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As marcas do poder

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22/08/2011 às 14:22
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Índice: 1. Introdução . 2. O Poder . 3. A clássica divisão do poder . 4. O exercício do poder. 5. O titular do exercício poder . 6. Conclusão . Referências

"

Uma vez que se pode fazer obedecer,

cada chefe pode impor sanções aos subordinados,

no caso de não cumprimento das suas ordens e

dispõe, também do poder de atribuir recompensas

para premiar o empenhamento demonstrado

pelos indivíduos no desempenho das

suas funções

"

Luís Carvalheda, Noções de Administração Pública, Texto Editora, V.1


1. Introdução

A angústia de um subordinado é descobrir que tem por chefe alguém todo levado para cima, fingindo saber tudo e sem menores pretensões de se aconselhar com quem quer que seja senão apenas com o seu mundo. Mundo construído por cima da mais nobre humanidade, pisoteando-a e rindo estrondosamente daquilo que acha ser a eterna parvoíce dos que muito a custo tentam suportá-lo.

É comum encontrar muito boas pessoas que, uma vez tornados dirigentes, se arrogam um poder sobrenatural e uma soma e só a soma, de saber e mais saber que mais ninguém jamais sonhou em ser detentor. Excepto, claro, ele próprio.

O que um dirigente faz da sua direcção pode ser uma grande obra ou simplesmente uma ridicularizadora passagem pelo cobiçado poder. O que muitas pessoas não o sabem ou fazem de contas que não, é que o poder corrompe até o mais puro dos corações.

Mas a falta de uma boa postura dos que têm por função a direcção, não se pode escudar nesta máxima. É uma atitude pessoal e, porque não, um verdadeiro exteriorizar da personalidade.

Numa comunidade onde o prestar contas aos que quotidianamente vão dando de si para o sucesso do dirigente, porque esta é a verdade pese embora a forma indirecta, é apenas uma miragem que vai fugindo com o horizonte, mas que se torna realidade quando um superior hierárquico estala um dedo. Aí vem a uma superluminosa velocidade um relatório folclórico e com sublinhados de se lhes tirar o chapéu mostrando que o infalível dirigente está realizando magnificamente as suas obrigações.

Os subordinados se mantendo no seu medonho mutismo com medo de que, a exclusão e até mesmo a declaração de persona no grata lhes bata à porta.

É nossa intenção, neste pequeno ensaio, não aconselhar mas mostrar a face que muitos dirigentes não querem assumir e, talvez, contribuir para que muitos dos que almejam assumir postos de chefia saibam que só sendo verdadeiros dirigentes, orgulhar-se-ão de algum dia o terem feito.

O que nos propusemos abordar nesta nossa incursão pelas malhas do poder, é nada mais que uma tentativa de convidar a uma auto avaliação de todos quantos sejam titulares do exercício do poder, pese embora a forma pouco ortodoxa de o fazer, pois, não nos preocupou minimamente o entendimento dos ilustres iluminados na abordagem do assunto e nem mesmo as considerações eruditamente doutrinárias, mas apenas a constatação prática e no real do nosso quotidiano.

Contudo, apartamo-nos da altivez e nos curvamos àqueles que com sensatez entenderem os nossos propósitos e que nos indiquem o melhor caminho.

Pretendemos somente que detêm o poder se lembrem que ele é principalmente a faculdade ou possibilidade ou ainda, estar arriscado a alguma coisa se parafrasearmos a definição de J. Almeida e A. Sampaio e Melo [01].


2. O Poder

Poder, do latim potere [02] é, literalmente, o direito de deliberar, agir e mandar e também, dependendo do contexto, a faculdade de exercer a autoridade, a soberania, ou o império de dada circunstância ou a posse do domínio, da influência ou da força.

A sociologia, por outro lado, define poder geralmente como a habilidade de impor a sua vontade sobre os outros, mesmo se estes, de alguma maneira, resistirem. Parece ter sido esta a versão abraçada nos diversos trabalhos de Karl Marx. [03]

Visto etimologicamente, poder dá a quem o tem a faculdade de vender, comprar e doar o que está na sua posse. É exactamente esta asserção etimológica que embriaga, entorpece até as mentes mais brilhantes. A enormidade de se encontrar frente a uma empresa com a qual sonhou inúmeras vezes ou até lhe tenha caído de paraquedas, assusta-o. Mas mobiliza-se. E lembra-se que possui autorização, autoridade, razões, força, e esquece-se da faculdade, do direito e da virtude que vêm junto.

Isto é, o novo dirigente olha para o poder apenas na vertente que lhe interessa tendo em vista agradar os seus superiores hierárquicos. O poder é isso mesmo: convencer-se da sua superioridade, da sua maior capacidade de mandar e comandar e, principalmente de se apoderar de tudo quanto possa sem que quem quer que seja questione. Nem mesmo o seu próprio dirigente porque, como bem diz o provérbio, uma mão lava a outra e duas, lavam a cara. Quer dizer, o novo todo poderoso dirigente, precisa de alianças o mais alto colocadas para exercitar o que a autorização, a autoridade, as razões e a força o conferem. Precisa de legitimar a sua actuação e permanecer incólume pelo maior espaço de tempo possível. A legitimidade pode advir da totalidade dos legitimários ou, de alguém que tem legitimidade que optamos designá-la originária que confere a secundária. Não está excluída a legitimidade concorrente, isto é, a que num dado momento e valendo-se da insatisfação de certo sector da sociedade, alguém chama a si a direcção e, daí, o poder, legitimando-se pelo objecto da sua acção que vestida de força, acaba aceite pelos demais.

Mas a outra vertente etimológica do poder, a faculdade, o direito e a virtude, são uma necessidade indispensável de um verdadeiro dirigente. A faculdade faz do dirigente um constante inquiridor da sua actuação, um observador sem limites e imparcial das personalidades dos seus dirigidos, aliado ao direito, que é igualmente uma faculdade mas mais restrita, pois ela se refere à possibilidade de se personalizar, de conferir o seu cunho pessoal às realizações da sua direcção. Um dirigente que assim interpreta o sentido de poder, é virtuoso e, por isso acarinhado e com uma visão sempre projectada para o futuro.

Porém, uma correcta apresentação do sentido do poder, a nosso ver, sobrelevaria a indispensável complementaridade entre a autorização, a autoridade, as razões e a força, por um lado e, a faculdade, o poder e a virtude, por outro. Aliás em jeito de exemplificação, diga-se de passagem que a autoridade não é autoritária. É a faculdade de dizer e fazer com a propriedade de quem realmente conhece. É o direito que o saber lhe dá de iludir a confiança. Daqui se pode então aferir a indispensabilidade de um e de outro.

Ao longo dos tempos o poder tem assumido diversas formas, conformando-se com a personalidade individual dos que o assumem ou ainda, uma espécie de personalidade colectiva que se caracteriza pelas escolhas que cada comunidade vai fazendo em cada momento da sua existência. Com alguma dificuldade se pode fazer uma separação entre o poder individual e colectivo. É que a comunidade, com as suas escolhas, determina exactamente o tipo de pessoas que a vão dirigir por escolha própria, tendo legitimidade para o fazer ou, de forma quase imposta, sujeita-se a uma personalidade que só se revela no seu contacto dia a dia.

Primitivamente com o relacionamento comunitário mais íntimo entre os membros das comunidades, as empresas eram realizadas em conjunto e os dirigentes, aliás os anciãos, eram apenas os mais apaixonados coordenadores. humilde, humanos e com um sentido de inter ajuda muitíssimo bem apurado.

Num sentido mais amplo, o poder em muitas regiões de Africa, mantém-se primitivo embora com nuances de um modernismo imposto pela globalização cultural. Ou melhor dito, nessas regiões, há uma permanência de valores tradicionais incorporados por modelos e factores exógenos.

Sem querer dar um cunho histórico mais apurado, não se pode deixar de referir que o feudalismo, trouxe uma outra faceta do poder: o domínio individual de boa parte dos componentes conceitualizantes e que aumentam a capacidade dominante e elitista sobre si mesmo sem olhar a meios.

Muito embora Nicolau Maquiavel [04] tenha sido desta época, não se tem sido justo com ele ao destacar por parte dos ambiciosos do poder, a afirmação muito simplicista de que os fins justificam os meios. Não nos compete discutir o conselho deste diplomata a Lourenço de Medicis [05], mas entendemos que a sua preocupação com o poder é de se lhe destacar. Basicamente, ele refere-se a dois aspectos fundamentais: a necessidade de se manter o poder e a flexibilidade na actuação do dirigente para que o primeiro dos aspectos se possa materializar. Terá sido, por isso que o imperador Napoleão Bonaparte [06], se interessou pela teoria maquiavelista. Todo o dirigente, aliás, tem de dia após dia, procurar manter-se na sua posição para não hipotecar a confiança de quem ali o colocou.

Modernamente, o poder é cada vez mais a razão de ser e de existir de muita gente. Todos sonham em possuir uma forma de dominação; procuram ter uma posição sobre os outros, principalmente o sabor de lhes dar ordens e a mesquinhez de lhes mostrar que dele dependem. Mas este é o presente da modernidade.

Os últimos dois ou três séculos mostram uma cada vez maior tendência à assunção individual de cada vez mais formas de poder. É também neste período que formas mais democráticas ou democratizantes do poder foram ensaiadas embora, a nosso ver, com sucesso limitado. Na verdade, o poder democrático na sua forma mais adoptada, pressupõe a representação. Mas o representado, quase que invariavelmente , fica refém da medonha hipótese de o representante ser corrompido pelo poder. Neste caso, este último se manifesta por uma de duas maneiras, absorção pelo poder estadual ou desenvolvimento de espírito de superioridade, ou mesmo de ambas em simultâneo.

Até aqui temos vindo a focalizar o poder administrativo e político. Mas há ainda o poder conferido pela competência individual. Ou, simplesmente, autoridade. Apesar de se ter já feito referência à autoridade como parte integrante do poder, é preciso notar que é ela, só, um poder com imensa força. A diferença é que esta forma se constitui de competência e, pode conduzir à necessidade cega de domínio ou a uma abertura até ao âmago de todos quantos requeiram os seus préstimos. A autoridade não se inventa e não se compadece com a mediocridade, em qualquer das formas em que se apresenta, procura auto realização e alcança-a em seu próprio benefício ou dos outros.

Não se confunda a autoridade frustrada, em que alguém se arroga de a possuir sem que mostre a competência que dele se espera. Este é apenas a que as personalidades fracas abraçam para se justificarem perante o mundo como simples vítimas da incompreensão e, neste caso, parte-se para a procura violenta de poder. Também, com facilidade pode-se transitar para as formas administrativa e política de poder.

Qualquer poder, nos nossos dias, encapuça-se do super poder económico e faz depender dele todas as camadas sociais. Uns cada vez mais espezinhados por falta de poder económico e outros a nadarem em opulência financeira e, por isso, com direito a martirizarem os demais.

Está na base deste, todo o poderio de uma pessoa, de uma organização ou mesmo de uma sociedade. Ele substitui e até subestima a autoridade, tida desde que a competência fez destacar os que melhores soluções tinham para os cada vez maiores problemas que a sociedade experimentava.

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Bastas vezes, uma personalidade só é notada quando as suas brilhantes ideias assentam sobre uma base de luxúria ou pelo menos de alguma elevação perante os outros. É este poder que provoca guerras, mesmo as intestinas, pois, como já fizemos referência, uma das características do poder é a faculdade de mudar a realidade tanto como acção social colectiva ou apenas como capacidade de exercitar a força de que se dispõe.

Recentemente e na sub zona austral de Africa, um fenómeno novo começa a ganhar forma: a renúncia ao poder. Esta atitude é tão nova quanto surpreendente principalmente quando a teoria geral considera o africano mais apegado ao poder. A nosso ver, no entanto, não se trata de se afastar do poder mas sim de deixar espaço para que outro seja o centro de decisão. É uma nova legitimação tardia do poder já exercido, onde a nostalgia dos antigos subordinados e a autoridade adquirida e muito engrandecida pela voluntária resignação, fazem dele um eterno competente e, por isso, citado amiúde.

Repare-se que não se trata criticismo esta nossa apresentação, mas uma continência ao que assim procede porque este bem compreendeu o sentido da humildade, mesmo estando vestido de um verdadeiro jus imperi.

Este exemplo não se situa apenas nas esferas mais altas de poder. Já não é raro encontrar dirigentes que publicamente, abdicam da sua autorização para decidir alegando, outros, motivos pessoais e os demais, motivos estruturais, ou para ser mais exacto, razões impeditivas de melhor relacionamento estrutural. Muitas vezes, isto acontece quando aquele que excessivamente concentra o poder na sua pessoa, não deixa espaço para que os seus subordinados possam realizar com criatividade as tarefas a que estão adstritos. Sendo assim, o recurso à teoria de que se a base em que se fundou o seu vínculo relacional está corroído ou esteja em risco irremediável de o fazer, o melhor

O ser humano nasce humilde e frágil e com o seu choro, já se faz presente e dominante. É lhe dirigida maior atenção e muito carinho. Em alguns casos e como é natural, dependendo da capacidade parental de distribuir a atenção, gera ciúme.

Que importância tem aqui o ciúme?

Nenhuma e muita. Nenhuma quando não passa de uma simples reivindicação momentânea e normal de um ser humano. Mas o ciúme pode despertar a inveja e, daí, a indispensável sede de poder; a necessidade de supremacia. A perspectiva de se mostrar diferente e dominante, ganha cada vez mais adeptos em todos os círculos de convivência. É a luta pelo poder. Uma luta que pode conduzir a auto destruição ou ao uso constante da força para se garantir ou simplesmente para abri uma brecha no concreto do poder. Em muitos casos, como já se fez referência, o uso da força, tem estandarte: a legitimidade do objecto e do objectivo. Lembremos dos constantes golpes de Estado e em que alguns países africanos são de longe os campeões.


3. A clássica divisão do poder

Existem, dentro do contexto sociológico, diversos tipos de poder: o poder social, o poder económico, o poder militar, o poder político, e não só. Esta classificação e actual concepção de poder têm por base os trabalhos de Michel Foucault, Max Weber, Pierre Bourdieu [07], aos quais prestamos a devida vénia porque acreditamos terem caracterizado a verdadeira natureza do poder.

A política define o poder como a capacidade de impor algo sem alternativa para a desobediência. O poder político, portanto, quando reconhecido como legítimo e sancionado como executor da ordem estabelecida na sociedade, coincide com a autoridade, mas há poder político distinto desta e que até se lhe opõe. Aliás, o contrário não é válido, ou seja, existe autoridade sem seja exercida num contexto de poder político.

Os manuais de política e de outras ciências afim, referem-se a uma classificação do poder que pode ser resumida nos seguintes termos: poder executivo, poder legislativo e poder jurisdicional.

Embora se possa dizer estar inteiramente integrado no político, há que fazer uma referência especial ao administrativo. A sua dependência em relação ao poder político, é enorme ou até dito com maior propriedade, é impensável falar-se do poder administrativo sem que haja uma umbrella do político porque doutra forma seria abandoná-lo ao grande sol de Africa de José Craveirinha e até, a entregá-lo à acção dos elementos.

O poder administrativo exercita-se somente com o aval do político, pois a autorização da sua existência confunde-se mesmo com este último. Mas note-se que uma vez constituído, o poder político acorrenta-se e nunca encontraria o caminho da sua liberdade se não se apoiasse na parede bem mais conservadora e com um dinamismo de resultados afincadamente previstos do poder administrativo.

O judiciário é um poder que se pretende impoluto, autónomo e, muito próximo do religioso. Tem vestes sinistras, ritual e uma fraseologia digno de uma continência mesmo que uma boa parte do que significa seja ignorado por muitos. É por isso que, até há bem pouco tempo, fazer parte deste poder, significava estar acima das necessidades dos outros. Podia, muito à vontade, olhar o resto do mundo de cima para baixo e mesmo com desdém. Até na época contemporânea se clama por um poder judicial isento e imparcial. Mas o paradoxo é que este poder funciona com base em meios fornecidos pelo poder executivo e, fica claramente embaraçante a ele não se curvar. Tal como o religioso, exerce-se com permissão e protecção do político. Os americanos, bem avisados, adoptaram o sistema de ´checks and balances´ tão famoso por permitir o exercício independente dos poderes do Estado embora o façam com vigilância mútua para evitar excessos. Esta situação, porém, é duma precariedade gritante atendendo ao que acima expusemos quanto à dependência financeira e administrativa do judicial. Em qualquer dos casos, há sempre uma margem de tolerância quando se trata de autonomia e independência de um poder em relação ao outro. O tráfico de influências, independentemente da origem e do objectivo, não deixa de existir mesmo com vigilância mútua. Por vezes procura-se influências quando se quer ser titular deste poder porque, mesmo sendo-se um grande cultor jurídico, a possibilidade de só de per si a ele chegar, é remota. Mas uma vez titular, com tanto poder entre as mãos, dificilmente se poderá resistir à tentadora influência do seu próprio mentor.

Há quem leve muito a sério o poderoso poder que lhe pesa: ou o faz de maneira velada mas tiranizante ou, de forma muito comedida e recta. Neste último caso, corre-se o risco de a permanência ser encurtada.

A outra faceta do mesmo poder que merece algum destaque, é parte da advocacia. Ponha-se-lhe um trombone e cantará a inocência do seu constituinte visto ser esse o seu compromisso, esquecendo-se que um dos pilares da justiça é ele mesmo. Mas a questão é outra: é um clube impenetrante no qual o nome do mestre do iniciado é a chave para lhe abrir a porta. Tem o poder de se sentir poderoso procurando demonstrar com desconexas mas difíceis palavras, rebuscadas e moldadas ao prazer de quem as usa, ser indispensável na sociedade e guardião do verdadeiro significado das normas e o legislativo faz questão de produzir.

Esta relação traz ao de cima a importância do poder legislativo. A relação sui generis entre os poderes político e administrativo tem tido altos e baixos cujos picos se fazem notórios em alguns momentos, principalmente os de crise institucional. É aqui onde intervê o poder legislativo. Entra de perneio para normalizar a relação entre aqueles sem o que poderiam vulneralizar a sempre precária estabilidade estatadual. Esta precariedade faz-nos lembrar que a avidez ao poder está entre os elegíveis a ter na mão a faca e o queijo. E não são poucos, de todas as idades e de todas as classes sociais.

O legislativo pode ser puro e induzido. Puro quando exercido por órgão do Estado com competência plasmada na norma que sirva de base a qualquer outra e, induzido se, na decorrência dessa norma, houver autorização para que outra entidade possa produzir normas mesmo que de âmbito limitado.

Em alguns momentos da vida de certas sociedades, o poder legislativo é concentrado numa personalidade de onde irradiam todas as formas legislativas e as distribui a seu bel prazer. É o que se designa de autoritarismo. Se quisermos, podemos dizer que nesta fase da existência de uma sociedade, só existe um poder legislativo distorcido do seu verdadeiro sentido. Não nos esqueçamos do L’Etat c’et moir, de Luis XIV da França.

Existe também o poder democrático que é aquele em a autoridade está concentrada na necessidade de se respeitar a opinião de todos e, saber aceitar com dignidade a possibilidade de a sua não ter vingado. Aparentemente este é o que mais adeptos tem no mundo, ou pelo menos usado como cavalo de batalha para se humilhar os países com menor poder económico. Melhor dito e como sói dizer-se nos dias de hoje, aquele que não arvorar a bandeira da democracia com os direitos humanos no topo, é claro, segundo critérios de quem bem economicamente se encontra, corre o risco de ser, de alguma forma, agredido.

Talvez seja importante abrir aqui um parêntese para lembrar aos muito eruditos defensores dos direitos humanos que eles são uma propriedade universal, pois constituem um conjunto de valores intrínsecos à natureza humana. Mas apesar da sua natureza nata, não deixam de ser apreciados de maneira diversa em diversas sociedades. Nas comunidades apelidadas de selvagens, vistos os direitos humanos neste último prisma, têm tido poucas mortes ou mutilações, por exemplo, comparativamente aos campeões do respeito dos direitos humanos.

O poder é o poder. O religioso, por exemplo, tão solene e intangível, é tão terreno como qualquer outro. Não nos referimos ao Poder Divino, mas unicamente o religioso. Esse que os homens se apoderaram dele e o fizeram refém dos seus prazeres em nome do Altíssimo. Todo o ritual da igreja, mesmo visto na sua consagração bíblica, é condimentado com a necessidade humana de se sobrepor. Não é por acaso que determinadas igrejas têm sido palco de cisões, reformas e, volta e meia, uniões. Os Estados fingem não querer saber do que acontece nas igrejas e só intervêm em nome da ordem pública quando haja algum distúrbio moral ou físico. No entanto, os atentos lembrarão que o poder religioso age sob permissão e protecção de um poder político com o qual não deve nunca se indispor sob risco de se lhe tirar a cobertura.

Porque tão humano como qualquer outro, o poder religioso, politeísta ou monoteísta, tradicional africano, civilizador europeu ou de outro tipo, tem funções específicas em cada momento da história da comunidade onde esteja a ser exercido. A autoridade deste poder, assenta-se nas vestes cumpridas complementadas com as dogmáticas frases das Sagradas Escrituras cuja interpretação se pretende absolutamente literal e imutável. Procura-se com esta interpretação querer que os homens de hoje sejam os de ontem, mesmo atendendo que não possam viver seiscentos anos como o fez o Grande Abraão. Não nos é permitido discutir a interpretação em si, nesta abordagem, mas sim o alcance poderoso por inibição criativa que ela tem. Aliás, as diferentes seitas cristãs são resultado de alguma divergência interpretativa. Insistimos em dizer que o poder religioso se confunde com o Divino na visão simples de muitos praticantes, mas não são a mesma coisa. Deus está acima de tudo e de todos incluindo do poder religioso e, a universalidade está à sua disposição.

Neste grande prisma de inumeríssimas faces, uma das arestas é o poder popular. Este é um verdadeiro cavalo de Tróia. Regimes políticos há que o usam para manipular as massas, dando-lhes um pretenso poder que, usado sob signo de democracia popular mas dentro de apertadíssimos limites por eles traçados, servem os seus interesses. Na verdade há uma penetração incisiva nos direitos individuais das pessoas e, até mesmo nos colectivos e em alguma medida, reduzem-os. Mas o verdadeiro poder popular, nestes casos, limita-se a hibernar e os que o levam a este estado, sabem tratar-se de uma bomba relógio e, na hora marcada, explodirá.

O poder popular, quando não exercido de forma estruturada e de acordo com os interesses de todos, é rebelde, de uma rebeldia eruptiva. E, só tem sentido quando democraticamente exercido. É o poder popular no qual procuram apoiar-se todos os regimes políticos, mas poucos são os que realmente se importam do que realmente é a necessidade das pessoas. Ninguém admite pôr de lado o poder popular, principalmente quando pode e sabe dirigir-se eloquentemente para o que chama de seu povo, esgrimindo um patriotismo tão torpe quanto as suas reais intenções. O verdadeiro povo, são os seus partidários. Em extremos opostos, podemos citar os exemplos de Vladimir Lénine [08] e Adolfo Hitler [09]. Enquanto um procurou mostrar a verdadeira face do poder popular, embora mais tarde ofuscado, o outro, exacerbou esse mesmo poder pintado de patriotismo selectivo.

O poder dos mídias. Apodado como quarto poder, é poderoso pela facilidade que tem de formar e manipular opiniões. Os mídias não precisam de ser isentos para serem aplaudidos mesmo atendendo ao facto de que a isenção devia ser o seu status quo. Aliás, a isenção é sempre um conceito relativo quando analisado na base do estatuto editorial. É isento, nesta perspectiva, o que se baseia nos preceitos estatutários mesmo reconhecendo serem pouco morais os objectivos mediatos pretendidos. Mas entre os mídias, os com facilidade fazem a opinião pública são os sensacionalistas, mesmo que o que pretendem veicular seja uma inverdade. Apenas beliscam o facto noticioso e deixam no ar a hipótese de haver conclusões divergentes. Aliás é aí que está o busílis ou até a sua necessidade de permanência. Pouco se preocupam com as consequências. Em algum momento, são aproveitados pelo poder político para manter as mentes populares ocupadas com assuntos de menor importância, em momentos de crise ou quando este pretende desviar atenções da sua ilegítima actuação.

Portanto, qualquer outro poder, é insensato quando pretende dissociar-se e desafiar o poder dos mídias, entendidos como tal todos os meios de transmissão massiva de informação. Mesmo nas sociedades de cultura tradicional, os sons das batidas de tambores ou outro instrumento que produzam informação, são poderosos meios de comunicação.

Os militares. Esse suporte inigualável de qualquer regime jurando simultaneamente serem apartidários e nada mais. Mas imagine-se o poder que eles detêm. Qualquer político procura não se indispor com eles ou não durará na cadeira para contar a história. Não se confunda com o poderio militar que esta última, representa a capacidade de apresentar uma força treinada, coesa, moderna e muito bem apetrechada. Não se pode por outro lado desprezar a relação existente entre ambos. Um força tem muito poder quando maior poderio possuir. Apesar de, em todas as comunidades, o poder militar tiver um pretenso comandante supremo que é político, goza de uma certa autonomia administrativa e decisória.

O poder militar se manifesta de repente, embora efervescente como o poder popular. E uma particularidade: é atento aos outros poderes e age de acordo com as suas vontades e mesmo que sejam sacrificando os demais. É notório e até mesmo arrogante, mas obediente e pacífico enquanto os outros não o solicitarem ou enquanto não achar chegada a hora de por ordem em casa.

Desde os primórdios de sociedades organizadas, o poder militar se afirmou como o mais importante e, a ele pertencer era a ambição de cada um. Lembremo-nos que os exércitos eram particulares e quase sempre os comandavam os seus donos e se notabilizavam principalmente pela luxúria e modernidade do equipamento que apresentavam [10]. Portanto, pertencer a uma organização militar bem estruturada e bem equipada, era garboso e elevava o status.

Sem querer realçá-lo parece-nos importante apresentar a grandeza do poder da mente, visto ser este quem comanda a maior parte das realizações humanas. Na verdade considerando um dos seus conceitos, cérebro na sua função intelectual, a mente faz com que o homem demonstre capacidades realizadoras que o surpreendem pela novidade mesmo que o resultado do que inicialmente considerou como hipótese seja díspar. Quer dizer, é a mente com a qual o homem planeia o que quer que seja que pretenda realizar e depois, faz a monotoria e valoração da obra realizada.

Apesar disto tudo, ou seja, do reconhecimento da grandeza do poder da mente, verdade seja dita: o conhecimento humano do que seja capaz de realizar e ainda mínimo. Isto é, curto e grosso o homem não se conhece a si mesmo e, talvez seja isto desejável na actual fase conturbada em que as sociedades vivem, pois a ambição leva-lo-ia com poder paralelo ao Divino. Não é que conheçamos o poder Divino mas imaginamo-lo sendo maior que tudo e que tudo dele emana. Mesmo quem assim não entenda há-de convir que o poder humano é mesmo pequeno visto perante o que é o Universo.

A mente humana tem capacidades desconhecidas que vão desde as intenções mais torpes até as mais benéficas passando, é claro, pelas vicissitudes de que possa padecer, ou o que se possa chamar de estados psicóticos pouco anormais. Portanto, é a mente humana um poder muitíssimo poderoso.

Todas as formas de poder que pudéssemos fazer desfilar, não passariam disso mesmo: poder. Visto nas suas várias manifestações o poder ter em si mesmo a força de comando. Ele se expressa nas diversas relações sociais, podendo, por isso, se falar em

Relações de Poder e, onde estas existem, existe política. Por sua vez, a política se corporiza nas diversas formas de poder e pode ser entendida como a política relacionada ao Estado, embora não necessariamente assim, como também, num sentido mais amplo e, não menos importante, em outras dimensões da vida social.

Sempre que se fala de poder refere-se à existência de capacidades e em muitas vezes de ambições desmedidas cujo recalcamento ou realce poderão trazer divergências e entendimentos, respectivamente. Mas a utilização que achamos mais apropriada ao uso do poder seja em que vertente for, deve ser na perspectiva perpetuadora e imanente de um ser humano responsável e ciente de si mesmo e não apenas no que se refere à política. Neste aspecto partilhamos a acertada visão de Max Weber [11], pois para ele a política se referia à liderança ou à influência que uma associação política podia exercer sobre uma liderança. Note-se que a liderança aqui não é unicamente do género político.

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Sobre o autor
Reginaldo Rogério Chelene

Mestre em Direito Eclesiástico Licenciado em Direito Docente na Universidade São Tomás de Moçambique Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHELENE, Reginaldo Rogério. As marcas do poder. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2973, 22 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19818. Acesso em: 21 nov. 2024.

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