemos concluir que a responsabilidade é um dever sucessivo, contraído pelo agente, que, por seus atos causa o prejuízo que se converte na obrigação de reparar os prejuízos a outrem.

2.3 Responsabilidade objetiva e subjetiva

Como vimos, a responsabilidade civil tem por elemento nuclear uma conduta voluntária violadora de um dever jurídico, então é possível classificá-la em diferentes espécies, dependendo de onde decorre esse dever e qual o elemento subjetivo da conduta.

Uma das espécies da responsabilidade civil é subjetiva ou objetiva. Será subjetiva quando ela fundar-se na culpa do agente, a qual deverá ser provada para então poder gerar a obrigação de indenizar, ou seja, o principal pressuposto dessa responsabilidade é a culpa.

Entretanto, a lei determina, em algumas e expressas situações, a obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, ou seja, trata-se da teoria dita objetiva, que prescinde da prova da culpa para que surja a obrigação de indenizar o dano. Assim, existindo o dano e o nexo de causalidade da conduta do agente, tem-se a obrigação de reparar os danos.

2.4 Responsabilidade Subjetiva

A responsabilidade civil subjetiva consiste na obrigação do agente que por comportamento humano voluntário que é exteriorizado por uma ação ou omissão deste, que vem a produz dano a outrem, ficando obrigado por sua reparação. Sendo a ação ou omissão o aspecto físico ou objetivo da conduta, e a vontade o aspecto psicológico ou subjetivo.

A noção de responsabilidade, no campo jurídico, amolda-se ao conceito genérico de obrigação, o direito de que é titular o credor em face do dever, tendo por objeto determinada prestação. No caso, assume a vítima de um ato ilícito a posição de credora, podendo, então, exigir do autor determinada prestação, cujo conteúdo consiste na reparação dos danos causados.

O fato é o nascimento, a modificação ou a extensão de um Direito. É um fenômeno perceptível, resultante de uma atividade do homem ou da natureza ao agir sobre o mundo exterior. Não importa se a atividade é percebida pelos nossos sentidos.

Nas palavras de Maria Helena Diniz: "O fatos jurídico ‘lato sensu’ é o elemento que dá origem aos direitos subjetivos, impulsionando a criação da relação jurídica, concretizando as normas jurídicas. Realmente, do direito objetivo não surgem diretamente os direitos subjetivos; é necessária uma ‘força’ de propulsão ou causa, que denomina ‘fato jurídico’ [06]".

Os fatos podem ser classificados em fatos naturais e humanos. O fato natural decorre da natureza, do fenômeno natural, ou seja, sem a intervenção da vontade humana, e que produto efeito jurídico.

O fato humano, nas palavras de Maria Helena Diniz, "é o acontecimento que depende da vontade humana, abrangendo tanto os atos lícitos como ilícitos. Pode ser: a.) voluntário, se produzir efeitos jurídicos queridos pelo agente, caso em que se tem o ato jurídico em sentido amplo, que abrange o ato jurídico em sentido estrito, se objetivar a mera realização da vontade do agente (perdão, ocupação, confissão etc.) e o negócio jurídico, se procura criar normas para regular interesses das partes, harmonizando vontades que, na aparência, parecem antagônicas (testamento, contratos, adoção etc.) e que se subordinam a algumas disposições comuns; e b.) involuntários, se acarretar conseqüências jurídicas alheias à vontade do agente, hipótese que se configura o ato ilícito, que produz efeitos previstos em norma jurídica, como sanção, porque viola mandamento normativo. P. ex.: a indenização por perdas e danos. Como se vê, o ato ilícito não origina direito subjetivo a quem o pratica, mas sim deveres que variam de conformidade com o prejuízo causado a outrem" [07].

Na teoria de responsabilidade subjetiva o foco é a figura do Ato Ilícito.

A responsabilidade do causador do dano somente se configura se ele agiu com dolo ou com culpa, sendo a prova da culpa ‘lato sensu’ (abrangendo o dolo) ou ‘stricto sensu’ se um pressuposto necessário ao dano indenizável.

Em suma, a responsabilidade subjetiva depende da comprovação da culpa pela vítima, a vulneração de norma preexistente e nexo causal entre o dano e a conduta do agente.

Como crítica a esta teoria, temos que nem sempre a vítima logra êxito em provar todos esses elementos, principalmente a culpa, e como conseqüência, a vítima remanesce não indenizada, assim esta doutrina não satisfaz e nem dá resposta segura à solução de numerosos casos [08].

A Responsabilidade Civil pressupõe a existência dos seguintes elementos: Dano, Culpa e Nexo de Causalidade.

2.4.1 Dano

Dano é a redução ou subtração de um bem, que afeta o patrimônio da vítima, ou sua personalidade (honra, imagem, integridade física, liberdade, etc.), isto é, pode ser patrimonial ou moral.

Com precisão, Sérgio Cavalieri Filho, salienta que: "O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc. -, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa" [09].

O dano material consiste na lesão concreta ao patrimônio da vítima, que acarreta na perda, redução ou na deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de quantificação pecuniária e de indenização pelo responsável.

O dano patrimonial abrange o dano emergente e o lucro cessante.

O Dano emergente consiste naquilo que efetivamente se perdeu, ou seja, é a efetiva e imediata diminuição no patrimônio da vítima em razão do ato ilícito. A sua mensuração não enseja grandes dificuldades, ela importará no desfalque sofrido pela vítima, será a diferença entre do valor do bem jurídico entre aquele que tinha antes e depois do ato ilícito.

Já, o lucro cessante pode ser o reflexo futuro do ato ilícito sobre o patrimônio da vítima, ou seja, é aquilo que se deixou de ganhar em razão do evento danoso. Sua mensuração exige maior cuidado na sua caracterização e fixação, deve se pautar na perda do ganho esperável, isto é, da frustração daquilo que era razoavelmente esperado. Deve-se observar que o Direito brasileiro não admite a indenização por lucros hipotéticos, ou seja, a mera expectativa de lucro.

O dano moral é a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, e relaciona-se com a honra, nome, intimidade, privacidade e a liberdade, enfim, o direito à dignidade, logrando a determinação do dever de reparar todos os prejuízos injustamente causados à pessoa humana.

2.4.2 Nexo de causalidade

Nexo de causalidade é o elo que liga o dano à conduta do agente, ou seja, a relação de causalidade entre a conduta (ação ou omissão do agente) e o dano verificado.

Inexistindo o nexo, não existe a obrigação de indenizar, ou seja, se o dano não estiver relacionado com o comportamento do agente, não haverá que se falar em relação de causalidade e, logo, não há obrigação de indenizar.

Nas palavras de Cavalieri Filho, "o conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o vinculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado" [10]. E ainda coloca que "a relação causal, portanto, estabelece o vinculo entre um determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não a causa do dano. Determina se o resultado surge como conseqüência natural da voluntária conduta do agente [11]".

Vale observar o art. 942 do CC:

"Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação."

Varias terias buscam explicar fenômeno da causas geradora dos danos e a identificação do causado sumariamente, podemos citar

Teoria da Equivalência dos Antecedentes, elaborada por Von Buri com base nas idéias de Stuart Mill e adotada no direito penal (art. 13 do CP). Esta teoria não faz distinção entre a causa e a condição, todas elas tem o mesmo valor (se equivalem) se tiverem concorrido para o mesmo resultado. Toda e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o resultado danoso será considerada uma causa.

É a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria sido produzido, sem fazer distinção de relevância de cada uma. O processo para definir se uma condição é causa do evento, elimina-se logicamente utilizando-se de um processo hipotético, caso o resultado ainda persistir será considerada causa. A principal critica feita a teoria é busca da causa conduzir a uma regressão infinita.

Já Teoria da Causalidade Adequada elaborada por Von Kriès busca identificar a o antecedente potencialmente idôneo para a realização concreta do resultado, busca verificar a interferência decisiva. Nesta teoria nem todas as condições serão causas, faz-se de um juízo de probabilidade.

Por último a Teoria da Causalidade Direta e Imediata ou da Interrupção do Nexo Causal ou da Causa Estranha, elaborada por Agostinho Alvim é aquela que identifica entre as várias circunstâncias a que se reporta como causa é aquela necessária e mais próxima à ocorrência do resultado, o juízo é o de razoabilidade.

2.4.2.1 Exclusão do Nexo de Causal.

Nenhuma pessoa pode responder por um dano que não tenha dado causa, se a ação ou omissão do agente não for o antecedente do resultado, pode-se dizer o dever não foi violado. Cavaliere Filho explica: "Causa de exclusão de nexo causal são, pois, casos de impossibilidade superveniente do cumprimento da obrigação não imputáveis ao devedor ou agente. Essa impossibilidade, de acordo com a doutrina tradicional, ocorre nas hipóteses de caso fortuito, força maior, fatos exclusivo da vítima ou de terceiro. [12]"

2.4.3 Culpa

Nas palavras Anderson Shereiber, " a culpa é, inegavelmente, a categoria nuclear da responsabilidade civil concebida pelos juristas da modernidade. A ideologia liberal e individualista, então dominante, impunha a construção de um sistema de responsabilidade que se fundasse no mau uso da liberdade individual, justificando, desta forma, a concessão de um amplo espaço à atuação dos particulares. Responsabilidade e liberdade passam, assim, a ser noções intimamente vinculadas, uma servindo de fundamento à outra" [13].

Culpa é inobservância de diligência social previsível e necessária, trata-se de uma conduta voluntária (previsibilidade; falta cuidado, cautela ou atenção) com resultado voluntário. Nas palavras de Cavalieri Filho, "entende-se, pois a conduta o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo conseqüências jurídicas. A Ação ou omissão é o aspecto físico, objetivo, da conduta, sendo a vontade o seu aspecto psicológico, ou subjetivo [14].".

A Conduta culposa do agente figura como principal pressuposto na obrigação de indenizar. Importa dizer que nem todo comportamento do agente será apto a gerar o dever de indenizar, mas somente aquele que estiver revestido de certas características previstas na ordem jurídica.

A vítima de um dano só poderá pleitear ressarcimento, se conseguir provar que esse alguém agiu com culpa, caso contrário, terá de suportar o prejuízo.

Nas palavras de Cavalieri Filho, Conduta "é o comportamento humano voluntário que se exterioriza por meio de uma ação ou uma omissão. A vontade é o elemento subjetivo da conduta, sua carga de energia psíquica que impele o agente, é o impulso causal do comportamento humano. Esta, todavia, tem graus, pode atuar com maior ou menos intensidade. O ser humano pode querer mais ou menos, pode ter maior ou menor determinação no seu querer, mas sempre haverá um mínimo de vontade em sua conduta [15]".

A conduta voluntária é sinônimo de conduta dominável pela vontade, mas não necessariamente por ela dominada ou controlada, o que importa dizer que o resultado será querido.

Podemos verificar que não constitui conduta aqueles atos em que não dependem da menor parcela de vontade, tais como sonambulismo, hipnose, e outros estados de inconsciência. Situação semelhante ocorrerá no caso da coação física irresistível, isto significa que o ato não será do coato, mas de quem dele serviu se de instrumento.

A intenção é a vontade dirigida a um fim determinado. Enquanto a vontade se limita à conduta, a intenção volta-se para o evento, que é o escopo.

Dessa forma, a noção de culpa abrange todo e qualquer espécie de comportamento contrário ao Direito, seja intencional (dolo) ou não (culpa).

2.5 Responsabilidade Objetiva

Os avanços econômicos e tecnológicos iniciados na revolução industrial permitiram a multiplicação das relações de consumo entre fornecedores e consumidores, por conseqüência as ocorrências e oportunidades de danos também aumentaram na mesma proporção.

Dentro desse cenário, a responsabilidade subjetiva mostrou-se inadequada para cobrir todos os danos bem como realizar a reparação dos prejuízos, pois nem sempre a vítima consegue comprovar a conduta antijurídica do agente.

A desigualdade econômica e a capacidade organizacional das empresas, as cautelas do juiz na aferição e na concessão dos meios de prova nem sempre lograram na comprovação da existência de culpa.

Esta teoria nasceu pelas técnicas de juristas que sentiram a necessidade desse novo elemento para desempenhar e garantir uma maior cobertura para a reparação do dano. Cavalieri Filho observa que: "foi no campo dos acidentes de trabalho que a noção de culpa, como fundamento da responsabilidade, revelou-se insuficiente. Na medida em que a produção passou a ser mecanizada, aumentou veritiginosamente o número de acidentes, não só em razão do despreparo dos operários, mas, também, e principalmente, pelo empirismo das máquinas então utilizada, expondo os trabalhadores a grande riscos. O operário ficava desamparado diante da dificuldade – não raro, impossibilidade – de provar a culpa do patrão. A injustiça que esse desamparo representava estava a exigir uma revisão do fundamento de responsabilidade civil. Algo idêntico ocorreu com os transportes coletivos, principalmente trens na medida em que foram surgindo. Os acidentes multiplicaram-se, deixando as vítimas em situação de desvantagem. Como iriam provar a culpa do transportador por um acidente ocorrido a centenas de quilômetros de casa, em condições desconhecida para as vítimas ou seus familiares? [16]"

A responsabilidade objetiva é aquela que prescinde da prova da culpa, mas decorre do risco, ou seja, quem desenvolve determinada atividade deve arcar com os riscos da atividade que podem, inclusive, criar riscos para terceiros. Neste modelo de responsabilidade, o comportamento do agente, seja doloso ou culposo, tem menor importância, já que existindo relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e a conduta, surge a obrigação de reparar.

A teoria do risco estabelece que aquele que cria o risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa.

Dessa forma, a vítima para ter direito à reparação deve demonstrar apenas o dano e o nexo de casualidade, ou seja, não importa nenhum juízo de valor sobre os atos dos responsáveis, basta que o dano se relacione materialmente com estes atos, pois aquele que exerce uma atividade deve assumir os riscos. Nas palavras de Cavalieri Filho: "Indispensável será a relação de causalidade porque, mesmo em sede de responsabilidade objetiva, não se pode responsabilizar a quem não tenha dado causa ao evento. Logo, as causas de exclusão do nexo causal (caso fortuito, força maior, fato exclusivo da vitima ou de terceiro), têm igualmente aqui integral aplicação. [17]"

2.5.3 Responsabilidade Civil Objetiva no Código Civil

O Código Civil de 1916 filiava-se a doutrina da responsabilidade subjetiva e estava baseada em um único conceito: o de ato ilícito (art. 159 do CC/16 [18]). Já o Código Civil de 2002, apesar de ter mantido a responsabilidade subjetiva, optou pela responsabilidade objetiva que está fundada em 2 (dois) conceitos: ato ilícito (art. 186 [19]) e abuso de direito (art. 187 [20]). Essa é a principal mudança estrutural da antijuridicidade confrontando-se o CC/16 e o CC/02

O primeiro aspecto a ser analisado é o ato ilícito. O art. 186 do CC/02 prevê que aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Vale observar que a conjunção "e" é de grande importância ao dispositivo, pois o CC/16 usava "ou", portanto, há uma nova formula do ato ilícito civil (lesão a direito + dano), sem dano não há ilícito civil ou responsabilidade civil (art. 927, caput, do CC/02 [21]).

Observando que Quanto à reparação do dano moral puro, não se trata de novidade, pois já constava da CF/88, art. 5º, V e X [22]. O art. 186 do CC/02 reafirmou o modelo culposo como regra do direito brasileiro (responsabilidade subjetiva).

Pela teoria do Abuso de Direito também comete ato ilícito o titular de um direito, que ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé objetiva e pelos bons costumes. As expressões destacadas (fim econômico e social, boa-fé objetiva, bons costumes) são cláusulas gerais, ou seja, janelas abertas deixadas pelo legislador para preenchimento pelo aplicador do direito caso a caso (conceito aberto).

Duas teorias tratam do Abuso de Direito. A Subjetiva: que entende que sempre haverá Abuso de Direito quando o ato, embora amparado pela lei, for praticado com o interesse de prejudicar alguém. Já Objetiva, na qual o Abuso de Direito estará no uso anormal ou antifuncional do direito, ou seja, caracteriza-se pela existência de conflito entre a finalidade própria do direito e sua atuação no caso concreto.

O Código Civil adotou a segunda teoria, isto é, a teoria objetiva, na qual não é necessária a consciência de se excederem, no seu exercício, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, pelo fim social ou econômico do direito, basta que esses limites seja excedidos, ou seja, foi adotado o critério objetivo-finalístico, tendo em vista que o art. 187 do CC/02 [23], não menciona a culpa – Enunciado 37 do CJF/STJ [24].

Em suma, o Abuso do Direito é o exercício anormal, contrário a destinação econômica ou social do direito subjetivo, aquele que se afasta da ética e da finalidade social do direito.

2.5.4 Responsabilidade Civil Objetiva no Código de Defesa do Consumidor

A Carta Magna estabeleceu entre as garantias e os direitos fundamentais que o Estado proverá, na forma da lei, a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII). Conjugue-se isto com a inserção no art. 170 da defesa do consumidor, eleva esta à condição de princípio da ordem econômica.

A responsabilidade adotada pelo CDC é objetiva, cabendo ao consumidor demonstrar a existência do dano e o nexo causal entre o dano e produto ou do serviço colocado no mercado de consumo.

Além disso, é importante destacar que o Inciso VI [25] do Art. 6.o do CDC incluiu como um dos direitos básicos do consumidor a reparação integral dos danos patrimoniais e morais

Esse tratamento reflete a adoção da teoria do risco do negócio realizada pelo legislador na regulamentação do tema, ou seja, nesta tônica aquele que explora atividade econômica e coloca produtos ou serviços no mercado deve arcar com os danos, mesmo que não tenha concorrido com conduta voluntariamente para a realização dos prejuízos.

Ainda nesta linha, o CDC trouxe mais um avanço em favor dos consumidores ao transferir o risco do consumo para o fornecedor. Ao tornar a responsabilidade na relação de consumo objetiva, o fornecedor passou a responder integralmente pela colocação do produto no mercado, sua oferta e os casos de defeito e vício do produto.

O CDC também superou a antiga dicotomia entre a responsabilidade contratual e extracontratual, nas palavras de Claudia Lima Marques: "A prática extinção da figura do terceiro, hoje incluído como consumidor ‘stricto sensu’ ou equiparado no CDC, e a imposição da solidariedade na cadeia de produção ou organização dos serviços têm como reflexo mais destacável a superação da ‘suma divisio’ entre a obrigação contratual e extracontratual. [26]"

Ademais, o CDC definiu que o fornecedor é responsável pelo risco do desenvolvimento e pelos riscos cientificamente não conhecidos relacionados e/ou inerentes do produto ou serviço colocados no mercado de consumo. Desta forma, o fornecedor poderá ser responsabilizado por conseqüências que desconhecia no momento de colocação do produto/serviço no mercado de consumo, figurando como mais uma garantia aos consumidores.

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Sobre o autor
William Cornetta

Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCAMP. Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas - FGV e em Administração e Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM . Extensão em Direito Americano pela Boston University. advogado da Motorola em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORNETTA, William. Responsabilidade civil e vício de produtos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2961, 10 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19736. Acesso em: 16 abr. 2024.

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