Capa da publicação Pedido de recuperação judicial ou de autofalência: necessidade de deliberação dos sócios
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Necessidade de deliberação social acerca do pedido de recuperação judicial ou de autofalência

23/08/2011 às 14:35
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Devem ser observados, pela empresa requerente, os comandos da respectiva lei que regula o tipo societário a qual pertence, sob pena de ver contra si prolatada decisão que desacolhe seu pedido.

O pedido de recuperação judicial ou de autofalência apresentados perante o juízo competente para seu processamento requer a estrita observância e preenchimento de certos comandos legais, quanto à deliberação interna corporis acerca da medida a ser tomada pelos administradores da empresa requerente.

Devem ser observados, portanto, pela empresa requerente os comandos da respectiva lei que regula o tipo societário a qual pertence, sob pena de ver contra si prolatada decisão que desacolhe seu pedido, por manifesta atuação irregular de quem a represente, o que lhe acarreta nefastos danos, sobretudo, a hipótese de ver contra si ajuizado pedido de falência.

Quando a empresa requerente não satisfaça os requisitos legais da legislação societária quanto à necessária e indispensável deliberação social acerca dos assuntos que requeiram o crivo do quadro de quotistas ou acionistas, fica imediatamente prejudicada a prestação jurisdicional perseguida, não restando ao magistrado outro caminho a ser seguido, senão o indeferimento da petição inicial que lhe é apresentada.

Mesmo que a medida se apresente prima facie por demais desmedida, ainda assim, certos atos da administração carecem da deliberação social para terem seu devido fundamento de validade, conforme já tivera oportunidade de decidir o judiciário bandeirante a respeito.

No caso, uma empresa requerera perante a 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca da Capital do Estado de São Paulo autofalência [01], que fora indeferida de plano pelo Magistrado competente para presidir os feito nos seguintes termos:

"Imbra S.A., apresentou requerimento para a sua própria falência, afirmando impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial, em decorrência de nefasta administração da sociedade pela GP INVESTMENTS.

O despacho inicial determinou a emenda da petição para satisfação dos requisitos legais, sendo atendido somente em parte.

Este o relatório.

Indefiro, liminarmente, a petição inicial, uma vez que não satisfaz a Autora o requisito do interesse processual para a sua pretensão trazida a Juízo, o que impõe a imediata extinção do processo.

Com efeito, informam os dados do Registro Público de Empresas que a Autora é constituída sob a forma de sociedade anônima e, neste caso, exige a Lei 6.404/76, autorização, em assembleia geral, convocada e instalada de acordo com a lei e o estatuto, para autorizar os administradores a confessar falência ou a pedir concordata (art. 122, IX).

Sintetizando, não conta o requerimento inicial com autorização regular de acionistas para o pleito colimado, agindo os seus administradores de forma contrária ao disposto na legislação vigente.

O vício é insanável, faltando condição indispensável ao regular prosseguimento da ação, matéria que pode e deve ser conhecida de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição (STJ – 1ª Turma, REsp 691.912, Min. Teori Zawaski, j. 7.4.2005. D.J.U. 9.5.05, p.311).

Além desta questão incontornável, deixou a Autora de cumprir exigência da Lei Falimentar, trazendo a sua relação de bens e direitos.

Isto posto, indefiro, liminarmente, a petição inicial, e dou por extinto o processo de acordo com o artigo 295, III, do CPC.

(...)"

Pois bem, a simples ausência de outorga da assembleia pode, em primeiro momento, parecer irrelevante para o recebimento e regular processamento do pedido de recuperação judicial ou autofalência ajuizado por empresa regularmente constituída, e até mesmo abusivo para os que militam em favor da ideia de relativização da interpretação literal da lei e do desapego ao formalismo estrito.

Ocorre que, mesmo com o intento de sempre distribuir o melhor direito e canalizar os comandos do direito processual em direção à solução da lide, por vezes, deve persistir o comando restritivo imposto pela Lei, não havendo margem de manobra interpretativa para o Magistrado que preside determinado feito, a não ser aplicá-la de plano.

Em se tratando de algumas espécies de ação judicial a ser proposta por pessoa jurídica de Direito Privado, mesmo que a lide tenha dentre os objetivos a serem alcançados a satisfação ou a preservação de direitos de outrem, deverá o formalismo prevalecer sobre o pragmatismo que envolve a distribuição da justiça.

Tais casos tornam necessária a estrita observância da forma sobre o ato a ser praticado, sob pena de fazer letra morta da disposição expressa da lei e indevido sopeso daquilo que intencionara o legislador.

Este, ao prever tal formalismo, no que concerne às questões interna corporis de uma determinada empresa, certamente, assim o incutiu na lei, a fim de prevenir abusos e preservar os interesses próprios daqueles que integram referida sociedade empresária, seja na qualidade de sócios, seja ocupando o cargo de administradores nomeados.

A deliberação em assembleia é a essência a ser observada por aqueles que ditam os rumos dos negócios sociais, pois esta é a disposição expressa da lei, ao prever tal condição em diversos trechos da legislação de regência, a começar pelos artigos 46 usque 48, caput, do Código Beviláqua, que assim dispõem a respeito:

"Art. 46 – o registro declarará:

I – a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver;

II – o nome e a individuação dos instituidores, e dos diretores;

III – o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente;

IV – se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo;

V – se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;

VI – as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.

Art. 47 – obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos no limite de seus poderes definidos no ato constitutivo.

Art. 48 – se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se tomarão pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso."

(grifei)

Ora, a administração da sociedade empresária é sempre pautada na ratificação dos atos gerenciais pelo sócio, quando se trate de sociedade empresária pluripessoal menos complexa, como uma sociedade por quotas formada por apenas dois ou três sócios, e que também sejam seus administradores, ou pela reunião ou assembléia de quotistas [02] ou acionistas [03], cujo órgão social tem a precípua função de abalizar a gestão da sociedade, dentre outros misteres.

Também pode se dizer que o sucesso da sociedade empresária e a gestão sadia e equilibrada de interesses, que às vezes se contrapõem, requer o sufrágio do capital social acerca de certas deliberações, cujo resultado é extraído pelo alcance de sua maioria, como quis o modelo estabelecido pelo legislador.

Acerca do poder deliberativo que detém este órgão social, no âmbito das Sociedades Limitadas, vale citar o escólio de Waldo Fazzio Júnior [04] a respeito, ao delinear que:

"Partindo do princípio que a diretoria ou a administração (singular ou coletiva) da sociedade limitada manifesta, praticamente, o exercício da vontade social e ainda, mais, sendo certo que a formação e informação desse querer coletivo surge, precisamente, das deliberações sociais, na assembleia ou reunião, conforme o caso, reside o comando da sociedade limitada.

Preservadas a superioridade legal e os ditames contratuais, as decisões nucleares da sociedade limitada são tomadas pela assembleia geral ou pela reunião, conforme o caso. O órgão coletivo direto de manifestação da vontade societária detém o poder deliberativo, cuja soberania está explícita e implicitamente revelada em diversos dispositivos do CC de 2002. Sua função consiste em deliberar sobre as questões condizentes com a realização do objeto social, bem como adotar as resoluções que reputar adequadas à preservação dos interesses da sociedade. Interesse societário e poder deliberativo caminham juntos.

Bem entendido, o poder da assembleia geral, no âmbito da sociedade empresária, deve ser desempenhado dentro das fronteiras estabelecidas pelo interesse societário. Certamente, não é dado à assembleia o poder de agredir direitos e garantias individuais de quotistas ou de assumir posturas visceralmente contrastantes com o contrato social. Exemplificando, não incumbe à assembleia o patrocínio de atos de mera liberalidade, sem qualquer pertinência com o objeto social."

Logo, a ausência de deliberação prévia do quadro social acerca da propositura de pedido de recuperação judicial ou autofalência acarreta na extinção do pedido, sem julgamento do mérito, pois padece nestes termos de interesse processual.

A respeito, define o escólio de Eduardo Arruda Alvim [05] que:

"O interesse processual é aferível, mediante a verificação da utilidade, necessidade e adequação do provimento jurisdicional pleiteado.

Dispõe o art. 3º do CPC: ‘Para propor ou contestar ação, é necessário ter interesse e legitimidade’ e o art. 76 do CC: ‘Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou moral’.

Diante da ausência de interesse processual, também deve haver extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 267, I), mercê do indeferimento da petição inicial (art. 295, III). Mesmo que assim não tenha decidido o juiz, se, ao sentenciar, convencer-se da falta de interesse processual, deverá proferir sentença de carência (art. 267, VI), o mesmo se podendo dizer relativamente ao tribunal em grau recursal (art. 267, §3º).

A utilidade, necessidade e adequação do provimento jurisdicional pleiteado devem ser aferidas em face da situação retratada na petição inicial, vale dizer, em abstrato ou num plano hipotético de raciocínio."

(grifei)

Nesta via, a tutela jurisdicional se envolve com o caso concreto, ou seja, os fatos ocorridos internamente na sociedade, tendo-se como referência o ordenamento jurídico positivo, que define como se dá a representação jurídica dos interesses da empresa requerente.

Ocorre que a constatação do interesse processual é um dos modos "através do qual se deverá fazer a aplicação da lei, nesse contexto conflituoso, de maneira que efetivamente fique protegido o interesse merecedor da tutela [06]", quando se depara o magistrado com um pedido desta natureza, pois o interesse da requerente se faz representar pela vontade da maioria de seus sócios.

De esclarecedor complemento, é a síntese do que preleciona Kazuo Watanabe [07] quando acentua serem "razões de economia processual que determinam a criação de técnicas processuais que permitem o julgamento antecipado, sem a prática de atos processuais inteiramente inúteis ao julgamento da causa. As condições da ação nada mais constituem que técnica processual instituída para consecução deste objetivo."

Para que o pedido de recuperação ou de autofalência seja aceito e considerado efetivo, por um lado, é desejável e necessário que os resultados pretendidos sejam alcançados no menor tempo possível, e por outro torna-se, portanto, indispensável a formação do processo com observância de todos os requisitos do direito material que ensejam sua existência e validade.

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Há de se ressaltar também, que o artigo 1.044 do Novo Código Civil é taxativo [08] ao dispor que a sociedade empresária se dissolverá pela declaração de falência, cujo trâmite internamente se processará por via própria e bem delineada.

Mais adiante, no que concernem as sociedades limitadas, o artigo 1.087, do mesmo Codex, estabelece que "a sociedade dissolve-se de pleno direito, por qualquer das causas previstas no artigo 1.044", ao passo que o pedido a ser ajuizado pela empresa, visando a declaração de falência, deverá seguir os trâmites de deliberação ordinários.

Tal percurso encontra arrimo, então no artigo 1.033, e seus incisos, do Código Civil, que ali prevê, além das quatro hipóteses bem delineadas da dissolução da sociedade por preenchimento de certos requisitos, quais sejam, o vencimento do prazo de duração, o consenso unânime dos sócios, a falta de pluralidade de sócios por prazo superior a 180 (cento e oitenta) dias e a extinção da autorização de funcionamento que lhe confere o Estado, uma cláusula mais generalista [09] e abrangente de outros assuntos, que assim versaria também sobre o pedido de autofalência ou de recuperação judicial.

Com isso quer se dizer que, no âmbito das sociedades limitadas, tanto a recuperação judicial quanto a autofalência são duas das hipóteses legais de dissolução da sociedade, que devem, portanto, antes de se concretizarem, passar pelo crivo da reunião ou assembleia de quotistas.

Assim pode-se facilmente concluir que, e.g. a deliberação acerca do pedido de autofalência, é assunto adstrito à deliberação dos sócios e seu teor contempla, portanto, "adotar as resoluções que reputar adequadas à preservação dos interesses da sociedade", conforme ilustrou linhas acima o pensamento de Waldo Fazzio Júnior.

Da mesma essência, é o artigo 122, IX, da Lei das Sociedades Anônimas, que prescreve competir privativamente à assembleia geral autorizar os administradores a confessar falência e pedir concordata.

Infelizmente, a questão ainda não chegara ao E: Superior Tribunal de Justiça, que não pôde, desta forma, manifestar-se a respeito. Porém, em precedentes recentes da Terceira e da Quarta Turmas [10], apreciando a necessária deliberação em assembleia de pontos de interesse da sociedade, manteve-se fiel ao rigorismo da lei societária, senão vejamos:

"REsp 704.975/SP – Quarta Turma – d.j. 19.08.2008 – d.j.e. 08.09.2008

Recurso Especial – Societário – Processual Civil – Renda Mensal Vitalícia Instituída a Ex-Administradores por Parte do Conselho de Administração – Anulação – Possibilidade – Plena Aprovação da Assembléia Geral Ordinária – Caráter Qualquer que Beneficie a Sociedade Anônima – Ausência

I – A cassação do pagamento de renda mensal vitalícia instituída por deliberação do conselho de administração (na época composto pelos ora recorrentes) a ex-administradores (também recorrentes), sem ter sido tal obrigação diretamente submetida à plena aprovação da assembléia geral ordinária, estando ausente qualquer caráter que beneficie a sociedade anônima, por parte da nova diretoria da sociedade anônima, esta agiu no estrito cumprimento de seu dever regimental, tendo encaminhado a controvérsia para exame do Judiciário. A nova diretoria da sociedade anônima vetou, unilateralmente, um ato unilateral nulo, o que lhe era permitido fazer.

II – Além do vício de forma a impedir a instituição da renda mensal vitalícia, ausente está também, para abonar sua validade futura, a competência do órgão chancelador, falha que encaminha o ato para ilicitude societária. A assembléia geral, como voz soberana, não ratificou a benesse instituída pelos recorrentes, persistindo a ausência da única manifestação de vontade que obriga a sociedade anônima (deliberação válida de órgão competente).

III – A adoção de motivação contrária ao pretendido pela parte não significa afronta a normas infraconstitucionais, na solução da controvérsia, em observância da res in judicum deducta.

IV – Recurso Especial não provido."

(grifei)

"REsp 1102424 / SP [11] - TERCEIRA TURMA – d.j. 18.08.2009 – d.j.e. 08.10.2009

RECURSO ESPECIAL - COMERCIAL - SOCIEDADE ANÔNIMA - AÇÃO ANULATÓRIA DE ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA (AGO) - PRELIMINARES SUSCITADAS EM CONTRA-RAZÕES - PREQUESTIONAMENTO DOS DISPOSITIVOS INFRACONSTITUCIONAIS TIDOS POR VIOLADOS - OCORRÊNCIA – REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA - DESNECESSIDADE, NA ESPÉCIE - QUESTIONES JURIS TRATADAS NOS AUTOS UNICAMENTE DE DIREITO – NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - OMISSÃO NO V. ACÓRDÃO - NÃO-OCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE PRETENSÃO DIRIGIDA EM FACE DA REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA - CONTROVÉRSIA RESTRITA À QUESTÃO DA ESCOLHA DE MEMBROS DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA FÉRTIFOS - SOCIEDADE ANÔNIMA - REGÊNCIA POR LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA (LEI N. 6.404/76), QUE PREVALECE SOBRE OS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO RELATIVOS À RESERVA MENTAL (ART. 110 DO CC) E AO ABUSO DE DIREITO (ART. 187 DO CC) - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ - OBJETIVA - NÃO-OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE, ANTE A AUSÊNCIA DE CONCLUSÃO DAS TRATATIVAS PRELIMINARES - ADEMAIS, LEGITIMIDADE DOS ASSISTENTES LITISCONSORCIAIS EM VEREM APLICADAS AS DISPOSIÇÕES ESPECÍFICAS DA LSA, O QUE TRANSCENDE A QUESTÃO DA BOA-FÉ NAS TRATATIVAS ENTRE O GRUPO BUNGE E O GRUPO MOSAIC - ACORDOS DE ACIONISTAS RELATIVOS A DISPOSIÇÃO DO PODER DE CONTROLE – NECESSIDADE DE FORMALIZAÇÃO DO ATO E ARQUIVAMENTO NA SEDE DA EMPRESA (ART. 118 DA LSA) - TRATATIVAS PRÉVIAS NÃO FORMALIZADAS - IMPOSSIBILIDADE DE SUA IMPOSIÇÃO EM RELAÇÃO À SOCIEDADE E A TERCEIROS - VALIDADE DA ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(...)

V - Nos termos do art. 1.089 do CC/2002, a sociedade anônima será regida, em regra, por lei especial (Lei n. 6.404/76) e apenas nos casos em que a legislação específica seja omissa, serão aplicadas as disposições gerais do Código Civil;

VI - Os princípios gerais de direito relativos à reserva mental (art. 110 do CC) e ao abuso de direito (art. 187 do CC) são inaplicáveis à hipótese dos autos, ante a existência de norma específica a respeito;

VII - Ante a peculiaridade do caso, em que sequer as tratativas preliminares foram concluídas pelas partes, além de não levadas a registro, nos termos do art. 118 da LSA, inexiste ofensa ao princípio da boa-fé objetiva.

VIII - Ademais, independentemente da ocorrência ou não de boa-fé no trato entre o grupo BUNGE e as empresas MOSAIC E OUTRA, os assistentes litisconsorciais das empresas BUNGE, OURO VERDE, FÉRTIFOS e FOSFÉRTIL, membros do Conselho de Administração e acionistas minoritários da companhia, possuem legitimidade para requererem a aplicação do comando legal específico que rege as sociedades anônimas;

(...)

XI - As deliberações dos acionistas, que ensejaram a substituição dos 3 (três) conselheiros indicados pelas recorridas, observaram estritamente os requisitos legais e estatutários, devendo ser reconhecida a validade da referida A.G.O.;

XII - Recurso especial provido."

(grifos nossos)

No âmbito das sociedades anônimas, a assembleia geral é o órgão deliberativo máximo que define os objetivos sociais, a ser convocada e instalada de acordo com as determinações legais e estatutárias, a fim de decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia, e ainda toma as medidas pertinentes a sua defesa e sua gestão.

Logo, a estrita observância do comando normativo insculpido no artigo 122, IX, da LSA, é indissociável e impossível de ser interpretado de outra maneira, que não ipsis literis.

É dever do administrador, portanto, diante da possibilidade de requerer perante juízo a recuperação judicial ou a autofalência, levar a matéria à deliberação da assembleia geral extraordinária, a quem compete, privativamente, decidir a respeito.

A ida a juízo em busca da tutela jurisdicional pretendida não se aperfeiçoa, senão antes da aprovação do quadro de acionistas, que detém no âmbito interna corporis competência e titularidade do exercício do poder de decidir a respeito deste tema.

Nos termos do artigo supracitado, a ausência do aval conferido pelos acionistas implica em ato de gestão irregular do administrador e, em termos processuais, insanável defeito atinente a uma das condições da ação, outrora mencionado.

Contudo, é pacífico na doutrina [12] que nada impede, em caso de urgência, a confissão de falência ou o requerimento do pedido de recuperação judicial feitos previamente pelo administrador, desde que haja tão somente a devida concordância do acionista controlador, e que se dê, imediatamente após o ajuizamento de tal pedido, a convocação da assembleia geral para se manifestar a respeito.

Isto visa, claramente, conferir ao administrador o exercício de atos de gestão inerentes ao seu dever, vez que estes são legalmente obrigados a empregar, no exercício de suas funções, cuidado e diligência que todo homem probo empregaria na administração de seus próprios interesses, e cumprir com toda e qualquer atribuição legal e estatutária no interesse da companhia, de forma a permitir a boa realização das finalidades da empresa e a satisfação das exigências do bem público e da função social da empresa, consoante o disposto no artigo 154, da LSA.

Ademais, ao agir assim, estará cumprindo com o seu dever de lealdade para com a companhia, ao promover o exercício ou a proteção de direitos inerentes a esta.

Ressalva que se deve fazer à necessária deliberação dos sócios é aquela prevista no artigo 1.103, VII, do Novo Código Civil, que estabelece como dever do liquidante confessar falência da sociedade dissolvida, de acordo com as formalidades legais inerentes ao tipo societário.

Num rápido giro, este assume funções de verdadeiro administrador, e ostenta igualmente todos os deveres de probidade, de eficiência e de retidão exigidos do exercício do cargo, mas que, no entanto, não obsta sejam identificados e atribuídos elementos peculiares e específicos, inerentes à sua função.

No que percute à matéria aqui debatida, o liquidante poderá assumir e exercer um dever funcional acidental, que consistiria em deduzir confissão de falência, diante da constatação de crise financeira da sociedade em liquidação, o que dispensaria a aquiescência dos sócios para socorrer-se dos mecanismos legais trazidos pela Lei n.º 11.101/05.

Isto porque, devido ao fato da sociedade por quotas em liquidação já ter a administração sido afastada de seus sócios, e se desenvolver num estado que difere fundamentalmente da de uma sociedade empresária em pleno andamento, a aquiescência destes ou sua recusa não teriam efeito produtivo e condescendente com os interesses daqueles que teriam haveres a receber.

A sociedade em liquidação atua justamente para a satisfação de seus credores, de modo que não há de se falar em interesses dos seus antigos sócios.

Por fim, há parte da doutrina, e.g. Marcelo Fortes Barbosa Filho, in Código Civil Comentado; Doutrina e Jurisprudência; Coordenador Min. Cezar Peluso; 2ª ed. Revista e atualizada, Manole 2008; que entende ser cabível o pedido de recuperação judicial pela sociedade empresária em liquidação, o que data maxima venia não parece ser o melhor entendimento, pelo que se passa a expor.

A redação do já vetusto artigo, por ser anterior à vinda ao Ordenamento Jurídico pátrio da Lei n.º 11.101/05, que veio profundamente inovar a matéria, ainda prevê a confissão da "falência da sociedade e pedir concordata" da sociedade em liquidação.

Por prudência, não se deve, todavia, aceitar que também a recuperação judicial, que grosso modo veio substituir a concordata, seja aplicável às sociedades em liquidação.

Isso porque a incompatibilidade de institutos, como a mais simples das razões, faz com que haja inerente conflito de interesses, quanto ao que reservou o legislador pátrio ordinário para um e para outro.

Enquanto a sociedade em estado de liquidação apenas caminha para a sua regular extinção e seus objetivos sociais são, ao fim e a cabo, solver obrigações para, ao final, proporcionar a partilha de algum saldo remanescente de bens e direitos entre seus sócios, a recuperação judicial fora inovador instituto judicial introduzido entre nós, que tem por missão possibilitar a continuidade da sociedade empresária economicamente viável.

Evidencia-se assim, que é perfeitamente plausível o liquidante requerer a um juízo competente para apreciar seu pedido de falência, que a quebra seja decretada quando, regularmente iniciado o processo de dissolução, significativa parcela de seu passivo se demonstre descoberta de bens e direitos que lhe possam servir de garantia para quitação de dívidas.

Nada mais econômico e menos prejudicial para a empresa em liquidação e seus credores que a falência seja judicialmente decretada, assim que reste evidente a impossibilidade de satisfação de obrigações vencidas e vincendas, quando paralelamente o próprio presente da sociedade já é voltado para o encerramento de suas atividades num momento mediato.

Por seu turno, a recuperação judicial, quando deferida, buscará essencialmente salvar a empresa de situação econômica e financeira momentaneamente desfavorável, mas que se reerguerá ou se desvencilhará de dificuldades desta ordem, para continuar a seguir o seu caminho, desempenhando o seu objeto social em condições da mais absoluta ordem.

E este núcleo da recuperação judicial é que se divorcia, portanto, da empresa em liquidação, que poderá se valer, então, somente da falência, quando suas obrigações se demonstrem, mesmo que passíveis de inclusão numa hipótese análoga de recuperação judicial, desprovidas de solvabilidade.

Ex positis, o exame de admissibilidade do pedido de recuperação judicial ou de autofalência por sociedade empresária, constituída na forma de companhia ou por quotas de responsabilidade limitada, requererá do magistrado competente para sua apreciação uma prévia observância mais detida acerca do preenchimento de requisitos indispensáveis acerca da deliberação social, instituídas pelo legislador.

Em que pese a aparência de serem estes, num primeiro momento, irrelevantes para o regular desenvolvimento processual do requerimento desta natureza, sua essência é tema fundamental importância e primeira grandeza na ordem do dia dos deveres da administração, consoante os comandos das leis societárias.

Some-se a isto a interpretação literal que deve, necessariamente, ser dada a tais comandos normativos, de modo que ao magistrado nenhuma margem de manobra restará disponível, a não ser verificar o preenchimento de tais requisitos, para aí sim, decidir acerca do cumprimento dos demais requisitos do pedido inicial dos artigos 47, e seguintes, bem como 105, e seguintes, da Lei de Recuperações Judiciais, para então deferir o processamento dos pedidos.

Portanto, de suma importância o conhecimento de tais pontos, evitando a movimentação desnecessária da máquina estatal, e cumprindo assim, a quem compete a distribuição da justiça, com seu mister de decidir em prol da sociedade da melhor maneira e no mais célere espaço de tempo possível.


Notas

  1. Processo nº 0037076-06.2010.8.26.0100 – Autofalência – 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo – SP – d.j. 08.11.2010;
  2. Artigo 1.071, I, NCC: Dependem de deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato, a aprovação das contas da administração; no mesmo sentido, é o artigo 1.078, I, do mesmo Codex, quando prevê que a assembléia de sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano, nos 4 (quatro) meses subsquentes ao término do exercício social, com o objetivo de tomar as contas dos administradores;
  3. Artigo 122, III: Compete privativamente à assembleia geral tomar, anualmente, as contas dos administradores e deliberar;
  4. Fazzio Junior, Waldo; Sociedades Limitadas; de Acordo com o Código Civil de 2002; 2ª edição; São Paulo; Atlas, 2007;
  5. Eduardo Arruda Alvim; Curso de Direito Processual Civil; v. 1; São Paulo; ed. Revista dos Tribunais; 1998;
  6. Idem;
  7. Kazuo Watanabe, in Da Cognição no Processo Civil; RT; São Paulo; 1987;
  8. Art. 1.044, NCC: A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumeradas no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência.
  9. Art. 1.033, III, NCC: Dissolve-se a sociedade quanto ocorrer a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado;
  10. Todavia, ambos arestos tiveram a relatoria, e consequentemente formaram voto condutor, do sempre Eminente Sr. Ministro Massami Uyeda;
  11. Neste v. acórdão o Exmo. Sr. Ministro Relator, pregando a necessidade da estrita observância ao que dispõe a lei societária acerca das deliberações do processo decisório expressamente ressaltou que "dar-se, assim, prevalência à existência de correspondência informal sobre assunto de relevância societária em detrimento do que dispõe a própria lei específica é, data venia, dar respaldo a que acordos informais de parte de acionistas possam até mesmo conflitar com os interesses maiores da sociedade", e que somente as deliberações do quadro de acionistas ou quotistas conferem validade a certas decisões da administração.

12.Gladston Mamede, in Direito Empresarial Brasileiro. Direito Societário. Sociedades Simples e Empresárias. Vol. 2; São Paulo; ed. Atlas; 2004;

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Sobre o autor
Patrick Kaiser Brosselin

Advogado, especialista em Direito Societário pela Universidade de Munique

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BROSSELIN, Patrick Kaiser. Necessidade de deliberação social acerca do pedido de recuperação judicial ou de autofalência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2974, 23 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19808. Acesso em: 25 dez. 2024.

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