Capa da publicação O Direito Previdenciário no neoprocessualismo
Capa: Divulgação
Artigo Destaque dos editores

O Direito Previdenciário no neoprocessualismo

Exibindo página 2 de 3
23/08/2011 às 07:29
Leia nesta página:

4.O Fortalecimento dos Precedentes Vinculativos no Direito Processual Previdenciário no Neoprocessualismo.

Como demonstrado em linhas anteriores, a normatividade do texto constitucional é condição formadora do constitucionalismo contemporâneo. Mas e o processo civil? Existe um novo processo civil? E o direito processual previdenciário frente às mudanças impostas pelo neoconstitucionalismo? Está amadurecido entendimento do papel do processo civil e previdenciário [35] na perspectiva dos direitos fundamentais em uma sociedade democrática e pluralista em que há, também, a defesa de interesse público, de questões a envolver o mínimo existencial, como a concessão de benefícios previdenciários, inclusive de controle e realização de políticas públicas através desta "litigação" [36]? Tais questões são mínimas frente a muitas outras que poderiam ser feitas, mas para a provocação do leitor restam suficientes.

É de ser relevado que o reconhecimento da autonomia da ciência processual, a partir de Bülow em 1968, marco da ciência processual [37], deu lugar a um movimento de extrema autonomia, fazendo um processo de finalidade puramente jurídica, sendo ele um instrumento a serviço do direito material, [38] escudo frente às aspirações axiológicas da sociedade. A saber, confrontavam-se duas correntes metodológicas que fizeram escola na primeira metade deste século. Uma delas, a de Chiovenda, sustentava ser a jurisdição um escopo da atuação da vontade concreta da lei, a partir da vontade do legislador, ou seja, o poder estatal estava na lei [39]. A outra dessas doutrinas, de Carnelutti, tinha como sendo o escopo do processo a justa composição da lide, sendo a lei, por si só, insuficiente para compor a lide, sendo necessária para tanto a atividade do juiz. [40] Todavia, nenhuma dessas doutrinas, assevera Dinamarco, "buscou examinar o sistema processual pelo ângulo externo e metajurídico nem de investigar os substratos sociais, políticos e culturais que legitimam a sua própria existência e o exercício da jurisdição pelo Estado". [41] Dinamarco, então, teve o mérito de negar o caráter puramente técnico do processo, direcionando-o "aos valores tutelados na ordem político-constitucional e jurídico material (os quais buscam efetividade através dele)", assim como o reconhecimento da inclusão do processo "no universo axiológico da sociedade a que se destina", retirando do processo o caráter de ciência neutra em relação às "opções axiológicas do Estado". [42]

Revela-se inegável a contribuição doutrinária do instrumentalismo, a partir da conduta proativa do juiz em relação à realidade social, além da quebra da rigidez formal do processo. Todavia, tal corrente encontra críticas, como a de Amaral, referindo que "não obstante o argumento contrário continua restrita à mera técnica, cuja eleição depende da apreensão, pelo juiz, dos valores reconhecidos pela sociedade" [43], ou seja, "tais valores encontram-se somente no campo social, para serem apreendidos pelo intérprete, que usa o processo apenas como instrumento de concretização". [44] Outra crítica balizada é a de Oliveira e Mitidiero, ao afirmarem mostrar-se inadequado a função puramente declaratória à jurisdição, o que desvaloriza o papel do juiz e das partes ao longo do processo, devendo ser a jurisdição uma "verdadeira reconstrução da ordem jurídica mediante o processo, tendo por matéria prima a afirmação de seus participantes a respeito da situação litigiosa". [45]

Tais idéias confluíram para a compreensão do processo civil a partir de uma nova metodologia, uma nova fase do desenvolvimento processual denominada formalismo-valorativo, liderada por Oliveira [46] em linha de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A referida corrente, busca equacionar de forma adequada as relações entre direito e processo, entre processo e Constituição, e colocar o processo no centro de sua teoria, destacando, também, que o formalismo do processo é formado a partir de valores – justiça, igualdade, participação, efetividade, segurança -, base axiológica a partir da qual se consubstanciam os princípios, regras e postulados para a sua elaboração dogmática, organização, interpretação e aplicação.

Assim sendo, tendo em vista o direito à previdência social revestir-se de inquestionável jusfundamentalidade, apresentando uma natureza jurídica diferenciada das categorias jurídicas relacionadas ao direito privado, reclama-se então uma hermenêutica adequada para a realização efetiva dos direitos relacionados aos benefícios previdenciários, seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial, por meio de um devido processo legal substantivo e processo civil justo [47]. Este, por sua vez, principalmente quando se trata de questões previdenciárias, não pode estar atrelado às concepções individualistas e anacrônicas do processo civil clássico, conforme lembra Savaris [48]. No mesmo sentido, Marinoni assevera que "o Estado Constitucional tem o dever de proteger direitos fundamentais, seja através das normas, atividades fáticas administrativas ou da jurisdição" [49].

Assim, a técnica passa ao segundo plano, consistindo em mero meio para atingir o valor, sendo que o fim último do processo já não é apenas a realização do direito material, mas a concretização da justiça material, segundo as particularidades do caso, e a pacificação social. Além disso, a lógica é argumentativa, problemática, da racionalidade prática. O juiz, mais do que ativo, dever ser cooperativo, como exigido por um modelo de democracia participativa e a nova lógica que informa a discussão judicial, idéias essas inseridas num novo conceito, o de cidadania processual. [50]

Oportuno se torna referir a crítica de Cambi à expressão formalismo-valorativo. Segundo o mesmo "tal denominação nos parece equívoca, pois o formalismo, em si mesmo, já é uma deformação", preferindo então conceituar a nova fase metodológica do Direito Processual Civil como "neoprocessualismo". [51] Entretanto, admite o jurista que a percepção epistemológica do termo adotado pela escola gaúcha está correta, não devendo os estudiosos se perder no nome dado ao fenômeno. De efeito, a idéia de formalismo como uma deformação, vem de Liebman, que ressalta a função das exigências formais como fator de garantia, mas repudia os exageros inerentes ao culto das formas como se fosse um valor em si mesmo. [52]

Nesse contexto, filia-se ao pensamento Didier Jr., quando frisa que "o temo neoprocessualismo tem uma interessante função didática, pois remete rapidamente ao neoconstitucionalismo", justificando-se o prefixo "neo" para as novas premissas teóricas acerca do processo. Mas, acrescenta o autor, as premissas são as mesmas do formalismo-valorativo, em destacar a importância que se deve dar aos valores constitucionalmente protegidos na pauta de direitos fundamentais na construção e aplicação do formalismo processual, além de pautar-se no reforço dos aspectos éticos do processo com especial destaque ao princípio da cooperação. [53]

O fato é que se inaugura a busca da cidadania processual, ou seja, como leciona Zaneti Jr., "o direito de ação passa a ser um direito cívico (status activus processualis)". [54]

Nesse viés, para que se construa uma sociedade onde se sobressaiam os valores éticos e emancipatórios estabelecidos no texto constitucional, o processo deve ser pensado sob o enfoque de uma cidadania ativa. Adentra-se na idéia de um processo cooperativo, que na lição de um de seus mais talentosos defensores "parte da idéia de que o Estado tem como dever primordial propiciar condições para a organização de uma sociedade livre, justa e solidária, fundado na dignidade da pessoa humana". [55] Seguindo o jurista gaúcho, "o juiz do processo cooperativo é um juiz isonômico na condução do processo e assimétrico no quando das decisões processuais e materiais da causa", ocupando uma dupla posição: "paritário no diálogo e assimétrico na decisão". [56]

Oportuna a síntese de Didier Jr. acerca do processo cooperativo ao destacar que:

Esse modelo caracteriza-se pelo redimensionamento do princípio do contraditório, com a inclusão do órgão jurisdicional no rol dos sujeitos do diálogo processual, e não mais como um mero espectador do duelo das partes. O contraditório volta a ser valorizado como instrumento indispensável ao aprimoramento da decisão judicial, e não apenas como uma regra formal que deveria ser observada para que a decisão fosse válida. [57]

É de ser relevado que a doutrina tradicional costuma identificar dois modelos de processo na civilização ocidental influenciada pelo iluminismo: o modelo dispositivo e o modelo inquisitivo. A partir desta divisão a doutrina costuma identificar dois modelos de estruturação do processo: o modelo adversarial e o modelo inquisitorial. [58]Naquele, relaciona-se a forma de competição ou disputa, desenvolvendo-se como um conflito entre dois adversários diante de um órgão jurisdicional relativamente passivo, cuja principal função é a de decidir. Este, por sua vez, organiza-se como uma pesquisa oficial, sendo o órgão jurisdicional o grande protagonista do processo. [59]

Nessa esteira, a partir do processo cooperativo, assinala Cambi, "ao conduzir o diálogo processual, tendo como escopo final à promoção dos direitos fundamentais e à justiça da decisão. [60] Nessa quadra aduz Mitidiero:

Coloca-se o órgão jurisdicional como um dos participantes do processo, igualmente gravado pela necessidade de observar o contraditório ao longo de todo o procedimento. Por força do contraditório, vê-se obrigado ao debate, ao diálogo judiciário. Vê-se na contingência, pois de dirigir o processo isonomicamente, cooperando com as partes, estando gravado por deveres de esclarecimento, prevenção, consulta e auxílio para com os litigantes." [61]

O neoprocessualismo, neste contexto, implica na ruptura de paradigmas, em romper com as amarras do positivismo e do formalismo jurídicos perniciosos, concebendo o processo como um veículo da tutela dos direitos materiais. [62]

É preciso insistir no fato de que a cidadania não se resume ao exercício do voto, sendo a democracia participativa algo inerente no Estado Democrático e Pluralista. Como leciona Zaneti Jr., a racionalidade democrática hoje exige uma participação substancial do cidadão na tomada de decisão. O retorno ao juízo significa quebrar a moldura da abstração da democracia representativa. A autoridade, no juízo, é compartilhada, em uma visão coordenada do poder entre juiz, o autor e o réu. [63] É o status activus processualis redirecionado aos procedimentos atinentes do processo na fase neoprocessual, ou seja, o direito fundamental à organização e ao procedimento como direito positivo frente ao Estado e aos demais órgãos de atuação do poder na sociedade democrática. Não se pode esquecer, também, que o processo passa a ser viável para a implantação de políticas públicas, tanto na busca da justiça da decisão, como na abertura democrática (debate em contraditório). [64] De efeito, o direito processual civil exerce papel determinante, por ser direito fundamental compartilhado em essência, a natureza democrática. [65]

Nesse viés, por ser o direito previdenciário matéria atinente à subsistência e a preservação de uma vida digna, sendo evidente sua fundamentalidade material, a análise da prestação previdenciária, tanto por parte do Instituto Nacional do Seguro Social, quanto pelo Judiciário deverá ser norteada pelo due process of law adequado a realização deste tipo de direito fundamental.

Nessa esteira, a consideração da legislação vigente ao tempo da prestação do serviço para o enquadramento de agentes nocivos e atividades insalubres, o caráter exemplificativo dos agentes nocivos e sua construção jurisprudencial a partir de casos concretos, a possibilidade de realização de perícia técnica por similaridade (aferição indireta das circunstâncias de trabalho), como meio hábil a comprovar tempo de serviço prestado em condições especiais, o reconhecimento da exposição do segurado aos agentes nocivos em sentença trabalhista, a determinação de audiência de instrução e julgamento quando existir contrariedade entre as provas médicas nos autos e o laudo pericial judicial nos casos do reconhecimento de incapacidade laboral, por exemplo, são entendimentos adequados quando se trata de um benefício previdenciário caracterizado por sua fundamentalidade material.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Costuma-se afirmar que o Brasil é o país cujo direito se vincula à tradição civil law. Todavia, não é bem esta a realidade da tradição jurídica brasileira, ao passo que temos um direito constitucional de inspiração estatudinense e um direito infraconstitucional inspirado na tradição romano-germânica. Há o controle de constitucionalidade difuso, inspirado na judicial review estatudinense e o concentrado, modelo austríaco. Há inúmeras codificações legislativas (civil law) e, ao mesmo tempo constrói-se um sistema de valorização dos precedentes judiciais de inspiração da tradição common law. O fato é que a convergência entre as duas tradições no Brasil resta clara. Adentra-se na valorização da jurisprudência, ao passo de ser até considerada fonte primária do direito [66], ou como meio suplementar de integração do Direito [67].

Nessa seara, em matéria previdenciária, por exemplo, imperiosa é a valorização da jurisprudência como fonte do direito a exemplo da consideração de agentes nocivos para o reconhecimento de atividade exercida em condições especiais, mesmo não dispostos em regulamento.

Oportuno referir posicionamento contrário a este tipo de construção jurisprudencial. De acordo com Leitão [68], não estando o agente nocivo arrolado no Anexo IV do Decreto 3.048/99, não há que se reconhecer a atividade especial, ainda que a perícia contratada pelo segurado ateste a existência de nocividade durante o exercício da função. Entende o mesmo autor que o legislador ordinário delegou ao Poder Executivo a competência para a definição dos agentes nocivos. Pensar o contrário, defende, é ofender diretamente a legislação, além da possibilidade de tratamentos diferenciados para situações idênticas, já que os diagnósticos médicos, muitas vezes, seriam contraditórios. Isso faria com que pessoas expostas ao mesmo agente (e igual intensidade), teriam destinos previdenciários diversos, em clara ofensa, segundo o mesmo, à isonomia e à segurança jurídica. De efeito, o que importa para a concessão do benefício especial, na linha deste raciocínio, é a intervenção efetiva do agente externo. Desta forma, como o próprio Anexo IV do já mencionado decreto determina, o rol dos agentes nocivos é exaustivo, enquanto que as atividades listadas, nas quais pode haver exposição, é exemplificativa.

Contudo, em que pesem os argumentos, a ideia de que os agentes nocivos são restritos ao Anexo IV do Dec. 3.048/99 e de que somente o Poder Executivo poderá defini-los é errônea. O antigo Tribunal Federal de Recursos, por meio da Súmula n º 198 já se posicionou no sentido de que é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita no regulamento. No mesmo sentido, Ribeiro [69] ressalta que por mais que a insalubridade não esteja expressamente prevista nos Decretos que a sucederam, os Decretos 2.172/97 e 3.048/99 permitem a inclusão de atividades não previstas, advertindo serem as existentes exemplificativas, não existindo uma listagem limitada do reconhecimento dos agentes nocivos. Exemplo disso foi a construção jurisprudencial em reconhecer ao frentista o direito a aposentadoria especial em razão do trato direito com elementos altamente intoxicantes como combustíveis.

Inegavelmente, existem entendimentos periciais contraditórios quanto ao reconhecimento da existência do agente nocivo. Todavia, a solução não é vislumbrada pela restrição da definição dos agentes nocivos pelo Poder Executivo em decreto regulamentar. Sendo a aposentadoria especial um direito fundamental material como visto, o reconhecimento da existência ou não do agente nocivo deve estar em harmonia com todo o ordenamento jurídico

Independente do posicionamento adotado a implicar em uma nova visão da teoria do direito, é de inegável importância o fortalecimento dos precedentes no direito brasileiro, cuja fonte está em um devido processo legal, seja em sua dimensão procedimental, seja em sua dimensão substancial, na perspectiva do processo cooperativo, para que a construção das decisões "justas", no momento em que reiteradas por órgãos colegiados pela ratio decidendi [70], se tornem vinculativas, mediante o stare decisis [71] permitindo, destarte, a segurança jurídica. Isto, porque não se pode mais tolerar no atual Estado Constitucional que "decisões diferentes para casos iguais". De efeito, no que concerne à jurisprudência dominante, a mesma tem de ser analisada pelo que não é, ou seja, definida por exclusão, não sendo assim classificada se formado por um único órgão deliberativo; havendo competência para mais de um órgão do tribunal da respectiva matéria, deverão estar assentes todos os órgãos. Isso não impede a existência de votos divergentes, porém o principal é que a discussão interna sobre a questão debatida seja posta as claras, [72] sempre na visão cooperativa e democrática do processo desde sua instância inicial.

Destaca-se que no Brasil, o respeito aos precedentes não está incorporado na cultura jurídica, ao passo que em regra, os juízes e os Tribunais não têm o dever de respeitar as decisões dos Tribunais Superiores, sendo que mesmo internamente, nos próprios Tribunais Superiores, não raro, a mesma questão de direito é julgada de maneira diferente por cada um dos órgãos fracionários. Os precedentes somente são vinculativos nas decisões proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade (art. 102, §2º., CF) e nas súmulas vinculantes (art. 103-A, caput, da CF).

Oportuno referir que precedente, decisão judicial, jurisprudência e súmula não são termos sinônimos.

Nesse viés, toda decisão judicial não se configura como sendo um precedente. Conforme leciona Marinoni e Mitidiero, só há sentido em se falar em precedente "quando se tem uma decisão dotada de determinadas características, basicamente a potencialidade de se firmar como paradigma para a orientação dos jurisdicionados e dos magistrados". [73]

Nesse sentido, se todo o precedente é uma decisão, nem toda decisão constitui precedente. Note-se que forma-se um precedente quando a decisão enfrenta todos os principais argumentos relacionados à questão jurídica no caso concreto, incluindo-se aí análise fática. Como aduz Soares, o precedente "não é uma regra abstrata, mas uma regra intimamente ligada aos fatos que lhe deram origem, razão pela qual o conhecimento das razões é imprescindível". [74]

Em resumo, ainda na esteira de Marinoni e Mitidiero, "é possível dizer que o precedente é a primeira decisão que elabora a tese jurídica ou é a decisão que definitivamente a delineia, deixando-a cristalina". [75]

É de ser relevado a existência de técnicas e instrumentos para a uniformização da jurisprudência, a exemplo do art. 518, § 1 º, do CPC (possibilita ao magistrado não receber o recurso de apelação quando a sentença estiver em consonância com a súmula do STJ e STF), 543-C, DO CPC (permite ao STJ o julgamento por amostragem quando houver multiplicidade de recursos em idêntica questão de direito, com a suspensão dos processos em tramitação com fundamento idêntico até que STJ julgue o mérito), 557, caput, e §1 º A, do CPC (permite ao relator, em decisão monocrática, negar seguimento quando em confronto com Súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF, STJ), e as Súmulas vinculantes (Art. 103-A, da CF) e, em especial, quando se trata da Justiça Federal em matéria previdenciária, o Pedido de Uniformização de Jurisprudência (art. 14, da Lei 1.259/2001), entre outros.

Entretanto, tais instrumentos e técnicas não são suficientes para atender de forma célere e efetiva o direito material. Isto, por que, a exemplo do Pedido de Uniformização, a parte terá que esperar por tempo demasiado para ter a resolução de seu litígio previdenciário. Todavia, para àqueles que necessitam da concessão de um benefício previdenciário, de nítido caráter alimentar, a espera torna-se tortuosa.

Em razão disso, a adoção do sistema de precedentes no processo civil brasileiro proporciona a prestação jurisdicional de forma adequada, célere e efetiva, especialmente, quando se trata de matéria previdenciária devido, como dito, as necessidades que cercam àqueles que necessitam da concessão de benefícios.

Além do mais, deve fazer parte da tradição do direito brasileiro, temas como distinguish, que trata da distinção entre os casos julgados e o caso em julgamento; e o overrule, alertando para a possibilidade de superação dos precedentes anteriores (o direito é dinâmico). Ao encontro disso, está o art. 103-A da CF (EC 45/2004) que sinaliza a revisão e cancelamento das súmulas vinculantes.

Preciosa, nesse contexto, a lição de Clève:

Por conta dessa circunstância, a segurança jurídica não decorre mais apenas das características intrínsecas ao Direito, ao sistema normativo ou às próprias categorias jurídicas, e sim de uma bem fundada teoria da argumentação. Não houve uma superação de Kelsen, mas uma transposição de sua teoria: se o papel da ciência jurídica era definir uma moldura, e dentro dessa moldura qualquer solução seria aceitável, hoje nenhuma solução é aceitável sem argumentação. Uma carga argumentativa capaz de convencer, e não somente a autoridade, é imprescindível para justificar a legitimidade do discurso. A segurança jurídica, portanto, está no rigor da argumentação e da motivação, e não apenas na esfera do objeto do Direito que, fragmentado, sequer conforma um sistema. No campo da linguagem só se faz sistema por meio da atuação do operador jurídico. [76]

Imperioso referir que o fortalecimento dos precedentes não significa dizer que haverá um "engessamento" do direito. Valoriza-se na fase do neoconstitucionalismo e neoprocessualismo, como visto, a devida argumentação. O juiz terá o ônus argumentativo ao usar ou distinguir um precedente. Assim, não caberá a dispensa dos argumentos e fundamentação com o simples uso do precedente. Desta forma, combata-se um costume freqüente das Turmas Recursais em trazer a colação em seus acórdãos jurisprudência abaixo referida para se eximir de fundamentar:

"(...) Saliente-se que, conforme entendimento do STJ, "o magistrado, ao analisar o tema controvertido, não está obrigado a refutar todos os aspectos levantados pelas partes, mas, tão somente, aqueles que efetivamente sejam relevantes para o deslinde do tema" (REsp 717265, 4ª T, DJU1 12/3/2007, p. 239). No mesmo sentido: "não está o juiz obrigado a examinar, um a um, os pretensos fundamentos das partes, nem todas as alegações que produzem: o importante é que indique o fundamento suficiente de sua conclusão, que lhe apoiou a convicção no decidir" (STF, EDcl/RE 97.558/GO, 1ª T, Rel. Min. Oscar Correa, RTJ 109/1098)’.

É de ser observado que ao se defender a adoção de precedentes no direito brasileiro, não está a se defender a falta de argumentação e motivação dos juízes, que com o advento do neoprocessualismo deverão enfrentar todas as matérias de fato e de direito trazidas pelas partes. Destaca-se que fundamentar validamente não é explicar a decisão. O magistrado explica, e não fundamenta, quando refere ter decidido o caso baseado em lei "x" ou súmula "y". Ao juiz contemporâneo cabe ir mais além, argumentado toda a construção da decisão, então baseada em um precedente.

Para, em termos pragmáticos, evidenciaremos a necessidade da construção de precedentes a partir de divergências jurisprudenciais do Tribunal Regional da 4ª. Região acerca do procedimento da alta programada nos benefícios de auxílio-doença previdenciário. Tal conduta se revela absurda e atentatória à dignidade humana dos segurados. Não há qualquer estrutura no processo administrativo previdenciário para a adoção deste procedimento. Enfim, o tema é polêmico, ao passo que remetemos ao leitor para artigo por nós escrito em outra oportunidade. [77]

Traz-se à colação, então, os seguintes julgados do TRF4 ª Região:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO. AUXÍLIO-DOENÇA. MANUTENÇÃO. DESNECESSIDADE DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. INTERESSE DE AGIR. ALTA PROGRAMADA. 1. Nos casos de alta programada pelo INSS, a pretensão resistida se configura no momento em que a Previdência Social fixa um limite para a recuperação do segurado. 2. O interesse de agir decorre da fixação da data de cessação do benefício pelo INSS, não havendo necessidade de prévio requerimento administrativo de restabelecimento. 3. Precedentes desta Turma Recursal (v.g 2010.70.51.001633-5). (, RCI 2009.70.53.006456-4, Primeira Turma Recursal do PR, Relator José Antonio Savaris, julgado em 02/06/2010)

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUXÍLIO-DOENÇA. ALTA PROGRAMADA. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO ANTES DA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. PEDIDO DE PRORROGAÇÃO FORMULADO NO PRAZO DEVIDO. FATO CONSUMADO. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO ATÉ DATA JÁ TRANSCORRIDA. DETERMINAÇÃO DE PAGAMENTO DE PARCELAS ANTERIORES AO AJUIZAMENTO DA SEGURANÇA. 1. Não pode ser suspenso ou cancelado o benefício em manutenção por alta médica programada antes mesmo da realização da correspondente perícia, tanto mais nos casos em que é requerida a tempo sua prorrogação. 2. Não se pode presumir a recuperação de capacidade laborativa, pura e simplesmente em razão do decurso de determinado tempo. 3. Em conjugação, incide na espécie o fato consumado pois a sentença prolatada já garantiu a colimada prorrogação do benefício até a data indicada, que já transcorreu. 4. Não cabe o pagamento de parcelas anteriores à impetração de mandado de segurança; em já tendo ocorrido o pagamento, não cabe exigir devolução pelo segurado. (TRF4 5003859-69.2010.404.7200, D.E. 31/03/2011)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. CONCESSÃO. PREVISÃO DE ALTA PROGRAMADA. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE PRORROGAÇÃO. ARBITRARIEDADE NÃO DEMONSTRADA. I. Diante da previsão de alta programada e de cessação do benefício, caberia ao segurado demonstrar, mediante sujeição a novo exame pericial, que, permanecendo incapacitado para o trabalho, requereu e teve indeferido na via administrativa pedido de prorrogação do benefício. II. Indemonstrada qualquer arbitrariedade por parte do INSS em conceder o auxílio-doença com data de cessação programada, carece de verossimilhança o pedido de antecipação de tutela (TRF4, AG 0038918-75.2010.404.0000, Quinta Turma, Relator Hermes Siedler da Conceição Júnior, D.E. 31/03/2011)

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO – DOENÇA. ALTA PROGRAMADA. RECURSO DE MEDIDA CAUTELAR. O procedimento adotado pela Autarquia Previdenciária, prefixando a alta dos segurados que percebem o benefício de auxílio-doença na data da realização da perícia que reconhece a incapacidade, com reconhecimento de sua capacitação para o trabalho em data futura, sem a realização de nova perícia, deve ser afastado judicialmente vez que afronta os dispositivos contidos nos artigos 1º, III, e 201, I, da Constituição Federal e o disposto no artigo 62 da Lei n° 8.213/91. O segurado somente poderá ser dado como habilitado para o desempenho de sua atividade após avaliação médica especifica em que reste comprovada a sua aptidão para o trabalho. A previsão de recurso a ser interposto pelo segurado contra decisão que programou a alta médica do segurado, com cancelamento do benefício de auxílio-doença, ou melhor, especificando o dia em que o segurado estaria com sua saúde recuperada para voltar ao trabalho, não dá respaldo ao procedimento da alta programada adotado pelo INSS, pois, ainda que haja recurso administrativo contra o cancelamento automático, o segurado ficará sem auxílio entre a suspensão e a nova concessão, se o pedido for aceito. Procedimento do INSS atentatório ao principio constitucional da dignidade da pessoa humana. Recurso indeferido. (, RMC 2006.71.95.004110-0, Segunda Turma Recursal do RS, Relator Alexandre Gonçalves Lippel, julgado em 07/06/2006)

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUXÍLIO-DOENÇA. ALTA PROGRAMADA. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO ANTES DA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. PEDIDO DE PRORROGAÇÃO FORMULADO NO PRAZO DEVIDO. FATO CONSUMADO. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO ATÉ DATA JÁ TRANSCORRIDA. 1. Não pode ser suspenso ou cancelado o benefício em manutenção por alta médica programada antes mesmo da realização da correspondente perícia, tanto mais nos casos em que é requerida a tempo sua prorrogação. 2. Não se pode presumir a recuperação de capacidade laborativa, pura e simplesmente em razão do decurso de determinado tempo. 3. Em conjugação, incide na espécie o fato consumado pois a sentença prolatada já garantiu a colimada prorrogação do benefício até a data indicada, que já transcorreu. (TRF4 5000499-29.2010.404.7200, D.E. 15/02/2011)

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão de fl. 56 proferida em ação ordinária de manutenção de auxílio-doença que indeferiu o pedido de antecipação de tutela. Recebo o agravo no efeito meramente devolutivo, mantendo, ao menos por ora, a decisão agravada por seus próprios fundamentos. O auxílio-doença de que se trata foi concedido em 21.06.2010 com data de cessação programada para 30.11.2010 (fl. 37), sendo que já em 22.11.2010, mesmo sem prévio pedido administrativo de prorrogação do benefício, o autor protocolizou a presente ação requerendo a manutenção do mesmo em sede de antecipação de tutela. Ora, diante da previsão de alta programada e de cessação do benefício em 30.11.2010, caberia ao segurado demonstrar, mediante sujeição a novo exame pericial, que, permanecendo incapacitado para o trabalho, requereu e teve indeferido na via administrativa pedido de prorrogação do benefício. Todavia, inexiste nos autos quaisquer elementos de prova nesse sentido. Indemonstrada, portanto, qualquer arbitrariedade por parte do INSS em conceder o auxílio-doença com data de cessação programada, carece de verossimilhança o pedido de antecipação de tutela. Vista ao Agravado para responder. Intimem-se. (TRF4, AG 0038918-75.2010.404.0000, Quinta Turma, Relator Hermes Siedler da Conceição Júnior, D.E. 24/01/2011)

PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ALTA PROGRAMADA. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO ATÉ A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. 1. O sistema COPES (Programa de Cobertura Previdenciária Estimada) possibilita que os segurados, nos quinze dias anteriores à data programada para a cessação do benefício, agendem novo exame pericial a fim de verificar a permanência (ou não) da incapacidade. 2. Designar nova perícia para data posterior ao termo final previsto para o percebimento do benefício de auxílio-doença é irrazoável e desproporcional e descumpre o princípio da eficiência, caso, de fato, seja cessado o benefício em prejuízo à subsistência do segurado. 3. Hipótese em que o segurado em gozo de auxílio-doença requereu a prorrogação do benefício nos quinze dias anteriores à provável cessação, devendo ser mantido o pagamento até que se realize nova perícia, a fim de averiguar a persistência da incapacidade. (TRF4 5000141-46.2010.404.7206, D.E. 08/11/2010)

PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO. AUXÍLIO-DOENÇA. ALTA PROGRAMADA. IMPOSSIBILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO EFETIVAR JUÍZO DE PREVISIBILIDADE QUANTO À CESSAÇÃO DA DOENÇA. 1. Da leitura do artigo 59 da Lei nº 8.213/91, vê-se que há a exigência de que a enfermidade da qual foi acometido o segurado, provoque a sua incapacitação para o trabalho ou atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos, de modo que a concessão está a exigir diagnóstico médico, e não prognóstico. 2. Fixar a administração calendário ao segurado, compatível com as várias doenças de natureza progressiva é compatível com o Estado de Direito, porém, impor, já no ato de concessão, o prazo do término do benefício, que necessariamente coincide com o período durante o qual o segurado 'fica incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual...' é incompreensível, pois totalmente incompatível com o ato médico. 3. Não se está a cogitar de ato médico que estabeleça cientificamente prazo de acometimento de doença, mas de ato nitidamente arbitrário, e, portanto, ilegal, que independente da avaliação, programa o prazo da doença, voltando-se contra a própria natureza, pois é certo que não é dado à autoridade administrativa efetivar o temerário juízo de previsibilidade quanto à cessação da doença. (TRF4 5002302-16.2010.404.0000, D.E. 30/09/2010)

Da análise da ratio decidenti dos referidos julgados, e não somente da ementa, vislumbra-se, sem dúvida, decisões diferentes para casos iguais. Em relação às decisões que julgaram improcedente o pedido de cancelamento da alta programada, interpretou-se pela não concessão do direito tendo em vista a parte não efetuar o pedido de prorrogação. Todavia, tal protocolo administrativo, em momento algum é óbice nos outros julgados para o reconhecimento da arbitrariedade do procedimento da alta programada. Salta aos olhos a necessidade de se construir um precedente desta questão jurídica. Um precedente, pois, que enfrente todas os aspectos relacionados a alta programada (necessidade de pedido de prorrogação, tempo em que foi agendada perícia de benefício já encerrado, o não encerramento dos pagamentos, a manutenção do benefício sem a pré-fixação do encerramento, o ônus do INSS em chamar o segurado para revisão pericial, etc.). Como já referido, é somente a partir do momento em que a decisão enfrenta todas as matérias pertinentes ao caso é que, de forma, digamos, amadurecida, se torna um precedente.

Repita-se, não se pode admitir que haja decisões diferentes para casos iguais, especialmente quando se trata de matéria previdenciária em que está em jogo o mínimo existencial do segurado. É somente assim que poderá ser alcançado a constância do Direito e a segurança jurídica, com respeito, é claro, à realização dos direitos fundamentais.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Eduardo Brol Sitta

Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Meridional/IMED - RS de Passo Fundo. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade de Passo Fundo/UPF - RS. Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SITTA, Eduardo Brol. O Direito Previdenciário no neoprocessualismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2974, 23 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19823. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos